TEKOA YYNN MOROTI ~ WHERÁ Os Guarani de Biguaçu resistência e revitalização cultural



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Transcrição:

TEKOA YYNN MOROTI ~ WHERÁ Os Guarani de Biguaçu resistência e revitalização cultural Andrea Eichenberger * Isabel Santana de Rose ** Dona Rosa pinta Francieli sob o olhar atento de Seu Alcindo, Marcos e Fatima Moreira ao fundo. Preparativos para manifestação por ampliação de terras. Adriana Moreira pinta Sheila da Silva, Patricia Moreira ao fundo. * Doutoranda em Antropologia pela Université Paris VII, pesquisadora no Núcleo de Antropologia Visual e Estudos da Imagem (NAVI) da UFSC e no Núcleo de Arte e Educação da UDESC. andrea_eich@yahoo.com.br ** Doutoranda em Antropologia Social pelo PPGAS/ UFSC e pesquisadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Psicoativos (NEIP). Tellus, ano 7, n. 13, p. 165-174, out. 2007 Campo Grande - MS

Crianças da Escola Indígena de Ensino Fundamental Wherá Tupã Poty Djá em peça de teatro representando mito guarani. Atividade de encerramento do ano escolar de 2006. Professor Geraldo Moreira filma peça de teatro. Ao seu lado, os alunos da escola. 166 Andrea EICHENBERGER; Isabel Santana de ROSE. TEKOA YYNN MOROTI ~...

Professor Marcos Moreira em sala de aula. Sheila da Silva e sua filha Micheli. Tellus, ano 7, n. 13, out. 2007 167

Lourdes Moreira em produção artesanal. Crianças no patio da escola na hora da recreação. 168 Andrea EICHENBERGER; Isabel Santana de ROSE. TEKOA YYNN MOROTI~...

A aldeia Yynn Moroti ~ Wherá A aldeia Yynn Moroti ~ Wherá, habitada por 30 famílias indígenas Guaranis, está instalada no Km 190 da BR 101, no Balneário de São Miguel, município de Biguaçu, Estado de Santa Catarina. Esta Terra Indígena que conta com 59 hectares, sendo 60% da área utilizados para a preservação ambiental, foi demarcada em junho de 2003. Com uma população de em torno 130 pessoas, completou no dia 12 de outubro de 2007 seus 20 anos de ocupação, período marcado por lutas, conquistas e transformações. A aldeia de Biguaçu é hoje a única deste povo indígena com terras demarcadas no Estado. A demarcação confere aos seus habitantes segurança e autonomia, que se refletem nas mais diversas atividades desenvolvidas no seu cotidiano. No Brasil, a partir principalmente da década de 1980, houve uma intensificação na organização dos povos indígenas em movimentos e associações que visam à reivindicação de seus direitos junto à sociedade nacional, tais como a demarcação de terras e a garantia de atenção à saúde e direitos diferenciados. Vinculado a este processo, vemos dois movimentos paralelos: a emersão de uma série de grupos que passam a se reconhecer como indígenas e se organizar, e a valorização da cultura por parte dos próprios grupos indígenas, que passam a se envolver em processos de revitalização cultural. Os povos indígenas Guarani também se inserem neste contexto. Segundo Maria Dorothea Post Darella (2003), nos últimos 20 anos, os Guarani transformaram-se de invisíveis em contemporâneos na história, tornando-se visíveis e amalgamando sua presença pretérita e atual. Assim, hoje os Guarani são o eixo de vários projetos governamentais e não governamentais nas áreas de saúde, educação e meio ambiente, regularização fundiária e sustentabilidade, dentre outros, procurando, apesar de todas as dificuldades, tornarem-se protagonistas ativos dessas políticas direcionadas para os seus interesses (Darella 2003). Este é o caso dos Guarani da aldeia Yynn Moroti ~ Wherá que, depois de um longo processo de contato com a cultura não-índia, têm buscado reafirmar e consolidar sua identidade indígena. Integrantes de uma cultura dinâmica, transformando-se com os diferentes aprendizados, eles mantêm esta identidade através da língua, mitos, organização social e cultura material. No caso da aldeia Yynn Moroti ~ Wherá, o processo de revitalização cultural tem como alicerce principal o diálogo com as pessoas mais velhas. Somado a isto, um outro fator que têm uma importância fundamental neste processo é a inserção da escola na aldeia. Assim, Tellus, ano 7, n. 13, out. 2007 169

a aliança entre a busca do diálogo com os mais velhos e as atividades desenvolvidas na escola vêm proporcionando aos habitantes da aldeia a oportunidade de discutir questões referentes à sua tradição, relembrando, recriando e vivenciando diferentes aspectos do que definem como cultura guarani. A imagem dos povos indígenas Durante muito tempo, as fotografias de grupos indígenas foram produtos ideológicos, etnocêntricos e racistas (Jehel, 1998; Pinney, 1996). As imagens, que normalmente serviam para identificar os traços físicos do outro, na verdade não faziam nada mais do que caracterizar sua inferioridade, tomando o branco europeu como modelo. Eram imagens embutidas de uma ideologia colonialista de dominação e de controle e que mostravam um índio genérico, ou seja, imagens que representavam os povos indígenas como um todo homogêneo, ocultando as diversidades culturais existentes entre as diferentes etnias. Essa visão genérica reduz a diversidade cultural das populações indígenas a um conjunto estereotipado de traços, além de apresentar a relação de contigüidade entre eles e a natureza, de forma a situá-los num espaço de inferioridade em relação ao homem civilizado. Como afirma Vincent Carelli (2004), a ficção que projeta nos povos indígenas ideais de sabedoria e equilíbrio, harmonia com a natureza, coletividade, etc. permeia toda nossa sociedade influenciando, inclusive, a política indigenista. Segundo José Bessa Freire, o que vemos é uma imagem de que os índios constituem um bloco único, com a mesma cultura, compartilhando as mesmas crenças, a mesma língua, os mesmos costumes (2000, p. 95). Esta é uma imagem falsa pois, como afirma este mesmo autor, hoje vivem no Brasil cerca de 220 etnias, falando 188 línguas diferentes. Cada povo desse tem sua língua, sua religião, sua arte, sua ciência, sua dinâmica histórica própria, que são diferentes de um povo para outro (ibid.). Freire considera que essa identidade étnica particular é diluída dentro da classificação genérica de índio. Os povos indígenas no Brasil e no mundo sofreram violentas interferências ao longo da história, e vêm sofrendo até hoje. Em pleno século XXI, eles continuam sendo atingidos pelas injustiças sociais. Desta maneira, faz-se necessário quebrar os pré-conceitos formados pela sociedade e revelar outras formas de ver o índio além das imagens que, segundo Fernando Tacca, exaltam o exótico (1998, p. 81). 170 Andrea EICHENBERGER; Isabel Santana de ROSE. TEKOA YYNN MOROTI ~...

O imaginário social brasileiro sobre os povos indígenas é permeado por clichês e preconceitos sociais e raciais que denigrem e desvalorizam a imagem do índio. Os povos indígenas são detentores de um capital imaterial que durante décadas foi pilhado sem criar nenhum constrangimento. As imagens de índios que circulam no mundo inteiro em jornais, revistas, cinema e televisão são parte desse espólio. Como afirma Carelli (2004), os documentários ou reportagens de TV produzidos no Brasil sobre os índios tendem, por um lado, à mistificação do bom selvagem e, por outro, a um tom fatalista que reproduz a retórica da aculturação, atualmente questionada tanto no âmbito da antropologia quanto no âmbito dos próprios povos indígenas, que vêm reivindicando o seu direito à mudança e transformação. A Escola Indígena de Ensino Fundamental Wherá Tupã Poty Djá Segundo o Censo Escolar Indígena, existem 1.392 escolas em terras indígenas no Brasil. Foi a Constituição de 1988 que assegurou aos indígenas o direito a uma educação diferenciada. Estas escolas investem num processo de afirmação étnica e cultural, valorizando seus conhecimentos e saberes milenares, utilizando-se de seus processos de aprendizagem específicos e valendo-se de suas línguas maternas. Trata-se ainda de um conceito de escola que, além de valorizar práticas culturais e conhecimentos tradicionais próprios, pretende lhes dar acesso a outros conhecimentos importantes para lidar com a sociedade envolvente. Dentro deste contexto, cabe ressaltar a importância do papel dos professores indígenas. Um dos desdobramentos do processo de organização dos grupos indígenas brasileiros mencionado no início deste texto é a formação de novas categorias sociais, gerando profissionais como agentes de saúde, agentes agro-florestais, professores, escritores, fotógrafos e cineastas. No geral, as pessoas inseridas nestas categorias visam desenvolver capacidades para atuarem nos complexos cenários interculturais. Uma grande parte desses atores têm desempenhado papel de importantes lideranças e mediadores, tanto dentro das suas sociedades quanto fora delas. Funcionam como mediadores e interpretes de conhecimentos específicos, buscando um elo de continuidade entre as novas e as velhas gerações (Monte, 2004). A Escola Indígena de Ensino Fundamental Wherá Tupã - Poty Djá existe há nove anos e os professores, juntamente com a comunidade, vêm elaborando seu currículo e definindo os conteúdos a serem trabalha- Tellus, ano 7, n. 13, out. 2007 171

dos. A escola abrange todo o ensino fundamental e médio, este último por intermédio do EJA (Educação de Jovens e Adultos). Há pouco mais de dois anos, os professores indígenas desta escola iniciaram o curso Kuaa Mbo e: Conhecer Ensinar, que faz parte do Programa de Formação para a Educação Escolar Guarani na Região Sul e Sudeste do Brasil, viabilizado pelo Ministério da Educação, Secretarias de Educação dos Estados e FUNAI. Neste meio tempo, os professores Guarani e professores nãoindígenas atuam em paralelo, num trabalho conjunto, até o momento em que os Guarani possam finalizar sua formação no magistério, estando desta forma aptos a dirigirem a escola sozinhos. Na escola indígena de Biguaçu, muitos aspectos da cultura Guarani são trabalhados dentro de sala de aula, concomitantemente às disciplinas curriculares, como o português e a matemática, por exemplo. Aqueles conteúdos que, antes da chegada da escola, eram transmitidos de pai para filho, são hoje igualmente vivenciados e discutidos dentro deste novo espaço. Assim, como vimos, a escola tem um papel fundamental no processo de revitalização cultural vivido atualmente pelos Guarani da aldeia Yynn Moroti ~ Wherá, contribuindo para a reinvenção criativa de vários aspectos da cultura Guarani. Esse amplo processo de revitalização cultural é fundamental na afirmação da identidade Guarani tanto no contexto da própria etnia quanto com relação à sociedade envolvente. É por meio dele que os Guarani vêm compreendendo sua história, a atualidade de sua cultura e seu papel na sociedade contemporânea. Também é através dele que afirmam sua condição de indígenas com orgulho e dignidade. Em contato com a sociedade envolvente há mais de 500 anos, os Guarani não podem ser pensados de maneira isolada, sem levar em conta o contexto no qual se encontram inseridos. Assim, as suas estratégias para lidar com este contexto, ao mesmo tempo permitindo a manutenção e a reprodução da cultura e da tradição Guarani, são fundamentais e devem ser levadas em conta em qualquer abordagem que procure dar conta dos Guarani na contemporaneidade. Como afirma Darella (2003), os Guarani de hoje se alimentam do passado, se transformam do presente e se pensam no futuro, comunicando-se de diversas maneiras e falando de si e de seu modo de ver o mundo tanto dentro quanto fora das aldeias. 172 Andrea EICHENBERGER; Isabel Santana de ROSE. TEKOA YYNN MOROTI ~...

Referências CARELLI, Vincent. Moi, un indien. In: Catálogo da Mostra Video nas Aldeias: Um Olhar Indígena. Centro Cultural Banco do Brasil, Ministério da Cultura. 2004, p. 21-32. DARELLA, Maria Dorothea Post. A presença Guarani no litoral de Santa Catarina: breve informe. Campos, Curitiba, v.4, p. 203-05, 2003. FREIRE, José Ribamar Bessa. 2002. A imagem do índio e o mito da escola. In: MARFAN, Marilda A. (Org.). In: CONGRESSO BRASILEIRO DE QUALIDADE NA EDUCAÇÃO Formação de professores: educação escolar indígena. Brasília: MEC, 2002, p. 93-9. JEHEL, Pierre-Jerome. Fotografia e antropologia na França do século XIX. Cadernos de Antropologia e Imagem, Rio de Janeiro, n. 6, p. 123-37, 1998. MONTE, Nietta Lindenberg. A formação dos realizadores indígenas. In: Catálogo da Mostra Vídeo nas Aldeias: Um olhar indígena. Centro Cultural Banco do Brasil, Ministério da Cultura. 2004, p. 64-71. PINNEY, Christopher. A história paralela da antropologia e da fotografia. Cadernos de Antropologia e Imagem, Rio de Janeiro, n. 2, v. 1. p. 29-52, 1996,. TACCA, Fernando. O índio pacificado : Uma construção imagética da Comissão Rondon. Cadernos de Antropologia e Imagem, Rio de Janeiro, n. 6, v. 1. p. 81-101, 1998. Recebido em 28 de maio de 2007. Aprovado para publicação em 05 de junho de 2007. Tellus, ano 7, n. 13, out. 2007 173