SABERES SOBRE A LÍNGUA E PRÁTICA DE ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA: TENSÕES E DISTENSÕES NO DISCURSO DOS PROFESSORES
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1 Anais do II Seminário Interno de Pesquisas do Laboratório Arquivos do Sujeito SABERES SOBRE A LÍNGUA E PRÁTICA DE ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA: TENSÕES E DISTENSÕES NO DISCURSO DOS PROFESSORES Carla Barbosa Moreira Pós-doutorado UFF/CAPES-PNPD Supervisora: Profª. Drª. Bethania Mariani Com o fim de dar visibilidade à reformulação do projeto de pós-doutorado O brasileiro hoje: língua, cultura e novas relações sociais, pretendo apresentar suas linhas gerais e o modo como será desenvolvido. Este projeto é supervisionado pela Profª. Bethania Mariani, desenvolvido por mim e pela pós-doutoranda Juciele Dias. A parte que me cabe da pesquisa está fundamentada no dispositivo teórico-metodológico da Análise do Discurso Francesa e da, e tem como pergunta mais abrangente a seguinte formulação: que imagem os brasileiros fazem da língua portuguesa? Quanto ao projeto inicial e sua reformulação, exponho uma inquietação, para mim nova, em relação à própria resistência do pesquisador diante de seu objeto, de suas questões. Parto da consideração de que a proposta corrente era analisar os saberes sobre a língua e os imaginários produzidos em atividades de uma sala de aula de leitura. Contudo, a questão inicial estava centrada no discurso dos professores de língua portuguesa. E volto para este ponto na expectativa de caminhar. Assume-se, com Orlandi (2009), uma relação tensa e contraditória que trabalhamos, entre língua fluida\língua imaginária a ser pensada no espaço enunciativo das aulas de língua portuguesa. Os lugares de memória do nome Língua Portuguesa, posta a extensão de sua significação, fazem saltar a própria relação entre o que somos, a língua que falamos e a(s) língua(s) legitimadas na sala de aula. Disso, desmembram-se várias questões e eu aponto como primeira a tentativa de compreender numa relação indissociável discurso-prática do professor de língua portuguesa a produção de saberes sobre a língua construídos. Nesse sentido, interessa-me, posta a questão dos sentidos de língua portuguesa, a (tensa) relação entre os saberes sobre a língua, as políticas linguísticas e a língua portuguesa ensinada na sala de aula.
2 Assim, pretende-se, retomando o projeto inicial, fazer um mapeamento de discursos de professores - antes a proposta era também com pedagogos, alunos, projetos pedagógicos e livros didáticos - quanto aos sentidos de língua portuguesa e ao ensino da disciplina, a partir da problematização das várias questões que suscitarão de um debate entre esses professores, intermediado por mim. Uma das questões que poderá ser demandada é a da distinção entre língua nacional / língua materna pelas diferentes memórias relativas a cada uma delas para a compreensão do processo de (des)identificação, resultado do processo de escolarização. Quanto a isso, Payer (2006), afirma que a afirmação da língua nacional se dá pelo apagamento da língua materna, o que resultaria no efeito de uma ilusória coincidência entre ambas. Assim, faz sentido questionar o modo como esta problemática se impõe como tensão entre esse saber e\ou quais outros saberes - e prática de ensino. Segundo a autora (idem), há um batimento entre as línguas ligado às memórias discursivas que se produzem historicamente a respeito das línguas no interior de uma sociedade organizada como sociedade nacional, que como tal conheceu fatos históricos da ordem da política linguística, tais como a injunção de se praticar uma língua X e a interdição para enunciar em outra língua Y, como se pode pensar no caso do ensino de LP na sala de aula. Considerando que sujeito e sentido se constituem simultaneamente (ORLANDI, 1996), cabe analisar a relação entre o sujeito e as línguas que participam de sua história neste espaço enunciativo. É preciso impor esta questão diante do fato de que o próprio processo de formação de professores de língua portuguesa no Brasil, em seus cursos de Letras e de Linguística, constitui-se dos itens referentes à história da formação das línguas nacionais e de uma dada língua nacional. Como afirma Payer (2006), além de ser símbolo de nacionalidade, a língua é fundadora do Estado e minuciosamente cultivada em suas formas cultas, sobretudo no ensino escolar. Se, ainda, como afirmou Orlandi (2002, p.96) a questão da unidade não é exclusiva ao vínculo que mantém com a noção do Estado, ela está presente como condição necessária na própria constituição de qualquer língua. Nesta mesma perspectiva, haveria uma dualidade contraditória na constituição das teorias linguísticas e na história de seus confrontos, dualidade necessária se pensamos o objeto língua exposto ao fato de que existem línguas, cabe perguntar se nesses discursos e nessas práticas, coloca-se a relação equívoca e necessária entre língua e línguas; a questão da unidade e diversidade concreta. Trata-se, enfim, de uma postura ética. 12
3 Contudo, seguindo ainda Orlandi (2002: 97), a questão ética não se coloca apenas quando adotamos essa ou aquela atitude ante o excluído, porém se coloca já no momento em que nos filiamos a essa ou aquela teoria linguística, gramatical etc. Acredito que nestes dois últimos aspectos se acomode o ponto nodal da relação teoria-prática pensada de um ponto de vista discursivo e político. Nestes termos, cabe perguntar: - Quais imaginários sobre essas línguas estão sendo construídos? Há previsão de políticas sobre essas línguas e como elas significam na relação com a outra língua a língua portuguesa? Estas perguntas pretendem atentar contra o risco de uma visada sociologista, que, para usar as palavras de Orlandi (2009), propõe-se a resolver os desvios e suprimir as desigualdade, reconhecendo, sem criticar, a exclusão da diversidade das línguas. Nesse sentido, o que se tem é uma teoria das relações sociais que não problematiza as relações de produção. Compreendo, assim, que não basta apenas um reconhecimento das múltiplas línguas, já que, como aponta Orlandi (2009, p. 163), essas relações nos colocam diante de uma língua trans-nacional, algo estruturante das relações de poder na sociedade de Mercado. Desse modo, diferentemente do que propõe Auroux e Orlandi que dão à língua um sentido político necessário, as Políticas Linguísticas, segundo Calvet (2007: 133; 2007: 11), se referem a um conjunto de escolhas conscientes referentes às relações entre língua(s) e vida social, e o planejamento linguístico, seria a implementação concreta de uma política linguística. Política Linguística é o título de um capítulo da obra Sociolinguística (2007), sobre o qual aceno para a concepção social da língua atestada por uma ciência que, nas palavras de Calvet (2007: 133), tem eficácia social, por suas possíveis aplicações\intervenção. Portanto, não se trata de simplesmente negar uma intervenção política ou mesmo negar uma instrumentação em contrapartida às outras línguas. Mas as Políticas de língua devem prossupor, antes, a problematização do político, a compreensão e reconhecimento das tensões nesses espaços; trabalhar (produzir saberes \instrumentalizar \agir) a partir dessas premissas, responsabilizando-se por elas a língua e as línguas. Disso advêm outras questões quanto ao ensino mediante a Política de línguas, para se pensar as relações entre os Estados, Instituições e o modo de acesso à língua: - O que se silencia e como se inscreve nesses discursos e práticas a contradição unidade/diversidade? Como se dão as tensões entre os sentidos de língua portuguesa e as implicações do nome da disciplina? Nestas formulações, faço referência à abordagem defendida por Orlandi (1990), que ressalta a presença do político na língua: o modo de poder tomar a palavra, o que também 13
4 comparece como uma questão para a pesquisa. A autora destaca as três posições que configuram diferentemente as políticas linguísticas: a primeira, coloca o princípio da unidade como valor; a segunda, o princípio da dominação; a terceira, o princípio da diversidade (ORLANDI, 1998). Considero que o que salta destas relações, a partir de uma abordagem em que o político está pressuposto, é o espaço do litígio (GUIMARÃES, 2001). Em relação a essas posições em que as políticas se configuram a partir desta perspectiva do litígio, está ainda em jogo um questionamento: se \ como \ até que ponto elas (as posições), em vez de meramente acomodarem as tensões, dão-lhe validade, legitimidade, mas no sentido de se responsabilizar pelos modos de conflito quanto ao poder de tomar a palavra; ao direito à enunciação (e ao professor que, no espaço enunciativo sala de aula, dá esse direito), e à significação na configuração das Políticas Linguísticas. Os trabalhos de Dias (1996), Guimarães (2001), entre tantos outros, são representativos dessa perspectiva. Dias (1996) buscou compreender o modo como as tensões se estabelecem nos discursos dos parlamentares quando estava em voga o nome da língua. Ele analisou os discursos, buscando compreender quem tinha o poder da palavra, ou quem seria o sujeito da\na língua. Diferentes imaginários sobre a língua apontaram quem eram os sujeitos que tinham ou não direito à enunciação e, desse modo, a significarem ou não pelo modo como se usa a língua. Nestes termos, sobressaíram-se as questões relacionadas aos que falam as línguas, de modo que o valor da língua é ressaltado por duas posições: 1) a dos parlamentares que negavam a designação da língua como brasileira (não queriam a mudança, já que isso significaria a assunção de uma identidade para a nação a partir de um domínio de língua referenciada por um povo ignaro ); 2) a dos parlamentares que defendiam a mudança, pois para eles a língua brasileira expressaria a natureza do País, de feição tão linda que é o idioma brasileiro. Esta abordagem contribuiu para a formulação de outras questões concernentes ao quadro geral da pesquisa que apresento: - Como o político se estabelece na afirmação de uma igualdade (todos têm direito a saber a Língua Portuguesa ), de pertencimento (professores de língua portuguesa\que têm esse saber) e exclusão (as hiperlínguas, as outras línguas que não são de direito). Como podem ser compreendidas as tensões nestas políticas que buscam regular\instrumentalizar\difundir a língua, considerando-se a relação entre as línguas e falantes, os modos de dizer, a produção de saberes, em nome de um certo espaço escolar de dizer? Estas questões fazem sentido porque, como já exposto, as políticas de língua pressupõem, antes, a problematização do político, a compreensão e o reconhecimento das 14
5 tensões nesses espaços. Se, quanto aos imaginários\representação, questiona-se que sentidos de língua portuguesa (HIL) representações de língua\uma configuração imaginária comparecem no ensino da disciplina língua portuguesa, me interessa analisar: - Entre a teoria, prática e produção de saberes sobre\pela língua, que língua portuguesa é legitimada? - Como se dão os modos de identificação\desidentificação da posição-sujeito professor de língua portuguesa, considerando-se as tensões entre os sentidos de língua portuguesa que comparecem em seus discursos e suas representações produzidas na prática do ensino da disciplina em escolas? - Quanto aos instrumentos linguísticos, enquanto instrumentos de homogeneização, no discurso dos professores da\de língua portuguesa (pra inscrever aí a contradição da relação sujeito-estado e sujeito-língua) pode-se dizer de uma posição de reprodução ou de resistência a eles? - No discurso dos professores, quais instrumentos linguísticos comparecem e como funcionam os instrumentos linguísticos no espaço das aulas de língua(s) portuguesa(s)? - Há, nos discursos de professores sobre a língua portuguesa, ou na prática de ensino de língua, sentidos que corroborem o efeito de idiomaticidade e de língua nacional? Quais outros sentidos são construídos? - Entre os saberes sobre a língua e a prática de ensino de língua portuguesa, como o professor lida com as tensões? O que se configura como distensão dessa relação saber\prática em seu discurso, ou, dito de outro modo, como eles acomodam essas tensões, caso as reconheçam (o que é silenciado, quais as incongruências da relação saber sobre a língua e prática de ensino ou quais saberes se acomodam às práticas de ensino)? Expostos os delineamentos principais da pesquisa, falta ainda apontar o seu modo de realização: Mapeamento de pesquisas que trabalham, no campo do discurso e na HIL, os sentidos de língua portuguesa (na colonização, como língua (trans)nacional, no ensino, etc); Produção e realização palestras-debates com professores de língua portuguesa de escolas particulares e públicas, partindo de uma apresentação dessas pesquisas e abrindo espaço para um debate. O objetivo é analisar as representações de língua portuguesa, saberes sobre a língua e o como essas representações (re)significam\fazem comparecer\promovem aquilo - inclusive a(s) língua(s) - que, então, foi naturalizado ou silenciado. 15
6 As palestras deverão ter início em junho de 2013, serão gravadas e contarão com a presença do maior número de professores de língua portuguesa de cada instituição. Referências CALVET, Louis-Jean. Sociolinguística: uma introdução crítica. São Paulo: Parábola, DIAS, Luiz Francisco. Os sentidos do idioma nacional. Campinas: Pontes, GUIMARÃES, E. R. J. Política de Línguas na América Latina. Relatos 7, Campinas- HIL/UNICAMP, n. 7, p. 5-11, ORLANDI, Eni. Língua e Conhecimento Linguístico. Campinas: Pontes, Língua Brasileira e Outras Histórias. Campinas: Editora RG, Línguas e Instrumentos Linguísticos, n. 1. Campinas: Editora da Unicamp, PAYER, Maria Onice. Memória da língua: imigração e nacionalidade. São Paulo: Escuta,
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