MERCADOS FUTUROS E A GESTÃO DO RISCO NOS SISTEMAS AGROINDUSTRIAIS BRASILEIROS



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Transcrição:

MERCADOS FUTUROS E A GESTÃO DO RISCO NOS SISTEMAS AGROINDUSTRIAIS BRASILEIROS Danilo R. D. Aguiar 42 Abstract This paper analyzes some strategies using forward, futures and options contracts, to manage price risk in Brazilian agribusiness. It was assumed that hedgers have at least one among three goals: reduction of price risk; assurance of finding a buyer for thei r products, in a short hedge, or a seller, in a long hedge; and anticipation of payment in order to finance their activities. One can conclude that all the strategies are useful to reduce price risk, but options provide better protection because they do not require investors to keep their positions if the market goes against them. If one wants to assure a market for his or her product, forward contracts generally are the best tool. Finally, if getting money in advance is the goal, forward contracts should be chosen. To conclude it is important to consider that the Brazilian futures markets are still thin markets, what reduces their effectiveness. Palavras-chave: mercados futuros, gestão do risco, sistema alimentar 1. Considerações Iniciais O ambiente em que se inserem os principais sistemas agroindustriais, ou agroalimentares (SAGs), brasileiros tem se alterado profundamente desde o início da década de 1990, com o contínuo afastamento do governo do processo de comercialização agrícola. A retirada do es tado das atividades de comercialização decorreu tanto da necessidade de ajuste fiscal, quanto de suas dificuldades operacionais na gestão de estoques públicos. A política ativa de preços mínimos de garantia, vigente em boa parte da década de 1980, forçou o governo a gerir volumes enormes de estoques, ao mesmo tempo em que inibia a participação da iniciativa privada no processo de comercialização agrícola, pela ausência de regras claras de compra e venda de estoques públicos. Diagnosticados esses problemas, buscou-se, na década de 1990, transferir ao setor privado grande parte das funções que eram, até então, exercidas pelo governo. Regras claras de compra e venda de estoques públicos, política menos ativa de preços mínimos de garantia e maior desregulamentação do comércio exterior, vieram para permitir o aumento da participação da iniciativa privada nas atividades de comercialização. Nesse novo cenário, diversos instrumentos de gestão de riscos têm sido criados pela iniciativa privada, em alguns casos em parceria com o governo. Grosso modo, tratam-se de contratos para entrega futura, muitos dos quais transacionados em bolsas de mercadorias. Este artigo tem como objetivo central analisar alguns desses instrumentos de gestão de risco no tocante ao grau de atendimento das necessidades dos participantes dos SAGs brasileiros. O item 2 discute a atividade de gestão de risco dentro dos SAGs. O item 3 apresenta os instrumentos privados de gestão de risco de preço. O item 4 discute o uso desses instrumentos em estratégias de gestão de risco. O item 5 conclui o trabalho. 2. A Gestão do Risco nos Sistemas Agroindustriais: para quais SAGs servem os mercados futuros? Os SAGs envolvem diversos estágios de transformação e adição de valor a mercadorias agropecuárias, interligados por uma série de transações. Este processo insere-se num determinado ambiente institucional, composto pelas leis, normas e regulamentos que afetam cada SAG, sendo ainda influenciado por um ambiente organizacional, composto por entidades representativas dos diversos setores e por entidades auxiliares que fornecem serviços aos SAGs. O que alguns trabalhos empíricos têm mostrado 43 é que os principais pontos de estrangulamento que limitam a competitividade dos SAGs se encontram, justamente, nos ambientes institucional e 42 Professor Adjunto III do Departamento de Economia Rural da UFV. E-mail:danilo@mail.ufv.br 129

organizacional. Por isso, a adequação das regras e o desempenho das organizações que lhes dão suporte são de fundamental importância para o desempenho dos SAGs. Isso é particularmente relevante em relação aos instrumentos de proteção contra o risco de preços. Pela lógica vigente até o início da década de 1990, os produtores de diversas commodities tinham seus preços garantidos pelo governo, o que engessava a formação de preços em toda o sistema. Alguns SAGs eram afetados pela política de preços mínimos, outros pelo tabelamento do preço de venda, outros, ainda, tinham os preços (e, conseqüentemente, as margens) controlados em seus diversos estágios 44. Todos, em comum, tinham controles rígidos sobre o comércio internacional, o que visava suavizar os efeitos de choques externos sobre os preços domésticos. Esses controles sobre o sistema de preços apresentavam o efeito nocivo de coibir a transmissão, via preços, de informações originadas em outros estágios do sistema. Por exemplo, a carência de um produto não sinalizava, via aumento de preços, para a necessidade de aumentar sua oferta. Conseqüentemente, a competitividade dinâmica dos sistemas controlados tendia a ser afetada negativamente pelos excessivos mecanismos de controle dos mercados. Mas por outro lado, a redução do risco de preços, em decorrência das ações governamentais, agia no sentido de reduzir as incertezas dos agentes e, portanto, seus custos de transações. Atualmente, os preços se formam mais livremente, estando mais sujeitos a choques tanto do fronte externo quanto do doméstico. Neste cenário de forte transformação, o uso adequado dos instrumentos privados de gestão de risco torna-se elemento fundamental da busca de competitividade em diversos SAGs. Esse é, portanto, um exemplo de mudanças institucionais afetando a competitividade dos SAGs. O tipo mais adequado de mecanismo de proteção contra risco de preço e a necessidade de sua utilização tende a diferir de acordo com as características de cada SAG. No caso dos SAGs estritamente coordenados 45, em que são buscadas formas de coordenação que reduzam os custos de transações decorrentes de investimentos muito específicos, os próprios mecanismos de coordenação e controle (contratos) utilizados devem embutir regras que arbitrem a divisão do risco de preço entre os setores. Para estes, os mecanismos de gerenciamento de riscos de commodities (genéricas) são de pequena importância. Alternativamente, no caso dos SAGs genéricos, em que a matéria-prima é pouco específica, os contratos para entrega futura de commodities seriam os únicos instrumentos disponíveis para a redução do risco de variação de preços, caso continue, como tudo indica, o processo de desmanche do aparato público de suporte de preços. São, portanto, destinados aos SAGs genéricos os apontamentos que se seguem. 3. Instrumentos Privados de Gestão de Risco Conforme foi dito, os instrumentos de gestão de risco nada mais são do que contratos para a entrega futura das mercadorias. As negociações envolvendo esses contratos podem ocorrer tanto dentro quanto fora das bolsas de mercadorias. Os contratos para entrega futura podem ser classificados em três categorias: contratos futuros, contratos a termo e contratos de opções. Cada um desses contratos apresenta características específicas que lhes permite executar diferentes funções no processo de comercialização agrícola. Cabe então conhecer as características desses contratos e a importância de cada um deles na comercialização de produtos agropecuários. 3.1. Contrato a termo No contrato a termo, o preço, as características e a quantidade do produto são definidos no momento da celebração do contrato, em comum acordo entre vendedores e compradores. Além disso, as partes negociantes também definem o momento e o local de entrega. Com objetivo de garantia, normalmente se exige o pagamento antecipado de parte do preço, por parte do comprador, e o depósito do bem ou evidência de sua propriedade, por parte do vendedor (Oliveira, 1989). 43 Ver, por exemplo, Silva et al. (1999). 44 Este é, particularmente, o caso do SAG do leite. 45 Ver, a respeito, Zylbersztajn & Farina (1998). Para uma síntese, ver Lazzarini, Neves & Chaddad (1998). 130

Os negócios a termo podem ser realizados tanto dentro quanto fora da bolsa. Em geral, eles são realizados fora da bolsa, já que, normalmente, esses negócios são feitos entre duas partes que já negociam entre si há muito tempo, havendo tradição de confiança que dispensa as garantias do sistema de bolsa (Schouchana, s.d.). Um exemplo de negociação a termo fora da bolsa é a venda antecipada, bastante comum no mercado de soja e que representa importante fonte de financiamento não oficial da produção dessa mercadoria. Como os contratos a termo são pouco padronizados, eles normalmente são liqüidados por entrega da mercadoria, o que os diferencia substancialmente dos que serão apresentados a seguir. 3.2. Contratos futuros São os mais padronizados e, portanto, os mais facilmente transferíveis. Os participantes do mercado (vendedor e comprador) têm a obrigação de cumprir o contrato, a menos que saiam do mercado por diferença, conforme se explicará mais adiante. Comparativamente aos contratos a termo, os contratos futuros apresentam a vantagem de não necessitarem da entrega da mercadoria para liqüidação da transação. Atualmente, a única bolsa onde contratos futuros são comercializados no Brasil é a Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F), localizada em São Paulo. Nesta, são transacionados contratos futuros de milho, soja, algodão, boi gordo, bezerro, café e açúcar. Esses contratos envolvem uma série de cláusulas que regulamentam o processo de comercialização. Um exemplo seria o contrato de boi gordo comercializado na BM&F que especifica, entre outras coisas 46, a entrega de bovi nos machos castrados, acabados em pasto ou confinamento e isentos de defeitos, com peso vivo entre 450 e 550 kg e idade máxima de 60 meses, totalizando 330 arrobas líqüidas. Este contrato pode ter vencimento em qualquer mês do ano, e a entrega pode ser fei ta apenas no município de Araçatuba (SP). A liqüidação do contrato pode ser feita por entrega, por diferença ou, para alguns tipos de contrato, financeiramente. A liqüidação por entrega do produto corresponde a menos de 3% das liqüidações feitas nas bolsas de futuros. No caso da liqüidação por diferença, quem havia inicialmente vendido contratos, compra um número igual de contratos da mesma natureza (para entrega no mesmo mês), transferindo sua obrigação para o investidor de quem ele comprou contratos; e quem havia comprado, vende também número igual de contratos. Esta modalidade de saída é a forma mais comum de liqüidação de negócios nas bolsas. A liqüidação financeira é um mecanismo que procura evitar a entrega física, atraindo investidores que não querem correr o menor risco de um eventual recebimento, ou entrega, do produto. Para a liqüidação, são usados preços médios ponderados, calculados e divulgados diariamente por fundações ligadas a universidades. Caso um investidor mantenha uma posição vendida ou comprada até o vencimento, a liqüidação se dá com base na média do indicador de preços nos últimos dias úteis, a menos que ambas as partes (vendedor e comprador) manifestem a intenção de liqüidar por entrega física. 3.3. Contratos de opções São basicamente de duas categorias: opção de venda e opção de compra. Esses contratos são assimétricos por natureza, ou seja, o cumprimento da transação é obrigatório para o lançador da opção e facultativo ao seu comprador. Como existe essa assimetria, os compradores de contratos de opção, sejam estes contratos de opção de venda (direito de vender ao lançador da opção) ou de compra (direito de comprar do lançador), pagam uma determinada quantia em dinheiro (prêmio) pelo direito de exercer sua posição, o que não ocorre nos contratos futuros. Por outro lado, esses compradores não precisam desembolsar margens de garantia. As opções também podem ser sobre o físico, em que ao exercer sua posição, o investidor recebe ou entrega a mercadoria física, ou sobre futuros, em que ao exercer a opção, o investidor assume uma posição vendida ou comprada de um determinado contrato futuro. Em 1996, o governo brasileiro desenvolveu uma modalidade de contrato de opção sobre o físico. Trata-se da opção de venda negociada em leilões pela CONAB, que permite aos agricultores uma garantia maior contra flutuações adversas de preços. Suponha, por exemplo, que um agricultor compre opções de venda de milho da CONAB, com preço de exercício de R$ 6,00 por saca, 46 Maiores detalhes podem ser obtidos na homepage da BM&F: www.bmf.com.br 131

pagando um prêmio de R$ 0,30 por saca. Na época de vencimento, o agricultor exerceria sua opção, vendendo seu produto para a CONAB, caso o preço de mercado estivesse menor que R$ 6,00/saca. Caso o preço de mercado estivesse acima de R$ 6,00 por saca, o agricultor poderia não exercer sua opção, vendendo no mercado e perdendo o valor pago como prêmio. Como exemplo de opção sobre o futuro, imagine que um cafeicultor compre 10 contratos de opção de venda para julho, com preço de exercício de US$ 150 por saca, pagando um prêmio equivalente a US$ 5,00 por saca. No total, os 10 contratos equivalem a 1000 sacas (100 sacas por contrato), sendo o prêmio de US$ 5.000,00. Supondo que a opção seja sobre o contrato com vencimento no mês seguinte, em julho o cafeicultor compara seu preço de exercício com a cotação do contrato com vencimento em agosto. Caso o contrato futuro estivesse cotado a menos que US$ 150,00 por saca, o agricultor exerceria sua opção entrando vendido no mercado futuro, ao preço de US$ 150,00 por saca. Note que, neste caso, haveria a possibilidade de ganho imediato liquidando a posição no mercado futuro. Se a cotação estivesse a US$120,00 por saca, o cafeicultor poderia entrar vendido a US$ 150,00 por saca e, imediatamente, liquidar sua posição por diferença, ganhando o equivalente a US$30,00 por saca, sem considerar despesas administrativas e corretagem. Por outro lado, se a cotação do contrato futuro estivesse acima do preço de exercício da opção, o cafeicultor não exerceria sua opção. O comprador de contratos de opções tem a vantagem, em relação ao comprador de contratos futuros, de poder aumentar seu ganho deixando de exercer a opção, em caso de aumento (opção de venda) ou diminuição (opção de compra) do preço. Isto significa que o comprador do contrato de opções reduz seu risco de preço ainda mais do que o comprador de contratos futuros. Mas para isso ele precisa pagar um prêmio ao vendedor do contrato. Para este, a vantagem é justamente o prêmio. 4. Comparação dos instrumentos de gestão de risco nos SAGs Diversos são os objetivos dos investidores que utilizam os contratos para entrega futura como instrumentos de comercialização. No caso dos que buscam proteção para suas atividades no mercado físico (hedgers), seus objetivos geralmente são pelo menos um dentre três: redução do risco de preço; garantia de mercado; e antecipação de receita. O Quadro 1 mostra como os diversos tipos de contratos responde a cada um desses objetivos. Como se verifica no Quadro 1, qualquer contrato fornece alguma proteção contra o risco de variação de preço. A proteção contra queda de preço pode ser conseguida vendendo a termo (fazendo uma venda antecipada, por exemplo), vendendo contrato futuro ou comprando uma opção de venda. A proteção contra aumento de preço pode ser feita comprando a termo, comprando contratos futuros ou comprando opções de compra. A escala apresentada no Quadro 1 mostra que, embora todos os contratos reduzam o risco de preço (pois o preço base da negociação estaria garantido), esse efeito seria maior por meio da utilização de contratos futuros, em relação aos contratos a termo, e dos contratos de opções, em relação aos demais. No caso das opções, a redução maior do risco decorre da possibilidade de não exercer o direito de venda ou de compra. Ao comprar uma opção de venda (compra), o inve stidor pode não exercer caso o preço de exercício seja inferior (superior) ao de mercado, possibilidade essa que não está aberta aos investidores em contratos futuros ou a termo. A vantagem dos contratos futuros em relação aos a termo decorre da maior liqüidez dos primeiros. Os contratos futuros são adequados para os investidores que visam reduzir o risco de variação de preço e que tenham liqüidez como característica altamente desejável. Conforme já foi dito, a padronização dos contratos futuros dá a este instrumento maior liqüidez do que as outras formas de contrato aqui discutidas. Além disso, no caso dos que buscam proteção contra aumento de preço, os contratos futuros apresentam a vantagem adicional de não necessitarem do pagamento antecipado integral. Uma agroindústria que buscasse se proteger contra aumento de preço, despenderia menos depositando a margem decorrente da compra de contratos futuros do que antecipando o pagamento da mercadoria. Este é o mecanismo conhecido como alavancagem. O segundo parâmetro de análise é a garantia de mercado. Vendedores podem estar preocupados em garantir um mercado para seus produtos, enquanto que compradores podem desejar garantir o suprimento de algum insumo. A análise, neste caso, torna-se mais complexa pelas variações 132

que existem nas modalidades de liqüidação dos contratos futuros e pelo fato de existirem opções sobre o físico e sobre o futuro. Como a discussão anterior sugere, os contratos futuros não seriam a melhor resposta para esta questão, a não ser nos casos dos contratos que admitem liqüidação por entrega. Isto também é válido para os contratos de opções sobre futuros. Para os contratos passíveis de serem liqüidados por entrega, os vendedores garantiriam um mercado para a colocação de seus produtos caso vendessem contratos futuros ou comprassem opções de venda. Alternativamente, se o objetivo fosse garantir o suprimento de produtos, poder-se-ia comprar contratos futuros ou opções de compra. Já os contratos com liqüidação financeira não serviriam ao propósito de garantia de mercado porque, neste caso, só haveria entrega (recebimento) se ambas as partes (vendedor e comprador) concordassem. No tocante aos contratos a termo e aos contratos de opções sobre o físico, o Quadro 1 mostra a classificação Sim(+) porque esses apresentam algumas vantagens em relação à entrega. Enquanto os contratos futuros com liqüidação por entrega admitem entrega em locais bastante específicos, os contratos a termo costumam ser elaborados de maneira que a entrega seja feita nas proximidades da produção. Essa é também uma vantagem das opções sobre o físico nos moldes das opções de venda elaboradas pela CONAB, em que a entrega pode ser feita em armazéns credenciados espalhados por todo o País. Os agentes preocupados em utilizar os mercados futuros como fonte de caixa para financiar parte de seu custo de produção teriam como melhor alternativa os contratos a termo 47. Com o uso dos demais instrumentos, ocorre o contrário, pois os investidores precisam depositar margens de garantia (contrato s futuros) ou pagar um prêmio (opções). 5. Considerações finais Os mercados futuros apresentam alternativas variadas de instrumentos de gestão capazes de reduzir os custos de transação e aumentar a competitividade dos SAGs genéricos brasileiros. Entretanto, algumas considerações são importantes. É importante que os gestores dos SAGs considerem seus objetivos e suas limitações e façam uma escolha consciente dos instrumentos a serem utilizados. Em alguns casos, a melhor alternativa pode ser o uso de contratos futuros; em outros, contratos de opções ou, ainda, contratos a termo. As diferentes formas de contratos a futuro devem ser encaradas como instrumentos adicionais que podem, e devem, ser levados em consideração no gerenciamento da atividade de comerci alização agrícola. São instrumentos úteis para fins específicos. Não são a solução para todos os problemas dos SAGs. Uma questão de bastante relevância diz respeito à forma de liqüidação. No Brasil, os contratos com liqüidação financeira foram lançados, inicialmente, para o mercado de boi gordo, visando atrair mais especuladores para o mercado e aumentar sua liqüidez. Após o sucesso inicial, esse mecanismo foi estendido a outros mercados. Até o final de 1998, os contratos da BM&F que adotavam essa forma de liqüidação eram: boi gordo, bezerro, açúcar, algodão, milho e soja. Apenas o contrato de café não seguia esse padrão. Entretanto, no primeiro semestre de 1999, o contrato de algodão também passou a ter liqüidação por entrega física, tendência que tem apontado para uma transformação similar nos outros contratos. Apesar das vantagens em termos de atrair especuladores, vários hedgers, especialmente os que possuem grandes posições no mercado físico, têm reclamado do sistema de liqüidação financeira. Esses hedgers gostariam de ter a possibilidade de entrega (ou recebimento), assegurando tanto o mercado quanto o preço obtido. Realmente, para um hedger que comercializa volume muito elevado de produto, é razoável supor que o preço que ele obterá ao comprar ou vender no mercado físico provavelmente não será o preço médio que existia antes de sua participação, e que serviu para o fechamento financeiro de sua posição no mercado futuro. No entanto, o sistema de liqüidação por entrega física de produtos cuja qualidade é mais difícil de ser estabelecida, tende a ser problemática, afugentando 47 Os vendedores de opções também recebem um pagamento (prêmio). Como os hedgers normalmente compram, e não vendem, opções, essa possibilidade não foi contemplada no Quadro 1. 133

investidores e reduzindo a liqüidez do mercado. Portanto, existe um trade-off entre os interesses dos especuladores e dos grandes hedgers que precisa ser levado em conta, pois os mercados futuros só crescem com a participação de ambos, hedgers e especuladores. Esse problema é de fundamental importância, considerando-se que os mercados futuros brasileiros ainda sofrem com a falta de liqüidez. Isto é particularmente evidente no caso do mercado de opções. A Tabela 1 sugere que alguns mercados estavam estagnados, ou regredindo (milho, soja e boi gordo), entre 1997 e 1998. Além de ser pequeno o número de transações, em comparação com bolsas estrangeiras, verifica-se, tanto pela Tabela 1 quanto pela Figura 1, que os negócios concentram-se, grandemente, nos contratos de café e boi gordo. Ambos foram responsáveis por quase 80% do volume de comércio de produtos agropecuários, sendo que ao contrato de café, isoladamente, coube mais de metade do mercado. No caso das opções (Tabela 2), exceção feita ao mercado de café, os volumes transacionados são extremamente reduzidos. Possíveis causas para este baixo volume são: o desconhecimento do modo de funcionamento dos mercados futuros, por parte dos potenciais usuários; falta de recursos para arcar com margens ou prêmios; inadequação dos contratos em relação às necessidades do mercado; falta de liqüidez; entre outras. A falta de liqüidez é tanto causa quanto conseqüência. Os investidores temem entrar em mercados pouco líqüidos, pois suas chances de perdas são maiores nestes, além da falta de volume tornar os mercados mais ineficientes 48. A ineficiência seria decorrência da dificuldade de transmissão de informações de mercado, devido ao pequeno número de transações, e da possibilidade de alguns poucos (e grandes) investidores provocarem distorções, por meio de suas ações. Outro aspecto relevante em relação aos contratos brasileiros é que eles são cotados em dólares. Este procedimento mostrou-se necessário quando a inflação brasileira era elevada e não chegou a ser um problema quando a taxa de câmbio era controlada pelo governo. No entanto, com o novo regime cambial brasileiro, um hedger reduz o risco de variação de seu preço em dólares, mas continua tendo um risco expressivo de variação do preço em reais. Uma forma de lidar com essa questão é fazer um hedge duplo, com contratos de commodities e contratos de taxa de câmbio. Essa operação, no entanto, implica em duplicação dos custos administrativos e de corretagens. Esse procedimento precisa também ser analisado com vistas a atrair mais investidores ao mercado. Os contratos cambiais podem refrear a demanda por hedge entre os investidores brasileiros, mas, por outro lado, pode ser um elemento importante para a atração de investidores internacionais. Portanto, mais um trade-off se apresenta aos definidores das regras dos contratos futuros. É necessário, pois, criar condições para que o volume de comércio aumente. Algumas medidas vêm sendo tomadas, como a abertura de mercado aos investidores estrangeiros, a partir do final de 1999, e a criação de linhas especiais de financiamento de margem para hedgers, por parte da BM&F. A entrada de investidores estrangeiros, que até recentemente estavam impossibilitados de investir no mercado brasileiro, pode, em tese, aumentar expressivamente o volume de comércio dos contratos das commodities brasileiras, especialmente as que são mais voltadas à exportação, tais como café, açúcar e soja. No quadro atual, uma constatação é definitiva: somente com o aumento de volume de comércio, os mercados futuros brasileiros poderão atender, adequadamente, às necessidades de mecanismos de gestão de risco dos SAGs genéricos brasileiros. Enquanto isso não ocorrer, provavelmente os grandes investidores vão continuar realizando boa parte de suas operações em bolsas estrangeiras, onde eles recebem os benefícios de um mercado mais líqüido, mas tendem a perder, em alguns casos, pela possivelmente menor correlação entre os preços dos contratos transacionados nessas bolsas e os preços praticados no mercado físico brasileiro. 48 Essa situação é conhecida na literatura como thin markets. Ver Gray (1987). 134

Quadro 1 Análise comparativa dos principais instrumentos de gestão de risco disponíveis aos hedgers dos SAGs brasileiros Fator de análise Instrumento de gestão de risco Contrato a termo Contrato futuro Contrato de opções Redução de risco de preço Sim (-) Proteção contra: P (comprador) P (vendedor) Sim Proteção contra: P (comprador) P (vendedor) Sim (+) Proteção contra: P (comprador de opção de compra) P (comprador de opção de venda) Garantia de mercado Sim (+) Sim (liqüidação física) Não (liqüidação financeira) Idem contrato futuro: opção sobre futuro: Sim (+): opção sobre o físico Antecipação de recursos Sim Não Não Tabela 1 Número de contratos futuros agrope cuários transacionados na BM&F em 1997/1998 Produtos Anos 1997 1998 Boi gordo 109.261 88.054 Açúcar 8.330 30.080 Algodão 13.689 17.007 Café 114.521 198.547 Milho 18.907 15.949 Soja 16.082 13.489 Fonte: BM&F Tabela 2 Número de contratos de opções agropecuárias transacionados na BM&F em 1998 Produto Número de opções de compra Número de opções de venda Boi gordo 308 - Café 8.438 9.483 Milho 82 40 Soja 24 58 Fonte: BM&F. 135

5% 4% 4% 8% 24% 55% café boi açúcar algodão milho soja Figura 1 Participação relativa dos contratos agropecuários na BM&F em 1998. 6. Bibliografia GRAY, R.W. The characteristic bias in some thin futures markets. In: Peck, A.E. (editor) Selected writings on futures markets: basic research in commodity markets. Chicago: Chicago Board of Trade, 1987. LAZZARINI, S.G.; NEVES, M.F. & CHADDAD, F.R. Gestão de sistemas agroinsutriais. Preços Agrícolas, Piracicaba, nov. 1998. OLIVEIRA, F. A. Contratos futuros, características jurídicas, regulação dos mercados. In TOFANETO, A. (coord.). Função econômica dos mercados futuros. São Paulo: Bolsa de Mercadorias de São Paulo, 1989. SCHOUCHANA, F. Mercados futuros e de opções agropecuários: teoria e prática. São Paulo: Bolsa de Mercadorias & Futuros, s.d. SILVA, C. A. B. et al. Estudo sobre a eficiência econômica e competitividade da cadeia agroindustrial da pecuária de corte no Brasil. Relatório de pesquisa apresentado ao IEL/CNI, 1999. ZYLBERSZTAJN, D. & FARINA, E.M.M.Q. Agri-system management: recent developments and applicability of the concept. Anais do First Brazilian Workshop on Agri-Chain Management, FEA/USP, Ribeirão Preto, nov. 1998. 136