Angústia e desamparo. De onde vem este sentimento?
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- Maria do Pilar Cesário
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1 Angústia e desamparo. De onde vem este sentimento? Daniele Wathier Silveira Resumo: O presente artigo vai trazer a temática da angústia na constituição do sujeito e os reflexos deste sentimento de desamparo no sujeito contemporâneo. Para isso busquei fundamentar a minha reflexão na teoria psicanalítica e utilizei como método de pesquisa a revisão bibliográfica de obras clássicas e contemporâneas do tema em questão. Palavras Chave: angústia, pânico, castração, desamparo, função paterna, função materna. Introdução: Estamos vivendo em tempos de muitas mudanças nos relacionamentos amorosos, onde os casamentos não são mais mantidos pelo juramento: até que a morte os separe. Já podemos perceber que há algumas décadas isso tem se intensificado e os relacionamentos estão sendo cada vez mais descartáveis. Podemos perceber que este estilo de vida tem trazido diversas consequências psíquicas para os filhos que nasceram destes relacionamentos. Através da experiência de estágio clínico pude perceber que muitos pacientes que buscam atendimento psicológico com a queixa de ansiedade, depressão, síndrome do pânico e angústia relatam uma história clínica parecida. Sabemos que a função materna e paterna tem o papel fundamental na constituição e no desenvolvimento do sujeito psíquico, por isso neste artigo pretendo buscar subsídios para entender o que se passa no imaginário destes pacientes que se sentem sozinhos, angustiados e muitas vezes desamparados, mesmo não tendo motivos aparentes para estarem se sentindo assim. Desenvolvimento: Falar sobre este tema me remete a leitura do livro de Zygmunt Bauman, Amor Líquido, Sobre a fragilidade dos laços humanos (2004). O autor realiza em sua obra uma leitura das relações contemporâneas, onde os relacionamentos modernos e pós - modernos se fazem e se desfazem com muita fluidez. Em seu livro, ele constrói uma análise dos laços familiares, onde as pessoas gostam de estar juntas apenas para sentir prazer, e em pouco tempo as relações são facilmente trocadas por outras. O autor considera isso como a liquidez do mundo moderno.
2 Podemos perceber que este estilo de vida tem trazido diversas consequências psíquicas para os envolvidos, um dos claros reflexos que estes relacionamentos têm apresentado são os sentimentos de insegurança, incerteza e vazio devastador, atualmente muito bem representado pelo índice de pessoas com depressão, síndrome do pânico, fobias e diversas outras psicopatologias. Com uma breve análise dos casos clínicos que atendi na experiência de estágio pude avaliar que os pacientes apresentavam um histórico de pais ausentes, pais separados, que muitas vezes abandonaram a família, ou pais que quando presentes, não eram amorosos, mas agressivos e este fato me deixou curiosa ao ponto de tentar entender qual é a relação destes sentimentos com a relação parental. Com poucas palavras e de forma simplificada falarei sobre a constituição do um sujeito neurótico para podermos compreender melhor a angústia e o por que ela nos acompanha. Sabemos que o desenvolvimento da criança neurótica se dá através da castração, o sujeito antes mesmo de nascer é desejado, idealizado e sonhado pelos pais, então quando nasce à mãe vai falando e apostando naquele sujeito, pulsionando-o, é a partir de então que as zonas erógenas vão sendo inscritas, o que faz com que isso vá erotizando e delimitando o corpo da criança. Quando pequeno o bebê sente-se como parte da mãe, ela só tem olhos para ele, aos poucos ela vai sendo seu objeto de gozo. Para ele, ela é completa, pois sempre supre todas as suas necessidades, mas com o tempo o bebê começa a perceber que a mãe não atende todas as suas necessidades então começa a perceber a falta na mãe. Neste momento ele começa a se questionar se ele é, ou não, o falo materno, pois começa a desconfiar que a mãe se interesse por outras coisas e não só em atendê-lo. Mas apesar dele estar percebendo que não é o falo da mãe, em algum momento o pai vai ter que intervir no relacionamento dos dois para que haja um corte neste relacionamento simbiótico, uma castração. A função paterna deve entrar na relação mãe-bebê para fazer isso, ele é quem vai castrar, ser a lei no real e que vai interditar o desejo incestuoso deste bebê de ficar com a mãe, este processo só acontece se a mãe der espaço para que o pai entre como o castrador/ privador desta relação, momento este que a criança se sente desamparada, castrada, momento registrado psiquicamente como muito doloroso e angustiante para criança. Na infância, a criança vivencia uma das suas maiores frustrações, e isso se inscreve no seu psíquico constitutivamente. Quando o sujeito simboliza que é castrado recalca este desejo incestuoso pela mãe, entra na linguagem e inicia
3 o processo de identificação com o pai, bem como passa a se interessar pelo aprendizado e inicia sua inserção na cultura. Sabemos que as funções materna e paterna podem ser desempenhadas por outras pessoas, caso os pais biológicos vierem a não estar presentes na vida da criança ou não desempenharem estas funções. Estes papeis insubstituíveis, muitas vezes são desempenhados por pessoas do convívio do sujeito, como: os avós, a madrasta, uma instituição. No entanto percebemos que a constituição psíquica sendo realizada com êxito, ainda existem movimentos psíquicos que não estão muito bem elaborados nos pacientes quando apresentam os sintomas contemporâneos acima citados. Para melhor compreender o tema busquei saber o que os autores falaram sobre o assunto e ver se isso esclarece a minha dúvida. Em seguida apresento algumas ideias a partir de Freud, Lacan, e Zeferino Rocha, leitor destes autores. Podemos compreender que Freud quando escreveu Neurose de Angustia em 1895, dizia que a crise de angustia é uma manifestação clínica de invasão da excitação de libido corporal, que não encontra representações psíquicas capazes de liga-la e elaborá-la num plano mental. Este transbordamento é um mecanismo fundamental de instalação da situação traumática e constitui um estado no qual o aparelho psíquico encontra-se em total desamparo frente a um aumento de excitações. Quando escreve O Estranho (1919), fala sobre a angústia, quando estuda a impressão de coisas conhecidas, mas incomodamente estranhas. Fala que é como uma manifestação daquilo que deveria permanecer oculto, mas vem à tona. A vivência do Édipo e a angústia de castração, contidos nos complexos infantis recalcados, são despertados abruptamente, sem a devida preparação do psiquismo. Em 1921, em Psicologia de grupo e a análise do eu, ele também fala do termo pânico para o medo sem justificativa para a ocasião e sua irrupção, como pânico, entre os indivíduos de um grupo, quando cessam os laços emocionais que os uniam. E em 1926, no artigo Inibições, Sintoma e Angústia, enfoca a questão do trauma e a teoria da angústia, mas não a neurose de angústia. Freud também ao estudar os fenômenos de massa, em 1921, percebe que as pessoas se identificavam com um líder e quando este se desfazia ou o frustrava, ele entrava em um vazio, em uma sensação de desamparo. É o fato de perceber que não há ninguém onisciente e todopoderoso, entrar em pânico é em outras palavras, se confrontar com a realidade de estar desamparado sem estar preparado para isso. A partir destas informações concluímos que a angústia é um sintoma presente no ser humano e Freud já tentava entender o que se passava no psiquismo humano há muitas décadas.
4 Rocha (2000), no livro Os destinos da angustia na psicanálise Freudiana também buscou estudar o assunto a partir do que Freud falava. Ele expõe que Freud questionou a natureza da angustia, pois na primeira teoria, a angústia pulsional ocupava o primeiro plano e tinha sua explicação metapsicológica na formação da libido recalcada, não significava que ele tinha negado a possibilidade da angústia ser o resultado de uma transformação da libido recalcada, pois é um dos destinos do afeto quando se separa da sua representação. Diz que a nova teoria não negava a importância do registro econômico para explicar o fenômeno, ela continuava sendo um estado afetivo com um elevado nível de tensão, que provocava desprazer e exigia uma descarga e ab-reações adequadas. Revela que esta nova forma de pensar a angustia libertou Freud de pensar que ela tinha origem derivada, pois era uma transformação automática da libido recalcada. Ele retoma outra forma de reflexão anunciada em 1916, nas Vorlesunges, na qual os estados afetivos eram vistos como sedimentos de vivências traumáticas muito antigas e que quando revividas em situações semelhantes eram relembradas como símbolos mnésicos da vivência traumática originária. Na neurose de angustia o estado afetivo da angustia é vivido como um transbordamento energético, que se manifesta diretamente no corpo e através do corpo. Porque se não é elaborada a excitação sexual em vez de proporcionar uma experiência de prazer a que se destina, converte-se em angustia. Quando passou o registro das psiconeuroses atuais para o das psiconeuroses de defesa e a libido física cedeu lugar à libido psíquica, Freud continuou pensado a angustia como transformação da libido psíquica recalcada. Separando a representação do afeto tinha-se a angustia. Freud concluía que no recalque estava à origem da angustia, o que depois foi repensado: O recalque não causa a angustia, é a angustia que causa o recalque. [...] É porque tem medo da angustia que o homem recalca seus desejos inconscientes, quando estes representam uma situação ameaçadora para o ego. Portanto, muito antes da defesa do recalque, a angustia já era uma companheira inseparável do homem, ou para dizêlo com as palavras de Freud: Die Angust ist füher da, ou seja, a angustia esta presente desde o começo, ela é primária e preexiste ao processo do recalque. (ROCHA, 2000, p. 105). A angustia da separação marca todo o percurso da existência humana, ela acompanha o sujeito desde o nascimento até a sua morte. Ela é um registro que se reedita a cada lembrança de angustia. Inicia-se no nascimento com o registro de angustia originária, que Freud considera também a angustia de desamparo. Pois o recém-nascido sente-se inteiramente incapaz de ajudar a si mesmo em suas necessidades vitais, já que dentro do útero materno ele recebia tudo pelo cordão umbilical. A partir de então é lançado ao mundo exposto aos perigos,
5 e isso faz com que o ser humano sinta a necessidade de ser amado e este sentimento vai acompanha-lo por toda a vida deste sujeito. Neste texto de Zeferino Rocha encontramos também fragmentos de Lacan, onde o desamparo está ligado à dependência do Outro conforme segue: O desamparo é essencialmente a dependência do sujeito na ordem da linguagem e, ao mesmo tempo, traduz o desamparo como experiência de uma falta fundamental, que cuidado algum pode suprir. Esta falta fundamental é um manque à être, vale dizer, uma falta a ser. Uma vez que o homem é efeito de linguagem, esta falta a ser é a incapacidade da linguagem de dizer a última palavra sobre a verdade do ser. (ROCHA, 2000, p.113). A falta de ser é quando o sujeito não consegue expor em palavras este sentimento de desamparo, de abandono, quando a mente não consegue nomear, significar o objeto que lhe falta. Conclusão Concluímos a partir de tudo isso que a angústia acompanha o ser humano por toda sua vida, ela é constituinte, claro que nos pacientes depressivos e ansiosos o sentimento de vazio e desamparo é sentido com mais intensidade e com maior sofrimento do que uma pessoa que se encontram bem. Mas o fato de ter os pais ausentes ou não, não justificam a causa dos sintomas contemporâneos, podem ter suas razões e suas justificativas em alguns casos clínicos, mas não podemos resumir a isso o fato de que os sintomas apresentados pelos pacientes decorram do papel paterno ou materno mal desempenhado.
6 Referências: BAUMANN, Zygmund. Amor líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed ROCHA, Zeferino. Os destinos da angústia na psicanálise freudiana. São Paulo: Escuta Ed., FREUD, Sigmund. Inibições, sintoma e angústia (1926). ESB. Rio de Janeiro: Imago, 1976, v.xx. FREUD, Sigmund. Psicologia de grupo e a análise do eu (1921). ESB. Rio de Janeiro: Imago, v.xviii. FREUD, Sigmund. O Estranho (1919). ESB. Rio de Janeiro: Imago, 1976, v.xvii. "NOVOS SINTOMAS" E DECLÍNIO DA FUNÇÃO PATERNA: Um exame crítico da questão. Artigo. Disponível em: acesso em 29 de maio de O PÂNICO E OS FINS DA PSICANÁLISE: A noção de desamparo no pensamento de Lacan. Artigo. Disponível em: acesso em 29 de maio de Neurose de angústia e transtorno de pânico. Artigo. Disponível em: acesso em 01 de junho de 2018.
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