C a d e r n o s L i n k Entrevista Aproveitar a janela de oportunidade da Nova Economia A emergência da economia digital implicou um outro conceito de empresa que exige uma nova arquitectura dos sistemas de informação em que o factor crítico é a integração, competência central da Link José Alves Marques Presidente do Conselho de Administração da Link 4 N1 - Novembro de 1999
Entrevista C a d e r n o s L i n k A economia digital está intrinsecamente ligada ao papel da tecnologia nas organizações, em particular aos sistemas de informação e de comunicações. As empresas que pretendam posicionar-se nesta nova economia têm de ser capazes de desenvolver novas abordagens em que a informação seja um dos activos fundamentais. Mas, para tal, é necessário integrar sistemas novos e velhos, soluções que historicamente sempre estiveram de costas viradas e em centros de decisão independentes. É indispensável pôr ordem no caos da «Torre de Babel» que são hoje os sistemas de informação nas empresas. Esta é a missão da equipa de tecnólogos e especialistas de gestão que formam a Link, salienta José Alves Marques, presidente do Conselho de Administração desta empresa de consultadoria do universo da AITEC, nesta entrevista de abertura da primeira edição dos Cadernos Link. O que levou o INESC a autonomizar a área da consultadoria e a criar a Link? A janela de oportunidade da economia digital. Vimos a oportunidade de mercado criada pela emergência da plataforma empresarial ligada ao negócio electrónico. Muita gente compreende mal, ainda hoje, o significado da Internet e da Web, apesar dos seis anos já decorridos sobre o lançamento do primeiro «browser», o Mosaic, e de não faltarem exemplos, ao longo dos últimos quatro anos, de empresas de vanguarda que nasceram ou começaram a utilizar a nova plataforma de um modo muito agressivo. Em muitos meios, continua a encarar-se a Net e a Web como meros canais de comunicação mais um e não como um espaço de mercado, um tecido económico. A transformação apenas se iniciou, o impacto que terá nas organizações das empresas obrigadas a efectuar a transição entre a economia industrial e a economia digital implicará a revisão dos processos de negócio, da arquitectura dos sistemas de informação e, claro, a definição de uma estratégia de migração e integração dos sistemas actuais com os necessários no futuro. A empresa do século XXI Focalizada já Adam Smith dizia em 1776 que, quanto maior a dimensão do mercado, maior grau de especialização deve haver; As empresas vão ter de decidir o que é nuclear e o que é contexto. O contexto de uma empresa pode ser a actividade nuclear de outra; Segmentação muito fina definir muito bem o segmento ou segmentos de clientes que são críticos; Crescimento de um tecido de redes em torno de empresas líderes «estendidas» a diversos parceiros a jusante e a montante; Tendência para uma competição agressiva entre cadeias de valor em torno de empresas líderes; A alavancagem no conhecimento interno é um recurso estratégico a gestão do conhecimento tornou-se crucial; Parcerias e alianças na nova economia vão ser mais importantes do que fusões e aquisições, típicas dos grupos da velha economia; A «co-ompetição» (colaboração e competição) vai tornar-se norma. Mas em que medida estava o INESC já nessa «vaga»? O INESC sempre esteve na vanguarda das mudanças tecnológicas nos computadores e na informática. Ao longo da sua experiência tinha adquirido duas competências fundamentais, como que duas «pernas» de k n o w - h o w que importava potenciar em termos de mercado aprendemos a lidar com um conjunto de tecnologias nas áreas de telecomunicações e de sistemas de informação. A Link foi a materialização dessa oportunidade. A experiência de detectar a ocasião em que uma tecnologia deve ir para o mercado é exemplificada pela criação de várias empresas pela AITEC ao longo dos últimos anos. Recorde-se, por exemplo, que fomos os primeiros privados a perceber o novo negócio da Net e da Web e que lançámos com jovens empreendedores o primeiro fornecedor privado de serviços Internet em Portugal, quando as empresas públicas do sector nos torceram o nariz, não acreditando no «boom» que viria a suceder. Contudo, os desafios da gestão são diferentes daqueles mais ligados à tecnologia, onde desde os anos 80 o INESC tem estado. Co m o é que fizeram essa migração para um terreno onde os tecnólogos, em geral, não entram ou têm grande relutância? Tivemos obviamente que adquirir novas competências. Constituímos na nova empresa a Link equipas renovadas com valências em áreas emergentes, como o comércio electrónico, a gestão do conhecimento, a gestão da mudança, entrámos em áreas como a gestão da qualidade e aprofundámos as nossas competências tecnológicas em domínios como os dos pagamentos, dos transportes e da logística, por exemplo. Pretendemos ter na Link um casamento virtuoso entre a tecnologia e o management. A nossa decisão estratégica, ao criar esta empresa de consultadoria, foi virá-la para o mercado e, por isso, cultivar uma postura totalmente centrada nos problemas dos clientes, o que N1 - Novembro de 1999 5
6 N1 - Novembro de 1999 A experiência de detectar a ocasião em que uma tecnologia deve ir para o mercado é exemplificada pela criação de várias empresas pela AITEC ao longo dos últimos anos. Recorde-se, por exemplo, que fomos os primeiros privados a perceber o novo negócio da Net e da Web e que lançámos com jovens empreendedores o primeiro fornecedor privado de serviços Internet em Portugal, quando as empresas públicas do sector nos torceram o nariz, não acreditando no «boom» que viria a suceder.
Entrevista C a d e r n o s L i n k nos obriga a «entrar» em profundidade nos desafios estratégicos que a eles se colocam. De facto, não é usual ver empresas de consultadoria tecnológica encararem o cliente nessa óptica... O nosso ponto de vista não é começar pelo telhado mas pelos caboucos na resolução dos problemas de informação dos clientes. Também não temos a cultura de «empurrar» para o cliente um pacote para «enxertar». Por isso, falamos de actuar a nível da arquitectura da empresa. Começamos por desenvolver a nossa consultadoria pelo princípio pelos processos de negócio e, a partir daí, desenhar a arquitectura dos sistemas de informação. E qual é o principal problema com que uma equipa da Link logo se defronta nas empresas? A verdadeira «Torre de Babel» que são os sistemas de informação. Há uma dispersão total de sistemas que funcionam como «ilhas», completamente separados e por vezes mesmo incompatíveis entre si, com centros de poder distintos e lógicas de funcionamento de costas viradas. Além disso, com a emergência da Internet e da Web, a situação agravou-se. O problema central é desenvolver tecnologias de integração de aplicações empresariais. A própria Web colocou ainda mais a nu esta situação. Muitas empresas evoluíram da mera montra de marketing na Web para o desenvolvimento de Intranets e de Extranets e deram-se conta do «choque» destas novas realidades com os sistemas mais antigos. A vossa competência central é, portanto, fazer essa ponte... Exactamente. A arquitectura dos sistemas de informação é o factor crítico hoje em dia. A nossa consultadoria visa fazer a ponte que liga os sistemas existentes com os novos, baseados nas tecnologias emergentes de comunicação, no protocolo IP, na arquitectura a três níveis, no middleware e no software reutilizável. Qual foi, então, o conceito de negócio que desenvolveram? Nós criámos, para simplificar, uma fórmula que é uma imagem muito directa do que pretendemos. Para nós, o negócio electrónico é a resultante da conjugação do mercado com o que chamamos os «três C» o do Conhecimento (a organização da informação e do saber, que são os recursos estratégicos), o dos Computadores (que processam esses recursos) e o das Comunicações (que permitem a conectividade e interactividade interna e externa). O nosso objectivo é desenvolver software d e integração que permita ligar o f r o n t - o f f i c e, a frente de ligação ao cliente, aos parceiros e aos colaboradores, numa visão de empresa «estendida» e em profundidade, com o b a c k - o f f i c e, os processos de negócio. Esta nossa actuação a nível do que se designa por middleware é crucial é ela que permite pôr a «falar» aquelas duas realidades e as suas diferentes componentes. Segundo estudos da IDC, este mercado valerá inter- Tendências nos sistemas de informação O serviço ao cliente vai mover-se decisivamente para a plataforma Web. A gestão do relacionamento com o cliente é decisiva; Vão desenvolver-se comunidades verticais de negócio na Web, redesenhando a cadeia de valor com uma multiplicidade de participantes; Os cartões inteligentes e os sistemas digitais de pagamento neles baseados terão um boom em aplicações de nicho em mercados como os dos transportes, entretenimento, educação, alimentação, saúde, serviços financeiros, acessos a escritórios e redes; A economia de leilão e de fixação dos preços através de negociação em tempo real vai transformar-se na formação de preços dominante no espaço dos negócios na Web; As autoridades de certificação para as transacções electrónicas vão emergir em todo o mundo; A desintermediação na velha economia vai ser substituída pela emergência de novos intermediários que acrescentam valor às transacções os «infomediários»; Os ERP vão migrar para a Web; As bases para o comércio electrónico começam a despontar com soluções abertas baseadas em XML, na estandardização de catálogos e em sistemas de codificação universais. nacionalmente em 2001 mais de cinco mil milhões de dólares, mais do dobro do valor actual. Há aqui um potencial de crescimento muito importante. N1 - Novembro de 1999 7
Entrevista C a d e r n o s L i n k De facto, a empresa é hoje uma realidade completamente diferente. A noção de empresa «estendida» e em profundidade implicou o quê em termos de nova arquitectura de sistemas? Nós desenvolvemos na Link um conceito estratégico de front-office que implica a criação de um conjunto de portais virados para dentro, em profundidade na empresa, e para fora das suas fronteiras tradicionais, em direcção aos clientes e aos parceiros. No plano interno, com o apoio de intranets, está hoje na ordem do dia a gestão do conhecimento, a capacidade de absorver o capital intelectual pessoal e transformá-lo em saber da empresa. Em relação aos clientes, tem-se desenvolvido soluções que vão do tradicional site à gestão de todos os contactos via Web, call centers e cartões inteligentes, permitindo aceder à informação, efectuar compras, ter suporte para vendas, etc. No tocante aos fornecedores, há também um conceito de portal que desenvolve e automatiza as operações de aprovisionamento, o relacionamento com os parceiros financeiros ou da cadeia logística. Muitas das soluções de planeamento de recursos empresariais têm mostrado alguma fragilidade, introduzindo ainda mais caos nos sistemas de informação. Como pretende a Link lidar com esta realidade? Nós encaramos a área dos ERP (acrónimo de enterprise resource planning) como uma das componentes dessa integração numa nova arquitectura de negócio. Há a absoluta necessidade de fazer migrar para a plataforma da Web esse tipo de soluções. Os ERP não podem ser vistos como uma «ilha» isolada nos sistemas de informação, como também não é credível que pretendam ser tudo na arquitectura de informação da empresa, sob pena de limitar as capacidades de evolução. Segundo a revista Fo r t u n e, essa «extensão» é um negócio para valer 84 mil milhões de dólares em 2004 à escala mundial. A realidade do dia-a-dia da actividade profissional na empresa mudou substancialmente nos últimos anos. A interface com o sistema da empresa por parte do quadro ou do trabalhador deixou de ser unicamente o computador pessoal em cima da secretária ou mesmo o portátil. Alguns visionários falam já de uma «galáxia digital» ao virar da esquina do século. Como é que a Link integra este futuro previsível no seu conceito de arquitectura? A ligação aos sistemas de informação da empresa por parte quer dos trabalhadores quer inclusivé de parceiros ou clientes é cada vez mais diversificada e as ferramentas não PC vão disparar, sejam assistentes pessoais, telefones celulares inteligentes, aparelhos nos veículos, os próprios cartões inteligentes, aparelhos específicos para aplicações verticais A arquitectura dos sistemas da empresa tem de ter em conta essa «galáxia» de que fala, efectivamente. Para finalizar, como vê o futuro da Link? Provavelmente teremos de avançar para a segmentação das oportunidades. Não é de pôr de lado a possibilidade de criarmos empresas próprias para explorar esses segmentos, que poderiam funcionar em rede num universo Link. Nós cremos que a economia digital vai ter, nos próximos anos, um crescimento significativo, a que os próprios poderes públicos estão atentos e no qual se mostram empenhados, segundo pudemos registar nas declarações que o ministro da Economia e Finanças proferiu no nosso seminário de Maio passado, sob o tema «Portugal, a globalização e o negócio electrónico: que estratégia para a próxima década?» N1 - Novembro de 1999 9