TERMODINÂMICA E ESTRUTURA DA

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CAP 3 CONDUÇÃO UNIDIMENSIONAL EM REGIME PERMANENTE EM PAREDES CILÍNDRICAS (SISTEMAS RADIAIS)

Transcrição:

TERMODINÂMICA E ESTRUTURA DA MATÉRIA Transporte de Energia Existem três formas de realizar o transporte de energia (muitas vezes referido como transporte de calor: Condução Convecção Radiação Trataremos aqui o transporte de energia por condução e convecção, seguindo uma via fenomenológica. O transporte de energia por radiação será estudado adoptando uma abordagem microscópica, na qual se utilizarão vários resultados da Física Estatística. 1

CONDUÇÃO O transporte de energia por condução decorre da transferência de energia associada às colisões entre as partículas constitutivas de um material (ou vários materiais em contacto) um (ou mais) gradiente(s) de temperatura. A este fenómeno dão-se também as designações de condução térmica ou difusão térmica. Apresentaremos aqui um tratamento fenomenológico da condução. Por questões de simplicidade matemática, estudaremos o transporte unidimensional de energia por condução, num material homogéneo de secção constante A, cujas extremidades se encontram a temperaturas diferentes T 1 e T 2 < T 1. Esquematicamente: Corrente Térmica de Condução Designa-se por corrente térmica de condução a quantidade de energia interna que, devido às colisões entre as partículas constituintes de um material, passa na unidade de tempo através de uma secção desse material. I cond = du dt cond [I cond ] = Js 1 = W (SI) A corrente de condução I cond corresponde ao integral, sobre a secção do material, da componente do vector densidade de corrente de condução J cond que é normal a essa secção, isto é, I cond = J cond da = J cond. n da A A [J cond ] = W m 2 A definição anterior mostra que I cond corresponde ao fluxo de J cond através da secção A. No caso simples do sistema atrás esquematizado, tem-se I cond = J xcond A 2

Equação de Balanço de Energia O transporte de energia por condução obedece necessariamente a uma equação de conservação de energia, a qual se pode estabelecer a partir dos resultados do capítulo Termodinâmica dos sistemas abertos (secção Caracterização de um Fluído em Escoamento ). Nesse capítulo, escreveu-se a equação geral de conservação de uma quantidade extensiva B como DB Dt = B [ ] db t + dm ρdx dt A, onde o termo X é a representação simbólica de X X 2 X 1 Na equação anterior: DB Dt... derivada temporal total de B B t... taxa de variação temporal intrínseca de B, no interior de um volume V, entre t e t + dt [ db dm ρ dx dt A] = [ ] [ db dm dv dm dv dt = db ] dt... diferença entre as quantidades elementares de B que saem e entram num volume V, entre t e t + dt, por unidade de tempo. Seja B V e V o volume do material no interior do qual circula uma corrente térmica de condução. I cond = du = uρdv dt cond dt (du = uρdv ) onde - u du dm.. energia interna mássica das partículas constitutivas do material - ρ dm dv... massa volúmica do material onde se eliminou o índice cond a fim de simplificar a notação. Pode escrever-se: DU Dt = U [ ] du t + dt tendo-se DU Dt = σdv, em que σ é a taxa de produção de energia interna V no interior de V, por unidade de tempo e por unidade de volume. U t = ρudv t V U = du = ρudv V V 3

[ ] du 2 I = I = I 2 I 1 = dt 1 x dx = I V x A dv = Tem-se pois, V σdv = t V ρudv + V J x x dv V J x x dv e atendendo a que o volume V pode ser qualquer, obtemos a Equação de Balanço de Energia, devido à condução Em regime estacionário: (ρu) t + J x x = σ (ρu) = 0 J x t x = σ Se há conservação de energia interna em V : σ = 0 (ρu) t + J x x = 0 4

Lei de Fourier A relação fenomenológica entre a densidade de corrente de condução J x e a variação da temperatura segundo a direcção Ox, T x, expressa-se como J x = k T x É a Lei de Fourier (1815), onde k é a condutividade térmica ([k] = W m 1 k 1 ) A lei de Fourier é bem verificada experimentalmente, desde que as variações de temperatura não sejam muito elevadas, nem muito reduzidas. O sinal menos nesta lei, mostra bem que a corrente de condução se encontra orientada no sentido das temperaturas decrescentes. A tabela que se segue apresenta valores da condutividade térmica de vários materiais. Material k (W m 1 K 1 ) Prata 418 Cobre 290 Aço Inox 16 Vidro 1.2 Betão 0.92 Tijolo 0.84 Água (293K) 0.6 Corpo Humano 0.5 Cimento 0.3 Madeira 0.23 5

Equação de Condução A equação de condução obtém-se utilizando a lei de Fourier na equação de balanço de energia, devido à condução. (ρu) + ( k T ) = σ t x x ou, para um material homogéneo de condutividade térmica constante, (ρu) = k 2 T t x 2 + σ A equação anterior pode ser escrita, fazendo intervir o calor específico mássico a volume constante, do material, C mv = 1 ( ) ( ) U U = du = C mv dt m T V T V Se admitirmos ρ = constante e C mv = constante (no tempo), pode escreverse Finalmente, (ρu) t ρ u t ρc T m v t ou ρc mv T t = k 2 T x 2 + σ T t D 2 T th x 2 = Equação da Condução (ou da difusão térmica) D th k ρc mv σ ρc mv Coeficiente de difusão térmico (ou difusibilidade térmica) A equação de condução é uma equação diferencial de 2 a ordem em T (x, t), a qual permite calcular o perfil espacio-temporal de temperatura num material condutor, conhecidas as condições fronteira apropriadas. Na tabela seguinte apresentam-se valores do coeficiente de difusão térmico de vários materiais. Note-se que [D th ] = W m 1 K 1 kg 1 m 3 J 1 kgk = m 2 s 1 (SI) 6

Material D th (W m 1 K 1 ) Cobre 114 Latão 33 Aço Inox 4 Vidro 0.58 Madeira 0.45 Água (293K) 0.14 Corpo Humano 0.1 7

CONVECÇÃO O transporte de energia por convecção decorre da transferência de energia associada ao transporte das partículas constitutivas de um material (ou vários materiais onde existe(m) um (ou mais) gradiente(s) de temperatura. Apresentaremos aqui um tratamento fenomenológico da convecção. Por questões de simplicidade matemática, estudaremos o transporte unidimensional de energia por convecção, num meio homogéneo à temperatura T 1, o qual se encontra em contacto com um outro meio homogéneo à temperatura T 2 < T 1, através de uma superfície A. Esquematicamente: Adoptaremos um tratamento matemático do transporte de energia por convecção em tudo semelhante ao seguido no estudo do transporte de energia por condução. Lei da Convecção Corrente de convecção e densidade de corrente de convecção: I conv = du = J xcond A dt conv Equação de balanço da energia, devido à convecção (ρu) + J x conv t conv x Lei da convecção (análoga à lei de Fourier) = σ conv J convx = h(x)(t 2 T 1 ) = h(x) T ( T T 1 T 2 > 0) onde h(x) é o coeficiente de convecção ([h] = W m 2 K 1 ) O coeficiente de convecção depende: do meio onde ocorre convecção (geralmente líquido ou gasoso) da geometria da velocidade e do tipo de escoamento do fluído. 8

RESISTÊNCIAS TÉRMICAS Os fenómenos de condução térmica e de convecção podem ser considerados em simultâneo, utilizando o conceito global de Resistência Térmica. Este tratamento reveste-se de um interesse prático evidente, uma vez que este fenómenos ocorrem frequentemente associados um ao outro. Considere-se um sistema onde existem correntes de condução e convecção, em regime estacionário. Se nesse sistema se verificar um conservação de energia interna, pode escrever-se: (ρu) = 0 (regime estacionario) u cond,conv σ cond,conv = 0 (cons. energia interna) isto é, J x = 0 x cond,conv J xcond,conv = constante Integrando a lei de fourier para a condução obtém-se x2 x 1 J xcond dx = k x2 x 1 T x dx (J x cond = I cond A = constante) onde I cond A l = k T l x 2 x 1 T T 1 T 2 > 0 A partir da lei de conservação obtém-se I conv A = h T Estas duas últimas equações podem escrever-se: T = R th I onde R th representa a resistência térmica (de condução ou de convecção). Resistência Térmica de Condução: R cond = l ka 9

Resistência Térmica de Convecção: Em geral, verifica-se: em meios sólidos: R conv = 1 ha [R th ] = KW 1 domínio da condução térmica. em meios líquidos ou gasosos domínio da convecção. R cond R conv R conv R cond A analogia evidente entre a equação T = R th I e a Lei de Ohm para a condução eléctrica permite a utilização de vários resultados relativos a resistências e circuitos eléctricos no estudo de resistências e circuitos térmicos. Um exemplo óbvio refere-se às leis de associação de resistências. Associação de Resistências Térmicas em Série: I = T = T 1 T 2 = T 1 T i = T i T 2 R T R T R 1 R 2 T 1 T 2 = R T I T 1 T 2 = (T 1 T i ) + (T i T 2 ) = R 1 I + R 2 I R T = R 1 + R 2 Associação de Resistências térmicas em paralelo T = T i T f = R T I = R 1 I 1 + R 2 I 2 I = T R T I = I 1 + I 2 = T R 1 + T R 2 1 R T = 1 R 1 + 1 R 2 10

Aplicação - Aquecimento de um quarto com janela Um quarto é aquecido por forma a ter uma temperatura constante e igual a 20 o C. No exterior, a temperatura ambiente é de 10 o C. O quarto tem uma janela, com uma àrea de 1m 2, cujo vidro tem uma espessura de 2mm. A condutividade térmica do vidro é k v = 0.8 W m 1 K 1, o coeficiente de convecção na face interior da janela é h int = 9 W m 2 K 1 e na sua face exterior é h ext = 17 W m 2 K 1 Calcular: a) A potência do radiador que mantém a temperatura do quarto b) A diferença de temperatura entre as faces do interior e exterior da janela Os resultados antes apresentados sobre resistências térmicas podem ser utilizados para resolver esta aplicação. Esquematicamente tem-se: sendo, R V = R int = 1 h int A = 1 9 1 = 0.11 W 1 K (resistencia conveccao) l k v A = 2 10 3 0.8 1 = 2.5 10 3 W 1 K (resistencia conducao) 11

R ext = 1 h ext A = 1 17 1 = 0.06 W 1 K (resistencia conveccao) A resistência térmica total é dada por: R t = R int + R v + R ext = 0.11 + 2.5 10 3 + 0.06 = 0.17 W 1 K a) A potência do radiador que mantém a temperatura do quarto é dada por: P rad = I = T R T = T int T ext 20 10 = = 58.8 W R T 0.17 b) A diferença de temperatura entre as faces interior e exterior da janela calcula-se como T V = T int v T ext v = R v I = 2.5 10 3 58.8 = 0.15 o C 12

RADIAÇÃO O transporte de energia por radiação decorre da transmissão de energia através da propagação de ondas electromagnéticas. A interpretação das leis experimentais da radiação foi realizada por Planck em 1898, através da introdução da famosa hipótese de Planck: As trocas de energia entre matéria e radiação fazem-se através de quanta de energia, chamados fotões. O transporte de energia por radiação será aqui estudado adoptando uma abordagem microscópica, na qual se utilizarão vários resultados da Física Estatística. A emissão e absorção de radiação pela matéria realiza-se através da interacção de ondas electromagnéticas com os osciladores eléctricos (dipolos eléctricos oscilantes) que constituem os materiais, sendo dependente das temperaturas do corpo emissor, T e, do meio de propagação, T 0, e do corpor receptor, T r. Os fenómenos de emissão e absorção desempenham um papel muito importante no estabelecimento do equilíbrio entre radiação e matéria, situação na qual se deve ter T e = T 0 = T r. A forma mais simples de caracterizar um campo de radiação à temperatura T, consiste em estudar as propriedades de um corpo totalmente absorvedor/emissor de radiação (corpo negro), em equilíbrio a essa temperatura. 13

O Problema da Radiação do Corpo Negro Consideremos um corpo sólido, em equilíbrio térmico com o exterior a uma dada temperatura T, no interior do qual existe uma cavidade cúbica onde se fez vácuo. Dentro desta cavidade existirá um campo de radiação, devido aos fenómenos de emissão que ocorrem ao nível das partículas elementares que constituem o corpo. Além desses fenómenos de emissão (perfeita), deverão igualmente ocorrer fenómenos de absorção (perfeita), de tal forma que em equilíbrio as características da radiação no interior da cavidade se deverão manter estacionárias, não havendo em média quaisquer trocas de energia entre as diversas partes do corpo, todas à mesma temperatura T. O nosso objectivo aqui consiste em determinar a energia existente no interior da cavidade, analisando a sua distribuição em função da frequência ν (ou do comprimento de onda λ) das ondas electromagnéticas presentes na cavidade. Em consequência das múltiplas reflexões nas paredes da cavidade, essas ondas electromagnéticas, em equilíbrio com os osciladores electromagnéticos que constituem o corpo, são ondas estacionárias. Deste modo, a situação para o campo eléctrico destas ondas: E ( r, t) = E 0 e j( k. r wt) = E 0 e j(kxx+kyy+kzz wt) tem que verificar as seguintes condições de periodicidade: e jkxx = e jkx(x+l) e jkyy = e jky(y+l) e jkzz = e jkz(z+l) isto é, k x (x + L) = k x x + 2πn x k y (y + L) = k y y + 2πn y k z (z + L) = k z z + 2πn z n x = L 2π k x n y = L 2π k y n z = L 2π k z com n x, n y, n z = 0, ±1, ±2,... Cada conjunto de três valores (n x, n y, n z ) define aquilo que se chama um modo do vector de onda. 14

Consideremos agora o contínuo dos vectores de onda (k x, k y, k z ) e determinemos o número de elementos de modos em cada elemento de volume d 3 k desse espaço: dn x dn y dn z = L3 (2π) 3 dk xdk y dk z = V (2π) 3 d3 k sendo V = L 3 o volume da cavidade cúbica. A grandeza ρ 2 corresponde à densidade de modos do campo V (2π) 3 electromagnético, no espaço k. O factor 2 surge porque para cada vector de onda k existem duas direcções de polarização independentes (perpendiculares) do campo eléctrico, no plano perpendicular a k. O número de modos do campo electromagnético é, pois, duplo do número de modos do vector de onda k. Designando por ρ k dk o número de modos do campo, cujo vector de onda tem o módulo compreendido entre k e k + dk, vem: ρ k dk = 2V 8π 3 4πk2 dk = V π 2 k2 dk Tem igualmente interesse definir expressões para o número de modos do campo num intervalo dν de frequência, ρ ν dν, ou um intervalo dλ de comprimento de onda, ρ λ dλ. Obviamente, e como obtém-se finalmente k = 2π λ ρ k dk = ρ ν dν = ρ λ dλ dk = 2π λ 2 dλ k = 2πν c dk = 2π c dν ρ ν dν = 8πV ν2 dν c 3 (em modulo) ρ λ dλ = 8πV dλ λ 4 Ora, o número de modos do campo deve corresponder, no equilíbrio, ao número de osciladores electromagnéticos associados à matéria da parede. Note-se que o número de osciladores dn osc r, p, em cada elemento de volume d 3 rd 3 p do espaço de fases, corresponde ao número de estados quânticos do sistema nesse elemento de volume, isto é, dn osc r, p = d3 rd 3 p h 3 2 15

Deste modo, o número de osciladores, no intervalo de momento dp, corresponde ao número de estados quânticos do sistema em cada elemento de volume d 3 rd 3 p do espaço de fases, para um dado módulo do momento do sistema entre p e p + dp. dn p ρ p dp = r ângulos p d 3 rd 3 p h 3 2 = 2V 4πp2 dp h 3 onde se teve em conta a simetria esférica do espaço dos momentos. O momento linear p de cada oscilador confunde-se com o momento de cada fotão, emitido ou absorvido. Analogamente, a frequência de vibração ν de cada oscilador confunde-se com a frequência de cada fotão, emitido ou absorvido. A relação entre o momento p e a frequência ν de cada fotão pode ser encontrada a partir da expressão relativistica da energia ε de uma partícula de massa m: ε 2 = p 2 c 2 + m 2 c 4 Utilizando a hipótese de Planck sobre o quantum de energia ε fot = hν, e o facto do fotão ter massa nula, conclui-se que hν = pc p = hν c conhecida como a relação de De Broglie. Esta relação pode ser substituída na expressão de ρ p dp, a fim de obter o número de osciladores no intervalo de frequência dν dn ν ρ ν dν = V 8πν2 c 3 dν. Como, numa perspectiva clássica, a energia média de cada oscilador é dada pelo Teorema da Equipartição da Energia (ε = k b T ), podemos escrever: Densidade espectral da energia, no intervalo de frequência dν W ν dν = 8πν2 c 3 k bt dν Densidade espectral da energia, no intervalo de comprimento de onda dλ (Lei de Rayleigh-Jeans) W λ dλ = 8π λ 4 k bt dλ A lei clássica do radiamento de Rayleigh-Jeans não concorda, porém, com a experiência quando λ 0. É a conhecida Catástrofe do Ultravioleta Com efeito, lim W λ(λ) = λ 0 o que se encontra em clara contradição com o valor finito experimentalmente observado para W λ (0). 16

Lei de Planck para a Radiação do Corpo Negro O problema da catástrofe do ultravioleta foi resolvido por Max Planck, através da introdução da famosa hipótese de Planck relativa à distribuição de osciladores harmónicos electromagnéticos, de diferentes frequências ν 1) A energia dos osciladores encontra-se quantificada, sendo proporcional à frequência ν de cada oscilador (no nível n = 0, 1, 2,...). ε n = nhν Nesta expressão, introduziu-se a constante de Planck: h = 6.63 10 34 Js 2) As trocas de energia entre matéria e radiação fazem-se através do quantum de energia hν, chamado fotão: ε = ε n+1 ε n = hν = ε fotao 3) Num sistema em equilíbrio à temperatura T, os osciladores distribuem-se de acordo com a sua energia ε m, segundo uma estatística de Maxwell- Boltzmann A probabilidade de encontrar um oscilador, de frequência ν, no nível de energia m: εm P m = e k b T z Sendo que a função de partição de um oscilador: z = n e εn k b T Estas hipóteses ad-hoc resolvem a singularidade da lei de Rayleigh-Jeans para λ 0(ν ), mantendo o seu comportamento correcto para λ (ν 0) 17

Na figura acima, representou-se do lado esquerdo a situação relativa ao Limite Quântico (espectro discreto), e do lado direito aquela relativa ao Limite Clássico (espectro contínuo). Ao ligar a energia à frequência, Planck torna mais improvável a existência de osciladores excitados de frequência elevada, já que estes exigem ao meio energias cada vez mais elevadas e superiores mesmo à energia térmica k b T. Se, na abordagem clássica, há que considerar uma infinidade de osciladores excitados, no modelo de Planck há cada vez menos osciladores excitados a considerar, à medida que cresce a frequência, o que faz diminuir a sua energia média e elimina a singularidade. As hipóteses anteriores podem-se utilizar no cálculo da energia média ε de um oscilador de frequência ν. Esta define-se como ε U N, onde N é o número total de osciladores e U é a sua energia interna dada por U = N n ε n. n=0 Nesta expressão, N n representa a ocupação média do nível de energia ε n, dada pela distribuição de Maxwell-Boltzmann (com β 1/k b T ) pelo que ou seja N n = Ne βεn z n=0 U = N ε ne βεn m=0 e βεm ε = 1 z z β., = N z z β, 18

A função de partição de um oscilador é dada pela expressão: z = n e εn k bt = n e nhνβ = (e βhν ) n n=0 isto é, Tem-se finalmente z = 1 1 e βhν ou seja, ε = (1 e βhν ) hνe βhν (1 e βhν ) 2 = hνe βhν 1 e βhν ε = hν e βhν 1 A energia média de um oscilador pode ser calculada nos seus limites clássico e quântico Limite Clássico: hν k b T e hν k bt 1 + hν k b T ε hν 1 + hν k b T 1 = k bt (Teorema da equipartição da energia) Limite Quântico: hν k b T e hν k bt 1 ε hν e hν k b T 0 Finalmente, a expressão da energia média de um oscilador, de frequência ν, pode ser utilizada para recalcular as expressões da densidade espectral de energia Densidade espectral da energia, no intervalo de frequência dν W ν dν = ρ ν dν ε V W ν dν = 8π c 3 hν e hν k bt 1 ν 2 dν Densidade espectral de energia, no intervalo de comprimento de onda dλ W λ dλ = 8π hc λ e hc λk bt 1 dλ λ 4 19

Estas expressões correspondem à Lei de Planck, cujas principais características se podem sintetizar nos pontos seguintes: 1) Não diverge no limite λ 0, resolvendo a catástrofe dos ultravioleta. Está em perfeito acordo com o espectro experimental de radiação dos corpos a uma dada temperatura. Permite recuperar a lei de Rayleigh-Jeans, no limite clássico. 2) O comprimento de onda, λ max, para o qual a energia radiada é máxima obtém-se pela condição de estacionaridade: isto é, ou ainda W λ (λ) λ λ=λ max = 0 [λ ( )] 5 e hc λk bt 1 = 0 λ λ=λ max [ y 5 (e y 1) ] = 0 (y = hc y y=y λk b T ) A solução numérica desta equação é: y = ou seja, obtemos a Lei de Wien hc λ max k b T 4.96511 com B = 2.898 10 3 mk λ max = B T (Lei de Wien) T 1 > T 2 > T 3 λ max1 < λ max2 < λ max3 20

(Lei de Stefan) W (T 1 ) > W (T 2 ) > W (T 3 ) T(K) λ max obs 2.72 1.06 mm Radição de fundo do Universo (micro-ondas) 300 9.66 µm Definição de corpo negro (infravermelho) 5800 0.5 µm Radiação emitida pelo sol (amarela) 3) A energia total, por unidade de volume, obtém-se somando as contribuições em todas as frequências ou comprimentos de onda, isto é, integrando a Lei de Planck. Como Vem, W (T ) = 0 = 4 c W λ dλ = 0 8π hc λ 5 e hc [ 2πk 4 b y 3 ] h 3 c 2 0 e y 1 dy 0 y 3 π4 e y dy = 1 15 dλ = λk bt 1 T 4 Lei de Stefan W (T ) = 4σ c T 4 Constante de Stefan-Boltzmann σ = 2π5 k 4 b 15h 3 c 2 = 5.667 10 8 W m 2 K 4 21

Potência espectral radiada por um corpo negro, no vácuo Na secção anterior encontrámos a expressão da energia espectral total, por unidade de volume, associada ao campo de radiação gerado por um corpo negro, em equilíbrio térmico à temperatura T, no vácuo. Os resultados obtidos podem agora utilizar-se para obter a expressão da energia espectral radiada por unidade de tempo (potência espectral radiada), através de um elemento de superfície ds do corpo negro, segundo um ângulo sólido dω, rodado em torno da direcção que faz um ângulo θ com a normal à superfície. Se continuarmos a considerar que o corpo negro se encontra no vácuo (isto é, na ausência de outros campos de radiação para além daquele criado pelo próprio corpo), teremos que, numa situação de equilíbrio, a potência espectral realizada pelo corpo entre ν e ν + dν é dada por (dp ν ) c.negro rad = W νdν( c. n )dtds dω 4π dt = W ν c cos θdνds dω 4π, onde c representa a velocidade da radiação electromagnética no vácuo, e dω 4π é o peso associado à contribuição da potência no interior do cilindro de base ds e altura c cos θdt 22

Emissividade de um corpo A expressão anteriormente obtida para a potência espectral radiada aplica-se a um corpo negro (em equilíbrio à temperatura T), isto é, um corpo totalmente emissor/absorvedor de radiação. No caso dum corpo em geral, apenas uma parte da potência que incide na sua superfície (interior/exterior) é emitida/absorvida, observando-se uma reflexão nessa superfície da restante potência incidente. Define-se emissividade espectral, e ν, de um corpo como a razão entre as potências espectrais radiadas, segundo a mesma direcção, por esse corpo e por um corpo negro equivalente, à mesma temperatura: e ν = (dp ν) rad (dp ν ) c.negro rad (0 e ν 1) A emissividade espectral dum corpo é uma propriedade desse corpo, dependendo do material que o constitui e da sua geometria. Além disso, para um dado corpo, e ν depende da frequência da radiação, da sua direcção de incidência e da temperatura do corpo. Conclui-se assim que existem corpos que reflectem ou absorvem a radiação que sobre eles incide de forma selectiva, de acordo com a sua frequência (ou o seu comprimento de onda). Para se entender totalmente a noção de emissividade espectral de um corpo em equilíbrio, imaginemos que esse corpo se encontra no interior de uma cavidade onde se fez vácuo, não havendo quaisquer trocas de energia com o exterior. Nestas condicões, o sistema atingirá um estado de equilíbrio a uma dada temperatura T, existindo na cavidade um campo de radiação que obedece à distribuição de Planck. Devido a este campo de radiação, estará constantemente a incidir, no elemento de superfície ds do corpo, uma potência espectral (dp ν ) inc = W 0 ν c cos θdνds dω 4π onde W 0 ν dν representa a densidade espectral de energia do campo de radiação, no interior da cavidade em vácuo, em equilíbrio à temperatura T. A fracção de potência incidente que é absorvida pelo corpo é dada por (dp ν ) abs = a ν (dp ν ) inc 23

onde a ν representa o factor de absorção espectral do corpo. Naturalmente que o corpo evacua uma determinada quantidade de energia, através da sua fronteira. A potência espectral radiada pelo corpo é, como se viu anteriormente: (dp ν ) rad = e ν (dp ν ) c.negro rad No equilíbrio deve verificar-se [(dp ν ) rad (dp ν ) abs ] = 0 S Ω ν isto é, a potência total absorvida pelo corpo deve ser igual à potência total por ele radiado através da superfície. Esta equação pode reescrever-se utilizando resultados anteriores: S Ω ν [ eν W ν a ν W 0 ν ] c cos θdν dω 4π ds = 0 Esta relação tem que se verificar, qualquer que seja o corpo, quaisquer que sejam as suas propriedades físicas e químicas e qualquer que seja a sua geometria. Assim, e ν W ν dν = a ν W 0 ν d ν e como em equilíbrio W ν dν = W 0 ν dν, vem finalmente, e ν = a ν A igualdade entre a emissividade espectral de um corpo e o seu factor de absorção espectral confirma o que atrás se disse acerca de um corpo negro: um bom absorvedor de radiação é também um bom emissor de radiação (e ν = a ν = 1). Inversamente, conclui-se também que se um corpo em equilíbrio não absorver radiação de uma determinada frequência, então tão pouco a poderá emitir (e ν = a ν = 0) Esquematicamente: Corpo Negro e ν = 1, ν,θ,ϕ 24

Não reflecte Não difunde Não transmite radiação 1 Absorve toda a radiação incidente Emite toda a radiação gerada. Corpo Branco e ν = 0, ν,θϕ Reflecte Difunde Transmite toda a radiação Não absorve nenhuma radiação incidente Não emite nenhuma radiação gerada Corpo Cinzento 0 < e ν < 1 1 Por isso não pode ser visto pela luz que difunde. Talvez por isso se lhe chame corpo negro. A designação presta-se, no entanto, a confusão, já que ele é um emissor perfeito de luz. 25

Emitância de um corpo (potência total radiada por unidade de área) A equação para a potência espectral radiada por um corpo, depois de substituída na equação relativa ao corpo negro, pode ser integrada em todas as direcções de meio espaço ( c. n > 0) vindo E ν dνds = meio espaço (dp ν) rad = π 2 θ=0 2π ϕ=0 e ν W ν c cos θ dω 4π dνds onde se introduiu a Emitância Espectral, E ν, do corpo. Se a radiação emitida for isotrópica, o que sucederá se a emissividade espectral do corpo não depender dos ângulos, tem-se (dω = sin θdθdϕ) ou seja, E ν d ν ds = e νw ν c 4π π 2 θ=0 2π cos θ sin θdθ ϕ=0 dϕdνds = e νw ν c 1 4π 2 2πdνdS W ν dνc E ν W ν ds = e ν ds 4 Integremos agora a equação anterior sobre todo o espectro de frequências 0 E ν dνds = 0 W ν dνc e ν ds 4 O membro esquerdo desta equação permite introduzir a Emitância Total, E do corpo E 0 E ν dν dp rad ds a qual corresponde à potência total radiada pelo corpo, por unidade de área. O membro direito da mesma equação pode ser calculado para um corpo negro (e ν = 1), utilizando a Lei de Stefan 0 W ν dνc 4 = c 4 W = c 4σ 4 c T 4 = σt 4 Introduzindo a Emissividade Total, e, do corpo como uma média ponderada de e ν : e 0 ν W ν dν ( ) c 4 e W ν dν ( e ) 0 ν E ν dν = c 4 E ν dν 0 Pode finalmente escrever-se, a partir destas equações 0 dp rad ds E = eσt 4 26

Factores de Forma (no transporte de energia por radiação, entre dois corpos) Consideremos dois corpos, às temperaturas T 1 e T 2, com emissividades totais e 1 e e 2 e com áreas S 1 e S 2, entre os quais ocorre um transporte de energia por radiação. Admita-se que cada um dos corpos radia energia de forma isotópica, o que significa que a potência radiada através da superfície é independente das coordenadas da superfície. A corrente de radiação entre os corpos 1 e 2 (correspondente às trocas de potência entre eles) é expressa, na perspectiva do corpo 1 por e na perspectiva do corpo 2 por Conclui-se assim que ou alternativamente I rad = P 1 rad + (1 e 1 )P 1 inc P 1 inc, I rad = P 2 rad (1 e 2 )P 2 inc + P 2 inc. I rad = P 1 rad e 1 P 1 inc P 1 inc = P 1 rad I rad e 1 I rad = P 2 rad + e 2 P 2 inc P 2 inc = I rad + P 2 rad e 2. Como é fácil de entender, constrangimentos de natureza geométrica levam a que apenas uma parte da potência radiada por um corpo incida no outro corpo. Designaremos por P i,j inc a fracção de potência que incide em i emitida pelo corpo 27

j (após ter sido radiada ou reflectida por j). A corrente de radiação entre 1 e 2 pode-se escrever I rad = P 2,1 inc P 1,2 inc. Designa-se por Factor de Forma, F i,j, à fracção de potência emitida pelo corpo i que incide no corpo j, isto é F i,j = P i,j inc Pemitida i = P i,j inc P i rad + (1 e i )P i inc. Os factores de forma são quantidades puramente geométricas, que estão para a radiação como os coeficientes de capacidade estão para a electricidade. Com esta definição, a corrente de radiação entre 1 e 2 pode-se escrever na forma [ I rad = F 2,1 P 1 rad + (1 e 1 )Pinc] 1 [ F1,2 P 2 rad + (1 e 2 )Pinc 2 ]. Finalmente, as potências radiadas pelos corpos 1 e 2 podem relacionar-se com as suas temperaturas, as suas emissividades e as suas áreas, de acordo com dp 1 rad ds = e 1σT 4 1 P 1 rad = e 1 S 1 σt 4 1 dp 2 rad ds = e 2σT 4 2 P 2 rad = e 2 S 2 σt 4 2. As 5 equações anteriormente obtidas para P i inc (i = 1, 2), I rad e P i rad (i = 1, 2) podem ser resolvidas em ordem à corrente de radiação entre 1 e 2, obtendose I rad = F 1,2σT1 4 S 1 F 1,2 σt2 4 S 2. 1 e 1 1 e 2 1 + F 1,2 + F 2,1 e 1 e 2 Se for T 1 = T 2, então os corpos 1 e 2 encontram-se em equilíbrio térmico verificando-se I rad = 0. Nessas condições, a expressão anterior conduz a F 1,2 S 1 = F 2,1 S 2 que é o chamado Teorema da Reciprocidade. A expressão da corrente de radiação entre os corpos 1 e 2 resulta simplificada se utilizarmos o Teorema da Reciprocidade S 1 σ(t1 4 T2 4 ) I rad = 1 + 1 e 1 + S. 1 1 e 2 F 1,2 e 1 S 2 e 2 Em geral, os factores de forma não são simples de calcular, encontrando-se tabelados apenas para as geometrias mais simples. Nesse sentido, o teorema da reciprocidade pode ser de grande utilidade, já que permite encontrar a expressão 28

dum factor de forma (difícil de calcular), em função de outro (que pode ser de cálculo mais simples). Um exemplo típico refere-se à situação em que um dos corpos radiantes é negro e envolve totalmente o outro (ver figura junta). Neste exemplo, toda a potência radiada pelo corpo 2 atinge o corpo 1 (F 2,1 = 1), mas nem toda a potência radiada pelo corpo 1 atinge o corpo 2. Como se supõe, além disso, que 1 é corpo negro (e 1 = 1) tem-se I rad = e 2 S 2 σ(t 4 1 T 4 2 ). 29

Aplicações Transporte de energia por radiação para o sistema Sol-Terra Consideremos o sistema Sol-Terra. O Sol tem uma temperatura de superfície T S e raio R S. A Terra tem uma temperatura de superfície T T e raio R T. Seja d a distância Sol-Terra, e admita-se que estes dois corpos se podem considerar como corpos negros (e Sol = e T erra = 1). - Potência total radiada pelo Sol P S rad = σt 4 S 4πR 2 S - Factor de forma Sol-Terra F S,T = πr2 T 4πd 2 - Potência incidente (e absorvida) na Terra P T inc = P S radf S,T = σt 4 S 4πR 2 S - Potência total radiada pela Terra πr 2 T 4πd 2 = σ ( RS d ) 2 πr 2 T T 4 S P T rad = σt 4 T 4πR 2 T - Equilíbrio térmico de radiação para a Terra (I rad = 0) Conclui-se portanto que P T inc = P T rad σ ( RS d ) 2 πr 2 T T 4 S = σt 4 T 4πR 2 T vem Como se tem R S = 6, 96 10 8 m d = 1, 49 10 11 m T 4 T = 1 4 ( RS d ) 2 T 4 S. T S 6000 K λ S 483 nm (lei de Wien, zona amarelo) T T 290 K λ T 10000 nm (lei de Wien, zona infravermelho). 30

O efeito estufa - A radiação emitida pelo Sol corresponde aproximadamente à de um corpo negro a 6000 K. - O máximo de intensidade de radiação do espectro solar ocorre para um comprimento de onda na banda do visível (amarelo), correspondente a 483 nm. - Os comprimentos de onda que transportam mais energia na radiação solar passam através da atmosfera terrestre. - No interior da atmosfera, a radiação emitida pela Terra corresponde aproximadamente à de um corpo negro a 300 K. - A radiação terrestre tem um máximo de intensidade espectral para um comprimento de onda na banda do infravermelho, correspondendo a 10000 nm. - A atmosfera terrestre é opaca à radiação infravermelha, devido à presença de gases como o CO, CO 2 e CFC s, que absorvem e reemitem radiação nesta banda. - Na passagem pela atmosfera, o espectro da radiação terrestre surge desfalcado do seu máximo de intensidade. - O bloqueamento dos infravermelhos é um fenómeno natural benéfico, na medida em que impede um arrefecimento nocturno excessivo. É a intensificação deste fenómeno, devido à poluição atmosférica, que constitui uma ameaça ao balanço térmico da atmosfera, levando ao seu sobreaquecimento: EFEITO DE ESTUFA. 31