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Mercosul: da Retórica à Ação Concreta? 1 Guy de Almeida 2 A tomar por base discursos, declarações individuais e conjuntas, entrevistas e artigos de autoridades responsáveis pela condução da política externa dos países membros, o projeto de criação do Mercado Comum do Sul (Mercosul) ganhou novas expectativas com as eleições para a Presidência de Luís Inácio Lula da Silva, no Brasil, e de Nestor Kirchner, na Argentina. Nas cerimônias de posse, nos movimentos iniciais de seus governos e em uma seqüência dinâmica de reuniões e manifestações, desde as respectivas fases préeleitorais, os dois novos mandatários têm enfatizado a condição prioritária do Mercosul, como base de um projeto integracionista sul-americano em parceria com a Comunidade Andina de Nações (CAN), a partir da criação de uma zona de livre comércio entre os dois blocos. Os pronunciamentos de Nicanor Duarte, novo presidente eleito do Paraguai, em exercício a partir de agosto próximo, indicam que esse país deverá ser o terceiro dos quatro parceiros do processo sub-regional de integração a comprometer-se retoricamente com a nova tentativa de retomada da construção do Mercosul. Após indicações de uma opção pelo estabelecimento de um acordo bilateral de comércio com os Estados Unidos, Jorge Battle, atual presidente do Uruguai, cujo sucessor deverá ser eleito no próximo ano, aparentemente se ajustou ao projeto dos novos mandatários sub-regionais. Vale considerar que se o pleito nesse país se realizasse hoje, as pesquisas apontariam para o centro-esquerdista, convicto integracionista e prefeito de Montevidéu, Tabaré Vazquez, como favorito. No entanto, para além da superfície retórica do processo integracionista, as avaliações indicam delicados problemas e obstáculos a superar para chegar-se àquele objetivo, após 12 anos da formalização jurídica do projeto Mercosul através do Tratado de Assunção e mais de 40 anos de tentativas de integração regional, desde a constituição da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC) produto mediatizado dos trabalhos inaugurais da então recém criada Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina (CEPAL). 1 Artigo elaborado especialmente para o Portal Tríade do Mercado / PUC Minas 2 Professor titular e coordenador do Projeto Mercosul (Promer) da PUC Minas - Jornalista 1

Condições pendentes Nessa linha, e sem demérito de outros aspectos significativos, a experiência acumulada sugere pelo menos três condições essenciais convergentes para a viabilização plena do Mercosul, por seu peso na frustração desse e de outros projetos de integração na região e por permanecerem pelo menos latentes como pendências nos cenários atuais: 1. A transição do plano retórico para o plano concreto da vontade política de integração, mediante a tomada e conseqüente implementação de decisões necessárias (e previstas) para a sua plena viabilização. Elas deveriam emergir como parte de um projeto sub-regional dos países membros, inserido em seus respectivos projetos nacionais e respaldado por um programa de ação estratégica para a sua implementação, consolidação e desdobramentos. Em conseqüência, nessa perspectiva sub-regional deveriam produzir uma pelo menos relativa mas efetiva vulneração da primazia outorgada ao chamado interesse nacional, principalmente por segmentos sócio-econômicos predominantes, origem freqüente de dificuldades e frustrações nas negociações ou de retrocessos em um processo em que todos os parceiros ganham e todos perdem na fase de ajustamentos e coordenação de políticas, até que se produza a generalização dos benefícios, como tem demonstrado a integração européia. 2. A criação gradual de uma cultura/mística integracionista com a adesão abrangente das sociedades nacionais dos quatro países àquele objetivo, cuja consolidação passará pela percepção de vantagens que, no caso do Mercosul, não ocorreram na fase de êxito comercial em seus anos iniciais, durante os quais se manteve e até mesmo se aprofundou o déficit social, simbolizado pela concentração da renda em alguns segmentos. Ações por uma gradual e consistente tomada de consciência social em relação à integração como as previstas (e até hoje frustradas) no I Plano Trienal do Setor Educacional do Mercosul (1992-1995, com prorrogação até 1998)- e a conseqüente incorporação do apoio das sociedades nacionais são essenciais para o enfrentamento de restrições externas em relação ao projeto para a paulatina redução das soberanias nacionais e a construção gradual de uma 2

soberania regional amparada também pela superação estável de pretensões hegemônicas como por exemplo as de Brasil e Argentina (hoje em redução de intensidade), registradas na história da sub-região. 3. Por fim, e dependendo em grande medida de articulação com as duas condições anteriores para a sua estabilidade, a complexa operacionalização, na nova etapa, da disposição presidencial argentino-brasileira de enfrentar a ativa, histórica e nem sempre sutil resistência dos Estados Unidos à formação de blocos regionais que dificultariam o pleno exercício de sua influência sobre a região, paulatinamente desenvolvida e aprofundada em seus objetivos e conteúdo desde o lançamento da Doutrina Monroe, em 1.823. A frustração das tentativas de integração na América Latina tem estado vinculada em significativa medida às dificuldades para uma relação de mútuo proveito com aquele país em torno de projetos dessa natureza. Cenários atuais Um exame do estágio atual das três condições indica, em relação à primeira, que a atual ênfase retórica argentino-brasileira na priorização política do projeto Mercosul/América do Sul deverá ser efetivamente exercida na prática através de medidas necessárias para a construção da estrutura jurídica, institucional, econômica e social de um Mercado Comum do Sul, que deveria estar estabelecido até dezembro de 1.994, nos termos originais do Tratado de Assunção. O cenário atual ainda coincide, apesar de certo nível de consciência em relação ao problema, com a avaliação feita em agosto de 2001, em meio à crise já aguda do processo de integração, pelo então secretário geral do Ministério das Relações Exteriores, embaixador Luiz Felipe Seixas Corrêa. De forma inusitada para os padrões diplomáticos, tendo em vista o papel predominante do Itamaraty na condução do processo, que é basicamente intergovernamental, ele reconheceu que no projeto Mercosul achamos que estávamos fazendo integração, mas na realidade estávamos fazendo comércio com a prevalência da visão mercantilista sobre a visão da integração. As fragilidades estavam encobertas pela euforia produzida pela evolução do intercâmbio comercial entre os quatro países, de US$4,1 bilhões em 1991 para quase US$20 bilhões em 1998, às vésperas da eclosão da crise derivada da desvalorização do real em janeiro de 1.999. 3

Os novos mandatários sub-regionais têm manifestado a sua disposição de chegar a decisões conjuntas como a coordenação das políticas macroeconômicas e setoriais e a harmonização de legislações dos países membros, abrindo caminho para a terceira e última etapa de estruturação do Mercosul, a livre circulação dos fatores produtivos (como trabalho e capital), que deverá ser conjugada com o revigoramento e extensão a todo o universo produtivo do livre comércio entre os quatro países e da união aduaneira, através da Tarifa Externa Comum (TEC). A poucos resultados se chegou até agora para a formalização plena do mercado comum, apesar dos trabalhos desenvolvidos desde 1.991 por vários subgrupos, formados por especialistas dos países membros, na coleta de dados, detectação de dificuldades e exame de alternativas para a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais e a harmonização de legislações. Se já concretizada, essa coordenação teria impedido ou limitado os efeitos negativos, por exemplo, das crises cambiais de 1.999 (Brasil) e 2.001 (Argentina) e, portanto, o enfraquecimento do projeto, agravado por retrocessos como a introdução de salvaguardas no livre comércio e de perfurações na TEC. Entretanto, a disposição retórica dos novos mandatários não parece suficiente, apesar de sua positiva intensidade, porque manifestações presidenciais pela revitalização do Mercosul, cujo incumprimento aprofundou os danos à credibilidade do projeto, ocorreram em declarações conjuntas dos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Carlos Menem ou Fernando Henrique Cardoso e Fernando de la Rua, a partir da deflagração das crises decorrentes da desvalorização do real e do peso. Lula e Kirchner reconhecem implicitamente o problema ao se referirem à necessidade de passar do discurso para a ação concreta para ter o mercado comum conformado até 2006, quando termina o mandato presidencial brasileiro, seis meses antes da conclusão do período argentino. Essa disposição estará à prova em reunião extraordinária do Conselho do Mercado Comum, que nos termos da declaração conjunta derivada da XXIV Cúpula dos Chefes de Estado do Mercosul, realizada em 18 de junho último, em Assunção, deverá ser efetuada na segunda quinzena de outubro próximo. Sua pauta prevê adotar metas, ações e prazos resultantes do exame e discussão do documento Objetivo 2.006, 4

apresentado pelo Brasil, que contém cinco vertentes básicas: Programa Político, Social e Cultural; Programa de União Alfandegária; Programa de Bases para o Mercado Comum; Programa da Nova Integração e Programa de Integração Fronteiriça, além da proposta argentina de criação de um Instituto de Cooperação Monetária visando à coordenação macroeconômica, com o início do exame da possibilidade de criação de uma moeda comum. Os próprios presidentes programaram reunir-se, também de forma extraordinária, dentro dos 60 dias (presumivelmente após a reunião do Conselho) para aprofundar os temas antes referidos, assim como considerar a criação de um futuro Parlamento do Mercosul. A formação desse Parlamento, cujos membros se pretende que sejam eleitos pelo voto popular, poderia inclusive contribuir, através de pronunciamentos e debates próprios de uma campanha eleitoral, para a implementação da segunda condição: uma conscientização abrangente das sociedades nacionais, como tem ocorrido na integração européia, enriquecida ademais pela realização de plebiscitos como os relacionados com a adoção da moeda única, o euro. A experiência da integração européia sugere outra ação, no entanto, que deveria ter sido implementada desde o lançamento do Mercosul: uma pedagógica política de conscientização social, através dos recursos de comunicação e/ou com o aperfeiçoamento e aplicação ampliada, por exemplo, das previsões do I Plano Trienal do Setor Educacional nesse sentido, estendendo-as a todos os segmentos das sociedades dos países membros. Abrir-se-ia assim espaço para uma conseqüente ruptura gradual de um dos mais delicados problemas que afetam o processo: a sua natureza basicamente intergovernamental. Relação com os Estados Unidos Quanto à terceira condição -relação com os Estados Unidos e a sua pressão para obter a criação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA)-, a opção preliminar conjunta dos membros do Mercosul na nova etapa foi a busca de entendimento bilateral do conjunto do bloco com aquele país (aplicação da fórmula 4+1). Essa via foi recusada pelos norteamericanos e aparentemente superada pela surpreendente aceitação pelo governo brasileiro de chegar-se à ALCA no prazo original (2.005), conforme estabelecido no Comunicado 5

Conjunto dos presidentes Lula e Bush, distribuído após reunião em Washington, em 20 de junho último. Especialistas brasileiros manifestaram a sua perplexidade, considerando a nova posição uma submissão à vontade dos Estados Unidos que seria coerente com a continuidade da política econômica do anterior governo brasileiro pelo atual, sob as diretrizes do Fundo Monetário Internacional. O chanceler brasileiro, Celso Amorim, contestou, apoiado pelo influente assessor para Assuntos Internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, com a afirmação de que o prazo será cumprido apenas mediante, como está no documento conjunto, a conclusão exitosa das negociações. Esta poderia dar-se com a constituição de uma ALCA light, ficando as questões mais controvertidas nas negociações em curso (protecionismo, investimentos, compras governamentais, propriedade intelectual) para a Organização Mundial de Comèrcio (OMC) no âmbito da Rodada de Doha. Essa linha é indicada, no entanto, em cenário que parece incluir diferenças internas no governo brasileiro, entre os que mantêm uma posição crítica ante os termos do projeto ALCA - como os dois altos funcionários citados- e os que sinalizam uma tendência mais favorável à flexibilização nas negociações para a busca de entendimento, como membros da equipe econômica, sem uma explicitação pública clara dos limites.. Um retrospecto histórico sumário mostra que, tal como ocorre agora, após a Segunda Guerra Mundial os Estados Unidos na prática abriram perspectivas de relações políticoeconômicas mais positivas com a América Latina basicamente em momentos de grande tensão entre as duas partes como, no auge da popularidade continental da Revolução Cubana, o lançamento da Aliança para o Progresso (1.961) ou a Declaração de Punta del Este (1.967), ou diante de tentativas mais densas de unidade entre os países latinoamericanos. Um exemplo poderia ser o próprio Mercosul nas suas origens primárias: o projeto de integração entre Brasil e Argentina, durante os governos Sarney-Alfonsin (desde 1.985), caracterizado pela busca de significativa autonomia na direção de uma integração sustentável. Os rumos tomados por esse processo, que culminaria com o Tratado de Integração e Desenvolvimento entre os dois países (.1,988), viriam a coincidir com a formulação e lançamento da Iniciativa das Américas (1.990) pelo presidente Bush (pai). Os Estados Unidos desdobraram esse projeto com as negociações que culminaram com a incorporação ao Tratado de Livre Comércio da América do Norte, em 1.994, do México 6

até então o parceiro ao norte dos países sul-americanos nas tentativas de integração regional- e com o lançamento do projeto ALCA em dezembro do mesmo ano. Então, o inusitado crescimento do intercâmbio comercial entre os países do Mercosul e o início de implantação de sua União Aduaneira, previsto para janeiro de 1.995, suscitava o interesse de outros países da América do Sul pelo bloco. Eram estimulados ademais pela proposta de criação da Área de Livre Comércio Sul-Americana (ALCSA), lançada em 1.993 pelo presidente Itamar Franco e formalizada em fevereiro de 1.994 perante a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), entidade que substituíra em 1.980 a frustrada ALALC. Só o tempo dirá quais os desdobramentos com a aplicação na prática do entendimento (pelos dois países em conjunto ou separadamente) da linguagem diplomática do Comunicado Conjunto brasileiro-norte-americano. Através desse documento e das conversações e reuniões realizadas, estabeleceram-se, para além da ALCA, bases retóricas para uma aproximação bilateral que seria inédita após a Segunda Guerra Mundial, como inédita foi, em quase dois séculos de relações entre os dois países, como ressaltou o embaixador Rubens Barbosa, a cúpula Brasil-Estados Unidos (presidentes mais ministros) de junho último. A diplomacia norte-americana (coadjuvada pelo FMI) tem deixado transcender um tácito reconhecimento da liderança regional brasileira na fase atual que, em vista de delicados antecedentes históricos regionais, a cúpula do Itamaraty tem procurado esvaziar, com a negativa de pretensões dessa natureza. Esforço complicado pelas explosões retóricas de Lula em sentido contrário.. Pois seria pecar de ingênuo não tomar em devida consideração uma hábil e tradicional artimanha diplomática dos Estados Unidos: o aparente reconhecimento, encobrindo preocupação com a possibilidade de sua consolidação, daquela liderança, quando ganha expressão alguma articulação unitária mais consistente na região em busca de certo grau de autonomia, a qual depende de uma ativa participação do Brasil. Essa atitude gera ciúmes ou temores que derivam em resistências nos principais países da área, onde se cunhou para o Brasil nas décadas de 60/70 a expressão satélite privilegiado para qualificar uma aparente preferência dos Estados Unidos à época por uma liderança regional brasileira. 7

Os movimentos no Mercosul no segundo semestre -a primeira visita de Kirchner a Washington, as citadas reuniões extraordinárias programadas pelos presidentes dos países membros, as próximas reuniões em torno da ALCA, co-presididas por Brasil e Estados Unidos- indicarão, ao lado dos resultados das políticas econômicas dos países membros diante da crise, se o bloco está efetivamente enveredando por novos caminhos para a sua plena viabilização como mercado comum ou se, uma vez mais, prevalecerá apenas uma retórica integracionista limitada, na prática, à questão comercial. 8