Reabilitação profissional e a aposentadoria especial nas doenças ocupacionais



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Transcrição:

artigo original Reabilitação profissional e a aposentadoria especial nas doenças ocupacionais Vocational rehabilitation and retirement special in occupational diseases Jerri Estevan Vacaro 1, Fleming Salvador Pedroso 2 RESUMO Introdução: A aposentadoria especial é um benefício do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), destinado a segurados que trabalham em condições insalubres ou perigosas em tempo permanente por um período mínimo de tempo, conforme a legislação. Já a Reabilitação Profissional (RP) é um programa do INSS voltado a segurados que em algum momento de sua vida laboral encontram-se incapacitados de continuar a executar as suas atividades atuais e, no entanto, não estão incapazes para executar outras. Objetivo: O presente trabalho teve como objetivo listar as patologias e as profissões mais frequentemente responsáveis pelos afastamentos e encaminhamentos ao programa de RP. Também mostrar a espécie de benefício que resultou no afastamento do trabalho. Descrever algumas patologias relacionadas aos agentes nocivos a que os segurados estão expostos. Metodologia: Foram analisadas as profissões, patologias e espécie de benefício, encaminhados ao programa de RP no ano de 2008, em um total de 1.150 casos. Usando o programa Statistical Package of the Social Sciences (SPPS), os dados foram tabulados e analisados. Resultados: As principais profissões responsáveis pelos encaminhamentos ao programa de RP são as mesmas contempladas pela legislação até 28/04/1995, exceto o grupo de metalúrgicos. Dos 1.150 segurados do programa de RP, 817 (71,04%) recebiam benefício espécie auxílio doença previdenciário, e 333 (29,96%), acidentários. As patologias mais comuns foram as musculoesqueléticas, 299 (26%), psiquiátricas com 209 casos (18,17%), traumatológicas, 185 casos (16,08%), cardiovasculares, 98 (8,52%), pneumológicas, 77 (6,69%), gastroenterológicas, 45 (3,91%) e 237 (20,60%) classificadas em outras partes. Conclusão: As profissões mais encontradas são as mesmas contempladas até 28/04/1995, entre as atividades que permitiam a aposentadoria especial, com exceção do grupo dos metalúrgicos. Já a espécie auxílio doença previdenciário, e não acidentário, foi a maior responsável pelos encaminhamentos para a RP. As patologias que geraram afastamento de suas atividades não parecem ter relação direta com as patologias originárias de agentes nocivos contemplados pela aposentadoria especial. Palavras-chave: reabilitação; incapacidade; aposentadoria. Recebido em: 24/03/2013 Aprovado em: 22/05/2013 1 Mestre em Reabilitação Profissional e Inclusão pelo Centro Universitário Metodista IPA; Médico perito do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) Porto Alegre (RS), Brasil. 2 Professor do Curso de Reabilitação e Inclusão do Centro Universitário Metodista IPA; Médico perito do INSS Porto Alegre (RS), Brasil. Endereço para correspondência: Jerri Estevan Vacaro INSS Porto Alegre Avenida Taquara, 350 CEP: 90460-2010 Porto Alegre (RS), Brasil E-mail: je.vacaro@terra.com.br Fonte de financiamento: nenhuma.

Vacaro JE, et al. / Rev Bras Med Trab.2013;11(2):60-5 ABSTRACT Introduction: The special retirement is a benefit of the National Institute of Social Security (INSS) for the insured who work in dangerous or unhealthy conditions in continuous time for a minimum period of time, according to the legislation. Already Vocational Rehabilitation (VR) is a program aimed at INSS insured at some point in their working life are unable to continue to perform their current activities and, however, are not unable to perform other. Objective: This study aimed to list the pathologies and the professions most often responsible for referrals to absenteeism and VR program. Also show the kind of benefit that resulted in absence from work. Describe some pathologies related to harmful agents to which policyholders are exposed. Methods: We analyzed the professions, disease and type of benefit, referred to the VR program in 2008, a total of 1,150 cases. Using the program Statistical Package of the Social Sciences (SPPS), the data were tabulated and analyzed. Results: The major occupations responsible for referrals to VR program are covered by the same legislation until 28/04/1995, except the group of metallurgists. Of the 1,150 policyholders of PR, 817 (71.04%) received sickness benefit type pension, and 333 (29.96%), labor accident. The most common diseases were musculoskeletal, 299 (26%), with 209 psychiatric cases (18.17%), traumatology, 185 cases (16.08%), cardiovascular, 98 (8.52%), pulmonology, 77 (6.69%), gastroenterology, 45 (3.91%) and 237 (20.60%) classified elsewhere. Conclusion: The professions most commonly found are the same up to 28/04/1995 included among the activities that allowed the special retirement, except for the group of metallurgists. Already the species sickness pension, and not by the accident, was most responsible for referrals to the VR. The pathologies that led away from their activities do not appear to be directly related pathologies originating from harmful agents covered by special retirement. Keywords: rehabilitation; retirement; inability. INTRODUÇÃO É direito do trabalhador exercer sua função em ambiente saudável e seguro. Hoje, esses direitos estão assegurados na própria Constituição Federal, no capítulo dos Direitos Sociais CF, inciso XXII do art. 7, 1998 1. Concordamos com Amauri Mascaro Nascimento 2, quando afirma que o meio ambiente de trabalho é composto pelo complexo máquina-trabalho, ou seja, pelas edificações do estabelecimento, os equipamentos de proteção individual, a iluminação, o conforto término, as instalações elétricas, as condições de salubridade ou insalubridade, da periculosidade ou não, os meios de prevenção à fadiga, outras medidas de proteção ao trabalhador, as jornadas de trabalho e as horas extras, os intervalos, que formam o conjunto de condições do trabalho. A aposentadoria especial é uma espécie de aposentadoria por tempo de contribuição, com redução do tempo necessário à inativação, concedida em razão do exercício de atividades consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física. Ou seja, é um benefício de natureza previdenciária que se presta a reparar financeiramente o trabalhador sujeito a condições de trabalho inadequadas. O direito ao benefício foi assegurado, quando de sua instituição, a quem satisfizesse as seguintes condições: 50 anos ou mais de idade; carência mínima de 15 anos de contribuição; e comprovasse o exercício de atividade profissional em serviços considerados penosos, insalubres ou perigosos durante 15, 20 ou 25 anos de serviço, de acordo com o ato a ser editado pelo Poder Executivo 3. A Lei 9.032/95 4 impôs a obrigação de comprovação de tempo de trabalho permanente (não ocasional nem intermitente) exposto a agentes nocivos químicos, físicos ou biológicos, ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou integridade física, e proibiu o beneficiário de aposentadoria especial de continuar ou retornar ao exercício da atividade. Essa lei acabou com a concessão de aposentadoria especial por categoria profissional, além de não exigir idade mínima. O segurado passa a ter direito a uma renda equivalente a 100% do valor do salário de benefício. Entre os agentes nocivos à saúde, o mais frequente nos ambientes de trabalho é o ruído. Ele tem sido responsável por distúrbios auditivos tem- 61

Reabilitação profissional e a aposentadoria especial nas doenças ocupacionais porários e permanentes, e por comprometimentos orgânicos diversos, contribuindo para o aumento do número de acidentes de trabalho. A permanência de pessoas em nível de ruído elevado pode causar perda de audição 5. O trauma acústico ocorre após exposição a um ruído muito forte (explosão) e pode acarretar uma perda repentina de audição, geralmente em um só ouvido, podendo afetar ambos. Outros órgãos do corpo também podem ser afetados, como vertigens e perda do equilíbrio, alterações cardíacas e hormonais, ansiedade, nervosismo e aumento da agressividade 6. Os agentes químicos podem ser responsáveis pelas dermatoses ocupacionais. Os fatores irritantes como o cimento, solventes, óleos de corte, detergentes, ácidos e álcalis figuram entre os de causa direta. As radiações não ionizantes, calor, frio e eletricidade destacam-se entre os agentes físicos 7. Os agentes biológicos podem trazer como complicações as parasitoses, tétano, alergias por polen e pelos ou por picadas e mordeduras. Os vírus presentes no sangue também são importantes responsáveis, especialmente em caso de acidentes punctórios, segundo o guia de riscos biológicos 8. O benzeno é um hidrocarboneto aromático presente no petróleo, no carvão e em condensados de gás natural com vasta utilização na indústria química. Há relação causal com leucemia mieloide aguda e aplasia de medula. Apenas nove casos de óbito foram registrados no Brasil, ocorridos antes de 1993 9. A silicose é uma doença causada pela inalação de partículas de dióxido de silício cristalino, encontrado em trabalhadores de indústrias, fundição de vidros e jato de areia, entre outras. Apresenta um desenvolvimento lento, em geral após o afastamento do segurado 10. Donadon 11 busca alternativa para a aposentadoria especial e sugere que, dependendo do efeito da ação do agente patogênico, o trabalhador poderia ser aposentado por invalidez se incapacitado para o trabalho; em razão do tempo de trabalho e idade, poderia ser submetido ao processo de reabilitação profissional ou mesmo receber um benefício equivalente ao auxílio doença. Para o trabalhador, a possibilidade de aposentar-se precocemente, sem qualquer contribuição adicional, sem prejuízo no complemento remuneratório proporcionado pela insalubridade, periculosidade ou penosidade de seu trabalho, deve ter sido motivo de grande júbilo. A imprevidência natural da maioria dos brasileiros faz com que se considere melhor trabalhar em ambiente insalubre por alguns anos e depois gozar, ainda no início da idade madura e, portanto, por bastante tempo, de merecida e compensatória aposentadoria, do que exigir ambiente de trabalho capaz de preservar sua integridade em sentido amplo, ou seja, de proporcionar bem-estar físico, mental e social 12. O termo reabilitação profissional (RP) foi institucionalmente consolidado pelo Decreto-Lei nº 48.959/1960 13, como resposta pública à questão da incapacidade, abrangendo a assistência educativa e de readaptação profissional com vistas a proporcionar aos beneficiários da previdência social, quando doentes, inválidos ou de algum modo, física ou mentalmente deficitários, com a amplitude que as possibilidades administrativas, técnicas e financeiras e as condições locais permitirem, os meios de reeducação ou readaptação profissionais indicados para que possam trabalhar em condições normais. Ressalta-se ainda a inclusão da esfera psíquica como objeto de atenção na legislação e o detalhamento das fases desse processo, tais como exames iniciais, entrevistas e avaliações de natureza física, psicológica e social, para o estabelecimento dos respectivos diagnósticos, indicação de tratamento adequado, realização do tratamento nos campos médicos, de recuperação e ou reajustamento social, conforme tenha sido indicado, orientação profissional, formação profissional, colocação ou reemprego, acompanhamento do caso até a plena reabilitação profissional 13. Um estudo mostrando o resultado do programa de reabilitação no Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) de Porto Alegre, no ano de 2008, mostrou que os segurados reabilitados dentro da própria empresa tiveram resultado positivo se comparados com os que realizaram processo de reabilitação externa com a execução de cursos, ratificando a importância da recolocação dentro da empresa 14. A saúde do trabalhador, incluindo a reabilitação profissional, ainda é um direito constitucional a ser conquistado na prática. Nas ações de atenção ao tema, o acolhimento e o reconhecimento do sofrimento 62

Vacaro JE, et al. / Rev Bras Med Trab.2013;11(2):60-5 presente no processo saúde-doença-trabalho podem melhorar a autoestima e a autoconfiança dos trabalhadores, o que é essencial para a criação de mecanismos positivos de enfrentamento que refletirão na melhora do desempenho 15. O objetivo do presente trabalho foi listar as patologias e as profissões mais frequentemente responsáveis pelos afastamentos e encaminhamentos ao programa de RP. Também mostrar a espécie de benefício que resultou no afastamento do trabalho. Uma breve revisão das patologias relacionadas aos agentes nocivos a que os segurados estão expostos, também foi realizada. METODOLOGIA Estudo transversal e coorte, observacional, individual, retrospectivo, no qual os fatores em estudo são a Reabilitação Profissional e a Aposentadoria Especial do INSS. A população foi constituída por segurados que se encontravam em programa de reabilitação profissional junto ao INSS de Porto Alegre (RS), no período de janeiro a dezembro de 2008, independente de quando tenham sido encaminhados. Com a listagem de todos os segurados frequentando o programa de reabilitação profissional, de 01/01/2008 a 31/12/2008, foram coletados todos os dados por meio do Sistema de Atendimento de Benefício por Incapacidade (SABI), usando uma senha específica do controle operacional. O SABI mantém todas as informações relacionadas aos benefícios do segurado. Foram registrados a profissão, a espécie de benefício e a classificação internacional das doenças que motivaram o afastamento, de um total de 1.150 segurados. Os dados coletados foram digitados no programa estatístico SPSS for Windows 17.0. O INSS, por meio do processo 35239.002141/2009-2, emitido pela Diretoria de Saúde do Trabalhador em 30 de novembro de 2009, emite parecer favorável para coleta de dados referentes aos segurados que participaram do programa de RP no período de 2008. Garantida a não utilização das informações em prejuízo das pessoas envolvidas. Todos os valores sociais, morais, religiosos, éticos e culturais foram respeitados. RESULTADOS No ano de 2008, passaram pelo programa de reabilitação profissional, 1.150 segurados. Desses casos foram feitas algumas análises que seguem ao longo do texto. Na Tabela 1 registram-se as profissões mais comuns dos segurados encaminhados à RP, vítimas de patologia que os impedia de continuar na mesma função, ritmo ou local de trabalho. Na Tabela 2, a espécie de benefício, e na Tabela 3 as patologias mais frequentes. Tabela 1. Profissões mais comuns dos indivíduos da população estudada Profissão n % Motorista 215 18,69 Vigilante 85 7,39 Auxiliar de enfermagem 79 6,86 Bancário 62 5,39 Vendedor 61 5,31 Metalúrgico 59 5,13 Auxiliar de serviços gerais 33 2,86 Cozinheiro/garçon 29 2,52 Outros 527 45,82 Total 1.150 100 Tabela 2. Espécie de benefício dos segurados em reabilitação profissional Espécie de Benefício Auxílio Doença Acidente de Trabalho n % n % 817 71,04 333 29,96 Total=1.150 Tabela 3. Patologias mais frequentes nos reabilitandos Patologias n % Musculoesqueléticas 299 26 Psiquiátricas 209 18,17 Traumas 175 15,21 Cardiovasculares 98 8,52 Pneumológicas 77 6,70 Gastroenterológicas 45 3,91 Outras 247 21,47 Total 1.150 100 63

Reabilitação profissional e a aposentadoria especial nas doenças ocupacionais DISCUSSÃO A Tabela 1 mostra as profissões mais envolvidas no processo de RP. Para as atividades executadas antes de 29/04/1995 (data da publicação da Lei n o 9.032/1995) 16, não é necessária a comprovação do contato permanente e habitual com os agentes insalubres, isto é, até o advento do referido diploma, o reconhecimento da especialidade poderia ocorrer com a comprovação do exercício da atividade especificada nos decretos regulamentares. O quadro do artigo n o 2 do Decreto n o 53.831 de 25/04/1964 17 registra as profissões, os serviços insalubres, perigosos ou penosos e, conforme nosso resultado, as três primeiras profissões mais encontradas fazem parte desse quadro. De outro modo, os metalúrgicos pertencem a uma classe sabidamente exposta a uma associação de agentes nocivos, conforme podemos confirmar ao examinar um Laudo Técnico das Condições Ambientais de Trabalho (LTCAT) da Metalúrgica Latino América 18. O laudo registra exposição a agentes químicos e físicos e, no entanto, essa atividade não se configura como principal entre os segurados afastados com objetivo de troca de função. O anexo IV do Decreto n o 3.048 de 1999 19 registra os agentes nocivos e as situações de exposição, confirmando as inúmeras atividades típicas da metalurgia. A espécie de benefício responsável pelo maior número de segurados para a RP foi auxílio doença não acidentário. Essa inversão de espécie, podemos assim dizer, falaria contra uma exposição permanente aos agentes nocivos presentes e que promovem a aposentadoria precoce. Levando em conta, também, a estabilidade que o acidentado apresenta frente à empresa e, por isso, um dos facilitadores de recolocação por meio do programa de RP, torna-se curioso essa espécie de benefício ficar tão abaixo da espécie B31 (auxílio-doença previdenciário). Podemos observar que se destacam, entre as patologias responsáveis pelo afastamento, as de origem musculoesquelética que englobam todas as artrites, artroses, doenças do aparelho locomotor, bursites e a síndrome do túnel do carpo. No Brasil, em 2006, 48,2% dos benefícios previdenciários por doença do trabalho foram concedidos por causa das doenças musculoesqueléticas. No estado da Bahia, em 2000, essas doenças predominaram (84,5%) entre aquelas ocupacionais com afastamento do trabalho por mais de 15 dias, com base nos benefícios do sistema de previdência social 20. As de origem psiquiátrica 21 e traumas, que raramente têm relação com os agentes nocivos, vieram respectivamente na segunda e terceira posições. Obviamente, temos doenças que nem mesmo se apresentaram entre os 1.150 casos, como a silicose, por exemplo. Embora saibamos que algumas fontes potencialmente causadoras não existem mais, outras continuam. A doença seguiu, como diz a literatura, silenciosa. As neoplasias, dermatoses ocupacionais ou intoxicações esperadas, não estão tão presentes. Obviamente, raramente um indivíduo com neoplasia seria encaminhado para Reabilitação Profissional, mas, mesmo assim, é questionável a ordem de aparecimento dos motivos de afastamento. Não temos como negar a relação entre a RP e as doenças do trabalho/doenças causadas por exposição aos agentes de risco. O serviço de saúde do trabalhador na empresa, ou até mesmo o empregado, podem subestimar situações que deveriam ser revistas. A reabilitação profissional deve rever o seu papel frente aos novos casos de afastamento. Urge uma discussão ampla entre empregados, empresários, sindicatos e INSS, para melhorar as condições de trabalho do segurado, de forma que cada parte faça o seu melhor. Condutas estabelecidas, discutidas, preventivas, devem ser prontamente escritas e seguidas. CONCLUSÃO As profissões mais encontradas no nosso trabalho são as mesmas contempladas pela legislação até 28/04/1995, entre as atividades que permitiam a aposentadoria especial. Já a espécie auxílio doença previdenciário e não acidentário foi a maior responsável pelos afastamentos. Das patologias que geraram afastamento das atividades no ano de 2008, com encaminhamento ao programa de RP, não parece haver semelhança direta das mesmas com os agentes nocivos contemplados pela aposentadoria especial. 64

Vacaro JE, et al. / Rev Bras Med Trab.2013;11(2):60-5 REFERÊNCIAS 1. Brasil. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil, inciso XXII do art 7. Brasília, DF: Senado; 1988. 2. Nascimento AM. Iniciação ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTR; 1999. 3. Lazzari JB. Aposentadoria especial: estudo técnico e apreciação judicial. Currículo Permanente. Caderno de Direito Previdenciário. Porto Alegre: TRF-4 a Região; 2007. 4. Brasil. Lei n o 9.032 de 28 de abril de1995. Diário Oficial da União, 1995; 5. Ayres OD, Correa PAJ, Manual de prevenção de acidentes do trabalho. São Paulo: Atlas; 2001. 6. Kwito A. Coletâneas: PAIS, PAIRO, RUIDO, EPI, EPC, PCA, CAT, Perícias. São Paulo: LTR; 2011. 7. Brasil. Ministério da Saúde. Dermatoses ocupacionais. Saúde do trabalhador. Protocolos de complexidade diferenciada. Ministério da Saúde. Série A. Normas e Manuais Técnicos. Brasília, DF; 2006. 8. Brasil. Ministério do Trabalho e Emprego. Guia de riscos biológicos. Guia Técnico. Brasilia, DF; 2008. 9. Costa D. A luta contra a intoxicação pelo benzeno no Brasil. Instituto Nacional do Câncer (INCA): São Paulo; 1993. 10. Oliveira OEOC. Aposentadoria especial Casos. Curso II 2 o Congresso Brasileiro de Perícia Médica; 2009. Brasília. 11. Donadon J. O benefício de aposentadoria especial aos segurados do Regime Geral da Previdência Social que trabalham sujeitos a agentes nocivos Origem, evolução e perspectivas [monografia]. Rio de Janeiro: Curso de Especialização em Gestão Previdenciária da UFRJ; 2003. 12. Queiroz S. Aspectos gerais sobre aposentadoria especial no Regime Geral da Previdência Social. Revista Âmbito Jurídico [Internet], 2011. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_ link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9803 13. Brasil. Presidência da República. Decreto-Lei n 48.959/1960, Diário Oficial da União, 1960. 14. Vacaro JE, Pedroso, FS. Desempenho dos segurados no serviço de reabilitação do Instituto Nacional de Seguridade Social. Acta Fisiátrica. 2011;18(4):200-5. 15. Soares VS, Wagner LC. Reabilitação profissional: vivências de funcionários com limitações físicas e psicossociais em um hospital universitário. Rev Bras Med Trab. 2012;10(2):49-55. 16. Brasil. Presidência da República. Lei nº 9.032, de 28 de abril de 1995. Dispõe sobre o salário mínimo e altera as leis nº 8.212 e nº 8.213 de 24 de julho de 1991. Diário Oficial da República Federativa: Brasília, DF; 1995. 17. Brasil. Presidência da República. Decreto nº 53.831 de 25 de abril de1964. Diário Oficial da União, 1964. 18. Metalúrgica Latino América Ltda. Laudo Técnico Das Condições Ambientais De Trabalho (LTCAT) [Internet], 2001. Disponível em: http://www.jfsc.gov.br/publicaweb/mostra_conteudo_publicacao. php?id=738 19. Brasil. Presidência da República. Decreto nº 3.048/1999. DOU 07/05/1999. Regulamento da Previdência Social. Diário Oficial da União, 1999. 20. Souza NSS, Santana VS. Albuquerque-Oliveira PR, Barbosa-Branco A. Doenças do trabalho e benefícios previdenciários relacionados à saúde. Rev Saúde Pública. 2008;42(4):630-8. 21. Wagner LC, Stankievich REP, Pedroso FS. Saúde mental e qualidade de vida de policiais civis da região metropolitana de Porto Alegre. Rev Bras Med Trab. 2012;10(2):64-71. 65