A ARTE E O IMAGINAR: Um dispositivo para a recriação da realidade



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Transcrição:

A ARTE E O IMAGINAR: Um dispositivo para a recriação da realidade Ana Paula Pimentel 1 (paulinha_pimentel@yahoo.com.br) Andreia dos Santos Silva² (psiuerj@yahoo.com.br) Ademir Pacelli Ferreira³ (ademirpacelli@uol.com.br) Aída Souza Dutra 4 (aida.dutra@uol.com.br) A arte é, antes de tudo, criadora de símbolos (Chklovski, 1973, p. 40) O presente trabalho tem por finalidade discorrer sobre a Oficina da Imagem, realizada na enfermaria da Unidade Docente Assistencial de Psicologia e Psiquiatria do Hospital Universitário Pedro Ernesto, que tem como referencial teórico-prático os princípios da Reforma Psiquiátrica e estabelece uma nova forma de intervenção em Saúde Mental, marcada por uma rede de oferta de atividades diversificadas e multidisciplinares. A oficina da imagem é uma experimentação que nasceu da busca por dispositivos que possibilitem a ampliação da experiência psicanalítica dentro da instituição de Saúde Mental em questão. No trabalho com psicóticos se faz necessário um manejo diferente daquele usado na clínica, sendo imprescindíveis atividades de transformação, reinvenção e uma constante busca do novo, para viabilizar a emergência do sujeito, a constituição e produção de subjetividade. Trata-se de uma oficina terapêutica realizada semanalmente e dividida em dois momentos. No primeiro momento apresentamos a imagem impressa de uma obra artística e 1 ¹ Aluna da graduação em Psicologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. ² Aluna da graduação em Psicologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. ³ Diretor do IP/UERJ, coordenador da Residência em Psicologia Clínico-Institucional Modalidade Residência Hospitalar- IP/HUPE/UERJ, membro da AUPPF. 4 Terapeuta Ocupacional da Unidade Docente Assistencial de Psiquiatria HUPE/UERJ, professora do curso de Terapia Ocupacional da Universidade Castelo Branco.

conversamos sobre a compreensão que cada um tem dessa imagem. Este momento constitui um espaço de interação social, na medida em que os participantes comentam, falam da análise que fizeram da imagem e de situações vividas por eles que foram suscitadas por algum traço presente na imagem exposta. Estes sujeitos, ao analisarem a imagem, na verdade falam de si mesmo. Neste caso, a imagem ocupa o lugar do analista e propicia um aflorar do sujeito, de sua singularidade. Marco Antonio Coutinho Jorge no livro Sobre Arte e Psicanálise aponta que, para Duchamp, aquele que analisa a obra também participa do ato criador: A arte é um produto de dois pólos: há o pólo daquele que faz uma obra e o pólo daquele que a olha [...] (JORGE, 2006, p. 71). A atividade que propomos destaca-se como um espaço lúdico que procura incentivar um brincar com a imagem e, conseqüentemente, abre-se espaço para o fantasiar. No texto Escritores Criativos e Devaneios (1908 [1907]), Sigmund Freud se interessa pela natureza da criação imaginativa, associando o brincar infantil com a criação poética. Ele nos indaga se não devemos procurar na infância os primeiros traços de capacidade imaginativa. De acordo com o autor a ocupação favorita das crianças são os brinquedos e os jogos, e apesar de todo investimento que faz em seu mundo de brinquedo, ela distingue perfeitamente a realidade do brincar, e se apraz de ligar as situações imaginadas às coisas visíveis e tangíveis do mundo real. Nesse sentido, Freud sugere que ao brincar toda criança se comporta como escritor criativo, pois cria um mundo próprio. O autor nos ensina que a antítese do brincar não é o sério, mas sim o real. Ao falar dos escritores criativos, Freud nos diz que a irrealidade do mundo criativo do escritor trás conseqüências importantes para técnica de sua arte. Se muitos aspectos do mundo criativo fossem reais, não causariam tanto prazer e este prazer pode ser proporcionado pela fantasia. 2

Ao opor a realidade e o brincar considerando o desenvolvimento humano, Freud diz que quando as pessoas crescem param de brincar, renunciando a esse prazer. Mas, na realidade, esse prazer não é verdadeiramente renunciado. Ao parar de brincar, a criança em crescimento apenas abdica do elo com os objetos reais e, em vez de brincar, ela agora fantasia. Constrói castelos no ar que chamamos de devaneios. O fantasiar dos adultos não é tão fácil de observar quanto as brincadeiras das crianças. O brincar da criança é determinado pelo desejo de ser adulta, não possuindo motivos para ocultar os seus desejos. Ao contrário, os adultos escondem suas fantasias, acalentando-as como seu bem mais íntimo. Freud aponta que as forças motivadoras das fantasias são os desejos insatisfeitos, e toda fantasia é a realização de um desejo, uma correção da realidade insatisfatória. Para Lacan, o desejo é sempre sustentado pela fantasia. Se o desejo é em sua essência, da ordem da falta, a fantasia é a estrutura que o enquadra, emoldura essa falta com certo limite, numa janela para o real. Há uma falta, diz o desejo. É isso que falta, diz a fantasia. De acordo com Jorge, a noção de realidade estará sempre, no fundo, submetida à fantasia na neurose e ao delírio - espécie de fantasia que invade a realidade na psicose. A fantasia constitui a realidade psíquica de cada sujeito, ela mediatiza o encontro do sujeito com o real. As fantasias são produtos das atividades imaginativas, não estereotipadas ou inalteráveis, elas adaptam-se às impressões mutáveis que os sujeitos têm da vida e se alteram em cada mudança de situação. A Oficina da Imagem é um veículo de projeção direta entre o perceptor e o percebido, uma ponte entre o inconsciente do perceptor e o trabalho que ele produz. O que ele vê é o que o inconsciente manifesta. Neste sentido, a oficina concede espaço para o imaginar, onde o 3

sujeito através da experiência com o lúdico abre caminhos para a simbolização. Diante da imagem de uma obra de arte, o sujeito revela as suas emoções, faz uma análise de si mesmo, da sua existência, expressa através da sua fala e nas reproduções que realiza. No segundo momento da oficina, são oferecidos diversos materiais - recicláveis, papel, pedras, vasos, telas, dentre outros materiais. Os participantes da oficina selecionam o material a ser trabalhado e criam a partir da leitura que fizeram da imagem. A imagem passa a ser então a criação que o participante constrói no momento em que é apresentada a obra do artista. Nesse momento surgem pequenas cenas visuais na forma de síntese como uma poética do instante e refletem metáforas, dizeres a partir do contato-relação com a obra. O participante utiliza-se das imagens, transformando-as em símbolos para criar uma percepção particular. Esta atividade exige de quem a executa um esforço de simbolização. Sabe-se que o psicótico tem dificuldades para simbolizar; isso constitui a principal causa da precariedade da relação entre ele e o mundo a sua volta, dado que a realidade é sempre imaginária. Nossa compreensão do mundo depende das nossas lentes, que estão sempre tentando dar consistência ao mundo, fazer uma gestalt, que é o exercício fundamental do imaginário. O imaginário é a possibilidade de buscar referências no simbólico para a criação da realidade. Como na psicose o simbólico está furado, as gestalts não se fecham e adquirem um caráter real, dado que o real é aquilo que não é simbolizável, diante do qual só há angústia e nada pode ser dito. Logo, o psicótico estaria sentenciado a viver num mundo fragmentado e segregacionista se não houvesse recursos que pudessem exercer uma função simbólica. Freud no texto A perda da realidade na neurose e na psicose (1924) nos fala sobre aquilo que ele define como perda da realidade, afirmando que esse processo ocorre tanto na neurose quanto na psicose em duas etapas. 4

Na psicose, a primeira etapa seria o afastamento do ego da realidade por influência do id. Segundo Freud, esta etapa já é patológica em si. A segunda etapa seria a tentativa de reparação da parte faltante da realidade, porém através da criação de uma nova realidade, que não traga consigo os problemas da anterior. Ele aponta que o objetivo dos processos da segunda etapa não são alcançados com satisfação. Freud diz que a perda da realidade é causada por uma rebelião do id contra a realidade externa, a qual o sujeito não aceita e, por isso, se impõe a ela. Há, dessa forma, uma tentativa de reparação com relação ao fragmento de realidade perdido. Na psicose o sujeito busca transformar a realidade através de elementos como traços mnêmicos, idéias, julgamentos advindos da realidade e acumulados ao longo do tempo que constituem a representação da realidade em sua mente. Assim, a psicose busca constantemente percepções que lhe permita compor a nova realidade. Essas percepções, na forma mais radical, são conseguidas geralmente por meio das alucinações e dos delírios. Freud ainda aponta que talvez o fragmento da realidade que foi negado tente se impor à mente do psicótico. Pensando na questão da perda da realidade, dos possíveis modos pelos quais o psicótico tenta compensá-la e na hipótese de haver outros modos satisfatórios de compensação que a oficina da imagem foi criada. As obras de Salvador Dalí tiveram grande contribuição nesse processo, especialmente as que foram pintadas com o uso de um método criado por ele próprio: o método crítico-paranóico, que foi desenvolvido em seu texto O asno podre. Este método consistia numa combinação de várias imagens sem sentido algum que, de acordo com a percepção de quem as vê, adquirem um sentido, por meio de uma sistematização da confusão. Para Dalí, o sentido singular dado por cada sujeito à obra estava 5

relacionado ao fato de serem trazidas à lembrança imagens fantasmas resultantes de atos inconscientes. A arte permite a relação do sujeito com o mundo. Ela exerce uma função simbólica, como podemos observar no caso de Salvador Dalí, assim como o delírio a exerce no caso Schreber, e parece proteger o sujeito da alienação ao gozo do Outro. Concluímos que na Oficina da Imagem, o psicótico realiza um exercício de busca a significantes, de organização psíquica, ao passo que precisa exprimir seu entendimento da imagem através da fala ou da pintura. Assim, ele dá novos significados aos objetos que se impõem a ele, transforma o seu mundo e o amplia, adquirindo gradativamente elementos para a recriação da sua realidade. Nesse sentido, esta atividade também colabora com o processo de reparação do fragmento de realidade perdido. É através da fala do psicótico e de suas produções que se revela a realidade subjetivada. e, assim, a forma como ele deseja. Referências Bibliográficas BLEGER, José. Simbiose e Antiguidade. Francisco Alves, 1977. CHKLOVSKI, Vitor. Arte como procedimento. In: et alii. Teoria da literatura, formalistas russos. Porto Alegre: Globo, 1973. FREUD, Sigmund. (1908 [1907]) Escritores criativos e devaneio. Vol.9 da Edição standard brasileira das obras completas. Rio de Janeiro, Imago, 1977. FREUD, Sigmund. (1924) A perda da realidade na neurose e na psicose. Vol.19 da Edição standard brasileira das obras completas. Rio de Janeiro, Imago, 1977. JORGE, M. A. C. Arte e Travessia da Fantasia. In: Tania Rivera; Vladmir Safatle. (Org). Sobre Arte e Psicanálise. Escuta, São Paulo, 2006. v., p. 61-78. 6