ILEGITIMIDADE DE PARTE PASSIVA. RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DO ESTADO



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ACÓRDÃO

Transcrição:

Trabalho elaborado para a 5ª Edição da Pós-Graduação em Direito Público da Faculdade CESUSC Aluna: Paula Ávila Poli Disciplina: Responsabilidade Civil do Estado Professor: Rodrigo Valgas dos Santos A responsabilidade civil do Estado decorrente de erros cometidos pelos magistrados no exercício da função jurisdicional. A titularidade do polo passivo. A responsabilidade civil do Estado está prevista no art. 37, 6º da Constituição da República Federativa do Brasil encontrando-se mencionado dispositivo assim redigido: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Sobre o artigo em comento, o doutrinador Alexandre de Moraes, ensina que para a caracterização da responsabilidade civil ali definida necessário se faz a presença dos seguintes requisitos: dano; ação ou omissão administrativa; existência de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão administrativa e ausência de causa excludente da responsabilidade do Estado. Nessa linha, a questão que ora se propõe é verificar de que modo mencionado artigo vem sendo aplicado frente aos erros do cometidos pelos magistrados e em que medida eles tem sido responsabilizados por suas condutas quando causando danos a terceiros. 1

A primeira discussão é: deve a pessoa física do magistrado participar do polo passivo da demanda, ou, caberá à Administração Pública nele figurar isoladamente, cabendo-lhe, em caso de condenação, uma possível ação de regresso? O Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 228.977, julgado em 02/03/2002, por meio do Ministro Relator Néri da Silveira, se posicionou acerca do tema: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. AÇÃO REPARATÓRIA DE DANO POR ATO ILÍCITO. ILEGITIMIDADE DE PARTE PASSIVA. RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DO ESTADO. A autoridade judiciária não tem responsabilidade civil pelos atos jurisdicionais praticados. Os magistrados enquadram-se na espécie agente político, investido para o exercício de atribuições constitucionais, sendo dotados de plena liberdade funcional no desempenho de suas funções, com prerrogativas próprias e legislação específica. Ação que deveria ter sido ajuizada contra a Fazenda Estadual responsável eventual pelos alegados danos causados pela autoridade judicial, ao exercer suas atribuições -, a qual, posteriormente, terá assegurado o direito de regresso contra o magistrado responsável nas hipóteses de dolo ou culpa. Legitimidade passiva reservada ao Estado. Ausência de responsabilidade concorrente em face dos eventuais prejuízos causados a terceiros pela autoridade julgadora no exercício de suas funções, a teor do art. 37, 6º, da CF/88. Recurso extraordinário conhecido e provido. (grifei) Do corpo deste acórdão, o Ministro relator - utilizando-se do posicionamento do acórdão recorrido, advindo do Tribunal de Justiça de São Paulo - explica: [...] já que a autoridade judiciária não tem responsabilidade civil pelos atos jurisdicionais praticados. É que, embora seja considerado um agente público que são todas as pessoas físicas que exercem alguma função estatal, em caráter definitivo ou transitório -, os magistrados se enquadram na espécie agente político. Estes, são investidos para o exercício de atribuições constitucionais, sendo dotados de plena liberdade funcional no desempenho de suas funções, com prerrogativas próprias e legislação específica, requisitos, aliás, indispensáveis ao exercício de suas funções decisórias. (destaquei) Tais agentes, portanto, não agem em nome próprio, mas em nome do Estado, exercendo função eminentemente pública, de modo que não há como lhes atribuir responsabilidade direta por eventuais danos causados a terceiros no desempenho de suas funções. Com efeito, o magistrado, ao outorgar a prestação jurisdicional, atuou em nome do Estado- 2

Juiz, exercendo a atribuição que lhe fora imposta constitucionalmente. (destaquei) Hely Lopes Meirelles, baluarte do direito administrativo, também se posiciona nessa linha de entendimento: Os agentes políticos exercem funções governamentais, judiciais e quase-judiciais, elaborando normas legais, conduzindo os negócios públicos, decidindo e atuando com independência nos assuntos de sua competência. São as autoridades públicas supremas do Governo e da Administração na área de sua atuação, pois não estão hierarquizadas, sujeitando-se apenas aos graus e limites constitucionais e legais de jurisdição. Em doutrina, os agentes políticos têm plena liberdade funcional, equiparável à independência dos juízes nos seus julgamentos, e, para tanto, ficam a salvo de responsabilidade civil por seus eventuais erros de atuação, a menos que tenham agido com culpa grosseira, má-fé ou abuso de poder. 1 Idêntico pensamento tem Antônio Dall Agnol, comentando tópico sobre a responsabilidade civil do juiz: Mais modernamente, no entanto, e precipuamente a partir da Constituição de 1988, tem-se inclinado a doutrina brasileira pelo entendimento de que responsável direto seja o Estado, nos termos do art. 37, 6º, que consagra o princípio da responsabilidade direta e objetiva desse por atos de seus agentes. 2 (grifo nosso) São esses os principais argumentos tecidos para defesa de que a responsabilidade civil direta e exclusiva é do Estado e não pessoal do Juiz. A Constituição da República Federativa do Brasil, no seu artigo 37, 6º, não fala mais em responsabilidade regressiva em face do funcionário responsável, como a Carta anterior, mas sim responsabilidade dos agentes públicos. A interpretação conferida e demonstrada anteriormente é de que - nessa passagem - por agente público a Constituição de 1988 quer referir-se aos agentes administrativos, e não aos agentes políticos, para os quais 1 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 18ª ed. p.72. 2 DALL AGNOL. Antônio. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 2: do processo de conhecimento, arts. 102 a 242. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. p. 150. 3

estabeleceu regime próprio de responsabilidades, que inclui até mesmo a responsabilidade política (impeachment). Vale lembrar que agentes políticos [...] são aqueles que exercem funções próprias e originárias do Estado, ou seja, todos aqueles agentes que, como órgãos dos Poderes de Estado, tomam as decisões do Estado, nas esferas mais altas de competência. São, assim, aqueles agentes investidos em mandatos ou cargos públicos, dotados de plena independência no exercício funcional, que tomam, dentro de sua competência, as decisões últimas do estado, fazendo-o com total liberdade funcional, apenas limitados pela lei. Par que possam desincumbir-se livremente de seus misteres, têm prerrogativas e responsabilidades próprias, estabelecidas diretamente na Constituição e nas leis, como é o caso dos chefes do Poder Executivo, dos integrantes do Poder Legislativo e do Judiciário ou dos membros do Ministério Público e dos Tribunais de Contas. Em suas atividades, os agentes podem causar danos a terceiros, por erro ou por dolo, e esses danos podem ensejar a responsabilidade indenizatória do Estado (como o juiz que, interpretando as provas dos autos, de maneira equivocada, condena um inocente, ainda que o faça de boa-fé; ou como o presidente e parlamentares que editam uma lei que, anos depois é declarada inconstitucional). A ideia da lei, ao admitir responsabilização em caso de dolo ou fraude, quando do exercício de sua função, estabeleceu um mecanismo de proteção, evitando, assim, que o magistrado (ou membro do MP) fique amordaçado, ou psicologicamente tolhido em sua função ante a insegurança representada pelo risco de ir a fundo na busca da verdade real. O agente do poder não pode ficar intimidado com a possibilidade de ser responsabilizado civilmente por sua atuação no processo. A ideia da lei, portanto, é fortalecer a posição do magistrado, não permitindo que qualquer espécie de insegurança possa pairar sobre a relevante função desempenhada por esse agente político. Seu medo ou sua omissão representaria um grave risco ao próprio Estado, na medida em que estar-se-ia enfraquecendo suas estruturas de poder, em desfavor do Estado de direito. 4

Ainda pela ilegitimidade passiva dos magistrados para figurar nas ações de responsabilidade civil do Estado, pode-se relatar os entendimentos de doutrinadores sobre a função daqueles e suas garantias constitucionais. Hélio Tomaghi, citado no acórdão do Supremo Tribunal Federal cujo relator foi o Ministro Ilmar Galvão acentua: [...] a independência de que devem gozar os juízes e as garantias que precisam ter, para julgar sem receio, estariam irremediavelmente postas em xeque se eles houvessem de ressarcir os danos provenientes de seus erros. E mais: ficariam os juízes permanentemente expostos ao descontentamento da parte vencida e o foro se transformaria no repositório de ações civis contra eles. Para corrigir sentença errada bastam recursos; o prejuízo por ela causado é conseqüência natural da falibilidade humana; essa possibilidade de erro é fato da Natureza, não é ato do juiz. 3 (grifo nosso) E mais, Rui Rosado de Aguiar Junior elucida: Em resumo, são constitucionais os arts. 133 do CPC e 49 da LOMAN, interpretados como hipótese de responsabilidade direta do Estado e onde se admite a ação regressiva contra o Juiz; de outra banda, as disposições legais que atribuem responsabilidade direta ao Juiz (principal ou subsidiária), como as contidas no Código Civil, estão revogadas nesse ponto, pois que a responsabilidade direta é sempre do Estado, servindo apenas para indicar, como as anteriores, a ação regressiva. [...] (grifo nosso) 4 E complementa: A peculiaridade de tratamento que se dispensa ao tema, no campo de responsabilidade civil do Estado, deflui das condições próprias de trabalho do Juiz: devendo fazer atuar o ordenamento jurídico, que necessita compreender e expressar através de um juízo de valor, depende ele de um espaço de liberdade interna que lhe garanta a possibilidade de escolher entre as diversas opções oferecidas; sendo terceiro em relação às partes, deve-se-lhe assegurar a independência e a imparcialidade; posto a decidir sobre conflito de interesses, o ato judicial traz consigo a possibilidade de modificar posições jurídicas, acarretando vantagens e perdas às partes. Ora, esses predicamentos existem tanto no momento da sentença que julga a lide e adquire a força da coisa julgada, quanto nos atos de administração do processo e decisão de inúmeras questões de 3 Recurso Extraordinário n.º 219.117-4 PR. Rel. Min. Ilmar Galvão. Primeira Turma. Publicado em 03/08/1999. 4 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A responsabilidade civil do Estado pelo exercício da função jurisdicional no Brasil. AJURIS, 59, Ano XX NOV 1993, p. 33 5

fato e de direito que devem ser superadas durante o curso normal da demanda [...].(grifo nosso) 5 Assim sendo, entendo que a independência dos magistrados não justifica a irresponsabilidade do Estado, mas justifica sim a irresponsabilidade pessoal do Juiz. Ademais, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região já se manifestou nesse sentido com os acórdãos do Desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, onde o mesmo extrai de seu artigo intitulado Responsabilidade do Estado por Atos Judiciais, publicado na Revista Arquivos do Ministério da Justiça, a. 50, nº 189, jan./jun. 1988 a conclusão: A responsabilidade do Estado por atos judiciais funda-se na regra geral sobre responsabilidade da Fazenda Pública por prejuízos causados na organização ou no funcionamento do serviço público. Ora, na medida em que o disposto no 6º do art. 37 da Lei Maior enunciou o princípio da responsabilidade objetiva do Estado por ato de seus agentes, exercendo o Poder Judiciário um serviço público e sendo o magistrado o seu agente, é inarredável a conclusão de que os seus atos caem no âmbito dessa regra geral. Com efeito, essa é a melhor exegese do art. 37, 6º, da Constituição Federal de 1988, a que melhor atende à sua finalidade e ao próprio espírito da Constituição, o que não deve ser desprezado pelo intérprete. Assim, face ao disposto no art. 37, 6º, da Constituição Federal de 1988, incumbe ao Estado responder perante o jurisdicionado lesado pelo ato judicial danoso, o que, por sua vez, resguarda a independência do magistrado. Por outro lado, a responsabilidade pessoal do juiz, que há de ser levada a cabo pelo Estado mediante ação regressiva, estará caracterizada apenas nos casos dos arts. 133 do CPC e 49 da Loman. Não se pretende, evidentemente, a responsabilidade do Estado em termos tão amplos de modo a comprometer a independência funcional dos juízes, sem a qual estes viveriam em permanente sobressalto ante o receio de serem responsabilizados civilmente, em ação direta ou por via regressiva, a chamado da Fazenda Pública. 6 encontra-se: Ainda no corpo do acórdão do Desembargador Thompson Flores 5 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A responsabilidade civil do Estado pelo exercício da função jurisdicional no Brasil. AJURIS, 59, Ano XX NOV 1993, p. 35 6 TRF4. Apelação Cível nº 2000.71.00.007252-0/RS. Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz. Publicado no D.J.U de 30/09/2003. 6

[...] nos demais casos, via de regra, a simples decisão em desconformidade com o melhor direito, ou a decisão reformada em grau de recurso, não dá margem a indenização. Por estes motivos, a jurisprudência vem entendendo que a responsabilidade civil do Estado por ato jurisdicional não segue a regra geral do art. 37, 6º da CF. Em alguns casos, admite-se a condenação do Estado quando comprovada a culpa manifesta do Juiz; em outros, por sua vez, a responsabilidade só é admitida no caso de dolo ou fraude. Outros julgados, por sua vez, atestam que a responsabilização só é possível nos casos expressos em lei (v.g, art. 630 do CPP). E conclui: Realmente, embora a matéria seja controvertida, entendo que a responsabilidade civil do Estado, prevista no art. 37, 6º, da CF/88, compreende, também, os atos judiciais. Ainda sobre a independência dos magistrados pode-se anotar: A independência funcional, inerente à Magistratura, torna-seia letra morta se o juiz, pelo fato de ter proferido decisão neste ou naquele sentido, pudesse ser acionado para compor perdas e danos em favor da parte que sucumbiu, pelo fato de ter sido a decisão reformada pela instância superior; nenhum juiz ousaria divergir da interpretação dada anteriormente pela instância superior; seria a morte do Direito, uma vez que cessaria o pendor para a pesquisa, estiolar-se-ia a formulação de novos princípios. 7 E também: Razões mais fortes, porém, aconselham a irresponsabilidade. Primeiramente, uma política social: os juízes pagam tributo inexorável à falibilidade humana. Erram porque são homens. Se obrigados a ressarcir, de seu bolso, os danos causados, ficariam tolhidos, pelo receio do prejuízo próprio, na sua liberdade de apreciação dos fatos e de aplicação do Direito. Nem se coadunaria com a dignidade do magistrado coagi-lo a descer à arena, após a sentença, para discutir, como parte, o acerto de suas decisões. 8 Vale destacar, que segundo entendimento da Desembargadora Vivian Josete Pantaleão Caminha, a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais sequer é objetiva, já que dependente da demonstração de dolo, fraude ou culpa grave. Nesse sentido, ementou: 7 Yussef Said Cahali, p. 625 citado por CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros. 8 Mario Guimarães. O juiz e a função jurisdicional citado por CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros. 7

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR ERRO JUDICIÁRIO. NÃO COMPROVAÇÃO DE DOLO, FRAUDE OU CULPA GRAVE. DANO MORAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Pátrios é no sentido de a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais é subjetiva, e restringe-se às hipóteses em que se demonstre a ocorrência de dolo, fraude ou culpa grave, o que não é o caso dos autos. Já a indenização por atos do Poder Judiciário exige a demonstração do "erro", na forma do artigo 5º, LXXV, da Constituição Federal. Somente em situações excepcionais o ato jurisdicional dá ensejo à indenização por danos morais e/ou materiais. Hipótese em que não configurado erro na atuação jurisdicional, sendo indevida a pretendida indenização. (TRF4, AC 5000715-41.2011.404.7204, Quarta Turma, Relatora p/ Acórdão Vivian Josete Pantaleão Caminha, juntado aos autos em 18/11/2013) Mas ela não é a única a defender o posicionamento, encontrandose outros precedentes a saber: RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO JUDICIÁRIO. NÃO CONFIGURAÇÃO DE HIPÓTESE. PROCESSO CRIMINAL. MAGISTRADO. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. DEVIDO PROCESSO LEGAL. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. 1.- A responsabilidade do Estado por ato judicial prevista no art. 5º, LXXV, da CRFB, é subjetiva e decorrente da atuação estatal enquanto titular do direito de ação penal, isto é, nas situações em que há erro judiciário, o que não se verifica no presente processo. 2.- Os atos judiciais praticados na ação penal foram devidamente fundamentados de acordo com a posição do magistrado, em atuação lastreada no princípio do "livre convencimento motivado". 3.- O processo criminal seguiu o seu rito, consoante o devido processo legal, agindo as partes, os interessados e o juiz no exercício regular de um direito, situação que afasta a ilicitude dos atos na forma do artigo 188, inciso I, do Código Civil. (TRF4, AC 2008.70.10.000330-9, Terceira Turma, Relatora Maria Lúcia Luz Leiria, D.E. 23/06/2010) Diante do relatado, me filio a corrente que excluí do polo passivo a pessoa física do magistrado por reconhecimento de sua ilegitimidade passiva, entendendo que num primeiro momento só poderia estar presente o Estado já que é dele a responsabilidade direta e não do Juiz. A respeito da responsabilização da Administração Pública por atos praticados pelos agentes do Poder Judiciário cometidos com excesso, fraude, abuso de poder, excluem, no meu sentir, a aplicação da responsabilidade civil objetiva, já que para averiguação de qualquer das hipóteses elencadas estar-se-ia adentrando na investigação de culpa, 8

incompatível com a fórmula estabelecida para o instituto, exatamente como defendido pelo precedente colacionado de lavra do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. BIBLIOGRAFIA AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A responsabilidade civil do Estado pelo exercício da função jurisdicional no Brasil. AJURIS, 59, Ano XX NOV 1993 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros. DALL AGNOL. Antônio. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 2: do processo de conhecimento, arts. 102 a 242. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. p. 150. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 18ª ed. p.72. 9