Este texto foi adotado para fim exclusivo de apoio didático ao Curso de Gestão Estratégica Pública - Turma 2005 - uma parceria entre a Escola de Extensão da Unicamp e a Escola de Governo e Desenvolvimento do Servidor (EGDS) da Prefeitura Municipal de Campinas. Moderação Introdução A moderação utilizada no contexto dos programas e das organizações preocupadas com a transformação social foi introduzida no Brasil pela cooperação internacional, a partir dos anos 70, quando a dimensão participativa ganha relevância na discussão, na elaboração e na implementação de programas e modelos de desenvolvimento. Com os métodos participativos de planejamento, os beneficiários dos projetos da cooperação internacional, de ONG s e dos movimentos sociais tornam-se atores que analisam a situação, desenvolvem planos de ação e definem suas funções. E fortalecem suas ações e suas organizações ao mesmo tempo em que desenvolvem novas formas de relação, mais interativas e mais criativas. Instrumento de mudanças que focaliza pessoas, processos grupais e comunicação, a Moderação associada ao Metaplan 1 constituem-se na base didática pedagógica dos diversos métodos de planejamento participativo difundidos no país pela cooperação alemã. Capaz de contribuir para a aprendizagem e o desenvolvimento de ações e conhecimentos de forma coletiva, a moderação serve de apoio metodológico em contextos dos mais variados, que podem envolver desde auto-organização e desenvolvimento do próprio grupo até a análise, desenvolvimento, fundamentação e organização de idéias, conhecimentos e informações. 1 Metaplan método de visualização com fichas, utilizado em planejamento e condução de reuniões
No início dos anos 90, alguns autores 2 se empenharam na sistematização da Moderação como um método distinto dos métodos de planejamento. Cursos de moderação passam a ser ministrados no Brasil pela GTZ Sociedade Alemã para Cooperação Técnica e pela FES Fundação Friedrich Ebert. Schubert, Nogueira e Oliveira sistematizaram, de forma detalhada e aprofundada, elementos teóricos e práticos da Moderação de processos conversacionais grupais, no manual do Curso de Formação de Moderadores do ILDES-ORPLA-FES, referência que consideramos fundamental para a compreensão e aplicação da Moderação. Nessa perspectiva, abordaremos o método de Moderação, apresentando o conceito que nos norteia; três aspectos centrais da moderação o tema, o grupo e a comunicação; as ferramentas básicas com que o moderador vai trabalhar dinâmicas, perguntas e visualização e cuidados necessários ao efetivo exercício do método. Conceito Moderação é uma forma de condução de processos de discussão que visa promover uma discussão objetiva e equilibrada entre os diversos participantes de determinado grupo e contribuir para que todos participem ativamente na construção do produto dessa discussão. É, portanto, uma forma de promover a aprendizagem de novas relações de trabalho, otimizando recursos e conhecimentos presentes no grupo em prol da elaboração criativa de soluções para os problemas a serem enfrentados. A definição citada aponta para o enfoque participativo da moderação. Contudo outros entendimentos, traduzidos em práticas às vezes muito diferenciadas da descrição que faremos a seguir, também vem sendo relacionados ao termo de moderação 3. 2 Entre esses autores estão: Peter Pfeiffer Introdução à Moderação Curso Básico, traduzido para o português em 1993, RJ; Walkyria Moraes Painéis Técnicas de Moderação de Eventos, 1993; Klaus Schubert e Heloisa Nogueira Curso de Formação de Moderadores, ILDES/ORPLA FES-Brasil, 1996. 3 Moderação diminuição, redução, minoração...qualidade que consiste em evitar excessos, prudência, comedimento. Moderar conter nos limites justos e convenientes, pôr no meio termo, regrar, regular.ajustar às conveniências, refrear, reprimir...(in: Novo dicionário Aurélio, Nova Fronteira, 1986).
Moderar, regular, regrar, conter nos limites justos o processo grupal e a produção do grupo, de modo a criar um ambiente de confiança, escuta, respeito e objetividade. Facilitar a comunicação interpessoal, orientar as reflexões dos participantes para a finalidade que os reúne, fomentar a criatividade e colaborar para que o grupo chegue aos resultados esperados. Esta é a moderação de que falamos. Moderar uma discussão grupal implica em organizar e orientar o processo de discussão de modo que os participantes formulem conjuntamente suas próprias respostas para as questões que estão trabalhando e se comprometam com a efetivação dessas respostas. O moderador responsável por trabalhar a qualidade do processo de discussão e é esse o viés que deve priorizar na sua contribuição para o sucesso do trabalho. Não é seu papel participar ativamente na discussão do grupo, mesmo porque uma certa neutralidade é fundamental quando se assume tarefa de promover a discussão equilibrada de um grupo. Três aspectos centrais sustentam qualquer processo de discussão: o tema, o grupo, a comunicação. São esses os elementos-chaves a serem considerados na preparação e na moderação de processos participativos de discussão. O Tema O assunto a ser discutido precisa estar claramente definido e organizado, para que a discussão possa ser otimizada em torno dos interesses conjuntos. Isso é feito a partir da construção de um roteiro de atividades e perguntas encadeadas para preparar, iniciar, desenvolver e fechar a discussão, que deverá possibilitar o alcance dos resultados desejados. Temáticas das mais variadas podem ser trabalhadas pela Moderação de Processos de Discussão Grupal: análise de idéias; organização de atividades; organização de informações; atividades de capacitação; planejamentos; solução de problemas; superação de conflitos; organização de idéias; elaboração de diagnósticos; avaliações...cabe ao moderador definir claramente com os
organizadores do evento o tema a ser trabalhado, o conhecimento que os participantes têm do assunto, os subsídios necessários ao desenvolvimento da discussão pelo grupo e o grau de aprofundamento da discussão, ou seja, os resultados que se pretende alcançar. O Grupo A composição do grupo, a dinâmica que se estabelece entre seus integrantes, sua relação com o tema proposto e seu grau de governabilidade para a tomada de decisões relativas à temática trabalhada são fatores decisivos a serem considerados no planejamento e na condução da moderação para a viabilização de um processo participativo na discussão proposta. Conhecer as expectativas dos participantes; estabelecer um clima de confiança, respeito e transparência; promover a autonomia do grupo e acreditar na capacidade dos participantes; lidar bem com possíveis reações à moderação; gerenciar conflitos; estabelecer regras e acordos de trabalho; trabalhar com flexibilidade para adequar o roteiro à dinâmica do grupo e adequar a linguagem do perfil dos participantes são alguns dos cuidados necessários ao bom andamento do processo grupal. A moderação deve considerar as diversas individualidades presentes no grupo, as demandas pessoais, e valorizar as diferentes opiniões, mas de modo que sempre prevaleçam os interesses coletivos. A Comunicação Elemento central nos processos de discussão entre os participantes e destes com o tema a comunicação deverá ser trabalhada pela moderação, em direção à interação entre as diversas percepções e contribuições presentes no grupo, para, simultaneamente, favorecer o fortalecimento de boas relações entre os participantes e facilitar a construção de respostas coletivas, com as quais o grupo se identifique e se comprometa.
O moderador é um especialista no caminho de como melhorar a comunicação humana 4, que deve ser capaz de exercer e fomentar entre os participantes um confronto claro, atento e comprometido com os conteúdos da discussão. Ele deve contribuir para a organização e a clarificação das idéias do grupo, sem valora-las. Saber ouvir com atenção, até o fim e sem interrupções; tomar cuidado com a comunicação não-verbal e avisar quando a atenção não puder ser mantida, são cuidados que o moderador deve tomar para si e promover entre os participantes. Outros cuidados importantes que o moderador deve ter para estabelecer uma boa comunicação; fazer colocações claras e objetivas, em linguagem acessível ao grupo; relacionar sua contribuição às demais; verificar se está sendo compreendido; retroalimentar o grupo com sínteses e esclarecimentos. Ferramentas da Moderação Dinâmicas de grupo Em geral, o grupo só ganha contornos claros quando começa a atividade, pois diversos fatores irão influenciar a sua dinâmica, além dos antecedentes previamente colhidos pelo moderador. As condições de trabalho, questões pessoais de seus integrantes, aspectos situacionais e as relações que se estabelecem com a moderação e com o moderador são pontos a serem observados no início dos trabalhos pelo moderador. Conhecimentos básicos sobre processos grupais e dinâmicas de grupo são imprescindíveis e vão ajudar a orientar a condução e consolidação do grupo de trabalho. O moderador precisa estabelecer uma relação imparcial com os integrantes, estar atento aos seus movimentos e intervir no processo com dinâmicas e atividades adequadas ao momento e ao perfil do grupo. Tais intervenções poderão estar relacionadas tanto ao desenvolvimento da discussão, quanto às relações interpessoais. 4 Introdução à Moderação Curso Básico, Peter Pfeiffer,RJ,1993.
Considerando as fases constituintes do processo de desenvolvimento de qualquer grupo de trabalho 5, o roteiro de trabalho da moderação deve incluir, antes de iniciar a discussão propriamente dita, uma etapa de familiarização voltada à apresentação/integração entre os participantes e moderador(es), socialização das expectativas dos participantes em relação à atividade e confronto dessas expectativas com o programa proposto de modo a se estabelecer um acordo conjunto sobre o andamento do trabalho e a metodologia a ser utilizada. Dependendo da configuração do grupo e da proposta de trabalho, essa fase vai requerer mais ou menos atenção/tempo para que se estabeleça um bom clima para o início da discussão. A escolha de dinâmicas para o desenvolvimento dessa etapa inicial deve referenciar-se no histórico do grupo e na proposta de trabalho, assim como a escolha das demais dinâmicas que integrarem o processo de discussão e o fechamento do evento. Perguntas O desenvolvimento de processos de aprendizagem e construção de conhecimento que valorizem e potencializem a participação ativa de seus integrantes devem estruturar-se sempre pela formulação de questões, de modo a propiciar a busca de respostas pelos próprios participantes. Contrariamente aos tradicionais métodos de transmissão de conhecimentos, pautados na reprodução de modelos e comportamentos padronizados, as perguntas são a chave dos métodos participativos. As perguntas devem ser motivadoras, capazes de despertar a atenção e a reflexão dos participantes sobre o tema. Elas devem ser simples e claras, considerar o contexto,o momento certo e respeitar a integridade dos participantes. È com perguntas que o moderador vai tratar o tema em questão. A clareza na formulação e na organização lógica das perguntas, assim como as dinâmicas 5 No relacionamento consigo mesmo e com seu tema, o grupo vive várias fases até alcançar o desenvolvimento desejado.são elas: orientação/aquecimento;luta pelo poder;confiança;diferenciação;integração;volta para casa. Ver Manual do Curso de Formação de Moderadores Ildes/Orpla/FES.
utilizadas na abordagem dessas junto ao grupo e na sistematização de suas respostas deverão possibilitar o desenvolvimento da discussão dentro dos limites do tema proposto, da composição do grupo e do tempo disponível, além de colaborar para a fluência da dinâmica grupal. Os limites do tema ou situação em questão são demarcados pela tensão existente entre a situação atual visão do cliente/grupo sobre o tema e a situação desejada resultados temáticos que se pretende alcançar no processo de discussão 6. As perguntas são elaboradas a partir de uma análise prévia dos conteúdos temáticos e encadeadas num fio lógico 7, de modo a facilitar o desenvolvimento da discussão do tema e o alcance dos resultados esperados. Nos métodos de planejamento conduzidos a partir da moderação, como o ZOPP, cujos objetivos e a lógica de encadeamento das perguntas/etapas de reflexão estão preestabelecidos, necessita-se apenas de uma adequação do fio lógico à situação planejada, visto que o objeto central da discussão - no caso, o planejamento de projetos será o mesmo para qualquer grupo que utilize esse método. Enquanto que a Moderação de Processos Conversacionais Grupais 8, com base na elaboração de fios lógicos desenhados de acordo com as especificações de cada atividade/cliente, pode ser aplicada em diferentes situações de trabalho grupal seminários, reuniões, sessões de treinamento, planejamentos, etc. Visualização A utilização de técnicas de visualização é fundamental quando se trabalha com grupos. Por intermédio da visualização, cria-se um centro comum de atenção, que aglutina informações relevantes para o trabalho do grupo. 6 In: Lego B4 O Fio Lógico,idem. 7 O conjunto de perguntas que orientam a discussão do tema é denominado Fio Lógico no Manual do Curso de Formação de Moderadores ILDES/Orpla/FES, Schubert, Nogueria e Oliveira, 1996. 8 Moderação de Processos Conversacionais Grupais difundida pelo ILDES-FES, pelo Curso de Formação de Moradores ILDES/Orpla/FES.
Na moderação, utiliza-se a técnica de visualização com fichas 9, um instrumento que agiliza o levantamento e a socialização de opiniões, possibilita aprofundar a reflexão individual, estimula a capacidade de síntese, facilita a organização de idéias, organiza o processo de discussão, colabora para melhor acompanhamento do debate, documenta a discussão e propicia o nivelamento, quando há participação de pessoas com níveis hierárquicas distintos. Pelas fichas se promove e prioriza a participação e se respeita a igualdade de opiniões, pois todos têm um mesmo espaço para responder às perguntas colocadas pelo moderador e mesmo as pessoas mais tímidas acabam por expressar sua idéias e opiniões. A visualização deve ser observada em todas as etapas do trabalho, desde o momento inicial até o momento final do evento, possibilitando o melhor desenvolvimento do trabalho e a elaboração simultânea do relatório das atividades desenvolvidas. Deve ser utilizada na familiarização e integração entre os participantes, na apresentação das regras de trabalho e da programação a ser seguida, nas exposições que subsidiarão a discussão, durante todo o seu desenvolvimento apresentando perguntas, sistematizando as respostas do grupo e sinalizando divergências, na definição de encaminhamentos e na avaliação do evento. Além de fichas, outras técnicas e instrumentos de visualização podem ser utilizados, desde que adequados ao perfil do grupo e ao tipo de atividade. Cabe ao moderador adaptar criativamente seu trabalho às condições materiais e culturais dos grupos com quem trabalha. 9 Visualização em fichas, cartelas ou tarjetas cartolinas em cores e formatos variados, utilizados para registrar o processo de discussão desenvolvida pela equipe que criou o método Metaplan.
Cuidados necessários Alguns cuidados devem anteceder a realização de uma moderação, relativos ao perfil/autonomia do grupo, ao ambiente em que acontecerá o evento, à definição das atividades e ao papel do moderador. Ao negociar o contrato de uma moderação, é necessário que o moderador deixe claro para quem solicita o trabalho o caráter eminentemente participativo de sua proposta metodológica e, portanto, a importância de que os participantes tenham governabilidade sobre o assunto em questão. Nesse sentido, cabe ao moderador discutir previamente com o interlocutor do grupo/organização a relação entre o perfil dos participantes, o grau de aprofundamento em que se dará a discussão e os resultados esperados. Outro fator importante a ser considerado previamente diz respeito ao local do evento. Dependendo do tipo de encontro, é conveniente que aconteça fora do local de trabalho, para facilitar o desenvolvimento da atividade. Assim, esse também é um ponto a ser estudado e definido com o(s) interlocutor(es0 do grupo, de forma que se crie condições favoráveis ao bom desenvolvimento do trabalho. Nesse sentido, a organização do local e a preparação dos materiais a serem utilizados no evento também deverão receber atenção prévia do moderador. A elaboração do roteiro de trabalho do moderador deverá incluir as atividades de familiarização, as perguntas encadeadas, intervalos/atividades/dinâmicas intermediárias, conclusão dos trabalhos e avaliação do evento. O roteiro deve registrar o tempo e os recursos necessários a cada etapa do trabalho. É importante que o roteiro seja discutido com o interlocutor do grupo e aprovado. É pela discussão do roteiro que o contratante pode interferir no trabalho do moderador mais diretamente. Pois, assim como o grupo deverá ter autonomia no que se refere à discussão, tomada de decisões e definição de resultados entorno do tema em questão, o moderador deverá ter autonomia que tange à condução metodológica do evento.
Bibliografia: COLLETE, Maria M. Moderação. In: Markus Brose (org). Metodologia Participativa. Uma introdução a 20 instrumentos. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2001. pp. 17-24.