A prevenção da violência contra crianças e adolescentes: o papel do lar

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Transcrição:

A prevenção da violência contra crianças e adolescentes: o papel do lar Ana Lúcia Ferreira Profª Associada do Departamento de Pediatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro Membro do Departamento de Segurança da Sociedade Brasileira de Pediatria

Por que prevenir a violência intrafamiliar? Eliminar a violência dos cenários de aprendizagem e socialização da criança desde idades precoces interrupção da transmissão intergeracional Evitar as conseqüências indesejáveis ao desenvolvimento integral das crianças e adolescentes Reduzir custos para a sociedade

16.2 Acabar com abuso, exploração, tráfico e todas as formas de violência e tortura contra crianças. Um dos indicadores: 16.2.1 Proporção de crianças entre 1 e 17 anos que sofreu qualquer punição física e/ou agressão psicológica cometida pelos cuidadores, no último mês

Infância precoce: panorama da exposição à disciplina com violência 75% das crianças de 2 a 4 anos de idade, no mundo, sofrem regularmente práticas disciplinares violentas cometidas por seus cuidadores; 60% são punidas fisicamente. 60% das crianças de 12 a 23 meses são submetidas a métodos disciplinares violentos (físicos e/ou verbais). Globalmente, pouco mais de 1 em cada 4 cuidadadores acreditam que a punição física é necessária para melhorar ou educar adequadamente uma criança. Apenas 60 países adotaram legislação que proíbe completamente o uso de punição corporal contra crianças no lar. United Nations Children s Fund, A Familiar Face: Violence in the lives of children and adolescents, UNICEF, New York, 2017.

United Nations Children s Fund, A Familiar Face: Violence in the lives of children and adolescents, UNICEF, New York, 2017.

O uso de violência para controlar ou corrigir comportamentos tem consequências negativas, que vão de impactos imediatos a danos a longo prazo, embora nem sempre os pais usem essa forma de disciplina com a intenção deliberada de causar mal à criança. Sofrer disciplina violenta nos primeiros anos de vida pode ser particularmente danoso: potencial aumentado para lesões físicas maior possibilidade de alterações no desenvolvimento cerebral incapacidade para compreender os motivos que levaram aos atos violentos incapacidade de adotar estratégias que aliviem o estresse

A prevenção pode ser entendida como criação de condições de proteção e defesa de indivíduos e grupos fatores de risco fatores de proteção

Fatores de risco familiares Cuidados inadequados Expectativas irreais sobre o desenvolvimento da criança Crença na efetividade da punição física Inabilidade de prover cuidados de qualidade quando os pais se ausentam Preventing Child Maltreatment, WHO, 2006

Fatores protetores na família Vínculos familiares positivos Existência de adulto protetor na família Pais com conhecimentos sobre cuidados e sobre o desenvolvimento de crianças e adolescentes Pais que lidam bem com adversidades e sabem superar dificuldades sem se desestruturar Inserção em rede social de apoio Preventing Child Maltreatment, WHO, 2006

Quando os fatores de risco superam os benefícios dos fatores de proteção, há desajustes no desenvolvimento da criança. É fundamental estar atento para o acúmulo de riscos contextuais, porque as crianças são resilientes até um certo limite. Lembrar que os mesmos fatores atuam após a ocorrência da violência: fatores que aumentam o risco da criança sofrer violência podem também exacerbar seus efeitos (Zielinski & Bradshaw, Child maltreatment, 2006)

Estratégias de prevenção da violência 1. Desenvolvimento de relações saudáveis, estáveis e estimulantes entre as crianças e seus pais ou cuidadores 2. Desenvolvimento, nas crianças e nos adolescentes, de habilidades para a vida 3. Redução da disponibilidade e do consumo nocivo de álcool 4. Restrição de acesso a meios letais (armas de fogo, armas brancas, tóxicos) 5. Fomento da igualdade em matéria de gênero para prevenir a violência contra a mulher 6. Alteração de normas sociais e culturais que propiciem a violência 7. Estabelecimento de programas de identificação, atenção e apoio às vítimas. Organización Panamericana de la Salud. Prevención de la violencia: la evidencia. OPS, 2013. (Serie de orientaciones sobre prevención de la violencia: la evidencia)

Eficácia das intervenções por tipo de violência Organización Panamericana de la Salud. Prevención de la violencia: la evidencia. OPS, 2013. (Serie de orientaciones sobre prevención de la violencia: la evidencia)

Visita domiciliar Nas famílias cujos membros participam de programas de VD a violência é reduzida em 40% (EUA) Os modelos de VD de maior sucesso contém os seguintes elementos: foco nas famílias com maior necessidade de atenção: RN prematuros ou de baixo peso ao nascer; crianças com doenças crônicas e com necessidades especiais; mães adolescentes solteiras e de baixa renda; história de uso abusivo de drogas intervenção começando na gravidez e continuando até, pelo menos, o segundo ano de vida promoção de comportamentos saudáveis de saúde física e mental do cuidador cobertura abrangente para avaliar as necessidades específicas da família medidas para redução de estresse na família, por meio da melhoria do ambiente físico e social uso de enfermeiros ou profissionais treinados Preventing Child Maltreatment, WHO, 2006

Uma criança educada por meios violentos tem chance 7 vezes maior de ser gravemente ferida pelos pais que uma criança educada sem palmadas. UNICEF. Hidden in plain sight - A statistical analysis of violence against children. UNICEF, 2014

Qual é o papel do lar?

É possível dar limites sem violência física ou verbal? Rede Não bata. Eduque. Educação positiva dos seus filhos, 2008 Save the children. Positive discipline in everyday parentiing, 2016

Obrigada!