Orientação de estudos: uma possibilidade de intervenção psicopedagógica



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Transcrição:

Orientação de estudos: uma possibilidade de intervenção psicopedagógica Adriana Chaves Psicóloga, mestre em Saúde da Criança e do Adolescente pela Universidade Federal de Minas Gerais, especialista em Fundamentos da Clínica Psicanalítica pelo Centro Universitário FUMEC. Flávia Barros Fialho Psicóloga, pedagoga, mestre em Sociologia da Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental pela Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Juliana Pereira Baldo Psicóloga.

Orientação de estudos: uma possibilidade de intervenção psicopedagógica Adriana Chaves Psicóloga, mestre em Saúde da Criança e do Adolescente pela Universidade Federal de Minas Gerais, especialista em Fundamentos da Clínica Psicanalítica pelo Centro Universitário FUMEC. Flávia Barros Fialho Psicóloga, pedagoga, mestre em Sociologia da Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental pela Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Juliana Pereira Baldo Psicóloga. RESUMO Este trabalho reflete sobre a prática de orientação de estudo realizada pelo Setor de Psicologia em uma instituição privada de ensino da educação básica. A orientação de estudo é realizada com os alunos a partir do 6º ano do Ensino Fundamental até a 3ª série do Ensino Médio. A demanda por esse serviço tem aumentado a cada ano, evidenciando tanto o interesse do aluno em exercer um papel ativo em sua aprendizagem quanto o reconhecimento da eficácia dessa intervenção por parte do corpo pedagógico, que realiza encaminhamentos para o setor, e também de familiares que solicitam que seja realizada orientação de estudos com os seus filhos. A prática de orientação de estudos possibilita intervenções tanto pedagógicas quanto no campo psíquico, tornando o processo de aprendizagem mais eficaz, principalmente, despertando no aluno o desejo de aprender a aprender. Palavras-chave: Aprendizagem, Hábitos de Estudo, Psicologia Educacional

1. Introdução O presente artigo tem o propósito de apresentar a prática de Orientação de Estudos desenvolvida pelo Setor de Psicologia Educacional de um colégio franciscano da rede privada de ensino de Belo Horizonte prática que ocorre há mais de uma década na instituição e cujo objetivo é auxiliar os alunos na organização do tempo e nas estratégias de estudos. A história do nosso educandário franciscano revela o percurso de uma escola ativa, que, em oposição ao modelo estático fundado no respeito unilateral, na autoridade do professor como detentor de todo o saber, no silêncio e na obediência passiva do aluno, propõe a relação entre protagonistas, o respeito mútuo e o caminho da cooperação. O sentimento advindo de uma escola ativa promove o desenvolvimento de uma moral autônoma, com regras e princípios interiorizados, passíveis de serem questionados e modificados. É pela via da autonomia moral e intelectual que emerge o educando gestor de seu próprio processo de ensino-aprendizagem e de sua forma de ser e estar no mundo. O processo de ensino-aprendizagem pressupõe a participação ativa da tríade aluno, escola e família. E há que se considerar que, nesse processo, o aluno é o protagonista e precisa ocupar o lugar de sujeito capaz de refletir criticamente sobre sua própria aprendizagem, estabelecendo metas, estratégias, organizando e gerenciando o seu tempo e o seu próprio desempenho escolar. Nessa perspectiva, o trabalho de Orientação de Estudos desenvolvido pelo Setor de Psicologia Educacional tem o objetivo de instrumentalizar e mobilizar os educandos para que assumam uma postura ativa de implicação constante com o processo de ensino-aprendizagem, adquirindo o hábito de estudo diário e qualificando suas estratégias de estudo. A Orientação de Estudos propicia a aquisição e o desenvolvimento de competências básicas, como a organização e a distribuição do tempo, o estabelecimento de prioridades, o planejamento de atividades, a definição de objetivos, a clareza de direitos e deveres, a forma como se apreendem os conteúdos, enfim, um conjunto de habilidades que buscam impactar positivamente no rendimento escolar.

Segundo Rosário & Col. (2010), a organização temporal dos momentos de estudo ajuda no desenvolvimento da autonomia do estudante e na economicidade de energia durante o processo de aprendizagem, evitando ou minimizando o aparecimento de respostas ansiogênicas, do estresse e de preocupações capazes de gerar desconforto emocional e comprometimento do desempenho escolar. A organização, a administração do tempo e o planejamento do estudo permitem ao aluno aprender a estudar, melhoram o seu desempenho nas situações de avaliação e, consequentemente, aumentam a autoestima, a segurança e a motivação para os desafios da vida escolar (Watkins & Coffey, 2004). Crianças com uma rotina organizada, incluindo um tempo livre sem atividades dirigidas, podem estabelecer uma relação produtiva com a aprendizagem, equilibrada e saudável. É o que nos aponta Soares (2004) quando ressalta que o estudo deve ser uma atividade prioritária, alertando, contudo, que deve haver períodos longos em que a criança possa ter liberdade para escolher que atividade realizar. Portanto, estabelecer uma rotina saudável, organizada e capaz de promover comportamentos facilitadores da aprendizagem constitui a premissa básica de nossa ação. Cabe lembrar que ter rotina não é o mesmo que ter um conjunto de atividades. A realização desordenada ou a ausência de horários e regras para as atividades impedem a implantação de uma rotina e o desenvolvimento da autonomia moral. Toda rotina pressupõe repetição, constância, previsibilidade assegurada, nos anos da infância, pela autoridade adulta e, posteriormente, nos anos da adolescência, internalizadas pela via da reflexão, da cooperação e da reciprocidade. Comprometemo-nos, portanto, com a conquista da autonomia moral e cognitiva no contexto de uma rotina saudável. A Orientação de Estudos, apoiada nos pressupostos da Epistemologia Genética de Jean Piaget, compromete-se com o desenvolvimento da autonomia discente. Piaget usa o termo autonomia referindo-se à submissão efetiva do eu às regras reconhecidas como boas (Piaget, 1998); segundo ele, toda moral consiste num sistema de regras e a essência de toda moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por essas regras (Piaget, 1994, p. 23).

Piaget concebe a progressão do desenvolvimento moral em três estágios. No primeiro deles, denominado anomia, a criança não tem consciência das regras, e o cumprimento delas pode ser compreendido como mero ritual motor. Quando a criança começa a ter consciência da regra, ela passa ao estágio da moral heterônoma. Nesse estágio, a criança cumpre as regras morais mediante coação adulta. O sentimento de obrigatoriedade é imposto pela autoridade externa, e a obediência às regras decorre da admiração que a criança tem pelo adulto, bem como do desejo de preservar o amor do adulto e de evitar possíveis sanções. A regra é considerada como sagrada, inatingível, de origem adulta e de essência eterna; toda a modificação proposta é considerada pela criança como uma transgressão (Piaget, 1994, p. 34). Progressivamente, a criança começa pela via da reflexão a pensar sobre o sentido e o objetivo das regras e dos limites, relacionando-os com a ideia de justiça. A regra deixa de ser uma lei sagrada e intangível, passando a ser compreendida como uma lei imposta pelo consentimento mútuo, cujo respeito é obrigatório, se deseja ser leal, permitindo-se, todavia, transformá-la à vontade, desde que haja o consenso geral (Piaget, 1994, p. 34). Na concepção piagetiana, a criança desenvolve-se moralmente quando interioriza os valores e as regras sociais que antes eram impostas pelo adulto. Para além da compreensão de que a autonomia é construção processual, é preciso compreender as particularidades do pensamento adolescente frente ao temporal. Segundo Knobel e Aberastury (1992), o adolescente vive uma certa deslocalização temporal. Isso significa dizer que ele converte o tempo em presente e ativo, num esforço de manipulá-lo. As urgências são enormes e, às vezes, as postergações são aparentemente irracionais. A dificuldade do adolescente de distinguir presente passado futuro e de conceituar e discriminar o tempo fazem com que ele espacialize o tempo, colocando-o como objeto passível de ser manipulado. Desta feita, a noção temporal do adolescente é de características fundamentalmente corporais ou rítmicas, ou seja, baseadas no tempo de comer, no de brincar, no de dormir, no de estudar etc. É esse que denomino tempo vivencial ou experimental. (KNOBEL e ABERASTURY, 1992).

Somente a elaboração dos lutos próprios da adolescência é que permitirão a conceituação temporal e a noção discriminada de passado, presente e futuro. Do mesmo modo que é necessário levar em consideração as peculiaridades do desenvolvimento adolescente, é preciso também compreender como esse mesmo sujeito entende a questão temporal em sua relação com os estudos. Para o adolescente, o hábito de procrastinar se torna a maior dificuldade em estabelecer e em manter uma rotina de estudo. Para Kerbay e Hamasaki (2003) procrastinar é o comportamento de adiar tarefas, de transferir atividades para outro dia que não o atual; deixar de fazer algo ou ainda interromper o que deveria ser concluído em um prazo determinado. De outro modo, a partir de uma perspectiva produtiva, a procrastinação é compreendida como um meio de evitar o insucesso diante da realização das tarefas escolares, evidenciando, assim, dificuldades no planejamento da rotina de estudo e, consequentemente, no processo de aprendizagem (Santrock, 2014). Ao considerar os aspectos relacionados ao desenvolvimento moral, a particularidade com que o pensamento adolescente lida com a dimensão temporal e sua relação com a rotina de estudo, o Setor de Psicologia julga vital o estabelecimento de intervenções psicopedagógicas que o ajudem a organizar seu tempo, seus espaços e suas prioridades. O encontro com o adolescente deve suscitar novas possibilidades de aprendizagem, reanimando-o a assumir seu lugar de protagonista no processo. Para Ruiz (2015), o aprender a estudar se constitui na compreensão da flexibilidade da inteligência; na tomada de consciência da importância de estabelecer objetivos e metas; no zelo em cultivar a prática de dar tempo a si mesmo quando diante de desafios cognitivos desafios esses que devem ser compreendidos como novas possibilidades de aprender a aprender e de poder resignificar a função do estudo, colocando-o como parte ativa do processo de ensino e aprendizagem. 2. Método A Orientação de Estudos é realizada com os alunos desde o ensino fundamental II até o ensino médio. A intervenção pode ser solicitada tanto pelo coordenador de turma, que indica o discente para realização da atividade, quanto

por meio da busca ativa, ou seja, o próprio aluno marca um horário no Setor de Psicologia com uma das três psicólogas, ou ainda pelos familiares, que entram em contato e fazem o agendamento para o adolescente. O atendimento pode ser individual, com no mínimo dois encontros de 60 minutos cada. Durante o período de orientação, o aluno relata suas dificuldades para manter uma rotina de estudo, as atividades extracurriculares que realiza durante a semana, o tempo de deslocamento de casa para a escola e vice-versa, a rotina de convivência familiar e o período de sono. A partir dessas informações, refletimos sobre a necessidade de mudanças de hábitos e avaliamos as possibilidades de horário no decorrer da semana, a distribuição do estudo das disciplinas e que atividades favorecem ou dificultam o processo de aprendizagem. Nesse mesmo dia, agendamos o retorno para avaliar se o quadro de horário alcançou o objetivo proposto. Há situações em que o aluno retorna várias vezes ao serviço, até que a rotina estabelecida produza o efeito esperado, ou seja, possibilite um melhor aproveitamento e envolvimento do aluno. A orientação também pode ocorrer coletivamente, da seguinte forma: 1) dividindo o público de acordo com a série escolar e/ou faixa etária. Porém, fazemos um processo inverso. Se, na orientação individual, começamos pelas dificuldades específicas do aluno para chegar ao ponto fundamental de uma rotina equilibrada entre dever e lazer, na orientação coletiva partimos das orientações gerais, ou seja, a relação entre o tempo dedicado ao estudo e a qualidade da aprendizagem, além da adoção de uma rotina saudável. Somente depois mobilizamos os alunos a buscar orientações individuais quando perceberem que sua rotina de estudo não tem sido favorável para o seu processo de aprendizagem. 2) Em algumas situações, levando em consideração o número de pedidos em determinadas séries, oferecemos a Orientação de Estudos coletiva. Essa proposta nos permite alcançar e mobilizar um número maior de alunos, chamando a atenção para algumas situações comuns ao ano escolar e faixa etária. Por exemplo, quando recebemos alunos novatos na escola, ou alunos do 6º ano do Ensino Fundamental, ano de mudanças significativas na rotina escolar, como um maior número de professores e tarefas. Da mesma forma atuamos com os alunos da 3ª série do Ensino Médio, ano de finalização de um

ciclo da etapa escolar, geradora de alguns conflitos e, consequentemente, de ansiedade na vida dos educandos. Logo, a Orientação de Estudos pode ocorrer de formas variadas, sempre levando em consideração as demandas dos alunos e respeitando a especificidade de cada um ou de cada grupo atendido por nós. 3. Resultados e discussão É importante destacar que, a cada ano, a demanda por Orientação de Estudos tem sido cada vez mais expressiva, representando uma das atividades mais solicitadas no setor. Além disso, a demanda espontânea, ou seja, a busca pela orientação tem partido do próprio aluno. Se antes os coordenadores de turma eram os maiores motivadores dessa prática, hoje podemos afirmar que o próprio aluno reconhece a importância de organizar sua rotina de estudos. Outra consequência desse trabalho é a aproximação do Setor de Psicologia tanto em relação aos alunos e seus familiares quanto ao trabalho realizado junto ao corpo pedagógico. Assim, vamos, aos poucos, desmistificando cada vez mais o espaço da Psicologia no espaço educacional, retirando-a do lugar de patologização do aprendiz e evidenciando-a como uma ciência capaz de contribuir para a análise dos processos que envolvem o ensino e a aprendizagem e a reflexão sobre o tema. Desse modo, a prática da Psicologia tem propiciado um espaço de trocas e crescimento para a maturidade do educando enquanto protagonista do ato de estudar. Pela mesma forma, a Psicologia trabalha em prol da prevenção das dificuldades de aprendizagem, envolvendo todos os participes desse processo. É importante ressaltar ainda que as estratégias de aprendizagem, e mesmo o conhecimento sobre os fatores que envolvem o processo de ensino e aprendizagem, têm passado por transformações ao longo dos anos, agregando novos saberes e teorias, exigindo que o profissional se mantenha em constante formação, a fim de contribuir de forma efetiva para a emancipação do aluno. É o que nos aponta Lima (2002) quando reflete sobre a percepção do aluno em relação à sistematização dos estudos. Para o aluno, é uma possibilidade de centrar-se e perceber suas próprias necessidades. A partir dessa reflexão, que

aqui pode ser denominada reflexão-ação, o aluno pode se sentir mais ativo e mais responsável pelo seu próprio processo de aprendizagem. 4. Considerações finais A prática de Orientação de Estudos possibilita o acesso a hábitos não só de estudo, mas também de vida do aluno. Durante os encontros, temos a oportunidade de abordar outros temas que se relacionam e que interferem tanto em seu aprendizado quanto em seu envolvimento com a rotina de estudos. Tais temas percorrem os relacionamentos familiares, a convivência entre pares, a dinâmica de ensino proposta pela instituição e a relação professor/aluno, contribuindo para que este também se sinta partícipe do processo que envolve seu aprendizado e fornecendo subsídios para repensarmos a prática pedagógica, adotando ações que contribuam cada vez mais para a formação humana e acadêmica dos discentes.

REFERÊNCIAS ABERASTURY, A.; KNOBEL, M. Adolescência normal. 10.ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. CASTRO, A. L. M. B. de. O desenvolvimento da criatividade e da autonomia na escola: o que nos dizem Piaget e Vygotsky. Revista Psicopedagogia, v. 23, n. 70, p. 49-61 2006. FERRIOLI, S. H. T.; MARTURANO, E. M.; PUNTEL, L. P. Contexto familiar e problemas de saúde mental infantil no Programa de Saúde da Família. Revista de Saúde Pública, v. 41, n. 2, p. 251-259, 2007. HAMASAKI, E. I. M.; KERBAUY, R. R. Será o comportamento de procrastinar um problema de saúde? Revista Brasileira de Teoria Comportamental e Cognitiva, v. 3, n. 2, p. 35-40, 2003. LIMA, S. M. B. Sistematização dos estudos uma organização para a vida. Revista de Educação, Bagé, v. 3, p. 54-68, 2002. PIAGET, J. Psicologia e pedagogia. 9.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. PIAGET, J. O juízo moral na criança. 2.ed. São Paulo: Summus, 1994. ROSÁRIO, P.; NUNES, T.; MAGALHÃES, C.; RODRIGUES, A.; PINTO, R.; FERREIRA, P. Processos de autorregularão da aprendizagem em alunos com insucesso no 1º ano de Universidade. Psicologia Escolar e Educacional, v. 14, n. 2, p. 349-358, 2010. RUIZ, A. R. Tecnologias, aprendizagem da atenção e aprender a estudar. Educar em Revista, Curitiba, n. 55, p. 293-306, jan./mar. 2015. SANTROCK, J. W. Adolescência. 14.ed. Porto Alegre: AMGH Editora, 2014. SOARES, M. R. Z.; SOUZA, S. R. de; MARINHO, M. L. Envolvimento dos pais: incentivo à habilidade de estudo em crianças. Estudos de Psicologia. Campinas, v. 21, n. 3, p. 253-260, set./dez. 2004. WATKINS, M. W.; COFFEY, D. Y. Reading Motivation: Multidimensional and Indeterminate. Journal of Education Psychology, 96, p. 110-118, 2004.