INCLUSÃO DIGITAL, CONHECIMENTO E CIDADANIA. Palavras-chave: Prouca e inclusão digital. Inclusão digital e cidadania. Política de inclusão digital.
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- Daniel Alencastre Tuschinski
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1 02512 INCLUSÃO DIGITAL, CONHECIMENTO E CIDADANIA Mirza Seabra Toschi i UnUCSEH/UEG RESUMO: O texto apresenta resultados de pesquisa realizada em quatro escolas que receberam os laptops do Programa Um Computador por Aluno (PROUCA) do governo federal. Os dados foram coletados em duas escolas em capital de estado, uma em cidade do interior e outra na zona rural, por meio de observações, entrevistas coletivas, aplicação de questionários, entrevistas informais, com gestores, professores e estudantes. Inicia-se refletindo sobre o conceito de inclusão digital, que é objetivo dessa política pública que visa ao adensamento da cadeia produtiva de forma a interromper o déficit comercial de tecnologias eletrônicas, usando para isso as escolas e os recursos educacionais. O conceito de inclusão que norteou a pesquisa ancora-se na compreensão de que a inclusão social passa pela inclusão digital uma vez que o acesso à informação, propiciado pelas mídias digitais, é parte da garantia de cidadania. A análise dos dados é feita por meio de quatro categorias: infraestrutura elétrica e tecnológica, aspectos didático-pedagógicos, visão dos agentes escolares sobre o Programa e relação professor aluno e a gestão da escola. Conclui-se que não foram garantidas as condições materiais mínimas para desenvolvimento do projeto, como rede de energia elétrica adequada a suportar os diversos computadores ligados, a inadequada ou ausente formação docente, as limitações do equipamento, a não mudança no ritmo da escola e a não garantia de acesso a equipamentos que os alunos desejam muito. Os dados revelam que a inclusão de tecnologias nas escolas não resolve as questões mais prementes da educação escolar e tampouco altera as metodologias de ensino. Perde-se assim, mais uma possibilidade de inovação das práticas escolares, aproveitando o potencial de disponibilidade de informação como possibilidade de acesso ao saber e promoção de cidadania. Palavras-chave: Prouca e inclusão digital. Inclusão digital e cidadania. Política de inclusão digital. Ser incluído digitalmente não é ter acesso a computadores, tablets, smartphones, embora sejam elementos necessários à inclusão digital. Ser incluído digitalmente também não significa ter fluência no uso dessas mídias de informação e comunicação, embora saber usar também seja um elemento de inclusão, mas não é inclusão. Explanar, logo de início, sobre o que não é inclusão digital ajuda a compreender o sentido do termo, uma vez que se eliminam possíveis caminhos equivocados na compreensão do conceito. O que é, então, inclusão digital? O que é necessário para que ela ocorra? Estar incluído digitalmente significa estar participando do movimento que adjetiva o termo que, no caso, é o vocábulo digital. Digital, do latim digitus, refere-se ao uso dos dedos, no nosso caso, de equipamentos acionados com as pontas dos dedos. Segundo o dicionário online de Português, digital é a representação de informações ou de grandezas físicas por meio de caracteres, números, ou por valores discretos. Ou seja, o digital usa sinais de representação discreta, descontínuos, com a informação sendo
2 02513 convertida para bits, e faz oposição a analógico, que é um sistema que não sofre essa conversão, e a informação é enviada no mesmo formato em que foi gerada. Dessa forma, a inclusão digital requer inicialmente um equipamento, um dispositivo (computador, tablet, smartphone), que transforme a informação em bits; é preciso ter acesso à rede de computadores, ao ciberespaço e também saber usar os dispositivos. Mas, o principal de tudo isso, para a compreensão do que considero inclusão digital, é que o usuário dessas mídias saiba o que fará com elas, que seja capaz de avaliar se o uso que faz da mídia provoca algo positivo em sua vida, não apenas pelo uso que faz delas no trabalho, mas sim sobre o que esse saber usar causa na sua vida de forma integral, plena. Estar incluído não significa apenas saber usar os dispositivos, acessar a rede mundial de computadores, a Internet, mas também poder tirar proveito dos conhecimentos a que pode ter acesso ao se municiar desses dispositivos. Há uma clara e unívoca relação entre inclusão digital e conhecimento, uma vez que grande parte do conhecimento produzido pela humanidade está disponível na Internet. Estar incluído digitalmente inclui o acesso ao espaço por onde tem circulado a informação. A exclusão digital, lembra Silveira (2001, p. 18), impede que se reduza a exclusão social, uma vez que as principais atividades econômicas, governamentais e boa parte da produção cultural da sociedade vão migrando para a rede, sendo praticadas e divulgadas por meio da comunicação informacional. Estar fora da rede é ficar fora dos principais fluxos de informação. A Biblioteca de Londres, a segunda maior do mundo, já tem todo seu acervo digitalizado ( com livros, mapas, jornais, em diversos idiomas, e também obras raras, como os manuscritos de Da Vinci, a Bíblia de Guttemberg e outros. O leitor que desejar pode baixar arquivos, ou mesmo imprimir algum documento, por um custo equivalente a R$ 25,00 e um acesso válido por 24 horas. Castells (2014), ao criticar a obsolescência da escola, observa que 97% da informação do planeta está digitalizada e 80% está disponível na Internet. Ele critica a escola porque ela insiste em formar estudantes submissos, que só podem aprender com o professor. No entanto, atualmente, os alunos ficam mais na Internet do que os professores e sabem mais o que acontece na rede. Lamenta o autor que, apesar disso, as relações verticais de poder seguem perpetuadas e a interação e a construção conjunta do conhecimento seguem negadas (2014, vídeo). Com tanta informação disponível, tanto aos alunos como aos professores, os desafios à escola são outros, e ainda faltam critérios para buscar essa informação e combiná-la com projetos intelectuais, pessoais,
3 02514 profissionais de cada um. Falta romper com a relação vertical da escola, assevera o pesquisador. O Programa Um Computador por Aluno Com a intenção de possibilitar a inclusão digital dos jovens e melhorar a qualidade da Educação Básica no país, o Governo Federal brasileiro, por meio da Lei nº , de 10 de junho de 2010, criou o Programa Um Computador por Aluno (PROUCA). O objetivo era melhorar o processo educacional, incluir digitalmente os jovens de escolas públicas de baixo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e adensar a cadeira produtiva comercial no Brasil, no setor de tecnologias digitais, ou seja, produção e manutenção de computadores. Segundo o site do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), a meta é interromper o déficit comercial do complexo eletrônico de forma a ampliar a inovação, a capacidade instalada e a produção local de Tecnologias de Informação e Comunicação TIC - (incluindo: partes, peças e componentes). Ou seja, o objetivo abarca a inclusão digital das cidades que receberem os laptops, via o Programa Um Computador por Aluno, desenvolvido nas escolas. Lamentavelmente, os recursos financeiros educacionais foram gastos com ações que nem sequer foram discutidas com agentes importantíssimos no desenvolvimento do programa, como os professores; que, talvez, escolhessem outras opções, uma vez que consideram outros itens mais prementes para uma educação de qualidade. Esse intento de inclusão digital levou o Governo Federal à distribuição de laptops a estudantes da educação básica, nas fases piloto do programa, que distribuiu 150 mil computadores, primeiro a cinco escolas como teste e depois para 300 escolas. Após esses testes, o PROUCA se ampliou e milhares de computadores foram distribuídos em escolas de vários estados. Os critérios para escolha das escolas incluíam: a) a escola deveria ter cerca de 500 alunos; b) a escola deveria ter energia elétrica para carregar os equipamentos, bem como armários para armazenamento deles; c) deveria ter escolas na capital e na zona rural; d) escolas e secretarias de educação devem apresentar termo de adesão ao programa, demonstrando compromisso com sua execução; e) o corpo docente da escola a receber os equipamentos deveria aprovar a participação da escola no projeto. Em Goiás, a experiência está sendo realizada em nove escolas (cinco estaduais e quatro municipais) de oito cidades, quais sejam: Goiânia (2 escolas); Iporá; Jussara; Mundo Novo; Ouro Verde de Goiás; Rio Quente; Santa Cruz de Goiás; Trindade, com
4 02515 uma escola em cada uma. Em Goiás, o PROUCA atende nove escolas, 217 professores; 3945 alunos. Neste estudo, o objetivo foi conhecer, compreender, analisar e interpretar como está sendo a implantação do PROUCA em Goiás, analisando as percepções que os gestores (diretores e coordenadores pedagógicos) das escolas, professores e estudantes possuem do Programa. Para tal, foram visitadas quatro dessas escolas, duas em Goiânia, uma em Trindade e uma em Outro Verde (rural). Nessas escolas, a equipe da pesquisa observou uso dos equipamentos, fotografou, filmou, conversou com alunos, entrevistou professores e gestores, bem como aplicou questionários. Os registros feitos pela equipe foram socializados e discutidos nas reuniões da equipe, como uma forma de triangulação do estudo (MINAYO, 2008). A triangulação se fez pelo uso de diferentes procedimentos de coleta de dados e por diferentes pesquisadores que estavam no mesmo local e depois checarem as compreensões que cada num teve do que foi observado, como estratégia para buscar a melhor resposta a dar ao problema proposto. Em quadro apresentado ao final desse texto, é possível ver uma síntese de dados importantes das escolas que receberam os equipamentos. As informações que se apresentam referem-se a aspectos valorizados no Programa, quais sejam, a atividade econômica dos municípios contemplados e IDH deles, bem como dados da escola como IDEB, número de alunos e professores. É possível perceber no quadro que nem sempre os critérios de seleção das escolas foram seguidos, como ter 500 alunos, por exemplo. Esse critério, apenas quatro das nove escolas o atendem, é um dado não tão relevante para o Programa, porém o mesmo não se pode dizer sobre o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) ii do município e do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) iii das escolas. Esses são dados numéricos condicionantes de atendimento do principal objetivo do PROUCA, qual seja a inclusão digital das cidades, por meio de atividades desenvolvidas no interior da escola, formando capacidade tecnológica para intensificar a capacidade produtiva na área de tecnologias da informação. Apenas uma das escolas apresenta IDH menor que quatro, sendo que o objetivo do país é atingir IDEB 5,8 até Nota-se que, mesmo com a existência do programa nas escolas, o IDEB se altera para mais ou para menos e não se pode dizer que isso se refere ao PROUCA. Não há dados que permitam fazer essa afirmação.
5 02516 O procedimento de análise dos dados foi a análise de conteúdo, na perspectiva de Franco (2007), na qual a criação de categorias é o ponto crucial da análise de conteúdo (p. 59), e o caminho seguido foi fazer com que elas emergissem dos dados. Foram definidas as seguintes categorias: a) infraestrutura elétrica e tecnológica; b) aspectos didático-pedagógicos; c) visão dos agentes escolares sobre o Programa; d) relação professor aluno e gestão da escola. a) infraestrutura elétrica e tecnológica A queixa da fragilidade da infraestrutura foi geral nas escolas visitadas. A maior delas refere-se à dificuldade de conexão à Internet. Mas a queixa que causou mais surpresa foi a da escola que tem problemas na rede elétrica e, por conta disso, não tem acesso à Internet. Isso vai além do que a escola pode resolver. As condições mínimas não foram observadas. Além das questões de infraestrutura elétrica, as escolas têm se deparado também com problemas do próprio computador. Os professores citam a lentidão de processamento dos laptops, o descarregamento rápido, o uso do software Linux, obrigatório nas escolas, mas que eles têm dificuldade de uso e não há cursos para ensiná-los a usar. Além disso, caso haja problemas com os equipamentos ou suporte a eles, demora-se muito para conseguir que sejam arrumados. Esses dois fatores, por eles mesmos, já deveriam ser impeditivos de aderência ao Programa, uma vez que são condições essenciais para desenvolvimento das atividades escolares com os equipamentos. b) aspectos didático-pedagógicos Aspectos problemáticos na dimensão técnica e de infraestrutura vão gerar problemas na dimensão didático-pedagógica. Apesar de se ter pontos positivos a destacar, há de se levar em conta que a dimensão didático-pedagógica poderia ser diferente e bem melhor. De forma geral, a fala dos entrevistados professores, alunos e gestores registram que a inserção de recursos da computação trouxe benefícios de diferentes ordens. Sobre o prisma da inclusão, o destaque foi o acesso especial proporcionado aos alunos. Há, assim, uma pseudo inclusão, negando a cidadania que o programa prometia. Houve percepção em relação aos alunos, que passaram a ver o computador não apenas como um meio para brincar, bater papo, mas como um instrumento que poderia ser utilizado para a aprendizagem, possibilitando mudanças na parte pedagógica. Embora haja essa percepção, não se vê o uso do computador para além de um recurso pedagógico, para ser usado sob controle e na sala de aula orientado pelo professor. Nas escolas
6 02517 visitadas os alunos não levam o computador para casa, só usam em aulas específicas e o professor, para incluí-lo nas aulas, deve agendar e apresentar o plano do que irá fazer. Ou seja, mudou-se um elemento da escola, um material, mas o formato das aulas e da própria escola continua o mesmo, não havendo rupturas com modelos e estereótipos na relação professor, aluno, conhecimento. Para Alves (2001), a escola não tem conseguido se alterar. Está estagnada como se ainda estivéssemos na manufatura. Diz ele que a escola ignorou e deixou de incorporar ao trabalho didático os avanços tecnológicos produzidos, sucessivamente, pela maquinaria moderna, pelos meios de comunicação de massa, pela automatização e pela informática (ALVES, 2001, p. 232). c) visão dos agentes escolares sobre o Programa Os alunos apresentam como ponto negativo do programa, o fato de não poder levar o computador para casa e de a Internet não funcionar bem. Queremos a Internet, dizem. Apesar de todos os problemas, os alunos acham que o Programa deve continuar. Todos os alunos falaram bem do programa. O propósito do PROUCA era que os alunos levassem os laptops para casa, só que ainda não foi estudado uma forma de monitorá-los. Todos acreditam que o uso do computador pode dar a eles uma possibilidade de aprender e conhecer mais. Os alunos sentem muita expectativa com a instalação do programa e acreditam que o PROUCA vai fazer diferença na formação deles e estão frustrados com o não uso dos laptops, pois o projeto não está sendo executado como deveria ser. Apenas alguns poucos professores utilizam os laptops e com pouca frequência, devido a diferentes fatores, tais como a fragilidade na formação deles, o trabalho maior que dá ao professor na elaboração e desenvolvimento das atividades, como também devido a problemas técnicos, que são muito frequentes. Algumas das justificativas dos alunos, ao afirmar que preferem as aulas com os computadores, são: na aula com computador se faz atividade e depois pode jogar, não precisa ficar copiando do quadro. Os alunos cobram muito a aula com o UCA, não faltam e ainda apresentam melhor disciplina durante a aula. Essas falas dos estudantes podem sinalizar que o projeto tem sido bom. No entanto, Lavinas e Veiga (2012, p. 20) assinalam, na avaliação que fizeram sobre o impacto do programa, que: [...] impacto existe quando o aluno pode carregar para casa e servir-se a domicílio do seu laptop UCA. Dispor do laptop apenas na escola, sem poder utilizá-lo como um bem pessoal, de uso individual e domiciliar,
7 02518 é uma modalidade de intervenção cujo impacto revelou-se equivalente a não ter sido beneficiado pela posse de um laptop. Assim, ao contrário do que pensam muitos professores reticentes ao uso domiciliar do laptop UCA, autorizar sua posse real pelo aluno que deve dele dispor livremente é a melhor maneira de fomentar a inclusão digital e renovar o interesse pela escola e pelo aprendizado. Quanto aos docentes, em três das quatro escolas visitadas, houve problemas na formação de professores. Na escola em que o programa funciona melhor, isso não acontece só porque os professores tiveram formação; mas, sim, porque eles são concursados, o que ajuda a ficarem mais tempo na escola, aprendendo mais e perdendo o receio de usar pedagogicamente o computador. Os pais apoiam o Programa e são frequentes nas reuniões. A diretora também é muito presente em diferentes turnos de funcionamento da escola. No entanto, no geral, aconteceram muitas falhas e equívocos na formação de professores para uso do laptop nas salas de aula e isso prejudicou e ainda prejudica a execução do programa. Uma professora apresenta sua opinião, revelando muita decepção com o projeto pelo fato de a escola não receber a assistência necessária para que os professores desenvolvam as atividades conforme os objetivos que foram visados na construção do PROUCA. A professora diz que é muito dinheiro da educação sendo jogado fora, sendo jogado fora, visto que existem tantas outras carências no ambiente escolar. Até mesmo os alunos já não se interessam mais pelos laptops. Um dinheiro jogado fora, reforça a professora, dizendo que preferiria um laboratório de informática bem adaptado na escola a trezentos computadores para distribuir para cada aluno. d) relação professor aluno e gestão da escola. Percebe-se que os professores entendem a importância do uso do computador na suas práticas profissionais, porém eles não têm tanta percepção da importância de tais práticas em um processo inovador de aprendizagem. Todos os professores reclamaram sobre a falta da Internet, falta de suporte técnico e da formação que tiveram para a implantação do PROUCA na escola. Por conta da Internet não funcionar a contento, os professores utilizam muito pouco os laptops. Em uma entrevista informal com uma das gestoras, ela contou que os alunos pressionam muito a gestão da escola e os professores, pois eles querem que o projeto aconteça. Alguns alunos chegam a dizer que os professores não utilizam os computadores porque não sabem usá-los. Uma das gestoras escreveu em resposta ao questionário:
8 02519 Vejo o Prouca como um projeto que já nasceu falido para a escola, para os alunos. Para o governo não sei, de repente os objetivos foram alcançados, pois deu Ibope, a mídia divulgou e pode ter promovido o governo, o secretário da educação, entre as pessoas menos informadas. O projeto pode até funcionar, desde que os governantes pensem mais na escola do que em promoção pessoal e partidária. Na dissertação de Silva (2009), as opiniões dos alunos sobre o programa foram divididas e, às vezes, completamente opostas. Há alunos que dizem que tanto faz as atividades, uma vez que eles continuam conversando mais entre eles do que com os professores. Outros discordam e dizem que a comunicação entre professores e alunos foi ampliada. Também em Silva (2009), há relatos de professores que percebem mudanças na relação deles com os alunos e que a interação melhorou. Outra professora relata que a comunicação com os alunos melhorou, mas que isso trouxe mais trabalho ao professor e demanda mais disponibilidade de tempo e flexibilidade no planejamento das aulas. Nas escolas visitadas em Goiás, os professores dizem que os alunos gostam muito das aulas em que o laptop é usado e sempre pedem para ter aulas com ele e reclamam quando não têm. Não fizeram relatos que fogem do que foi identificado no estudo de Silva (2009). A falta de mudanças na relação professor aluno se refere à não alteração no modelo pedagógico das aulas, que ainda mantém com o computador propostas pedagógicas conservadoras e de reprodução do conhecimento. As tecnologias de informação e educação podem ser a nova oportunidade de melhorar a educação, observa Sancho (2006), tanto pela versatilidade que possuem, como pelo interesse dos alunos no seu manuseio, e as propostas políticas não estão aproveitando esse potencial, devido aos projetos e programas governamentais não serem feitos por completo, sempre faltando algo importante. Dowbor (2001) observa que, na contemporaneidade, com o desenvolvimento tecnológico, a educação enfrenta vários desafios; mas, ao mesmo tempo, há possibilidade de mudança e melhoria do que se tem. Diz ele que os desafios referem-se às mudanças relativas ao conhecimento, que, para a educação, é uma questão de sobrevivência, porque o conhecimento, matéria-prima da educação, é recurso estratégico na sociedade atual. Considerações finais O PROUCA pode ser uma iniciativa que colabore para um melhor desenvolvimento da educação escolar e que seja uma ferramenta para aprimorar os métodos de ensino; porém, para que isso aconteça, tudo o que fora planejado e prometido deveria estar sendo cumprido e realizado. Observa-se que as escolas que estão
9 02520 conseguindo desenvolver o programa com bons resultados são aquelas em que gestores e professores abraçaram a causa com grande dedicação e se dedicaram muito, buscando apoios e informações. Ao invés do suporte vir à escola, são os gestores que, além das responsabilidades que possuem no ambiente escolar, tiram um tempo, fora de sua carga horária, para conseguirem melhorar o programa, do qual a escola tem de dar conta. Isso demonstra que não basta apenas levar os equipamentos às escolas, pois a ação docente é mais complexa com o uso de computadores, e isso exige dedicação exemplar de gestores, professores, alunos e suas famílias. A maioria dos relatos de professores, alunos e gestores é de insatisfação e decepção, pois tinham maiores expectativas em relação ao projeto e acreditavam que receberiam toda assistência necessária. Detectados e vistos claramente foram mais problemas do que bons resultados. Os problemas, em sua grande maioria, são os mesmos apontados por profissionais que estão lidando e tentando se adaptarem ao programa. Outros estudos, como os de Silva (2014) e de Souza (2013), também apontam as mesmas fragilidades escolas sem rede elétrica que suporte os computadores ligados, falta de armários para guardar e carregar os laptops, etc. Com tantos problemas no desenvolvimento do Programa, infere-se que o objetivo maior dele, que é a inclusão digital das cidades, via educação escolar, não possibilita atingir o objetivo econômico de adensamento da cadeia produtiva, de formar pessoas capazes de intensificar a produção da cadeia de tecnologias da informação. Fazer uso de recursos da educação para esse fim, sem levar em conta fatores concretos e impeditivos do seu desenvolvimento, pode levar à falência do Programa, que terá recursos perdidos. Os recursos podem ser ampliados, mas não apenas os advindos da educação, e sim de outros ministérios e secretárias estaduais e municipais, que também têm a responsabilidade social de formar fluência digital e incluir as pessoas e suas cidades. Isso é lamentável, não apenas pelos recursos praticamente perdidos, mas também pela impossibilidade de concretizar a inclusão digital de estudantes de escolas que carecem disso. Conclui-se, então, com a questão de Sancho (2006, p. 18), que ainda está sem resposta: Por que, apesar da existência de programas específicos de introdução do computador nas aulas, na maioria dos países sua presença costuma ser insuficiente ou anedótica? Mais uma vez a política pública que poderia propor inovações à educação escolar, proporcionando cidadania no acesso ao saber, contrariamente, a negou, frustrando os sonhos e desejos de jovens estudantes.
10 02521 REFERÊNCIAS ALVES. G. L. A produção da escola pública contemporânea. Campinas, SP: Autores Associados, BRASIL, MEC. Lei nº , de 10 de junho de Cria o Programa Um Computador por Aluno. Disponível em: Acesso em fevereiro de BRASIL, MEC. PROUCA Programa Um Computador por Aluno. Disponível em: < Acesso em fevereiro de CASTELLS, M.. A obsolescência da educação. Fronteiras do Pensamento. Disponível em: < Postado em: DICIONÁRIO online de Português. Verbete: digital. Disponível em <TTP:// Acesso em abril de DOWBOR, L.. Tecnologias do conhecimento o desafio da educação. Petrópolis: Vozes, FRANCO, M. L. P.B. Análise de conteúdo. 2. ed., Brasília: Liber Livro, G1.GLOBO.COM. Acervo da biblioteca de Londres disponível na internet. Disponível em: < ACERVO+DA+BIBLIOTECA+BRITANICA+DISPONIVEL+NA+INTERNET.html> Capturado em: abril de LAVINAS, L.; VEIGA, A. O Programa UCA TOTAL: Desafios do modelo brasileiro de inclusão digital pela escola. 36º Encontro Anual da Anpocs. GT 29 Políticas Públicas, de 21 a 25 de outubro de Águas de Lindóia SP. Anais do encontro. Disponível em: < %3Aanais-do-encontro-sps-mrs-e-gts-&catid=161%3A36o-encontro-anual-daanpocs&Itemid=76>. Acesso em: 10/09/2013. MINAYO, M. C. de S. O desafio do conhecimento pesquisa qualitativa em saúde. 11. ed., São Paulo: Hucitec, SANCHO, J. De tecnologias da informação e comunicação a recursos educativos. In: SANCHO, J. e HÉRNANDEZ, F. e colaboradores. Tecnologias para transformar a educação. Trad. Valério Campos. Porto Alegre: Artmed, SILVA, R. K. O impacto inicial do laptop educacional no olhar dos professores da rede pública. Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Educação da PUC-SP SILVA, W. B. da. O uso do computador PROUCA em seis escolas do Distrito Federal. Brasilia, DF. UnB. Dissertação do PPGE/FE/UnB, SOUZA, T. M. F. de. Prática docente mediada pelas tecnologias na educação especial. Campo Grande: UCDB. Dissertação do PPGE/UCDB, SILVEIRA, S. A. da. Exclusão digital: a miséria na era da informação. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001.
11 02522 Quadro 1 Dados das cidades participantes do PROUCA em Goiás CIDADE HABITANTES ATIVIDADE ECONÔMICA Goiânia Iporá Jussara Mundo Novo Ouro Verde de Goiás Rio Quente Santa Cruz de Goiás Trindade hab hab. (IBGE,2010) hab hab hab. Indústria de confecções Agricultura, pecuária e um forte comércio que atende pequenas cidades vizinhas Comércio, serviços públicos, agropecuária e indústria. Agronegócio e pecuária. Hortifruti, com especialidade em beterraba (2007) Turismo, comércio, serviços públicos, agropecuária e indústria hab hab. Fonte: organizado pela autora, Comércio, serviços públicos, agropecuária e indústria. Indústria da transformação. IDH (PNUD, 0,859 (PNUD, 2008) 0,74 (PNUD, 0,692 (PNUD, 0, 719 (PNUD, (PNUD, 0, 782 (PNUD, 0,759 (PNUD, Escola do PROUCA e (IDEB) Col. Est. Profª Vandy de Castro Carneiro (4,3) e Esc. Mun. Jaime Câmara (4,5) Colégio Estadual Aplicação (5,6) Escola Dolores Martins (5.0) Escola Estadual Professora Ivânia Maria Ferrassoli (3,7) Colégio Estadual Roque Romeu Ramos (4,3) Colégio Municipal Professor Lourenço Batista (4,6) Escola Municipal Professora Celina Leite Guimarães Mattos (4,3) Escola Estadual Professor Marcilon Dorneles (4,2) i Mirza Seabra Toschi é coordenadora da Rede Goiana de Pesquisa em Políticas Públicas e Inclusão Digital, líder do Grupo de Pesquisa do CNPq Formação de professores e saberes pedagógicos (UEG) e vice-líder do Grupo de Pesquisa do CNPq, Ábaco (UnB). ii IDH: "O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma medida resumida do progresso a longo prazo em três dimensões básicas do desenvolvimento humano: renda, educação e saúde." (Definição do PNUD - fonte: O índice varia de 0 a 1, sendo que, quanto mais próximo de 1, mais desenvolvido está a região. iii IDEB: "O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica reúne num só indicador dois conceitos igualmente importantes para a qualidade da educação: fluxo escolar e médias de desempenho nas avaliações" (definição do INEP - fonte: A nota do IDEB varia de zero a 10.
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