As facetas da bibliometria : como se tornar o pesquisador do mês 1
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- Nicolas Nobre Barreiro
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1 As facetas da bibliometria : como se tornar o pesquisador do mês 1 Pierre Jourde * Tradução: Antonio M. R. Teixeira (UFMG) Resumo: Trata-se de uma crítica aos procedimentos contemporâneos de avaliação da atividade acadêmica e científica, contemplando um questionamento dos pressupostos e implicações subjacentes ao ideal da bibliometria. Palavras-chave: avaliação; pesquisa acadêmica; bibliometria. The facets of bibliometry : how to become researcher of the month Abstract: The present essay provides a critique of the contemporary procedures of evaluation of the scientific and academic activities, contemplating a questioning of the presuppositions and implications of the ideal of bibliometry. Keywords: evaluation; academic research; bibliometry. A cena se desenrola longe da luz do dia, nas profundezas inquietantes de um bunker. Berlim, em 1945? Moscou, em 1952? Não, Paris, 2008, 3º arrondissement. Na sala, não dos apparatchiks, dos burocratas cor de muralha, mas de alguns dos mais brilhantes representantes da universidade e dos organismos de pesquisa francês: membros do Conselho Nacional das Universidades (CNU), do comitê nacional do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) e dos laboratórios de Paris e Ilede-France. A elite dos intelectuais. 1 Publicado originalmente no Le Monde Diplomatique, Dezembro de * Professor na Université Stendhal, em Grenoble III (França). Autor de obras como La Littérature sans estomac, L Esprit des péninsules ; jourde.pierre@neuf.fr
2 É coisa difícil defender a ideia de que os lugares concernidos pela pesquisa e pelo ensinamento, na França, esses locais nos quais se busca refletir, pesquisar, transmitir o saber, e que evocam geralmente mais um Comissariado na Romênia de Nicolau Ceausescu do que as universidades italianas, britânicas ou americanas, participem de um desprezo generalizado pelo pensamento e de uma humilhação dos universitários. Mas descarta-se rapidamente essas frivolidades, o negócio tem outra seriedade. Os severos personagens assentados sobre a tribuna, diante desse areópago de grandes espíritos, anunciam de saída: Estamos aqui para a condução da pesquisa. Efetivamente. Milagre de Power Point, uma grande tela acende-se e estampa a imagem de um painel de bordo de Airbus. Ah, mas sim, certamente, a pilotagem da pesquisa, é tudo muito claro. A luz se faz no cérebro dos pesquisadores presentes, eles são muito inteligentes, desnecessário mais de uma imagem para lhes fazer compreender. Ainda assim, são pensadores, conhecemos isso, é preciso movimentá-los. É preciso agora segurar o touro pelos chifres, declara, imperioso, o orador. A tela exibe agora, não uma cabeça de novilho vinaigrette, não um guarda-chuva, mas, incrível, uma esplêndida silhueta de touro. A imagem justa sobre a palavra justa. Do que motivar um pouco esse bando de intelectuaizinhos. Do que se trata, ao certo? De propor estágios descobertos nas cozinhas de um McDonald? Reconversões na venda de aparelhos eletrodomésticos? Nada disso. A Agência de avaliação da pesquisa e do ensino superior (Aeres), com seu bunker, suas imagens de Airbus e chifres de touro, é o organismo incumbido pelo governo de avaliar a pesquisa na França. Ou seja, de ajustar sistemas de medida para classificar, logo de equipar, os centros de pesquisa, e determinar a carreira dos pesquisadores segundo o valor estimado de seus trabalhos. Logo em seguida, estamos confiantes. Pessoas capazes de uma tal fineza (Airbus, touro) só podem efetuar um fino trabalho de avaliação. Quanto aos pesquisadores presentes, deles se espera a classificação das revistas cientificas (A, B, C). Para resumir, quanto mais se publica nas boas revistas (A), mais se é um bom pesquisador. Se você publica um artigo numa revistinha de Varsóvia, pouco citada (C), nada bem. Se você publica numa revista americana de larga difusão (A), você é nitidamente mais inteligente e é excelente para sua carreira. Acrescentemos o fator impacto, que mede a relação entre o número de artigos que citam um pesquisador e o número de artigos que o pesquisador publicou, sem contar o fator H, o fator G, e outros trequinhos excitantes que o universitário doravante
3 se divertirá em sair caçando para medir sua própria importância. Isso vai ocupá-lo. Eis a bibliometria. Evidentemente, é preciso se haver com os intelectuais friorentos, conservadores, voltados para seus privilégios categoriais, isso não vai bem. Há várias semanas, as petições se multiplicam, entre os pesquisadores, para denunciar o sistema de avaliação. O movimento partiu dos países anglo-saxões no qual se ajustou esses sistemas, e segundo o modelo imitado pela França. Os diretores de dezenas de prestigiosas revistas internacionais de história das ciências publicaram um comunicado comum para recusar que suas publicações fossem utilizadas na avaliação da bibliometria. Eles denunciam os critérios da European Reference Index for the Humanities (ERIH), nos quais se inspiram amplamente os do Aeres, sem maiores rodeios: A ERIH se baseia numa incompreensão fundamental dos modos de desenvolvimento e de publicação da pesquisa em nossas disciplinas e nas ciências humanas em geral. A qualidade das revistas não pode ser separada de seu conteúdo e de seus métodos editoriais. Uma pesquisa importante pode ser publicada não importa onde, em qualquer língua que seja. Um trabalho revolucionário tem mais chance de surgir em suportes marginais, dissidentes ou inesperados do que nos lugares institucionais bem estabelecidos 2... Associações internacionais de matemáticos (e, entre elas, a União Matemática Internacional, que concede a medalha Fields 3 ) publicaram um relatório que denuncia a grosseria e a rusticidade dos instrumentos estatísticos sobre os quais se fundam as classificações das revistas do ERIH. Para Peter Lawrence, professor de Cambridge, o principal resultado da bibliometria é que o objetivo principal dos cientistas não é mais o de fazer descobertas, mas de publicar o máximo possível, de sorte que a utilidade, a qualidade e a objetividade dos artigos se degradaram 4. Mesmo uma das grandes teóricas do impacto, Anne-Wil Harzing, professora da Universidade de Melbourne, acaba de publicar, com Nancy Adler, professora em McGill (Montreal), um longo artigo no qual ela questiona seriamente os efeitos da bibliometria. Na França, várias petições e textos circulam para se opor à classificação das revistas 5. Pesquisadores encarregados dessa operação deixaram a Aeres. Certas 2 O texto completo (em inglês) encontra-se no blog de Medical Museum. 3 Em referência ao nome de um matemático canadense, John Fields ( ). Esse prêmio, equivalente ao Nobel, é concedido a cada quatro anos a um matemático com menos de 40 anos. 4 Citado por Nancy Adler e Anne-Wil Harzing, When knowledge wins: Transcending the sense and nonsense of academic ranking, Academy of Management Learning & Education, vol. 8, n. 1, New York, Cf. entre outros, Sauvons l Université!, por P. Jourde.
4 comissões (artes, línguas, ciências da linguagem, em particular) simplesmente se recusam a adotá-las. Isso gerou sessões tumultuadas e tentativas de recuo no mais das vezes burlescas, como a que consiste em propor uma lista de revistas sem as hierarquizar (o que não difere de publicar uma bibliografia). Quais são os argumentos desses inimigos da modernidade bibliométrica, que recentemente obrigaram a Aeres a renunciar momentaneamente a classificar as revistas de literatura francesa e de literatura comparada? Eles reivindicam que as revistas anglosaxônicas estão sobreestimadas, sem relação com suas qualidades reais; que essa sobreestimação provocará a fuga dos textos europeus para essas revistas e que assim a bibliometria provoca o que supostamente mediria; que revistas romênicas ou libanesas em francês caiam nas profundezas da classificação, excelente maneira de defender a cultura francesa no exterior; que isso oferece uma renda de situação a certas revistas que não precisam mais do que dormir sobre suas glórias eternamente; que o critério principal de publicação num título prestigioso não é necessariamente a qualidade científica; que a pesquisa audaciosa é frequentemente difundida em jovens revistas desconhecidas; que esses critérios são na realidade quantitativos e que não têm sentido para medir a qualidade de um trabalho; que é frequentemente o tempo que faz aparecer a importância dessas pesquisas; que a qualidade de uma revista não se mede pela sua difusão, nem a qualidade de um texto pelo renome de quem o acolhe; que há, notadamente em ciências humanas, abundância de documentos fundamentais em suportes raros e confidenciais; que esse fichamento condena de saída a criação de revistas inovadoras e audaciosas; que as perturbações do conhecimento se fazem frequentemente fora e em oposição às instituições bem estabelecidas, às quais a Aeres concerne suas aprovações; que a quantidade das citações mensura mais os modismos intelectuais, as posições de poder e a audiência de um autor do que a qualidade de um artigo citado, que tudo isso somente pode produzir um aviltamento e uma servidão do pensamento. Alguns mais meticulosos, como Olivier Boulnois, medievalista, filósofo, diretor da Escola Prática de Altos Estudos (EPHE) chegam mesmo a examinar detalhadamente as listas da Aeres. Eles ali observam revistas essenciais classificadas B, revistas inexistentes devidamente repertoriadas, periódicos duas vezes classificados, A ou B. Outros se divertem calculando a nota de Aristóteles e de Platão segundo os critérios bibliométricos. Bem medíocre: esses lastimáveis pesquisadores gregos vegetariam toda sua vida em postos subalternos. Emmanuel Kant se sai um pouco
5 melhor, mas nitidamente pior que Dov Gabbay. Albert Einstein ou Mickaïl Bakhtine teriam dificuldades em obter um aumento e créditos de pesquisa. O fator impacto de Laurent Lafforgue era nulo quando obteve a medalha Fields. Ou seja, que se dane, qualquer coisa serve. Tudo isso não deve interromper o progresso. Pilotemos a pesquisa, agarremos o touro pelos chifres. Uma boa pilotagem deve ser automatizada, padronizada, mecanizada. Sobretudo não pensemos, contemos. Pelo menos, isso terá a aparência de objetividade. Contemos, é assim que se encorajará a pesquisa, a audácia, a originalidade. Poder-se-ia, aliás, otimizar ainda o sistema de classificação, e, além das seções de motivação com Power Point, inspirar-se utilmente nas práticas de administração de McDonald. O melhor vendedor de cheeseburgers classificado como empregado do mês. Seria desejável, ao astrofísico ou ao arqueólogo merecedor, atribuir-lhe o título de pesquisador do mês. Um chefe de escritório lhe beijaria as duas faces, sua fotografia seria exposta na Aeres, bem no fundo de um bunker, e assim, finalmente, teríamos agarrado o touro pelos chifres. Recebido em 03/02/09 Aprovado em 04/03/09
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