ABERTURA DOS ARQUIVOS DA DITADURA (CIVIL) MILITAR



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Transcrição:

CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES Niterói RJ: ANINTER-SH/ PPGSD-UFF, 03 a 06 de Setembro de 2012, ISSN 2316-266X ABERTURA DOS ARQUIVOS DA DITADURA (CIVIL) MILITAR Cesar Augusto Freitas Jacques Mestrando em Patrimônio Cultural pela UFSM e Graduado em Direito pela UFSM cesarfjacques@yahoo.com.br José Luiz de Moura Filho Doutor em Desenvolvimento Regional pela UNISC, Mestrado em Direito pela UNISINOE Graduado em Direito pela UFSM, zecamoura@hotmail.com Apresentação O assunto ditadura (civil) militar voltou à cena na sociedade brasileira, nos últimos anos, a partir das manifestações dos órgãos internacionais de Direitos Humanos condenando Estado brasileiro pelos crimes cometidos por seus agentes, oportunidade em que este passou a esboçar postura semelhante aos outros países da América Latina: a retomada das ações típicas de uma política de justiça de transição. A partir dessa realidade, o Estado brasileiro dá continuidade ao processo incompleto de justiça de transição, iniciado com a instituição da Comissão da Anistia, em 2001, e dá prosseguimento às outras fases necessárias à tentativa de superação de um passado recente de violações contra a população brasileira, e mesmo contra estrangeiros que ousaram desafiar o regime em nome da democracia e dos direitos humanos. Nesse contexto, e dentro de uma crise de discursos e argumentos favoráveis e contrários à revisão do período ditatorial, o governo brasileiro, entidades de Direitos Humanos, órgãos instituídos pela Constituição federal e parte da população prosseguem na tentativa de descortinar um período bastante obscuro da história brasileira: a última ditadura-civil militar. Um dos acontecimentos que provocaram a retomada desta discussão foi a condenação do Brasil, em 2010, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso da Guerrilha do Araguaia, o que reascendeu o debate na sociedade e, em certa medida, pressionou o governo federal a criar instrumentos para que o Estado brasileiro

possa dar uma resposta àquela Corte. Nesse contexto, foi criada em 2011, a Comissão Nacional da Verdade, com o propósito de dar continuidade às outras fases da justiça de transição. Espera-se que com o início dos trabalhos da Comissão da Verdade, aliado à publicação da Lei de Acesso à Informação Pública (Lei 11.527/11), e juntamente com a colaboração das pessoas que de algum modo estiveram envolvidas naquele período, evolua-se da compreensão superficial que a sociedade brasileira tem sobre sua própria história, para um processo de esclarecimento do que realmente aconteceu após o golpe Estado de 1964, inclusive com a identificação dos atores envolvidos, já que, de regra, apenas agentes públicos (policiais, militares, membros dos órgãos de segurança, etc.) aparecem como tais, com poucas referências oficiais à participação do setor privado, normalmente por iniciativa da academia. Nessa perspectiva, também se espera um grande debate pelos diversos setores da sociedade brasileira, no sentido de problematizar os verdadeiros motivos que levaram à instauração de uma ditadura civil-militar em 1964, quem foram os reais beneficiados e, principalmente, para concluir-se que jamais se pode ter como solução de uma crise interna o desrespeito à pessoa humana, com a imposição de restrições de direitos, prisões arbitrárias e violências de todo tipo. Metodologia O presente trabalho desenvolve-se, basicamente, através da revisão bibliográfica acerca dos sistemas de justiça de transição adotados pelos países participantes da chamada Operação Condor, em especial a legislação de acesso à informação de cada um deles. Também se está procedendo à análise documental, como depoimentos, entrevistas, etc., com pessoas envolvidas nos eventos investigados, dispostas a falar, independentemente de tratar-se de vítimas, seus parentes ou agentes dos Estados respectivos. Desenvolvimento O tema acesso aos arquivos da ditadura foi escolhido tendo como premissa a relevância do assunto na atualidade, uma vez que o Estado brasileiro, ainda que timidamente, dá mostras de que pretende enfrentar uma questão há muito relegada ao esquecimento: a continuidade da política de justiça de transição.

A partir desse contexto, é fundamental que se compreenda a dimensão do significado da expressão abertura dos documentos da ditadura civil-militar no Brasil e quais suas implicações, uma vez que desde a regulamentação do Art. 5º, inciso XXXIII da CF, é direito fundamental do cidadão - e dever do Estado - permitir o acesso a esses arquivos. No entanto, foi preciso mais de duas décadas para que o texto constitucional fosse observado e então, a partir da Lei 12.527/11 (Lei de Acesso à Informação Pública) não poderão ser objeto de restrição todos e quaisquer documentos que versem sobre condutas que impliquem violação dos Direitos Humanos, praticadas por agentes públicos ou a mando de autoridades públicas. Obviamente, nesse contexto estão contemplados todos os documentos que registrem as ações dos agentes do Estado brasileiro no período da ditadura civil-militar, notadamente os órgãos repressivos. Anteriormente à Lei de Acesso à Informação Pública, a Lei 8.159/91 (Lei de Arquivos) já tratava genericamente do tema acesso a documentos públicos, sem definir, contudo, como se daria esse acesso, tampouco que prazo teria o agente público para disponibilizar os documentos. Na esteira da Lei de Arquivos seguiu-se uma série de Decretos Presidenciais e outras leis que não superaram o embate cultura de segredo x cultura de acesso. Contudo, a partir da Lei 12.257/11, suplanta-se enfim o embate, representando um avanço na política de transparência do Estado, e, especificamente, uma conquista no que tange à publicização dos arquivos da ditadura! Importante dizer que o Estado brasileiro, comparado com todos os outros países da América do Sul, é o mais atrasado em relação à implementação de uma justiça de transição. Entretanto, ainda que mais tarde, é fundamental que o Brasil finalmente retome os processos que darão seguimento às pendências que a ditadura civil-militar deixou por resolver, enfrentando e explicitando o que houve. Nessa senda os países do subcontinente que participaram da Operação Condor (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai) evoluíram nas respectivas aberturas descompassadamente, uma vez que, enquanto Argentina e Chile revogaram as legislações de anistia, o Brasil a mantém até hoje. Essa era a situação do Uruguai até o ano passado, mas em 04 de maio de 2011 o Senado uruguaio revogou a Lei da Caducidade, a qual impedia o julgamento de militares daquele país pelos crimes cometidos durante a ditadura (1973-1985).

A partir dessa constatação, fica evidente o descumprimento do texto Constitucional brasileiro e, por consequência necessária, dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos de que o Brasil é signatário, fruto de uma política interna de esquecimento e de inércia das autoridades governamentais, além de, certamente, estarem a proteger os interesses de parte da sociedade civil que apoiou e se beneficiou com o golpe militar. Entretanto, ainda que moroso o processo brasileiro de efetivação da justiça de transição, houve algumas ações. Em 2001, pela iniciativa do Ministério da Justiça, criou-se a Comissão da Anistia, a qual tinha a incumbência de receber e analisar pedidos de indenização às vítimas da ditadura. Houve ainda a criação da Comissão da Verdade, em 21 de Setembro de 2011, o que torna palpável e objetiva a postura do governo brasileiro no seu dever de reparar os danos causados ao povo brasileiro. Além disso, outra expectativa que se cria com o avanço da justiça de transição é que os vários órgãos e agentes do Estado brasileiro passem a considerar que, em cometendo abusos e desrespeito aos cidadãos, terão algum tipo de sanção, o que atualmente acontece com pouca frequência e, quando ocorre, ainda se observa tratamento diferenciado, de acordo com a importância dos envolvidos. Assim, o trabalho se propõe a avaliar o andamento da justiça de transição no Brasil, comparando-o com os países da Operação Condor e analisando os avanços nesse período, e as medidas necessárias para que a sociedade brasileira supere ou entenda as consequências daquele momento da história. Resultados Alcançados A análise das legislações dos países do cone sul permite concluir que os documentos produzidos à época da ditadura e nos primeiros anos de redemocratização constituem patrimônio nacional. A estes se soma uma série de peças processuais mais estrangeiras que brasileiras - assim também consideradas. Do cotejo destes documentos com os conceitos de patrimônio cultural/documental - seja nas legislações nacionais, seja nos tratados internacionais - depreende-se que há correspondência em termos de categoria jurídica. Isto porque, em se tratando de elementos materiais que, em seu conjunto, traduzem valores próprios à formação da identidade e história de um povo em dado momento, sua publicidade e acesso são de interesse público. Não só para aqueles que, de alguma forma, viveram tais períodos da história, como, também, para as presentes e futuras gerações, a fim de que

os fatos que eles revelam não mais se repitam: para que nunca mais se aconteça, para que nunca mais se esqueça. Referências Andrade, Luiz Eduardo Pereira e Joyce Gracielle Braga. Justiça de transição no Chile e no Brasil: uma comparação sobre os avanços da responsabilização dos agentes públicos pautada no jus cogens. Disponível em: http://idejust.wordpress.com/biblioteca/artigos-academicos/, Acesso em: 10 Abr. 12. BANDEIRA, Moniz. O governo João Goulart 1961-1964. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1983. Nunes, José Luiz Martins. Rupturas do Brasil Recente. Caxias do Sul: Maneco Livraria & Editora Ltda, 2005. REVISTA INSTITUTO HUMANISTA UNISINOS. Entrevista Streck,Lênio em 18/08/2008, por Patrícia Fachin Disponível em: http://leniostreck.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=81&itemid=2. Acesso em: 21 Abr. 2012.