2. Experiências na água e no ar



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Transcrição:

2. Experiências na água e no ar Suponhamos que Arquimedes está à beira de um lago e segura, preso por um fio, um saco de plástico cheio de água (com, digamos, 10 kg de água) mergulhado dentro do lago. Qual é a força que Arquimedes tem de fazer para segurar o saco de água? (Perdoe-se o anacronismo de Arquimedes segurar numa coisa - um saco de plástico - que ainda não existia na época; os plásticos só surgiram, realmente, neste século.) Se se ignorar o peso do fio e do saco de plástico, essa força é rigorosamente nula. Até o filho mais pequeno de Arquimedes pode com 10 kg de água, desde que esses 10 kg estejam mergulhados em água. E quem diz 10 diz 100, ou mesmo 1000 kg de água. A água dentro de água, graças à impulsão e à lei de Arquimedes, «não pesa nada»! A água «não pesa nada» porque a impulsão é igual ao peso do volume de água deslocada. A quantidade de água deslocada pela introdução do saco de plástico dentro de água é precisamente igual à quantidade de água dentro do saco. O peso do líquido deslocado é o mesmo que o do saco cheio de água. Se, em vez de água, contivesse gasolina (que também não existia na recuada época de Arquimedes), o saco subiria até à tona da água, só ficando dentro de água um certo volume menor do que o total: o volume cujo peso, em água, fosse igual ao peso total do saco cheio de gasolina. A densidade da gasolina é 0,66 g/cm", portanto inferior à da água. Se contivesse glicerina, o saco iria, tal qual o navio deitado que fica «mais pesado do que a água», irremediavelmente para o fundo. A glicerina é mais densa do que a água (a sua densidade é 1,26 g/cm'').

Que aconteceria se o saco de água inicial estivesse mergulhado em gasolina? A impulsão, que teria o valor do peso da gasolina deslocada, seria então menor do que o peso da água do saco. O saco iria ao fundo! E se o saco estivesse mergulhado em glicerina? O saco seria empurrado para cima pela impulsão devida à glicerina. É que a impulsão, neste caso o peso de glicerina deslocada, seria então superior ao peso da água. O saco emergiria, só ficando dentro da glicerina um volume cujo peso em glicerina fosse igual ao peso total do saco com água. Até parece complicado, mas é mais simples do que parece. Se contivesse água doce, o saco ainda flutuaria quando fosse mergulhado em água salgada, porque a água salgada é um pouco mais densa do que a água doce. Por isso é que o casco de um barco a navegar no mar alto aparece mais à mostra do que num rio e por isso é que um banhista no salgadíssimo mar Morto fica sempre a flutuar à tona de água, mesmo que não saiba nadar. Consideremos agora que, em vez de um saco de água, Arquimedes segura uma pedra algo pesada, com a massa de, por exemplo, 10 kg. Também se pode dizer que o peso da pedra é 10 kg-força. Os físicos costumam distinguir entre massa, que é uma medida da quantidade de matéria, e peso, que é a força de atracção pela Terra, mas o valor do peso em quilogramas- -força é igual ao valor da massa em quilogramas. No caso da pedra, Arquimedes já tem de exercer uma certa força para a segurar. A força por ele exercida é menor do que o peso da pedra, porque a impulsão vem em seu auxílio. Se essa força deixar de existir, a pedra vai certamente ao fundo. Afunda-se, como o barco descrito por Eça quando fica «mais pesado» que a água. Suponhamos, como exemplo, que a pedra de 10 kg está imersa a 1 m de profundidade. Arquimedes exerce uma certa força, digamos 8 kg (isso significa que a água deslocada é 2 kg e que o volume da pedra é 2 I = 2000 cmê). Considere-

mos que a pedra é descida para 3 m de profundidade. Será que o sábio grego tem agora de fazer mais ou menos força para aguentar a pedra? Nem mais nem menos: a mesma. Isto acontece porque a lei de Arquimedes não refere a que profundidade a pedra está imersa. A impulsão é a mesma a qualquer profundidade. A lei de Arquimedes não fala em profundidade da pedra, nem na idade de quem a segura, nem se o experimentador é grego ou é romano: só fala de peso do volume de líquido deslocado, e o volume deslocado, quando se mergulha uma pedra dentro de água, é o mesmo qualquer que seja a profundidade. No entanto, toda a gente sabe que a pressão exercida por um líquido em torno de um objecto é tanto maior quanto maior for a profundidade desse líquido. Trata-se de um efeito devido ao peso do líquido das camadas superiores. Quanto mais líquido existir por cima, maior será o peso exercido em baixo. É por isso que os mergulhadores têm maior dificuldade em permanecer dentro de águas mais profundas. Não deveria a impulsão sobre um objecto ser maior quanto mais fundo ele estivesse? Não. A impulsão tem realmente a ver com a pressão exercida pelo líquido sobre o corpo imerso. A impulsão é o resultado das forças de pressão (sabe-se hoje que estas últimas são devidas, em última análise, a um bombardeamento intenso de moléculas do líquido sobre a superfície do objecto). Contudo, a impulsão é a mesma a qualquer profundidade, porque a impulsão resulta da soma das forças de pressão exercidas sobre todos os pontos da superfície do objecto. As forças de pressão laterais equilibram-se (o efeito da água da direita é igual ao da água da esquerda), enquanto a diferença entre as forças de pressão na parte de baixo e na parte de cima do corpo dá origem a uma resultante para cima. Trata-se do resultado total, do resultado «líquido»! Um objecto situado a maior profundidade está sujeito a uma pressão maior, tanto na sua parte de cima como na sua parte de baixo. A força de pressão resultante - a impulsão - é porém a mesma qualquer que seja

a profundidade. Verifica-se que é assim: as leis da física, como a de Arquimedes, resultam da observação repetida e cuidada. As coisas não serão realmente assim se a observação for muito precisa. Existe uma pequena diferença entre a impulsão experimentada por um objecto a pequena e a grande profundidade, que é devida ao facto de a água a maior profundidade ser ligeiramente mais densa. Isso faz com que o peso de igual volume de água deslocado seja maior a maior profundidade. Esta diferença é pequena, uma vez que a densidade da água não varia muito: diz-se que a água é pouco compressível, não pode ser «apertada» (as suas moléculas não «gostam» de se aproximar demasiado). Um gás, como o ar, é bastante mais compressível do que a água. As suas moléculas estão, em média, mais afastadas umas das outras, podendo ser reunidas com alguma facilidade. Qualquer corpo mergulhado num gás está também sujeito a uma força de impulsão, pelo que a lei de Arquimedes deve ser enunciada papagueando: «Todo o corpo mergulhado num fluido bla-bla-bla» (um fluido tanto é um líquido como um gás). O próprio Arquimedes fora de água está sujeito à força impulsiva que descobriu, uma vez que, quando sobe para cima de uma balança, lê um valor que é um pouco menor do que a força com que a Terra o atrai. Não lê o peso - força de atracção da Terra - mas o peso descontado da impulsão devida à presença do ar. Nunca lemos o nosso peso certo... Para fazer subir um balão de ar basta aquecer o ar lá dentro. O ar quente é menos denso, a impulsão domina o peso e o balão sobe. Foi assim que subiu, no século XVIII, a «passarola» do português Bartolomeu de Gusmão, Os balões de ar flutuam no ar devido à impulsão: quando imóveis lá no alto, o seu peso é igual à impulsão, tal como um saco de água dentro de água. Um balão de hidrogénio ou hélio sobe no ar tal como um saco cheio de água sobe dentro da glicerina ou um saco cheio de gasolina sobe dentro de água. Os balões devem ter um volume muito grande para receberem uma grande impulsão,

uma vez que o ar é «pouco pesado» (mais exactamente, a sua densidade é 0,0013 g/cm", cerca de mil vezes menor do que a da água). Um balão a pequena altitude sofre uma impulsão ligeiramente maior do que a grande altitude, porque o ar é mais denso perto da Terra do que na alta atmosfera. Tudo se passa como no caso da pedra a maior profundidade, que está sujeita a uma impulsão ligeiramente maior do que uma pedra a pequena profundidade. A impulsão tanto vale na água como no ar.

TíTU LO: Física Divertida AUTOR: Carlos Fiolhais PUBLICAÇÃO: Gradiva - Publicações, Lda. EDiÇÃO: 3ª ed., 1992