40 investigação, 17(3):40-44 2018 ARTIGO PATOLOGIA CLÍNICA VETERINÁRIA AVALIAÇÃO DA ESTABILIDADE DA ABSORBÂNCIA DE KITS BIOQUÍMICOS UTILIZADOS NA ROTINA LABORATORIAL VETERINÁRIA EVALUATION OF THE ABSORBANCE STABILITY OF BIOCHEMICAL KITS USED IN VETERINARY LABORATORY ROUTINE MV Msc. Nathan R. N. Cruz*; Biol. Matheus A. Yamazaki; Biol. Douglas J. Luduvério; MV Awdrey P. de Gois; MV Dr. MSc. Aureo E. Santana RESUMO Os reagentes químicos (colorimétrico, enzimático e enzimático-colorimétrico) são utilizados em determinações bioquímicas (analitos) por espectrofotometria e baseiam-se primariamente na reação do analito que se deseja quantificar. Por meio das leituras de absorbância dos reagentes, pode-se avaliar a sua estabilidade em relação ao tempo e uso. Foram testadas as medidas de absorbância de 17 reagentes utilizados na rotina de bioquímica clínica veterinária por meio de espectrofotômetro semiautomático. Os reagentes de Magnésio (0,585 A ± 0,032) e Sensiprot (0,099 A ±0,011) tiveram diferenças nas absorbâncias em relação às informadas pelo fabricante. Com base nos resultados, foi possível determinar a estabilidade dos reagentes utilizados no serviço de bioquímica clínica veterinária. Palavras-chave: qualidade, reagentes, espectrofotometria Laboratório de Patologia Clínica Veterinária, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV/UNESP), Câmpus de Jaboticabal, Brasil. *Via de Acesso Prof. Paulo Donato Castellane, s/n, km 5, CEP: 14884-900, Jaboticabal, SP. e-mail: nathancruzbr@gmail.com ABSTRACT The chemical reagents are used in biochemical determinations (analytes) for spectrophotometry and based primarily on the analyte reaction that should be quantified. The reagents can be classified into colorimetric, enzymatic and enzyme-colorimetric. The stability of reagents can be measured through of absorbance. Were determined the absorbance values of 17 reagents used in routine veterinary clinical biochemistry with semiautomatic spectrophotometer. The Magnesium (0,585 A ± 0,032) and Sensiprot (0,099 A ± 0,011) kits had differences of absorbencies in comparison of the manufacturer. With absorbance analysis of reagents was possible to define its stability in relation to the characteristics of the biochemistry clinical laboratory. Key-words: quality, reagents, spectrophotometry
41 INTRODUÇÂO Os reagentes químicos são utilizados em determinações bioquímicas (analitos) por espectrofotometria, baseiamse primariamente na reação do analito que se deseja avaliar, quantitativamente, utilizando um ou mais reagentes. Essa combinação forma um produto que pode ser identificado visualmente ou medido por meio de um analisador; estas leituras são comparadas com padrões ou fatores conhecidos para obter a concentração do analito presente em uma determinada amostra (BASQUES, 2010). Antigamente, os reagentes químicos eram substâncias simples, contudo, com a evolução tecnológica e novos sistemas de purificação, os reagentes - ou reativos - passaram a conter enzimas que catalisam e agilizam o processo de quantificação dos analitos (BASQUES, 2010). Os reagentes bioquímicos empregados na medicina humana e veterinária podem ser divididos em reagentes colorimétricos ou substratos (antes denominados reagentes químicos) e enzimáticos, porém, há reagentes enzimáticos que produzem reação de cor (CRUZ et al., 2013). A estabilidade dos reagentes está diretamente relacionada ao desempenho de um método ou equipamento, associada a itens como robustez, especificidade e sensibilidade analítica, precisão, dentre outros (MENDES e SUMITA, 2010). Esta estabilidade impacta diretamente a fase analítica laboratorial que, segundo Côrrea (2013), é a fase de realização em que o operador executa um procedimento analítico de dosagem para obter resultado de um analito rastreável a padrão ou calibrador. Para Basques (2010), além da determinação do analito, compõem a fase analítica a avaliação do reagente quanto à sua preparação, validade, armazenamento, avaliação visual (turvação, precipitação, mudança de cor) e verificação da estabilidade onboard. Todos os reagentes possuem indicação de validade e lote informados pelo fabricante, porém, após abertura dos frascos, é correto afirmar que a estabilidade dos reagentes depende do uso que a mensuração de soros-controles e calibração não são capazes de avaliar precisamente (CRUZ et al., 2013). Durham (1979) comprovou, pela de leitura de absorbância, a estabilidade de um reagente de permanganato de potássio após nove anos, por meio de medidas de branco, obtidos experimentalmente pela medida de uma solução de reagente sem a presença da amostra, assim, sua mensuração e conferência sistemática podem evitar o erro total do método correspondente (ABNT, 2001; ABNT, 2006). Mendes e Romano (2010) alegam que no Brasil os usos predominantes de sistemas abertos ampliam consideravelmente as combinações de reagente e equipamentos, isto contribui em um aumento na diferença de execução para o mesmo processo laboratorial e faz com que a validação e a conferência dos reagentes utilizados nas tecnologias abertas sejam contínuas. Os avanços tecnológicos nos sistemas laboratoriais e evolução de reagentes contribuíram para a diminuição da imprecisão e dos erros, na fase analítica, que hoje se aproximam de 13% segundo Markin e Whalen (2000). Neste prospecto, o presente estudo procurou determinar a absorbância média dos reagentes enzimáticos e substratos com o objetivo de criar um indicador de qualidade interno para a rotina do Laboratório de Patologia Clínica Veterinária (LPCV/HVGLN FCAV/ UNESP). MATERIAL E MÉTODOS O presente estudo não possui número de protocolo da Comissão Ética no Uso de Animais (CEUA) por não realizar ensaios com animais e amostras provenientes de animais. Os autores declaram não ter conflito de interesse com a fabricante dos reagentes Labtest Diagnóstica, desta forma, este é um ensaio independe mesmo realizado com kits doados pela fabricante através do Programa Labtest Universidade. Para o determinado ensaio, foram utilizados reagentes comerciais mantidos sob refrigeração (2 8 C), excetos os kits de Magnésio e Proteínas Totais que após abertos por recomendação dos fabricantes devem ser conservados (de 25 a 30 C) e todas as temperaturas da refrigeração acompanhadas por termômetro digital (JProlab, São Paulo, 2012). Os kits também foram utilizados dentro do prazo de validade e com controle de lote, conforme indicação do fabricante,; os kits testados foram os mesmos utilizados durante a rotina de bioquímica clínica do laboratório. As determinações de absorbância por leitura única foram realizadas em aparelho bioquímico de espectrofotometria semiautomático, modelo Labquest (BIOPLUS, 2004) (Figura 1A), com calibração e controle de desempenho conforme as normas n. 296 da Associação Brasileira de Normas Técnica (ABNT, 2005), tendo conferência sistemática de calibração e teste de aspiração de bombas (BIOPLUS, 2004), bem como a aplicação de programação dos reagentes bioquímicos estudados neste experimento (LABTEST, 2012). Foram testados 17 reagentes bioquímicos comerciais (Labtest, Lagoa Santa, Minas Gerais, Brasil), empregados na rotina laboratorial veterinária e classificados pela reação bioquímica
empregada: colorimétricos (Albumina Ref. 19-1, Colesterol Liquiform Ref. 76-2, Magnésio Ref. 50-1, Proteínas Totais Ref. 99-1, Sensiprot Ref. 36-1 e Triglicérides Liquiform Ref. 87-2), enzimáticos (ALT/GPT Liquiform Ref. 108, AST/ GOT Liquiform Ref. 109, Creatinina K Ref. 96-1, CK-NAC Liquiform Ref. 117-2, Fosfatase Alcalina Liquiform Ref. 79-4, Fósforo UV Liquiform Ref. 12-2, Gama GT Liquiform Ref. 105-2 e Ureia UV Liquiform Ref. 104-2), enzimáticoscolorimétricos (Cálcio Liquiform Ref. 90-2, Glicose PAP Liquiform Ref. 84-1e Frutosamina Ref. 97-6). Os resultados de absorbância foram determinados com reagentes puros, sempre no início da rotina laboratorial para testes enzimáticos (Figura 1B) e enzimáticos colorimétricos, e em testes colorimétricos nas leituras do branco (blank); o acompanhamento do presente estudo realizou-se pelo período de três meses com atenção de utilizar kits do mesmo lote e data de fabricação. Os estudos laboratoriais das medidas foram de precisão intraensaio (repetitividade simples), conforme as indicações de Mendes e Romano (2010). Os dados foram tabulados no Excel (Microsoft, Califórnia, 2010), com acompanhamento diário de valores mínimos, máximos, médias e desvios de padrões e, para a análise estatística descritiva e o teste de normalidade de Shapiro-Wilk, utilizou-se software Sigma Plot (Systat Software, San Jose, CA). Figura 1. Imagem fotográfica do resultado da leitura de absorbância do reagente bioquímico ALT Liquiform no aparelho de bioquímica semiautomática. RESULTADOS Para a interpretação da qualidade dos reagentes bioquímicos, o presente estudo fez uso de valores das referências de absorbância determinadas pelo fabricante (LABTEST, 2012) e apresentaram distribuição normal do teste de Shapiro-Wilk, sendo descritos em média ± desvio-padrão. Referente aos reagentes colorimétricos, os resultados encontrados foram: Albumina 0,121 ± 0,001, Colesterol 0,035 ± 0,003, Magnésio 0,585 ± 0,028, Proteína Totais 0,137 ± 0,005, Sensiprot 0,099 ± 0,011 e Triglicérides 0,054 ± 0,017; para os reagentes enzimáticos foram ALT/GPT 1,520 ± 0,023, AST/GOT 1,231 ± 0,126, Creatinina 0,086 ± 0,023, CK-NAC 0,213 ± 0,003, Fósforo 0,662 ± 0,054, FA 0,612 ± 0,109, GGT 0,594 ± 0,194, Ureia 1,591 ± 0,016; e para os reagentes enzimáticos-colorimétricos: Cálcio 0,299 ± 0,011, Glicose 0,073 ± 0,006 e Frutosamina 0,132 ± 0,011. Os resultados encontrados 42 contrastaram, em sua maioria, com os valores estabelecidos pelos valores referenciais, exceto as absorbâncias dos reagentes de Magnésio e Sensiprot (Tabela 1). Os valores de Magnésio estavam com média (0,585 ± 0,032) acima do referencial (0,49 0,55), enquanto que os valores médios de Sensiprot (0,099 ± 0,011) estavam abaixo do referencial (0,18 0,27). DISCUSSÃO Com vistas aos reativos de Magnésio e Sensiprot, Basques (2010) afirma que esses valores podem ter uma interpretação que considere o valor referencial como a ocorrência de um erro sistemático, ou seja, quando houver comportamento consistentemente elevado ou diminuído e remeter-se a problemas, tais como: reagentes contaminados, inadequadamente conservados ou preparados de modo incorreto, erro de medição, bias do analista e defeito no aparelho. Por se tratar de um kit bioquímico de sistema aberto à influência de fatores do ambiente laboratorial, pode diferir-se do proposto pelo valor teórico do fabricante e, por este motivo, a necessidade de validação e acompanhamento da qualidade dos reagentes é reforçada, visto que, segundo Mendes e Romano (2010), a validação dos fabricantes ocorre sob condições distintas, sendo que na maior parte das vezes é feita com um conjunto analítico (equipamento, reagente, calibrador) dos demais laboratórios. Tabela 1. Resultados dos valores de absorbância (A) dos reagentes bioquímicos por meio de determinação espectrofotométrica semiautomática, utilizados na rotina laboratorial veterinária, classificados quanto à reação bioquímica: colorimétrico (C), enzimático (E) e enzimático-colorimétrico (EC).
43 Reagentes Reação Mínimo Máximo Média ± DP Referencial* Apresentação Bioquímica (A) (A) (A) (A) Albumina C 0,120 0,122 0,121 ± 0,001 < 0,12 ALT Liquiform E 1,495 1,526 1,520 ± 0,023 > 1,0 AST Liquiform E 1,134 1,374 1,231 ± 0,126 > 1,0 Cálcio Liquiform EC 0,292 0,313 0,299 ± 0,011 < 0,6 CK-NAC Liquiform E 0,210 0,216 0,213 ± 0,003 < 0,5 ColesterolLiquiform C 0,030 0,038 0,035 ± 0,005 < 0,3 Creatinina K E 0,069 0,113 0,086 ± 0,023 < 0,1 Fosfatase Alcalina Liquiform E 0,486 0,679 0,612 ± 0,109 < 0,8 Fósforo UV Liquiform E 0,604 0,710 0,662 ± 0,054 < 0,68 Frutosamina EC 0,120 0,141 0,132 ± 0,011 < 0,2 Gama GT Liquiform E 0,378 0,756 0,594 ± 0,194 < 0,6 Glicose Liquiform EC 0,067 0,072 0,073 ± 0,006 < 0,3 Magnésio C 0,562 0,622 0,585 ± 0,032 0,49 0,55 Proteínas Totais C 0,133 0,142 0,137 ± 0,005 < 0,15 Sensiprot C 0,089 0,111 0,099 ± 0,011 0,18 0,27 Triglicérides Liquiform C 0,034 0,064 0,054 ± 0,017 < 0,300 Ureia UV Liquiform E 1,574 1,605 1,591 ± 0,016 > 0,8 (*) Valores referenciais de absorbância (A) de reagentes bioquímicos em determinação semiautomática de acordo com Labtest (2012). Neste âmbito, ainda que se trabalhe com fatores teóricos dos fabricantes, cabe ao laboratório padronizar, validar e documentar todo o processo dos reagentes, objetivando evitar o erro total e garantir valores precisos do ponto de vista clínico. Com base em todo o controle do processo, desde a calibração de máquinas e até leituras de padrões fornecidos no lote com valores exatos da bula de ambos os testes, acredita-se que, para a condição avaliada, os valores encontrados não possuem tendência e indicam a verdadeira estabilidade dos reagentes (ABNT, 2001; BASQUES, 2010; MENDES e ROMANO, 2010), uma vez que, a calibração em relação ao padrão comercial presente no kit, o soro calibrar (Calibra H, Lagoa Santa, Minas Gerais, Brasil) e soro controle (Qualitrol, Lagoa Santa, Minas Gerais, Brasil) apresentaram valores indicados pelo fabricante. Os reagentes de Creatinina K, Fósforo UV, Gama GT e Magnésio tiveram ocorrência de valores máximos acima da referência, entretanto, estas, quando analisadas em relação às outras, medidas de forma estatística, foram pontuais e representaram frutos de erros aleatórios inerentes ao processo analítico no dia em que foram determinados (ex.: aspiração do reagente, pipetagem, aspiração de ar ou erro humano) (BASQUES, 2010; CÔRREA, 2013;), contudo, tais ocorrências não alteraram os valores médios encontrados. Após as medições realizadas sistematicamente, foi possível determinar as absorbâncias dos reagentes adaptadas às condições laboratoriais do referido laboratório. Com base neste ensaio dos reagentes, houve a possibilidade concreta de instaurar ações de controle de qualidade no serviço de bioquímica clínica, como manutenção dos equipamentos bioquímicos e pipetas, treinamento de recursos humanos e criação de cultura de qualidade entre os envolvidos no serviço; logo, o laboratório tem plenas condições de estabelecer ou participar de programas de controles periódicos de ensaios de precisão que utilizem soros ou matrizes de controle.
44 REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS ABNT. Reativos para uso no diagnóstico in vitro : conservação da cadeia do frio armazenamento, transporte e distribuição. Brasília: ABNT, 2006. (Normativa, 309), p. 60. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS ABNT. Análises clínicas métodos para a verificação da calibração dos fotômetros e espectrofotômetros. Brasília: ABNT, 2005. (Normativa, 296), p. 45. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS ABNT. Diagnóstico in vitro recomendações e critérios para aquisição, recepção, transporte e armazenamento de produtos. Brasília: ABNT, 2001. (Normativa, 14711), p. 36. Basques JC. 2010. Reagentes e reações: intervenções em problemas técnicos. Labtest, Lagoa Santa, p. 34. Bioplus. 2004. Labquest analisador automático: manual do usuário. São Paulo: Bioplus, p. 20. Côrrea JA. 2013. Garantia da qualidade no laboratório clínico. 4. ed. Rio de Janeiro: PNCQ, p. 84. Cruz NRN, Luduvério DJ, Magioni GC. et al. 2013. Avaliação espectrofotométrica da estabilidade de reativos enzimáticos como controle de qualidade na rotina do laboratório de patologia clínica veterinária. Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial. 49(4): 52. Durham BW. 1979. Reagent stability. Analytical Chemistry. 51(9): 922. Labtest. 2012. Aplicações dos reagentes Labtest para o Labquest. Labtest, Lagoa Santa, p. 26. Markin RS, Whalen SA. 2000. Laboratory automation: trajectory, technology and tactics. Clinical Chemistry. 46(5): 764-771. Mendes ME, Romano P. 2010. Validação de sistema analítico. In: Oliveira CA, Mendes ME. Gestão da fase analítica do laboratório: como assegurar a qualidade na prática. Rio de Janeiro: Controlab. pp. 40-62. Mendes ME, Sumita NM. 2010. Seleção e quantificação de sistema analítico. In: Oliveira CA, Mendes ME. Gestão da fase analítica do laboratório: como assegurar a qualidade na prática. Rio de Janeiro: Controlab. pp. 40-62.