O LUGAR DA MODA: UMA LEITURA DOS TEXTOS DE BARTHES SOBRE MODA ENTRE 1957 E 1967
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- Nathalia Lemos
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1 O LUGAR DA MODA: UMA LEITURA DOS TEXTOS DE BARTHES SOBRE MODA ENTRE 1957 E 1967 The Place of Fashion: A Reading of Roland Barthes s Texts About Fashion from 1957 to 1967 Raimondo, Maria Clara Leite; Graduanda; Universidade Anhembi Morumbi, claraleite9925@gmail.com 1 Barbosa, Carlos Alberto; Doutor; Universidade Anhembi Morumbi, carlosalberto.barbosa@gmail.com 2 Grupo de Pesquisa Design e Filosofia: Teoria e Crítica dos Processos de Design Resumo: Esta pesquisa de iniciação científica, ainda em andamento, tem por objetivo esclarecer qual é o lugar do conceito de moda na estrutura do vestuário discutida por Roland Barthes em alguns de seus textos dedicados ao tema entre os anos de 1957 e 1967, antes da publicação do livro Sistema da Moda. Palavras chave: Moda; Estruturalismo; Roland Barthes. Abstract: This scientific initiation research, still in progress, has as objective to clarify what s the place of the concept of fashion on the vestuary s structure discussed by Roland Barthes in some of his texts dedicated to this theme between 1957 and 1967, before the publication of the book The Fashion System. 1 Graduanda do curso de bacharelado em design de moda da Universidade Anhembi Morumbi (UAM) e participante do Grupo de Pesquisa Design e Filosofia: Teoria e Crítica dos Processos de Design (DGP-CNPq). 2 Docente do curso de Design de Moda da Universidade Anhembi Morumbi, Bacharel em Comunicação Social (FAAP), Mestre em Filosofia (PUC-SP), Doutor em Design (PPG-Design da Universidade Anhembi Morumbi) e líder do Grupo de Pesquisa Design e Filosofia: Teoria e Crítica dos Processos de Design (DGP-CNPq). 1
2 Keywords: Fashion; Structuralism; Roland Barthes. Introdução Os temas abordados por Roland Barthes no conjunto de sua obra são dos mais variados, incluindo a literatura, o cinema, a fotografia, o discurso amoroso e a alimentação. Em decorrência dessa flexibilidade temática, os escritos do autor [...] abriram uma trilha ímpar sobre o processo de construção, desconstrução e reconstrução de sentidos em objetos que até então eram desvalorizados. (DEBOM, 2014, p. 2). A moda estava entre os temas desvalorizados que chamaram a atenção de Barthes nos anos 1950, tema este que, salvo raras exceções, estava fora do interesse da intelectualidade do período. Embora a multiplicidade seja a marca comum ao universo temático do autor, todos os temas encontram guarida em um único desenvolvimento metodológico: o estruturalismo. De acordo com Barthes, o estruturalismo tem por objetivo [...] reconstituir um objeto, de modo a manifestar nessa reconstituição as regras de funcionamento (as funções ) desse objeto. (BARTHES, 1999, p. 51). Como resultado dessa reconstituição, surge o simulacro, ou seja, uma nova versão do objeto, que revela [...] algo que permanecia invisível, ou, se se preferir, ininteligível no objeto natural. (Ibid., p. 51). O simulacro consiste em um objeto carente de existência concreta, mas 2
3 que revela elementos que permaneciam ocultos no objeto original. Entre os elementos revelado, afirma Barthes, está o intelecto humano. O estruturalismo O processo do estruturalismo é composto de duas fases: a desmontagem e o arranjo. A desmontagem consiste em seccionar o objeto de forma a entender cada uma de suas partes individualmente e consequentemente como elas influenciam no todo, já que a menor variação trazida a sua configuração produz uma mudança no conjunto (Ibid., p. 52). O arranjo, por sua vez, é a etapa em que o intelecto humano passa a integrar o simulacro produzido, pois o estruturalista deve, nesta etapa, entender como as partes obtidas do processo de desmontagem podem ser organizadas de modo a combater o acaso. Ou seja, é quando são apontadas as características que permitem ordenar as partes de forma lógica. É neste momento que [...] o homem estrutural deve descobrir-lhes ou fixar-lhes regras de associação: é a atividade do arranjo [...] (Ibid., p. 53). Essa ordem de desmontagem e arranjo, que é parte da atividade estruturalista, foi aplicada por Barthes em um conjunto de textos sobre a moda desenvolvidos entre os anos de 1957 e 1967, quando então o autor publicou seu livro mais famoso sobre a temática da moda: Sistema da Moda. A moda nos textos pré Sistema da Moda 3
4 Com o intuito de introduzir a moda no campo de estudo do estruturalismo e da semiologia, Barthes utiliza o modelo estruturalista desenvolvido por Ferdinand de Saussure no campo da linguística como referência metodológica a partir da qual ele desenvolve conceitos e analogias preparatórias para a concepção do sistema do vestuário. O modelo linguístico é utilizado como parâmetro pois, como afirma Barthes: [...] a linguística é, no estado atual das coisas, a própria ciência da estrutura. (Ibid., p. 50). Ou seja, se apresenta como um modelo exemplar quando se trata de estruturalismo. O modelo proposto por Saussure apresenta diversos termos resultantes da prática estruturalista realizada pelo linguista, e que serão utilizados por Barthes para criar associações com o vestuário. Os termos que interessam a este trabalho são: língua, fala e linguagem, e sua correspondência com a estrutura do vestuário. A definição de língua é: [...] uma instituição social, independente do indivíduo, é uma reserva normativa na qual o indivíduo haure sua fala (BARTHES, 2005b, p. 268). A fala, por sua vez, consiste em [...] um ato individual, uma manifestação atualizada da função de linguagem [...] (Ibid., p. 268). Finalmente, a linguagem define-se como um termo genérico que compreende língua e fala. (Ibid., p. 268). Entende-se, portanto, que a língua se apresenta como a porção normativa da linguagem, formando uma reserva que é imposta ao indivíduo, a partir da qual ele delimita a sua fala. A fala, por sua vez, trata da porção individual da linguagem, cujos limites são impostos pela língua. Já aqui são perceptíveis os indícios da realização do processo de desmontagem no modelo de Saussure, já que a língua e a fala são componentes de uma instância maior, que é a linguagem. 4
5 Ao ajustar esse modelo para o contexto da moda, Barthes utiliza os termos indumentária, traje e vestuário. A indumentária é equivalente à língua, e é definida como [...] uma realidade institucional, essencialmente social, independente do indivíduo, como que a reserva sistemática, normativa, da qual ele extrai seu próprio traje. (Ibid., p. 268). O traje corresponde à fala, sendo descrito como [...] uma realidade individual, verdadeiro ato de vestir-se, pelo qual o indivíduo atualiza em si a instituição geral da indumentária. (Ibid., p 268). Desse modo, o vestuário é um termo abrangente para o conjunto de indumentária e traje, e que equivale à linguagem. Nesse contexto, a indumentária [...] constitui uma relação intelectual, notificadora, entre o usuário e o seu grupo. (Ibid., p. 273), enquanto o traje permanece limitado à esfera individual, ou seja, não cria relações com o coletivo em que o indivíduo está inserido. Apesar do caráter individual do traje, a sua propagação pode ser decisiva para que ele atinja proporções sociais. No caso de uma peça ou um uso que surge como um fato de traje e posteriormente se torna regulamentado por um grupo social (ou por uma produção fabril), o que ocorre é justamente a passagem de traje à indumentária, que corresponde à transição do uso individual para o contexto coletivo. E a moda? Onde se localiza nesse contexto? Barthes (2005b, p. 272) afirma que [...] a moda é sempre da alçada da indumentária. Neste caso, o autor inclui a moda na porção normativa e social do vestuário. Ao incluir a moda na indumentária, Barthes não estabelece equivalência entre ambas. Moda e indumentária não são a mesma coisa, e a primeira se deslocou para o 5
6 universo da segunda. Tal deslocamento parece ser exatamente o que caracteriza a moda. Se toda peça ou uso imposto ao indivíduo por um grupo social ou por fatores de produção é caracterizado como indumentária, e a moda é desse âmbito, como reconhecê-la? Barthes afirma que entende-se que ela [...] não está ligada a esta ou aquela forma particular de vestuário, mas que é unicamente um problema de ritmo, um problema de cadência no tempo. (BARTHES, 2005a, p. 354). Dessa forma, é possível compreender inicialmente os limites entre a indumentária e a moda, relacionando a primeira com as formas regulamentadas e impostas socialmente, tais como as silhuetas em determinado período da história, e a moda com o ritmo que dita as mudanças dessas silhuetas em diferentes períodos. Para examinar este ritmo de mudanças, Barthes resgata os estudos de Alfred Louis Kroeber a respeito do vestuário, nos quais o antropólogo [...] reduziu o vestuário feminino a certo número de traços [...] (Ibid., p. 355), como por exemplo o comprimento das saias e a profundidade dos decotes. A partir desse recenseamento, Kroeber [...] mostrou de modo seguro que a moda é um fenômeno profundamente regular, que não se situa no nível das variações anuais, mas em escala histórica. (Ibid., p. 355), isto porque foi constatado que o tempo existente entre dois fatores extremos era de aproximadamente 50 anos. Por exemplo, se hoje as saias estão com o maior comprimento possível, em 50 anos deverão ter o menor comprimento possível. Por conta das insuficiências das histórias da indumentária existentes até o momento, que se limitaram a tratar o vestuário como acontecimento histórico, ele ainda não havia sido cogitado como um objeto possuidor de uma estrutura constitutiva, 6
7 invariante, mas que, ao mesmo tempo, sofria constantes mutações. (WERNECK, 2008, p. 111). Desta forma, Barthes define a moda como um fenômeno de periodicidade regular, cujas mudanças não estão à mercê do acaso, mas de uma ordem de mudança temporal, que implica na interrupção de uma indumentária vigente e a introdução de uma nova, ou seja, uma renovação da reserva normativa. Sua origem pode ser fruto da própria indústria (nesse caso a moda já nasce como indumentária) ou pela propagação de um traje, que transcende o indivíduo e ganha força normativa no grupo social ao qual o indivíduo pertence. Quando ocorre o segundo caso, a moda representa, ao menos inicialmente, uma desmontagem da indumentária, já que o indivíduo não dispõe de outro inventário, senão o da indumentária, para extrair seu traje. Ao ser propagada e regulamentada, a nova forma de uso é absorvida pela indumentária e deixa de ser uma desmontagem para mais uma vez fazer parte da reserva normativa. Se este trânsito entre o traje e a indumentária está na origem da moda, qual a motivação deste deslocamento? Segundo Barthes, é um erro confundir as mudanças formais (internas ao sistema) e as mudanças de significado (externas ao sistema), já que sendo sistemas distintos, essas transformações podem seguir ritmos diferentes. Esse é um erro metodológico recorrente no estudo da história da moda e que Barthes denuncia ao apontar que [...] o historiador ora segue a história do significante evolução das silhuetas, ora a do significado reinos, nações. (BARTHES, 2005b, p. 263). Para Barthes, A mudança, que se supõe ocorrer pela introdução de uma moda, não tem origem; ela está na lei formal que rege o espírito humano e as rotações das formas no 7
8 mundo. (Ibid., p. 360), isto é, as mudanças de silhuetas ocorrem internamente ao sistema do vestuário, independentemente de significados externos. Por isso tudo, o autor contesta a leitura fácil segundo a qual os cabelos longos dos anos 1960 seriam a consequência de uma feminização ou preguiça dos jovens daquele período. [...] a moda de cabelos longos para rapazes foi lançada pelos Beatles; é verdade, mas seria falso criar uma caracterologia do jovem moderno a partir daí e induzir traços de caráter como feminização e preguiça, a partir dos cabelos compridos. Se os cabelos se tornaram longos, foi porque antes eram curtos. (BARTHES, 2005a, p. 361) A partir desse trecho, é possível assimilar que a propagação de um traje (e consequentemente o surgimento de uma moda) pode estar associada [...] a imitação de determinada forma ou de dado detalhe que já existem, como o cabelo de um ator ou de uma atriz [...] (BARTHES, 2005a, p. 361). Porém, a motivação para que essa imitação seja assimilada gerando uma renovação no ciclo da indumentária, reside apenas na necessidade de dar continuidade ao ritmo da moda. A motivação para a adoção de uma nova moda não reside na maneira que ela surgiu, mas sim na renovação constante que a estrutura exige. Ao analisar as considerações de Barthes a respeito da moda, é possível postular mais algumas reflexões acerca do assunto. Uma delas está relacionada com o processo de significação resgatado do modelo linguístico, e consiste em perceber a presença da moda nesse processo. Essa percepção reside na assimilação de um traje pela indumentária, pois com isso é 8
9 assimilado também o significado que este uso ou peça carregava no estado de traje. Um exemplo disso é o jeans, que foi produzido pela indústria com características funcionais, visando ser [...] uma roupa resistente criada apenas para suportar o trabalho nas minas de ouro do oeste americano [...] (ALMEIDA; EMIDIO, 2007, p. 78). Posteriormente, ao ser adotado como traje, passa a ser usado com uma finalidade diferente da originalmente proposta pela indumentária. A partir do momento em que essa nova finalidade é absorvida pela indústria, ou seja, quando se introduz uma nova moda, o processo de significação é reestabelecido, pois um mesmo significante (jeans) passa por uma renovação do significado. Dessa forma, a moda reside na restituição do processo de significação, atuando na criação de um novo signo. Conclusão Tendo em vista todas essas considerações, conclui-se que, para Barthes, a moda é um fenômeno extremamente regular, cujas mudanças são provenientes da necessidade da manutenção dessa regularidade, e que [...] pode muito bem produzir seu próprio ritmo (BARTHES, 2005, p. 263), independentemente das mudanças de outros sistemas exteriores a ela e que lhe atribuem significado. Com isso, o exercício estruturalista realizado pelo autor no âmbito do vestuário proporciona uma base teórica para a posterior leitura de Sistema da moda, livro que reúne os elementos resultantes do estudo estruturalista e os integra no sistema do vestuário elaborado pelo autor. 9
10 Referências ALMEIDA, Ariana de Camargo Villela Rocha; EMIDIO, Lucimar De Fátima Bilmaia. A Evolução da Calça Jeans e do Comportamento do Consumidor: uma reflexão como parâmetro para a concepção do produto. Projética Revista Científica de Design, Londrina, v. 3, n. 2, p , dez Disponível em: < Acesso em 25 maio BARTHES, Roland. A moda e as ciências humanas. In: BARTHES, R. Inéditos vol. 3 Imagem e moda. São Paulo: Martins Fontes, 2005a, p BARTHES, Roland. História e sociologia do vestuário. In: BARTHES, R. Inéditos vol. 3 Imagem e moda. São Paulo: Martins Fontes, 2005b, p BARTHES, Roland. Sistema da moda. São Paulo: Martins Fontes, BARTHES, Roland. A atividade estruturalista. In: BARTHES, R. Crítica e verdade. São Paulo: Editora Perspectiva S.A., 1999, p DEBOM, Paulo. O Vestuário e a Moda enquanto Fontes para o Estudo da História. In: Encontro Regional de História ANPUH Rio, 16., 2014, Rio de Janeiro. Anais do XVI Encontro Regional de História da ANPUH-Rio: Saberes e Práticas Científicas. Rio de Janeiro: ANPUH-Rio, Disponível em: < VO_OVestuarioeaModaenquantoFontesparaoEstudodaHistoria.pdf>. Acesso em: 16 maio
11 WERNECK, Mariza. Roland Barthes, a moda e as assinaturas de mundo. Iara Revista de Moda, Cultura e Arte, São Paulo, v. 1, n. 1, p , abr./ago Disponível em: < Acesso em 14 maio
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