Novos Olhares a partir de uma Ruta

Transcrição

1 Novos Olhares a partir de uma Ruta O ano tem 365 dias nos quais, grande parte desse tempo, você segue uma rotina normal, sem consequências em dias posteriores. São raros os dias em que realizamos algo que é capaz de mudar nosso dia a dia e o modo de ver o mundo. O dia em que enviei a redação para o IF para participar do programa Ruta Quetzal BBVA foi um desses raros dias e que, por surpresa, acabou me dando mais 35 dias inesquecíveis. A viagem não começou no dia 19 de junho como muitos pensavam. Antes disso, havia uma lista de materiais como lanternas, esparadrapo, luz química, calças que podem virar bermudas, medicamentos e saco de dormir que precisaria comprar. Também fiz uma breve e valiosa visita à embaixada da Espanha em Brasília para receber minhas mochilas, passagens, camisas, botas e casacos. Mochilas finalmente prontas, segui para o Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro e finalmente embarquei nessa grande aventura com a primeira parada em Lima. Peru Em Busca de Tesouros e Origens Foto publicada no site oficial Eu era a única brasileira no meio de 200 adolescentes de todas as partes do mundo. A primeira coisa que notei ao ver muita gente falando um idioma diferente do meu foi a diferença entre sotaques. Eu era capaz de entender perfeitamente pessoas de uma região, enquanto de outra era praticamente impossível.

2 Mas não pensem que foi tudo uma colônia de férias. Não há nada igual ao início da Ruta: é preciso aprender a montar barracas, acostumar-se a dormir no saco de dormir, criar músicas para seu grupo, experimentar comidas novas, conviver com 200 pessoas desconhecidas e não ter celular ou qualquer maneira de comunicação com sua família. A única forma possível de contato eram as cartas que poderiam ser enviadas para os expedicionários todas às sextas feiras e, geralmente, eram recebidas com choros e risadas aos sábados. Lar doce lar O novo estilo de vida foi se modelando a cada lugar que passávamos. Em Lima, vimos diversos museus e visitamos locais que lutam para melhorar cada vez mais, como Pachacútec. Centro de Estudos e Desenvolvimento Comunitário Pachacútec Em Nasca, vimos sítios arqueológicos como Cahuachi, que merecem destaque pelas dedicadas pesquisas realizadas e pelos diversos tesouros que ainda estão sendo descobertos, tais como o modo de viver das antigas sociedades, artefatos para rituais e modos de construção.

3 Parte de um muro - Coluna de sustentação - Maquete Vimos também as diversas soluções encontradas para solucionar a falta de água na superfície, uma vez que esta pequena cidade se encontra em meio ao Deserto de Atacama. A busca por tal elemento essencial se reflete nos diversos fossos, de forma espiral, construídos com pedras para possibilitar o recolhimento de água e a realização de rituais de adoração aos deuses. Fosso para recolhimento de água Todo este aprendizado me levava a pensar nas relações que estabelecemos com o meio em que residimos. As diferenças entre o passado e o futuro são explicadas muitas vezes pela tecnologia, mas creio que a maior diferença entre eles não se trata disso, mas sim da nossa relação com a Terra. Antes, existia o que chamamos na língua Quechua de Chaupi, ou seja, troca, reciprocidade, A Terra me dá algo e dou algo a Terra. Hoje em dia, essa relação está perdida, não há desenhos em cada rocha, não há oferendas, apenas construímos e produzimos. Talvez tenha sido um erro perder essa conexão entre Terra e ser humano, porém mais tarde pude perceber que é possível recuperá-la de alguma forma.

4 Após falar dos tesouros, preciso falar das origens. Como proposto na Ruta, o tema desse ano era En Busca de las Fuentes del Río de las Amazonas. El Misterio de la Danza de los Cóndores sendo assim partimos em direção a cidade de Chivay, sem antes pararmos em Arequipa e na Reserva Nacional Salinas y Aguada Blanca para vermos alpacas, llamas e vicuñas. Llamas e Alpacas, respectivamente. Nossa estadia na ciudad blanca, como é conhecida Arequipa, durou apenas alguns dias e nos rendeu grandes aprendizados da parte histórica da cidade. Rapidamente, seguimos para Chivay, onde nos preparamos para a grande caminhada em busca das fontes do Rio Amazonas e vimos os famosos Condores em uma das partes do Canion de Colca. Mirante para observação de Condores O grande problema era a altitude e muitas pessoas começaram a passar mal pela falta de oxigênio, eu não escapei. Os médicos presentes na expedição não permitiram

5 que eu fosse a Quehuisha, onde se encontrava a fonte do Rio a 5000 m de altura. Fiquei decepcionada, pois era a única brasileira e não poderia representar meu país em uma das partes mais importantes da viagem ( porém a solidariedade estava sempre presente na Ruta, já que não pude ser a representante brasileira nessa parte da aventura, pedi a uma amiga colombiana de meu grupo que levasse a bandeira e ela, sem questionar, aceitou e fez a tarefa de erguer nosso símbolo diante da nascente do Rio Amazonas. Origem do Rio Amazonas A Ruta não estava nem na metade quando deixamos Chivay. Navegamos pelo Pacífico e observamos formas de cultivo em um deserto. Caminhada no deserto

6 Toda essa experiência ocorreu ao lado de pessoas diferentes e interessantes que tinham várias coisas para contar sobre seu país e queriam escutar o que os outros tinham a dizer. Porque essa era a real Ruta: descobrir mais sobre os outros e, consequentemente, sobre si mesmo. Não havia colonos nem colonizados, não havia rixas de futebol nem preconceitos, apenas jovens de mente aberta e dispostos a aprender. Nove representantes da Língua Portuguesa Espanha Em Meio a Reinos e Topillos Apesar de a saudade de casa apertar cada vez mais, dizer adeus ao Peru não foi fácil. Havia visto tanta coisa diferente e bonita, mas a sensação de que havia mais para ser visto permaneceu comigo e me deixava disposta a seguir em frente. Depois de uma conexão na Colômbia e horas de voo cruzando o Atlântico, a Espanha nos recebeu com outro clima, mais horas de sol, diferentes constelações e nos mostrou que as histórias vistas no Peru eram interligadas com uma variedade de fatos ocorridos em território espanhol. Visitamos pequenas cidades no Reino de Navarra e no Valle de Baztan. A pequena cidade de Sartaguda parou para nos receber e nos mostrou diferentes formas de cultivos sem agrotóxicos. Sangüesa se revelou uma vila cinematográfica a cada esquina que percorríamos. Elizondo forçou-nos a retirar a capa de chuva de dentro das mochilas e limpar as botas de lama. Javier nos encantou com o belíssimo castelo e Zugarramurdi

7 nos assustou com suas cavernas conhecidas por serem locais ritualísticos envolvendo bruxas.

8 Sartaguda, Sangüesa, Javier, Elizondo e Zugarramurdi, respectivamente Uma das partes marcantes de nossa trajetória pela Espanha foi percorrer o Caminho de Santiago. Fomos de Zugarramurdi a Elizondo, um percurso de 24 km, passando por diversas cidadezinhas e igrejas. As dez horas de caminhada foram duras. Ao final, pensava que não conseguiria terminar o percurso, mas todos em volta procuravam um apoio mútuo e o chefe do acampamento, Jesus Luna, apresentou-nos apenas duas opções: ou nós chegaríamos, ou nós chegaríamos. De repente, as subidas viraram descidas e as escadas acabaram. Apesar do cansaço, a sensação de satisfação era maior e o grande aprendizado de que sempre podemos dar um pouco mais de si envolveu a todos no desfecho daquele dia.

9 Início da caminhada com muita chuva Após 12 km de caminhada Ao final da expedição, visitamos uma pequena cidade chamada Santervás de Campos. A cidade continha apenas 65 habitantes e nós éramos quase 250. Toda a população nos recebeu carinhosamente, nos mostraram os lindos campos de girassol e de trigo e nos presentearam com um muro onde todas as bandeiras foram pintadas. Os 65 habitantes são complementados pela quantidade de ratinhos selvagens (topillos) presentes nessa vila, principalmente onde acampamos. Recepção, girassóis, recolhimento de trigo, muro de bandeiras e topillo, respectivamente

10 Para fechar com chave de ouro toda essa aventura, paramos em uma cidade na costa denominada Plentzia e em Toledo, a cidade medieval que contém um pedaço de história em cada pedra que compõe suas ruas. Plentzia

11 Toledo Retornamos a Madrid e fomos recebidos pelo novo rei da Espanha, Felipe VI, uma cerimônia emocionante, afinal, não é todo dia que encontramos um rei por aí. Por fim, recebemos nossos diplomas para marcar essa grande formação humana, afetiva e cultural que tivemos. Naquela mesma noite, foi oferecida uma festa de despedida a todos os ruteros e talvez tenha sido o momento mais triste de toda expedição. Despedirme daquelas pessoas com que passei 35 dias foi pior do que qualquer caminhada que realizamos. Encontro com o Rei

12 Diplomas! Então chegamos ao fim e, para completar essa matéria, escolhi compartilhar com vocês uma frase muito interessante de um filme que diz: Nós aceitamos a realidade do mundo que nos é apresentado. A realidade que vivi durante essa viagem apresentou-se como uma forma melhor de viver, onde há solidariedade, paciência e respeito. Espero continuar carregando essa pequena realidade que vivi e, como escrevi no texto que foi selecionado, compartilhá-la com o maior número de pessoas. Agora, tomo a liberdade de me dirigir a qualquer aluno do IF que estiver lendo essa pequena amostra de minha aventura: nós temos sorte de estudar em uma escola que apresenta tantas oportunidades desse tipo, basta saber aproveitá-las. Grupo 4 Texto: Maria Madalena de Bastos Ferreira Costa IF Sudeste MG Câmpus Juiz de Fora