1 ARTIGO CIENTÍFICO Diagnóstico molecular de Ehrlichia canis em cães com uveíte Molecular diagnosis of Ehrlichia canis infection in dogs with uveitis Jéssica Fontes VELOSO¹; Leonardo SAUER²; Arianne Pontes ORIÁ³, Deusdete Conceição GOMES 4, Ana Cláudia Santos RAPOSO 3, Thais Nascimento de Andrade OLIVEIRA¹; Renata Santiago Alberto CARLOS 5 ¹ Doutorandas do Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Ilhéus, Bahia. E-mail: jessicaveloso@live.com ² Estudante de graduação de Medicina Veterinária da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Ilhéus, Bahia. ³ Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, Bahia. 4 Docente do Curso de Medicina Veterinária na União Metropolitana de Educação e Cultura (UNIME), Lauro de Freitas, Bahia. 5 Docente do Departamento de Ciências Agrárias e Ambientais (DCAA), Curso Medicina Veterinária, Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Ilhéus, Bahia. Resumo: A espécie E. canis tem alta prevalência mundial que conduz a elevadas taxas de morbidade e mortalidade em cães. Dentre as alterações clínicas, as oftalmopatias podem levar a cegueira permanente e ainda serem a única manifestação dessa enfermidade. Objetivou-se realizar nested-pcr para diagnosticar infecção por E. canis em cães portadores de uveíte bilateral provenientes da casuística do Hospital Veterinário da Universidade Estadual de Santa Cruz. Sessenta e seis cães adultos diagnosticados com uveíte bilateral foram submetidos a coleta de sangue para realização do diagnóstico molecular foi extraído destas amostras. Foram positivos no teste 35 (53%) cães, que apresentaram iridociclite, uveíte posterior, panuveíte ou uveíte com glaucoma secundário. Esse estudo demonstra a nested-pcr como ferramenta importante no diagnóstico diferencial de cães com uveíte bilateral, por proporcionar a comprovação do agente infeccioso no organismo do animal. Palavras-chave: Glaucoma. Uveíte infecciosa. Rickettsia. Nested-PCR. Olho. Keywords: Glaucoma. Infectious uveitis. Rickettsia. Nested-PCR. Eye. Introdução: A Erliquiose Monocítica Canina (EMC) acomete cães e é causada por bactérias do gênero Ehrlichia, espécie E. canis, que é transmitida através do vetor artrópode, o carrapato Rhipicephalus sanguineus, durante seu repasto sanguíneo (DUMLER et al., 2001). Está disseminada por todos os continentes, porém com maior frequência em países de clima temperado, tropical e subtropical (DAGNONE et al., 2001). No estado da Bahia, foram descritas prevalências de 7,8% (CARVALHO et al., 2008), 11% (CARLOS et al., 2011), e 25,6% (GUEDES et al., 2015) por nested-pcr na população canina avaliada. A uveíte é a alteração inflamatória das estruturas do trato uveal, que pode ocorrer por consequência de doenças sistêmicas. É considerada a manifestação Anais do 38º CBA, 2017 - p.0996
2 oftálmica mais comum relacionada a EMC, por consequência da vasculite, deposição de imunocomplexos e, hemorragia ocular de uma ou diversas estruturas oculares (HENDRIX, 2013).Em estudo de 102 casos de uveíte em cães, as doenças infectocontagiosas foram responsáveis por 17,6% dos casos (n=18), e a E. canis foi confirmada sorologicamente em 38,8% dos casos de doenças infectocontagiosas (MASSA et al., 2002). Em outra investigação por Imunofluorescência Indireta (IFI) e Dot-Blot ELISA (DBELIA) para o diagnóstico de E. canis em 51 cães com uveíte, foi encontrada prevalência de 66,67% e 86,27%, respectivamente (ORIÁ et al., 2008). Neste contexto, o diagnóstico molecular através da reação em cadeia da polimerase (PCR), ao detectar o agente em tecidos ou sangue, aumenta precisão diagnóstica, auxilia na classificação taxonômica e permite detecção precoce da infecção e espécie infectante. Suas principais vantagens em relação aos métodos sorológicos são: ausência de reações cruzadas, e, a possibilidade de definir que a infecção é aguda e não se trata de exposição prévia (IQBAL et al., 1994; DAGNONE et al., 2001). Visto que o diagnóstico da causa dauveíteser de grande importância para iniciar terapia adequada e minimizar asrepercussões oftálmicas, o estudo teve por objetivo realizar PCR de duas etapas (nested-pcr), que proporciona maior especificidade e precisão da reação para diagnóstico da infecção por E. canis em cães portadores de uveíte. Material e Métodos: Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética no Uso de Animais da Universidade Estadual de Santa Cruz (protocolo 025/2013), bem como seguiram-se as normas da Associação para Pesquisa em Visão e Oftalmologia (ARVO). Sessenta e seis cães adultos, de ambos sexos e diferentes raças, provenientes dos atendimentos oftálmicos do Hospital Veterinário da Universidade Estadual de Santa Cruz (HOSPVET/UESC), no período de agosto/2014 a agosto/2015, portadores de sinais clínicos de uveíte bilateral, exceto um animal anoftálmico unilateral, foram utilizados no presente estudo. Ao final da avaliação oftálmica, todos os animais foram submetidos à coleta de 4ml de sangue da veia jugular, colocados em tubo de coleta com o anticoagulante EDTA e armazenados em freezer à temperatura de 20ºC até a realização da PCR no Laboratório de Genética Veterinária do HOSPVET/UESC. A extração do DNA foi realizada através das amostras de sangue total com o KitEasy-DNA (Invitrogen ).Na primeira etapa de amplificação do DNA do gênero Ehrlichia spp, foram selecionados osprimers ECC (5- AGAACGAACGCTGGCGGCAAGC-3) e ECB (5-CGTATTACCGCGGCTGCTGGCA- 3), que amplificam parte do gene 16S rrna de Ehrlichia spp. Posteriormente, para identificação da espécie E. canis, foram utilizados os primers ECAN (5- CAATTATTTATAGCCTCTGGCTATAGGA-3) e HE3 (5- TATAGGTACCGTCATTATCTTCCCTAT-3), seguindo metodologia descrita por Murphy et al. (1998).O controle positivo utilizado foi sangue de um cão positivo para E.canis cedido por GUEDES et al., (2015) previamente confirmado por Anais do 38º CBA, 2017 - p.0997
3 sequenciamento. Água ultrapura foi utilizada como controle negativo. Os achados foram analisados através de estatística descritiva. Resultados: Dos 66 animais com uveíte bilateral, 35 (53%) foram positivos para E. canis através da nested-pcr. Dos 69 olhos dos animais positivos, 57 (82,6%) olhos possuíam iridociclite, uveíte posterior ou panuveíte, enquanto 12 (17,4%) apresentavam uveíte com glaucoma secundário. Dentre os sinais oftálmicos que foram observados nos animais positivos, portadores de uveíte e sem glaucoma secundário, citam-se: secreção purulenta, fotofobia, blefaroespasmo, quemose, hiperemia conjuntival, injeção de vasos episclerais; neovascularização, ulcera e edema de córnea, miose persistente e redução ou aumento da produção lacrimal. Todos os animais com uveíte (figura 01) exibiram mais de dois sinais concomitantes, além da redução da PIO. Dentre os sinais oftálmicos que foram visibilizados nos animais que apresentaram uveíte com glaucoma secundário, além dos citados anteriormente, arrolam-se: buftalmia, pigmentação, fratura de descemet e midríase irresponsiva ou com reflexos diminuídos. Todos os animais com uveíte e glaucoma secundário (figura 02) exibiram mais de dois sinais concomitantes, além de pressão intraocular elevada ou próximos dos limites máximos de normalidade para a espécie. Discussão: No presente estudo o critério de inclusão estabelecido foi de animais diagnosticados com uveíte bilateral, uma vez que esta é a apresentação mais relatada da alteração ocular secundária a infecção por E. canis (LEIVA et al., 2005; KOMNENOU et al., 2007). Os sinais oftálmicos observados nos animais do presente estudo, como blefaroespasmo, fotofobia, epífora, edema corneano miose persistente (KOMNENOU et al., 2007; ORIÁ et al., 2008), presença de secreção purulenta e injeção episcleral (ORIÁ et al., 2008) já haviam sido descritos por outros autores em animais com EMC).. O glaucoma secundário pode ocorrer em cães com uveíte devido a EMC em decorrência de obstrução da rede trabecular pelo aumento da celularidade em câmara anterior ou por formação de sinéquias que obstruem a drenagem adequada do humor aquoso (ORIÁ et al., 2008). Dentre os casos de glaucoma secundário diagnosticados no presente estudo, alguns animais apresentaram valores de PIO dentro da normalidade. Tal achado pode ser decorrente da intensificação da drenagem do humor aquoso pela via uveo-escleral e/ou pela redução de sua produção pelo corpo ciliar inflamado. Com a cronicidade da enfermidade essa via de compensação tende a se desequilibrar a tal ponto que a PIO ultrapassa os valores de normalidade (ORIÁ et al., 2004; PLUMMER et al., 2013). Trabalhos relacionados a prevalência da E. canis na população canina avaliada por nested-pcr em regiões do Sul da Bahia demonstram menores incidências (CARVALHO et al., 2008; CARLOS et al., 2011; GUEDES et al., 2015). Anais do 38º CBA, 2017 - p.0998
38º CONGRESSO BRASILEIRO DA ANCLIVEPA, 2017 - RECIFE/PE 4 Entretanto, no atual estudo houve maior prevalência, dado que se aproxima dos encontrados por Oriá e colaboradores (2008), 66,67% de positividade por teste imunofluorescência indireta (RIFI). Estes mesmos autores também encontraram 88,27% de positividade através do ensaio imunoenzimático (ELISA). Apesar disso, outro estudo com animais portadores de uveíte, definiu como baixo o percentual de causas infectocontagiosas diante de todas as outras possíveis causas, mesmo a E. canis se destacando em aproximadamente 40% das causas infecciosas (MASSA et al., 2002 A diferença dos percentuais relatados e encontrados neste estudo podem ser explicados devido a técnica molecular garantir maior sensibilidade quando a doença está na fase aguda, onde os animais positivos são portadores do patógeno. Já os testes sorológicos não distinguem entre pré exposição e infecção ativa, o que comumente determina prevalências mais altas em estudos, nem sempre indicando que o animal está infectado (MASSA et al., 2002; KOMNENOU et al., 2007; ORIÁ et al., 2008; GUEDES et al., 2015). Portanto, nos animais positivos e com sinais de uveíte a PCR fornece um resultado mais preciso devido a sensibilidade e especificidade do teste. Conclusão: O teste nested-pcr foi considerado satisfatório para o diagnóstico dos animais infectados por E. canis e os dados obtidos demonstraram alta ocorrência de erliquiose em animais portadores de uveíte. Referências: Carlos, R.S.A.; Carvalho, F.S.; Wenceslau, A.A.; Almosny, N.R.P.; Albuquerque, G.R., 2011. Risk Factors and clinical disorders of canine ehrlichiosis in the South of Bahia, Brazil. RevistaBrasileira de Parasitologia Veterinária, v. 20, n. 3, p. 210-214. Carvalho, F.S. Wenceslau, A.A., Carlos, R.S.A, Albuquerque, G.R., 2008. Epidemiologic and molecular study of Ehrlichiacanis in dogs in Bahia, Brazil. Genetics and Molecular Research, v. 7, p. 657-662. Dagnone, A.S., Morais, H.S.A., Vidotto, M.C., Jojima, F.S., Vidotto, O., 2003. Ehrlichiosis in anemic, thrombocytopenic, or tick-infested dogs from a hospital population in South Brazil. Veterinary Parasitology, v. 117, p. 285-290. Dumler, J.S., Barbet, A.F., Bekker, C.P., Dasch, G.A., Palmer, G.H., Ray, S.C., Rikihisa, Y., Rurangirwa, F.R, 2001. Reorganization of genera in the families Rickettsiaceae and Anaplasmataceae in the order Rickettsiales: unification of some species of Ehrlichia with Anaplasma, Cowdria with Ehrlichia and Ehrlichia with Neorickettsia, descriptions of six new species combinations and designation of Ehrlichia equi and HGE agent as subjective synonyms of Ehrlichia phagocytophila. International Journal of Systematic and Evolutionary Microbiology, v. 51, p. 21452165. Anais do 38º CBA, 2017 - p.0999
5 Guedes, P. E. B., Oliveira, T. N. A., Carvalho, F. S., Carlos, R. S. A., Albuquerque, G. R., Munhoz, A. D., Wenceslau, A. A., Silva, F. L., 2015. Canine ehrlichiosis: prevalence and epidemiology in northeast Brazil. Brazilian Journal Veterinary Parasitology, v. 24, n. 3, p. 115-121. Harrus, S., Day, M. J., Waner, T., Bark, H., 2001. Presence of immune-complexes, and absence of antinuclear antibodies, in sera of dogs naturally and infected with Ehrlichiacanis. Veterinary Microbiology, v. 83, n. 4, p. 343-349. Hendrix, D V. H. 2013. Disease and surgery of the canine anterior uvea. In: Gelatt, K. N, Gilger, B. C., Kern, T. J. Veterinary Ophthalmology, 5 Ed, John Wiley & Sons, Inc: Oxford, UK, pp.1146-1198. Iqbal, Z., Chaichanasiriwithaya, W., Rikihisa, Y., 1994. Comparison of PCR with other tests for early diagnosis of canine ehrlichiosis. Journal of Clinical Microbiology, v. 32, p. 1658-1662. Komnenou, A.A, Mylonakis, M.E., Kouti, V. Tendoma, L., Leontides, L., Skountzou, E., Dessiris, A., Koutinas, A.F., Ofri, R., 2007. Ocular manifestations of natural canine monocytic ehrlichiosis (Ehrlichia canis): a retrospective study of 90 cases. Veterinary Ophthalmology, v. 10, n. 3, p. 137-142. Leiva, M., Naranjo, C., Peña, M.T., 2005. Ocular signs of canine monocyticehrlichiosis: a retrospective study in dogs from Barcelona, Spain. Veterinary Ophthalmology, v. 8, n. 6, p. 387-393. Massa, K.L., Gilger, B.C., Miller, T.L., Davidson, M.G., 2002. Causes of uveitis in dogs: 102 cases (1989-2000). Veterinary Ophthalmology, v. 5, n. 2, p. 93-98. Murphy, G.L.; Ewing S.A.; Whitworth, L.C; Fox, J.C.; Kocan, A.A., 1998. A molecular and serologic survey of Ehrlichia canis, E. chaffeensis and E. ewingii in dogs and ticks from Oklahoma. Veterinary Parasitology, v. 79, n. 4, p. 325-339. Oriá, A. P., DóreaNeto, F. A., Machado, R. Z., Santana, A. E., Guerra, J. L., Silva, V.L.D., Laus, J.L., 2008. Ophthalmic, hematologic, serologic and histologic findings in dogs with suspected Ehrlichia canis infection. Veterinary Ophthalmology, v. 15, n. 2, p. 94-97. Oriá, A. P., Pereira, P. M., Laus, J. L., 2004. Uveitis in dogs infected with Ehrlichia canis. Ciência Rural, v. 34, n. 4, p.1289-1295. Plummer, C. E., Regnier, A., Gelatt, K. N. 2013. The canine glaucomas. In: Gelatt, K. N, Gilger, B. C., Kern, T. J. Veterinary Ophthalmology, 5 Ed., John Wiley & Sons, Inc: Oxford, UK, pp. 1050-1145. Anais do 38º CBA, 2017 - p.1000