ASPECTOS GERAIS E FONOLÓGICOS DA LIBRAS

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Transcrição:

ASPECTOS GERAIS E FONOLÓGICOS DA LIBRAS Professora Dr.ª Clélia Maria Ignatius Nogueira Professora Me. Marília Ignatius Nogueira Carneiro Professora Esp. Beatriz Ignatius Nogueira Soares Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: Paralelos entre Libras e a Língua Portuguesa Aspectos fonológicos da Libras Léxico de categorias semânticas I Tempo e Elementos da Natureza Objetivos de Aprendizagem Compreender a Libras em seus aspectos gerais. Compreender a Libras em seus aspectos fonológicos. Instrumentalizar os licenciandos para o estabelecimento de uma comunicação funcional com pessoas surdas.

unidade III

INTRODUÇÃO A Libras é uma língua com gramática própria e com condições de proporcionar não apenas a comunicação efetiva entre os surdos, como, também, a expressão de sentimentos; a composição de poesias; a discussão filosófica, enfim, um idioma completo. Porém, principalmente devido às suas características icônicas, é comum o pensamento de que as línguas de sinais são iguais em todo o mundo. Também é comum aos ouvintes pressupor que as línguas de sinais sejam versões sinalizadas das línguas orais. No entanto, embora haja semelhanças ou aspectos comuns entre as diferentes línguas de sinais, e entre as línguas de sinais e as orais, os chamados universais linguísticos, as línguas de sinais são autônomas, possuindo peculiaridades que as distinguem umas das outras e das línguas orais. Nesta unidade, vamos estabelecer paralelos entre Libras e Língua Portuguesa e iniciar os estudos da Libras em seus aspectos linguísticos. Assim, após você ter sido apresentado ao mundo surdo na Unidade I e conhecer a realidade educacional do surdo brasileiro na Unidade II, nesta terceira unidade você vai iniciar sua caminhada no aprendizado desta fascinante língua. Como os sinais exigem movimento para serem executados, é importante que você observe atentamente as fotos, pois quando temos duas ou mais fotos que não estão separadas por um espaço em branco, significa que a primeira foto é como o sinal começa e a segunda indica com que configuração de mão ele termina. As setas indicam a direção do movimento. Procure estudar esta unidade acompanhada do seu vídeo, pois cada um dos sinais é apresentado, na mesma ordem em que aparecem no texto. Repita, atentamente, cada sinal e procure comunicar-se em Libras, com seus colegas, familiares etc. Lembre-se, aqui, como na aprendizagem de qualquer outra língua, é fundamental praticar muito. Bons estudos!

LIBRAS Paralelos Entre Libras e Lingua Portuguesa Não ouvir faz o surdo criar uma maneira própria de se comunicar, mas não o impede de adquirir uma língua e nem de desenvolver sua capacidade de representação. Isso provavelmente envolve mecanismos mentais, diferentes dos da pessoa ouvinte. Todavia, a comunicação com as mãos não teve início com os surdos e nem é exclusividade deles. De fato, a língua de sinais não começou com os surdos, pois, de acordo com Vygotsky os ho- mens pré-históricos se comunicavam por meio de gestos e apenas quando começaram a utilizar ferramentas, ocupando as mãos é que começaram a utilizar a comunicação oral. Assim, antes de utilizarem a palavra, os seres humanos usavam as mãos para interagir, demonstrando a naturalidade da comunicação por sinais. Podemos então dizer que o processo inverso, isto é, a passagem da língua oral para a manual foi reinventado pelo homem, sempre que necessário e não apenas no caso dos surdos. 80

EDUCAÇÃO FÍSICA Você sabia que existem varias linguagens manuais criadas em diversos momentos da história da humanidade, para uso em contextos variados, tendo em vista possibilitar a comunicação e a interação em situações em que a fala era inviável, proibida ou impossível? Mergulhadores, por exemplo, criaram um sistema de códigos gestuais para se comunicar debaixo d água, onde a fala não é possível. Considerando os riscos de uma comunicação equivocada em circunstâncias perigosas, fica evidente o quanto essa comunicação deve ser bem assimilada durante os cursos de mergulho para garantir a segurança no meio líquido (REILY, 2004, p. 113). No Brasil, Lucinda Ferreira Brito iniciou, em 1982, os estudos linguísticos sobre a Língua de Sinais dos índios Urubu-Kaapor da floresta amazônica brasileira e, após um mês de convivência, documentando em filme sua experiência, constatou que se tratava de uma legítima língua de sinais. O interessante de se observar, no caso dos Urubu-Kaapor, é que os ouvintes da aldeia falam a língua de sinais e a língua oral enquanto que os surdos se restringem à língua de sinais. Assim, os ouvintes da aldeia se tornam bilíngues, enquanto os surdos se mantêm monolíngues. De acordo com Reily (2004), os indígenas do planalto americano também desenvolveram uma língua de sinais para estabelecer uma comunicação entre tribos distintas, que não falavam a mesma língua, e precisavam de uma forma convencional de comunicação. Assim, desenvolveram, ao longo do tempo, um conjunto de sinais bastante eficiente, com o qual conseguiam realizar alianças e comércios. Um sistema de sinais também foi desenvolvido no período medieval por monges nos mosteiros europeus, que faziam o voto do silêncio, sendo que, mesmo atualmente, algumas comunidades de monges utilizam gestos em suas atividades cotidianas no mosteiro. Veja como se concebia a função do silencio no período monástico, segundo regras, registradas por São Basílio Magno, de que a palavra só poderia ser utilizada em caso de necessidade e estando as mãos ocupadas com algum trabalho, o que permite inferir que a comunicação gestual por eles utilizada era bastante eficiente. É bom para os noviços também a prática do silêncio. Se dominam a língua, darão simultaneamente boa prova de temperança. Com o silêncio aprenderão junto dos que sabem usar da palavra, com concisão e firmeza, como convém perguntar e responder a cada um. Há um tom de voz, uma palavra comedida, um tempo oportuno, uma propriedade no falar, peculiares e adequados aos que praticam a piedade. Não os aprende quem não tiver abandonado aquilo a que estiver acostumado. O silêncio traz consigo o esquecimento da vida anterior, em consequência da interrupção, e proporciona lazer para o aprendizado do bem. Assim, a não ser por questão especial atinente ao bem da própria alma, ou por inevitável necessidade de um trabalho em mãos, ou por negócio urgente, guarde-se o silêncio, excetuada, é claro, a salmodia. (Basílio Magno, apud REILY, 2004, p. 114). Assim, conforme já mencionamos anteriormente, a língua de sinais é um idioma completo. Porém, talvez, principalmente devido às suas características icônicas (uma representação da realidade, por ícones) e, pela forte influência da língua oral - tanto na estrutura gramatical, quanto lexical - são muitas as interpretações equivocadas sobre as línguas de sinais em geral e sobre a Libras em particular. 81

LIBRAS LIBRAS É LÍNGUA. Foi este o título escolhido para a palestra apresentada por uma linguista em um evento cujo público alvo era o estudante do curso de letras. Uma professora que trabalha na área da surdez, mencionando o título, fez o seguinte comentário: De novo? Achei que essa questão já estivesse resolvida! (GESSER, 2009, p. 9). REFLITA LIBRAS É LÍNGUA. Reafirmamos isso muitas vezes nessa unidade. Para muitas pessoas que trabalham na área, esta questão já deveria estar resolvida. Para você, existe consenso acerca desta afirmação? (adaptado de Gesser). Embora mais de cinquenta anos tenham passado desde que a língua de sinais é mundialmente reconhecida, do ponto de vista linguístico, como uma verdadeira língua, no Brasil, mesmo após a promulgação da Lei Federal 10.436, de 24 de abril de 2002, ainda é necessário afirmar e reafirmar esta legitimidade. Mas, por que insistir tanto nesta questão, de que a Libras é uma língua? Afinal, o que isso significa? Língua e linguagem é a mesma coisa? O surdo fala em Libras? Por linguagem, designamos o sistema abstrato, articulado, fenômeno universal, independente da situação cultural, que diferencia o ser humano das demais espécies. Chamamos de língua, o sistema abstrato, articulado utilizado por um grupo ou uma comunidade específica, por exemplo, a Língua Portuguesa. O modo particular e individualizado de exercitar a língua é o que denominamos de fala. A fala é o exercício material da língua levado a cabo por este ou aquele indivíduo pertencente a uma comunidade linguística específica (BASTOS; CANDIOTTO, 2007, p. 15). De acordo com Bastos e Candiotto (2007, p. 15), a linguagem é a capacidade do ser humano de comunicar-se com os semelhantes por meio de signos. É ao mesmo tempo física, psicológica e social e é realizada sempre dentro do âmbito de uma língua, inseparável de um contexto cultural específico, particular, de uma comunidade linguística. Considerando, então, só o que estabelecemos anteriormente, é possível admitir que a Libras é uma língua, porque permite que uma comunidade linguística particular, a comunidade surda, exerça sua capacidade de comunicação, e ainda mais, se a fala é o modo de um elemento de uma comunidade linguística exercitar sua língua, o surdo fala em Libras. Mas, não foram considerações simplistas como as que fizemos aqui que permitiram afirmar, em bases científicas, que a Libras é uma língua, sendo que este reconhecimento linguístico tem início com os estudos descritivos do linguista americano William Stokoe em 1960. Antes disso, as línguas de sinais não eram vistas como uma língua verdadeira, com gramática própria. 82

EDUCAÇÃO FÍSICA No Brasil, conforme afirmamos anteriormente, os primeiros estudos sobre a Libras foram realizados na década de 1980, por Lucinda Ferreira-Brito da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Tanya Mara Felipe, da Universidade Federal de Pernambuco e da FENEIS Federação Nacional de Escolas e Instituições de Surdos, entidade representativa máxima dos surdos brasileiros. Para poderem chegar à conclusão de que as línguas de sinais constituem um idioma, foram feitos muitos estudos. Também para poder estabelecer uma comparação entre a Libras e a Língua Portuguesa, os linguistas realizaram diversos estudos. Quadros e Karnopp (2004, p. 15) definem linguística como [...] o estudo científico das línguas naturais e humanas. As línguas naturais podem ser entendidas como arbitrária e/ou como algo que nasce com o homem. A parte da linguística que faz a comparação entre duas ou mais línguas chama-se linguística contrastiva. A linguística contrastiva é uma parte da linguística geral, que estuda as similaridades (coisas parecidas) e diferenças estruturais entre a língua materna (de um grupo de alunos) e uma língua estrangeira. Essa comparação é feita nos níveis de articulação da linguagem a saber: fonológico, semântico, morfológico e sintático. Fonológico: estuda os fonemas, que são a menor unidade distintiva da palavra por exemplo, na palavra fala a letra f representa o fonema fê -, se refere aos sons numa língua oral. Semântico: estuda o significado ou sentido das palavras e da sentença. A Semântica, além de estudar as ironias e metáforas, [...] é a parte da linguística que estuda a natureza do significado individual das palavras e do agrupamento das palavras nas sentenças, que pode apresentar variações regionais e sociais nos diferentes dialetos de uma língua (QUA- DROS; KARNOPP, 2004, p. 163). Morfológico: estudo da estrutura interna das palavras, isto é, como os elementos se combinam entre si para formar as palavras. Sua unidade mínima é o morfema que é a unidade mínima significativa. Por exemplo: estud/ei; estud/amos e estud/ante. A identidade de significado das três formas é devido ao morfema estud, que é igual nas três palavras. A Morfologia (área da Linguística) estuda, ainda, as [...] diversas formas que apresentam tais palavras quanto à categoria de número, gênero, tempo e pessoa e a [...] origem das palavras, apresentando-se a seguinte questão: Como as palavras são criadas? (QUADROS, KARNOPP, 2004, p. 16-20). Sintático: estuda como as palavras são organizadas numa frase. De acordo com Quadros e Karnopp (2004, p. 20), Sintaxe é [...] a parte da linguística que estuda a estrutura interna das sentenças e a relação interna entre as suas partes. Para as mesmas autoras, [...] o conhecimento linguístico dos seres humanos caracteriza-se pela existência de uma gramática que apresenta um conjunto finito de princípios (regras) que possibilitam a compreensão e produção de um número infinito de combinações em uma determinada língua (QUADROS, KARNOPP, 2004, p. 21). Ao se estabelecer comparações entre a Língua Portuguesa e a Libras, percebem-se uma série de diferenças, das quais destacamos: 83

LIBRAS A língua de sinais é visual-espacial e a Língua Portuguesa é oral-auditiva. A língua de sinais é baseada nas experiências visuais das comunidades surdas mediante as interações culturais surdas, enquanto a Língua Portuguesa constitui-se baseada nos sons. A língua de sinais apresenta uma sintaxe espacial incluindo os chamados classificadores. A Língua Portuguesa usa uma sintaxe linear utilizando a descrição para captar o uso de classificadores. A língua de sinais não tem marcação de gênero, isto é, não tem sinais diferentes para feminino e masculino, enquanto que na Língua Portuguesa o gênero é marcado a ponto de ser redundante, por exemplo, na frase A MU- LHER é professora, o feminino é utilizado diversas vezes, o que não era necessário para se entender. A língua de sinais atribui um valor gramatical às expressões faciais. As expressões faciais não são essenciais na Língua Portuguesa, apesar de poderem ser substituídas pela prosódia, que significa a pronúncia correta das palavras com acentuação ou intensidade. Coisas que são ditas na língua de sinais não são ditas usando o mesmo tipo de construção gramatical na Língua Portuguesa. Assim, às vezes uma grande frase em Língua Portuguesa é necessária para dizer poucas palavras em Libras e vice-versa. A língua de sinais utiliza a estrutura tópico-comentário, associada ao mecanismo gramatical da topicalização. De acordo com Quadros e Karnopp (2004, p. 146), tal [...] mecanismo está associado à marcação não- -manual com a elevação das sobrancelhas, isto é, para destacar o tópico (de que ou quem se fala), do argumento (o que se está falando), se utiliza a expressão facial de elevação das sobrancelhas. A estrutura tópico-comentário evidencia a função gramatical das componentes não manuais, no caso, da expressão facial. Por exemplo, na frase DE FUTEBOL JOÃO GOSTA, que em Libras fica FUTEBOL JOÃO GOSTAR, o sinal para João vem acompanhado da elevação das sobrancelhas. A língua de sinais utiliza a estrutura de foco que de acordo com Quadros e Karnopp (2004, p. 170) [...] envolve construções duplas em que o elemento duplicado ocupa a posição final, isto é, significa destacar a parte mais importante da conversa, por meio de repetições sistemáticas. Este processo não é comum na Língua Portuguesa. ex: eu ter dois cachorros dois. A ênfase está na quantidade de cachorros, portanto, ela se repete. A língua de sinais utiliza as referências anafóricas, isto é, sobre quem se está falando, mostrando ou indicando pontos específicos no espaço, o que exclui ambiguidades que são possíveis na Língua Portuguesa. A língua de sinais usa apontamentos para indicar um referente e isso não cria ambiguidades como na Língua Portuguesa. A escrita da língua de sinais, denominada Signwriting, não é alfabética. Ao se observar as produções em línguas orais e de sinais, no nosso caso particular, entre a Língua Portuguesa e a Libras, percebem-se uma série de semelhanças, das quais destacamos: Arbitrariedade: as línguas orais são maioritariamente arbitrárias, não se depreende a palavra simplesmente pela sua representatividade, mas é necessário conhecer o seu significado. A iconicidade encontra-se presente nas línguas de sinais, mais do que 84

EDUCAÇÃO FÍSICA nas orais, mas a sua arbitrariedade continua a ser dominante. Embora, nas línguas de sinais, alguns sinais sejam totalmente icônicos, é impossível, como nas línguas orais, depreender o significado da grande maioria dos sinais, apenas pela sua representação. Comunidade: as línguas orais têm uma comunidade que as adquirem, como língua materna, cujo desenvolvimento se faz através de uma comunidade de origem, passando pela família, a escola e as associações. Todas as línguas orais têm variações linguísticas. Todas as línguas de sinais possuem estas mesmas características. Sistema linguístico: as línguas orais são sistemas regidos por regras. O mesmo acontece com as línguas de sinais. Produtividade: as línguas orais possuem as características da produtividade e da recursividade, sendo possível aos seus falantes nativos produzirem e compreenderem um número infinito de enunciados, mesmo que estes nunca tenham sido produzidos antes. Acontece o mesmo com as línguas de sinais, sendo encontradas a criatividade e produtividade nas produções, por exemplo, da Libras, pelos seus sinalizadores nativos, parecendo não haver limite criativo. Aspectos contrastivos: as línguas orais possuem aspectos contrastivos, isto é, as unidades fonológicas do sistema de determinada língua estabelecem-se por oposições contrastivas, ou seja, em pares de palavras, em que a substituição de uma unidade fonológica (uma letra) por outra altera o significado da palavra (por exemplo: jarra e barra). Acontece o mesmo nas línguas de sinais, sendo que em vez de unidade fonológica, muda um pequeno aspecto do sinal. Evolução e renovação: as línguas orais modificam-se, como no caso das palavras que caem em desuso, outras que são adquiridas, a fim de aumentar o vocabulário e ainda no caso da mudança de significado das palavras. O mesmo acontece nas línguas de sinais, a fim de responder às necessidades que a evolução socio-cultural impõe. Aquisição: a aquisição de qualquer língua oral é natural, desde que haja um ambiente propício desde nascença. Na língua de sinais acontece da mesma forma, não tendo o surdo que exercer esforço para aprender uma língua de sinais, ou necessidade de qualquer preparação especial. Funções da linguagem: as línguas orais podem ser analisadas de acordo com as suas funções. O mesmo acontece com as línguas de sinais. As funções são: a função referencial, a emotiva, a conotativa, a fática, a metalinguística, e a poética. Processamento: embora usando modalidades de produção e percepção, as línguas orais e de sinais são processadas na mesma área cerebral. Dupla articulação: tanto as línguas orais possuem um número finito de unidades (fonemas para as primeiras e quiremas para as segundas) que não possuem significado quando consideradas isoladamente. Por exemplo, os sons f, v, c, e a, não possuem significado por si só, mas quando combinados, por exemplo, como vaca, cava e faca, adquirem sentidos diferentes. No que se refere às especificidades das línguas de sinais em geral e da Libras em particular, destacamos: Em função de suas características, os sinais podem parecer movimentos aleatórios de 85

LIBRAS mãos e corpo, acompanhados por expressões faciais variadas, ou seja, seriam apenas gestos. De acordo com Pereira et al. (2001, p. 18), esta descrição para sinais seria equivalente a descrever uma língua oral como ruídos feitos com a boca. Além disso, os gestos são traços das línguas orais, isto é, acompanham as línguas orais e favorecem a comunicação. Portanto, os sinais não são gestos. A língua de sinais é tão natural e tão complexa quanto as línguas orais, dispondo de recursos expressivos suficientes para permitir aos seus usuários expressar-se sobre qualquer assunto, em qualquer situação, domínio do conhecimento e esfera de atividade. As línguas de sinais são línguas de modalidade viso-motora ou espaço-visual ou, ainda, visuoespacial, pois a informação linguística é produzida pelas mãos e recebida pelos olhos. A comunicação manual é algo inerente ao ser humano e já existia entre os hominídeos pré-históricos, sendo, portanto, natural. Dizemos que uma língua é artificial, quando é construída por um grupo de indivíduos com um objetivo específico, como o caso do Esperanto, língua criada pelo russo Ludwik Zamenhof em 1887, com o objetivo de estabelecer uma comunicação internacional fácil. De maneira semelhante, foi criado o Gestuno, com a intenção de ser uma língua de sinais universal e que foi apresentado, pela primeira vez em 1951, no Congresso Mundial da Federação Mundial dos Surdos, mas que não conseguiu aceitação plena entre os surdos, por ser inventada. Portanto, a língua de sinais não é artificial! A língua de sinais não é icônica, apesar de grande parte dos sinais serem icônicos, isto é, são parecidos com o que estão representando (o que poderia significar que a língua de sinais não seria arbitrária e resultante de convenção, como as línguas orais, em que não existe uma relação de semelhança entre a palavra e o conceito que representa), não podemos afirmar que a língua de sinais seja icônica, pois apesar da relação direta, quase transparente entre um sinal e o conceito que este representa, as modificações por eles sofridas ao longo do tempo e na combinação com outros sinais resultam em perda de iconicidade, se tornando, portanto, arbitrários. A Libras é uma língua, com gramática própria e com condições de proporcionar, não apenas a comunicação efetiva entre os surdos, como, também, a expressão de sentimentos; a composição de poesias; a discussão filosófica, enfim, um idoma completo, não se tratando, absolutamente, de um conjunto de gestos, mímica ou de Português sinalizado (reproduzir, utilizando sinais, a Língua Portuguesa, conservando suas regras gramaticais). As línguas de sinais não são iguais em todo o mundo, isto é, existe diferença entre as línguas de sinais utilizadas em países diferentes. No caso do Brasil, a língua brasileira de sinais é denominada Libras e é, portanto, brasileira, não podendo ser considerada como uma língua estrangeira. Dito de outra forma, língua de sinais é universal, mas, existe uma diferença importante entre as línguas de sinais e as orais. Quando surdos de diferentes nacionalidades se encontram, mesmo um não conhecendo a língua de sinais do outro, acabam se comunicando com mais facilidade que os ouvintes. As línguas de sinais, por comprovação científica, cumprem todas as funções de uma língua natural, mesmo assim ainda sofrem preconceito e são desvalorizadas 86

EDUCAÇÃO FÍSICA diante das línguas orais, sendo consideradas como uma derivação da gestualidade espontânea, como uma mescla de pantomima e sinais icônicos. A língua de sinais não é subordinada à língua oral majoritária do país. As línguas de sinais são completamente independentes das línguas orais dos países onde são produzidas. Como exemplo, as línguas de sinais do Brasil e dos Estados Unidos possuem uma raiz comum a língua de sinais francesa, embora o Português e o Inglês não possuam as mesmas raízes, sendo o primeiro um idioma de origem latina e o segundo, anglo-saxão. A Libras é uma língua adaptada à capacidade de expressão dos surdos brasileiros, devendo, portanto ser conhecida, pelo menos em seus aspectos fundamentais pelos professores. A Libras é falada de boca fechada! As pessoas ouvintes, que não são fluentes em Libras, costumam misturar as duas línguas na comunicação com surdos e acabam por utilizar os sinais da língua de sinais, mas com a estrutura da Língua Portuguesa. Normalmente, o surdo não compreende essa mistura de línguas, pois a construção de sentido depende da estrutura e, portanto, da fidelidade à gramática da língua de sinais. Sempre que se comparam duas línguas, aparece uma série de regularidades e, a partir dessas regularidades foram estabelecidos alguns descritores para a busca de similaridades e diferenças entre as línguas. São eles: a. Que existem alguns aspectos que estão presentes na base de todas as línguas naturais, consideradas similaridades comportamentais que não precisam ser explicitados. b. Que se duas línguas têm muitas similaridades tipológicas, estas poderão servir de base para as primeiras ideias sobre o significado das formas em língua estrangeira; como, por exemplo, o Português e o Espanhol. Se você conhece bem o Português, possui um vasto vocabulário, certamente você terá facilidades para compreender o Espanhol. c. Quanto às diferenças, se elas acontecem sempre nas mesmas coisas por exemplo, Inglês quase não tem masculino e feminino e Português quase sempre tem. Saber no que as línguas são diferentes ajuda a entender melhor a língua estrangeira. Fonte: as autoras SAIBA MAIS 87

LIBRAS Aspectos Fonológicos da Libras No texto anterior estabelecemos semelhanças e diferenças entre línguas de sinais e línguas orais. Neste capítulo, destacamos mais uma e talvez a semelhança mais importante entre elas: [...] ambas seguem os mesmos princípios pelo fato de possuírem um léxico, isto é, um conjunto de símbolos convencionais e uma gramática, ou seja, um sistema de regras que rege o uso desses símbolos (PEREIRA et al. 2011, p. 59). Foi o linguista americano Stokoe, conforme vimos no texto anterior, o primeiro estudioso a constatar, na década de 1960, que a língua de sinais, no caso, a Língua de Sinais Americana LSA ou ASL American Sign Language preenchia todos os requisitos linguísticos de uma língua, isto é, possuía um léxico (vocabulário), uma sintaxe (regras gramaticais) e uma capacidade de gerar uma quantidade infinita de sinais e sentenças. De acordo com Quadros e Karnopp (2004, p. 47), a [...] primeira tarefa da fonologia para as línguas de sinais é determinar quais são as unidades mínimas que formam os sinais e a segunda tarefa, ainda segundo as mesmas autoras [...] é estabelecer quais são os padrões possíveis de combinação entre essas unidades e as variações possíveis. Um sinal não é holístico, isto é, não se constitui em um todo indivisível, ao contrário, ele é constituído pela combinação dos movimentos das mãos, com um determinado formato e orientação das palmas, em um determinado lugar, que pode ser um ponto específico do corpo ou um espaço à frente do sujeito que sinaliza. Dito de outra forma, os sinais são constituídos por unidades mínimas, também chamadas de parâmetros, que se combinam mediante alguns padrões. 88

EDUCAÇÃO FÍSICA Em suas pesquisas Stokoe estabeleceu que cada sinal é composto por três parâmetros básicos: a configuração das mãos (CM); o movimento das mãos (M) e o ponto de articulação (PA) ou Locação (L), que é o lugar do espaço onde as mãos se movem. Parâmetro é um componente de um sinal, uma unidade mínima que, se for alterado, altera o significado da palavra ou sinal. Os parâmetros, nas línguas de sinais, correspondem aos fonemas nas línguas orais, e, em analogia, Stokoe propôs inicialmente o termo quirema para tais parâmetros. A partir da década de 1970 foram aprofundados os estudos fonológicos sobre a ASL dos quais resultou a descrição de um quarto parâmetro: a orientação (O) e, posteriormente, mais um parâmetro foi acrescentado: os componentes não manuais ou expressões não manuais (ENM). Esse contraste de dois itens lexicais com base em um único componente recebe, em linguística, o nome de par mínimo. Nas línguas orais, por exemplo, pata e rata se diferenciam significativamente pela alteração de um único fonema: a substituição do /p/ por /r/. No nível lexical, temos em LIBRAS pares mínimos como os sinais grátis e amarelo (que se opõem quanto à CM), churrascaria e provocar (diferenciados pelo M), ter e Alemanha (quanto à L) (GESSER, 2009, p. 15). Os elementos mínimos constituintes da língua de sinais (parâmetros)são processados simultaneamente e não linearmente como ocorre na língua oral. Os articuladores primários das línguas de sinais são as mãos, que se movimentam no espaço em frente ao corpo e articulam sinais em determinadas locações nesse espaço. Entretanto, os movimentos do corpo e da face também desempenham funções. Um sinal pode ser articulado com uma ou duas mãos. No caso de uma mão, a articulação ocorre pela mão dominante. Um mesmo sinal pode ser produzido pela mão esquerda ou direita. Assim, conforme vimos anteriormente, unidades mínimas (parâmetros) podem ser produzidas simultaneamente e a variação de uma delas pode alterar o significado do sinal. Elas não têm significado isoladamente. Um sinal pode ser constituído por mais de uma unidade mínima, por exemplo, o sinal de televisão envolve, simultaneamente, configuração de mão, ponto de articulação, movimento e a orientação de mão. Quadros e Karnopp (2004) apresentam alguns dos aspectos fonológicos da Língua Brasileira de Sinais e são: As línguas de sinais são visuoespaciais (ou espaço-visuais), pois a informação linguística é recebida pelos olhos e produzida pelas mãos. TELEVISÃO 89

LIBRAS A Libras tem sua estrutura gramatical organizada a partir de cinco parâmetros que estruturam sua formação nos diferentes níveis linguísticos: a Configuração da(s) mão(s)-(cm), o Movimento - (M), o Ponto de Articulação ou Locação - (PA) ou (L) e a Orientação das mãos (O) e as Componentes não manuais ou Expressões não manuais (CNM) ou (ENM) que são as expressões faciais e corporais. Configuração de mão (CM): a configuração de mão é o ponto de partida da articulação do sinal. São as formas que as mãos assumem na produção dos sinais que podem ser as do alfabeto digital ou outras. Uma mesma configuração de mão possibilita a produção de vários sinais, por exemplo, a configuração mão em L está presente nos sinais de televisão, trabalho, papel, educação, entre outros. Ferreira-Brito (1995) propõe 46 configurações de mão. Atualmente, o dicionário digital de Língua Brasileira de Sinais organizado pela Acessibilidade Brasil (disponível em: <www.acessobrasil.org.br>. Acesso em: 20 jun. 2016) apresenta 73 configurações, conforme quadro a seguir: 90

EDUCAÇÃO FÍSICA Apresentamos a seguir, 38 configurações de mão sendo 28 que compõem o Alfabeto Digital, e 10 que se referem aos algarismos: ALFABETO DIGITAL A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T 91

LIBRAS U V X W Acesse e veja o material que preparamos especialmente para você! Y Z ALGARISMOS 1 2 3 4 5 6 7 8 Acesse e veja o material que preparamos especialmente para você! 9 0 Fonte: as autoras. 92

EDUCAÇÃO FÍSICA A Libras não se resume a escrever as palavras utilizando o alfabeto digital. A escrita datilológica, que é como é denominada esse tipo de escrita, só é utilizada para nomes próprios ou para palavras que ainda não possuem um sinal ou que não pode ser facilmente representada por um classificador icônico. Outro aspecto a se destacar é que a escrita datilológica não é a escrita de sinais, isto é, se utiliza a escrita datilológica na fala, em conversas. A datilologia é uma forma de comunicação em Libras fundamentada essencialmente no alfabeto datilológico e é diferente da soletração. A soletração é feita em Libras, letra por letra, da mesma forma que na Língua Portuguesa, por exemplo, soletrando com a mão, o nome Maria (escrita ou fala) M-a-r-i-a (soletração). M A R I A É aconselhável soletrar devagar, formando as palavras com nitidez. Entre as palavras soletradas, é melhor fazer uma pausa curta ou mover a mão direita para o lado esquerdo, como se estivesse empurrando a palavra já soletrada para o lado. A datilologia difere da soletração porque não reproduz todas as letras da palavra, mas, dito de maneira simplificada, soletra um resumo da palavra, para agilizar a comunicação. Por exemplo, PAI, fica em datilologia P-I, sem o A. observe os exemplos a seguir: Soletração: PAI Datilologia: PI Soletração: VAI Datilologia: VI 93

LIBRAS Nesse exemplo, o que distingue a datilologia da palavra VAI (VI) da soletração da palavra VI é o contexto em que ocorre a conversação. Os nomes podem ser transmitidos por datilologia, quando o surdo está alfabetizado, mas a comunidade surda prefere a prática de atribuir um sinal que identifica cada pessoa. Esse sinal adjetiva características físicas da pessoa. Por isso, dois meninos chamados Jonatas, por exemplo, podem ter sinais diferentes um do outro, porque um tem uma covinha no queixo e o outro tem o cabelo encaracolado. Também pode acontecer de dois alunos de nomes diferentes terem o sinal parecido (REILY, 2004, p. 132). O alfabeto digital da Libras não é o mesmo que é utilizado pelos surdos-cegos que precisam pegar na mão do interlocutor para nela produzir o sinal. Uma observação: como a Libras não admite flexão de gênero, na transcrição dos sinais utilizamos o símbolo @, isto é, o símbolo @ está sendo utilizado para representar sinais que, diferentemente do Português, não possuem marca para gênero (masculino/feminino). Assim, o sinal traduzido por fei@ pode tanto ser usado para feio ou feia. Observe as fotos. Para compor um sinal, a expressão facial é importante, por exemplo, para o sinal feio, a expressão do rosto deve indicar isso. Ressaltamos que o alfabeto digital é um recurso utilizado pelos surdos sinalizadores para soletrar manualmente as palavras (soletração e datilologia). Assim, apesar de possuir uma importante função na interação entre sinalizadores, o alfabeto digital não é uma língua e sim apenas um código para a representação manual das letras alfabéticas. Detalhe importante: a soletração só é possível entre interlocutores alfabetizados. É nesse sentido que as crianças surdas, ainda em processo de alfabetização da escrita oral, poderão ter também dificuldade com essa habilidade. Mais uma prova para desconstruir a crença de que a língua de sinais pudesse ser o alfabeto manual/datilologia, afinal, para ser compreendido e realizado o abecedário precisa ser ensinado formalmente (GESSER, 2009, p. 33). FEI@ Ponto de Articulação (PA) ou Localização (L): O ponto de articulação é a segunda principal unidade mínima. É o lugar do corpo ou do espaço em que é realizado o sinal. Os sinais podem ser produzidos envolvendo quatro pontos de articulação: tronco, cabeça, mão e espaço neutro. Muitos sinais envolvem um movimento, indo de um ponto de articulação para outro. Mesmo assim, considera-se que cada sinal tem apenas um ponto de articulação, mesmo que ocorra um movimento de direção. Se dois sinais possuem a mesma configuração de mão e mesmo movimento, mas pontos de articulação diferentes, eles são diferentes, como por exemplo, os sinais para amar, ouvir, aprender e laranja, diferem entre si apenas pelo ponto de articulação. Ex: LARANJA e APRENDER. 94

EDUCAÇÃO FÍSICA MOVIMENTO (M) De acordo com Nogueira, Carneiro e Nogueira (2010, p. 104), [...] movimento é uma importante unidade mínima. Além de participar ativamente na produção do sinal, ele dá graça, beleza e dinamismo a essa língua. LARANJA Mesmo movimento e Configuração da Mão, mas outro Ponto de Articulação. Observe: Para que haja movimento, é preciso haver objeto e espaço. Nas línguas de sinais, a(s) mão(s) do enunciador representa(m) o objeto, enquanto o espaço em que o movimento se realiza (o espaço de enunciação) é a área em torno do corpo do enunciador [...]. O movimento é definido como um parâmetro complexo que pode envolver uma vasta rede de formas e direções, desde o movimento interno da mão, os movimentos dos pulsos e os movimentos direcionais no espaço (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 54). APRENDER Mesma CM, M com pouca diferença e PA é diferente; CACHORR@ e CULPA. Observe: CACHORR@ CULPA As pessoas ouvintes, ao usarem a língua de sinais, o fazem, normalmente, de maneira mais estática. Isso ocorre porque o movimento, embora seja uma parte integrante da língua, é realizado com mais propriedade pelos surdos, que são visuais, mais fluentes em relação aos ouvintes e conhecem a língua profundamente. Sabe-se que associar à produção do sinal aspectos como o movimento e as expressões não- -manuais não é algo simples, para os ouvintes. Essa habilidade exige muita competência e fluência na língua, além de uma boa coordenação motora, domínio do movimento e orientação no espaço. Ainda segundo Nogueira, Carneiro, Nogueira (2010, p. 105), para os ouvintes, que são usuários de língua oral-auditiva, 95

LIBRAS [...] o domínio dessas habilidades é algo bem complexo. Os surdos, por serem seres visuais, adquirem essas habilidades com muito mais naturalidade e facilidade do que os ouvintes. Cabe destacar, então, que para que haja movimento, é preciso haver espaço. Portanto, o movimento é indissociável do espaço, entretanto, um sinal também pode ser realizado sem movimento, exemplos: As variações do movimento servem para diferenciar itens lexicais, como, por exemplo, nome e verbo, para indicar a direcionalidade do verbo, por exemplo, o verbo olhar (e olhar para) e para indicar variação em relação ao tempo dos verbos, como, por exemplo, olhe para, olhe fixo, observe, olhe por um longo tempo, olhe várias vezes. Os movimentos se diferenciam pela direcionalidade, tipo, maneira e frequência. Vamos abordar aqui, apenas a direcionalidade e o tipo. Quanto à direcionalidade um movimento pode ser: a. Unidirecional: movimento em uma única direção no espaço, durante a realização de um sinal. Ex.: PROIBID@, MANDAR. ( ) AJOELHAR EM PÉ PROIBIR PENSAR MANDAR 96

EDUCAÇÃO FÍSICA b. Bidirecional: movimento realizado por uma ou ambas as mãos, em duas direções diferentes. Ex.: DISCUTIR, JULGAMENTO, TRA- BALHAR, BRINCAR, GRANDE. ( ) c. Multidirecional: movimentos que exploram várias direções no espaço, durante a realização de um sinal. Ex.: INCOMODAR, PES- QUISAR. ( ) DISCUTIR JULGAMENTO INCOMODAR BRINCAR TRABALHAR PESQUISAR Você pode perceber esses movimentos com mais clareza, consultando os vídeos. GRANDE 97

LIBRAS TIPOS DE MOVIMENTOS Ferreira-Brito (1995) identificou seis tipos diferentes de movimento, a saber: de contorno ou forma geométrica; interação; contato, torcedura, dobramento e interno das mãos. Vamos abordar aqui, apenas o tipo que se refere ao contorno ou forma geométrica, que é a forma do movimento no espaço. Nessa categoria de contorno ou forma geométrica os movimentos podem ser: a. movimento retilíneo: b. movimento helicoidal: ALT@ IMPORTANTE c. movimento circular: VER MANDAR DEVER BRINCAR BICICLETA 98

EDUCAÇÃO FÍSICA e. movimento sinuoso: NADAR d. movimento semicircular: NAVIO f. movimento angular: SAÚDE SURD@ DIFÍCIL Observe esses movimentos nos seus vídeos. CORAGEM Orientação das mãos: é a direção para a qual a palma da mão aponta na produção do sinal. É possível identificar seis tipos de orientações da palma da mão na 99

LIBRAS COMPONENTES OU EXPRESSÕES NÃO MANUAIS (CNM OU ENM) Língua Brasileira de Sinais: para cima, para baixo, para o corpo, para frente, para a direita ou para a esquerda. Além desses parâmetros, a Libras conta com uma série de componentes não manuais, como a expressão facial ou o movimento do corpo, que muitas vezes podem definir ou diferenciar significados entre sinais. As expressões não-manuais envolvem movimento da face, dos olhos, da cabeça e do tronco. A expressão facial e a corporal podem traduzir alegria, tristeza, raiva, amor, encantamento etc., dando mais sentido à Libras e, em alguns casos, determinando o significado de um sinal. Essa unidade mínima é também muito importante linguisticamente, pois marca as sentenças interrogativas. Ex.: o dedo indicador com a configuração de mão da letra G do alfabeto digital [G] sobre a boca, com a expressão facial calma e serena, significa silêncio; o mesmo sinal usado com um movimento mais rápido e com a expressão de zanga, significa uma severa ordem: Cale a boca! Também pode ocorrer a mudança de orientação durante a execução de um sinal. Exemplo: MONTA- NHA, BAIXA. SILÊNCIO CALE A BOCA MONTANHA BAIXA Em outros casos, utilizamos a expressão facial e corporal para negar, afirmar, duvidar, questionar etc. Duas expressões podem ocorrer ao mesmo tempo, como, por exemplo, as marcas de interrogação e negação, que podem envolver franzir de sobrancelhas e projeção da cabeça, por exemplo. 100

EDUCAÇÃO FÍSICA As componentes não-manuais possuem duas funções nas línguas de sinais: marcação de construções sintáticas (marcam sentenças interrogativas sim-não, interrogativas QU: que, quem, qual, quando) e diferenciação de itens lexicais. No caso de diferenciação de itens lexicais, o sinal convencional é modificado, sendo realizado na face, disfarçadamente. Exemplos: ROUBO, ATO-SEXUAL. Olhos semifechados com o franzir da testa, ombros levantados e inclinação da cabeça para frente, para coisas estreitas ou finas. Expressão facial normal para tamanhos médios. Observe a seguir, as diferentes emoções de expressões faciais: IRONIA ALEGRIA ATO SEXUAL ESPANTO BRAVO LADRÃO As expressões faciais são muito importantes na realização dos classificadores, pois intensificam seu significado. Por exemplo: Bochechas infladas e olhos bem abertos para coisas grandes ou grossas. RAIVA CUMPLICIDADE 101

LIBRAS INTENSIDADE QUE COISA, HEIM! PENA DINHEIRO RICO TRISTEZA CANSADO MILIONÁRIO MULTIMILIONÁRIO TAMANHO ENFADO, TÉDIO SUSTO As expressões faciais também são utilizadas para indicar advérbios de intensidade e tamanho. Até o momento você estudou as unidades mínimas de um sinal e viu que, apesar de cada uma dessas unidades mínimas (ou parâmetros), a saber, configuração de mãos, ponto de articulação, movimento, orientação das mãos e componentes não manuais não possuírem significado isoladamente, quando se compõem, passam a constituir sentido. Entretanto, essa composição não é livre. Ela deve seguir regras, dentre as quais se encontram aquelas que restringem 102

EDUCAÇÃO FÍSICA ou limitam a formação de sinais, ou seja, a combinação das unidades mínimas. Algumas dessas restrições são impostas pelo sistema perceptual (visual) e outras pelo sistema articulatório (fisiologia das mãos) (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 78). Considerando que os sinais que utilizam apenas uma das mãos podem ser produzidos indistintamente pela mão direita ou esquerda, as condições de restrição se referem aos sinais produzidos por ambas as mãos. Para sinais produzidos com as duas mãos, temos duas possibilidades: (a) as duas mãos são ativas e (b) uma mão é ativa (mão dominante) e a outra serve como locação. Assim, as condições de restrição se referem a essas possibilidades de produção de sinais com as duas mãos e são, de acordo com Quadros e Karnopp (2004, p. 79): a. Condição de simetria: caso as duas mãos se movam na produção de um sinal, então determinadas restrições aparecem, a saber: a CM deve ser a mesma para as duas mãos, a locação de ser a mesma ou simétrica, e o movimento deve ser simultâneo ou alternado. b. Condição de dominância: se as mãos apresentam distintas CM, então a mão ativa produz o movimento, e a mão passiva serve de apoio, apresentando um conjunto restrito de CM (não marcadas). As restrições na formação de sinais, derivadas do sistema de percepção visual e da capacidade de produção manual restringem a complexidade dos sinais para que eles sejam mais facilmente produzidos e percebidos. O resultado disso é uma maior previsibilidade na formação de sinais e um sistema com complexidade controlada. Destacamos que a condição de simetria se refere tanto à percepção visual, pois as duas mãos sendo ativas seria muito difícil a percepção dos movimentos, se eles não fossem simétricos, quanto ao sistema articulatório visto ser extremamente difícil a produção simultânea de sinais distintos para cada uma das mãos. Com o estudo das restrições na formação de sinais, encerramos esta parte relacionada à fonologia das línguas de sinais em geral e da Libras em particular. Em nossa próxima unidade, abordaremos os aspectos morfológicos da Libras. 103

LIBRAS Léxico de Categorias Semânticas I Tempo e Elementos da Natureza A partir desta terceira Unidade, iniciamos a construção do seu vocabulário (léxico) em Libras. Para isso, apresentamos os sinais reunidos por temas (categorias semânticas). Assim, começamos com a categoria Tempo, na qual reunimos o calendário; as horas; as estações do ano; clima, fenômenos climáticos, astros e elementos da natureza. Procure estudar esses sinais em conjunto com os vídeos para observar o movimento. QUARTA-FEIRA QUINTA-FEIRA CALENDÁRIO SEXTA-FEIRA SEGUNDA-FEIRA TERÇA-FEIRA SABADO 104

EDUCAÇÃO FÍSICA DOMINGO D I A TODO DIA SEMANA DUAS SEMANAS FAZ TEMPO TÊS SEMANAS QUATRO SEMANAS 105

LIBRAS UM DIA TRÊS DIAS DOIS DIAS QUATRO DIAS QUANTOS DIAS UM DIA (QUEM SABE UM DIA) 106

EDUCAÇÃO FÍSICA MÊS ANO (DATA) FEVEREIRO OU JANEIRO FEVEREIRO M Ç O 107

LIBRAS ABRIL M I O JUNHO JULHO 108

EDUCAÇÃO FÍSICA AGOSTO SETEMBRO OUTUBRO NOVEMBRO DEZEMBRO (MÊS DIA ANO) DURAÇÃO 109

LIBRAS ANO QUE VEM ANO PASSADO ONTEM AMANHÃ MANHÃ TARDE HOJE NOITE 110

EDUCAÇÃO FÍSICA HORAS (RELÓGIO) HORAS (DURAÇÃO) ATRASO / DEPOIS ANTES / ANTECIPAR DEMORA Acesse e veja o material que preparamos especialmente para você! 111

LIBRAS ESTAÇÕES DO ANO ESTADOS DO TEMPO TEMPO PRIMAVERA VERÃO OUTONO FRIO / INVERNO OU FRIO / INVERNO 112

EDUCAÇÃO FÍSICA FENÔMENOS METEREOLÓGICOS ASTROS NATUREZA CHUVA ARCO-ÍRIS NUVEM CHUVOSO RELÂMPAGO NUBLADO TROVÃO VENTO 113

LIBRAS FURACÃO TERREMOTO ASTROS LUA 114

EDUCAÇÃO FÍSICA SOL ESTRELA ELEMENTOS DA NATUREZA ÁRVORE FLOR CACHOEIRA FLORESTA 115

LIBRAS JARDIM / GRAMA LAGO RIO 116

EDUCAÇÃO FÍSICA TERRA (PLANETA) PEDRA TERRA MONTANHA 117

considerações finais Essa unidade talvez seja a que contém maior número de informações desconhecidas por você, dentre as quais, destacamos: A língua de sinais é tão natural e tão complexa quanto as línguas orais, dispondo de recursos expressivos suficientes para permitir aos seus usuários expressar-se sobre qualquer assunto, em qualquer situação, domínio do conhecimento e esfera de atividade. A Libras é uma língua adaptada à capacidade de expressão dos surdos, devendo, portanto ser conhecida, pelo menos em seus aspectos fundamentais pelos professores. A Libras é uma língua, com gramática própria e com condições de proporcionar, não apenas a comunicação efetiva entre os surdos, como, também, a expressão de sentimentos; a composição de poesias; a discussão filosófica, enfim, um idoma completo. As línguas de sinais, por comprovação científica, cumprem todas as funções de uma língua natural, mesmo assim, ainda sofrem preconceito e são desvalorizadas diante das línguas orais, sendo consideradas como uma derivação da gestualidade espontânea, como uma mescla de pantomima e sinais icônicos. A língua de sinais não é subordinada à língua oral majoritária do país. As línguas de sinais são completamente independentes das línguas orais dos países em que são produzidas. Na sua casa, com a ajuda de um espelho, treine a expressão facial e corporal, isso ajuda muito em Libras. Também abordamos, nesta Unidade III, a organização fonológica dos sinais, destacando, as unidades mínimas e, também, as restrições na formação de sinais, além de estabelecer uma comparação entre as línguas de sinais e as línguas orais. Falamos muito aqui em língua natural, razão pela qual recomendamos o estudo atento do texto que trouxemos como Leitura Complementar, que aborda essa questão. Outra novidade dessa nossa terceira unidade é o início da construção de seu vocabulário em Libras, com a apresentação da categoria semântica Tempo e Elementos da Natureza. 118

atividades de estudo 1. Estude o alfabeto manual. Faça cada configuração de mãos de frente ao espelho. Lembre-se: o sinal deve ser feito virado para o seu interlocutor, e não para você. Assim, olhando no espelho, você deve enxergar o sinal tal como se apresenta no texto. Soletre cada uma das seguintes palavras: CASA, PAULO, ÁRVORE, CARRO, LIQUIDIFICADOR, SÃO PAULO, MARIA, ANA MARIA, COMPORTAMENTO. 2. Em sua opinião, existem mais semelhanças ou diferenças entre a Libras e a Língua Portuguesa? Justifique. 3. Considerando que as restrições para a formação de sinais podem ser exemplificadas em sinais produzidos pelas duas mãos, analise as afirmações a seguir e assinale a alternativa correta: I. Condição de simetria estabelece que se ambas as mãos são ativas, a CM deve ser a mesma para as duas. II. As restrições diminuem a complexidade dos sinais facilitando sua produção e percepção. III. Se apenas uma das mãos é ativa, a mão não dominante serve de apoio para a mão dominante. IV. No caso de ambas as mãos serem ativas, o ponto de articulação deve ser o mesmo ou simétrico. a. ( ) Somente I, II e III são verdadeiras. b. ( ) Somente I, II e IV são verdadeiras. c. ( ) Somente II, III e IV são verdadeiras. 4. A comunicação pelas mãos teve início apenas com os surdos, ou seja, foram os surdos os primeiros seres humanos a se comunicar usando gestos. Esta informação pode ser considerada verdadeira? Justifique sua resposta baseando- -se nos conhecimentos adquiridos ao longo desta unidade. 5. Cada parâmetro da Libras, de maneira isolada, não possui significado. Apenas quando se compõem é que passam a constituir sentido. Entretanto, essa composição não é livre. Nesse contexto, analise as afirmações a seguir e assinale a alternativa correta. I. Os sinais que utilizam apenas uma das mãos podem ser produzidos indistintamente pela mão direita ou esquerda. II. As condições de restrição se referem aos sinais produzidos por ambas as mãos e temos duas possibilidades. III. Quando as duas mãos se movem na produção de um sinal, então as condições de composição dependem de a CM ser a mesma para ambas as mãos ou não. IV. A condição de simetria se refere tanto à percepção visual, quanto ao sistema articulatório. a. ( ) Somente I, II e III são verdadeiras. b. ( ) Somente I, II e IV são verdadeiras. c. ( ) Somente II, III e IV são verdadeiras. d. ( ) Somente I, III e IV são verdadeiras. e. ( ) Todas são verdadeiras. d. ( ) Somente I, III e IV são verdadeiras. e. ( ) Todas são verdadeiras. 119

LEITURA COMPLEMENTAR Apresentamos a seguir um fragmento do Capítulo 2 do livro: Tenho um aluno surdo e agora?, que apresentamos como material complementar. O capítulo 2, cujo título é Libras: apresentando a língua e suas características, é de autoria de Kathryn Marie Pacheco Harrison. Essa parte selecionada estabelece com clareza, o significado, de língua natural, além de caracterizar a modalidade visuoespacial. ESTATUTO DA LIBRAS ENQUANTO LÍNGUA NATURAL Kathryn Marie Pacheco Harrison Ao ler o subtítulo acima, pode-se perguntar o que significa a palavra natural. Seria legítimo pensar que é uma língua que surge espontaneamente quando a pessoa nasce com uma perda auditiva, mas seria uma ideia errônea. Na verdade, o termo natural designa a característica das línguas orais e sinalizadas utilizadas pelos seres humanos em suas diversas interações sociais e, se diferencia do que se chama de linguagem formal ; isto é, linguagens construídas pelo ser humano, como as linguagens de programação de computador ou a linguagem matemática. Outro fator que explicita a característica natural das línguas de sinais é a sua organização cerebral. Estudos desenvolvidos no Laboratório de Neurociências Cognitivas da Universidade da Califórnia com surdos com [...] lesões cerebrais estabeleceram que o hemisfério esquerdo subserve as funções linguísticas para língua de sinais, apesar de que a ASL utiliza distinções espaciais e ser processada visualmente - domínio para os quais os hemisférios direitos de pessoas ouvintes têm sido encontrados como dominantes (EMMOREY; BELLU- GI; KLIMA, 1993, p. 19). Em outras palavras, significa que, embora as línguas de sinais sejam produzidas principalmente por movimentos das mãos no espaço (o que em pessoas que ouvem e falam é percebido pelo hemisfério direito do cérebro), esses movimentos são percebidos pelo hemisfério esquerdo das pessoas surdas que usam língua de sinais, justamente porque são entendidos como língua e não como gesticulação ou movimento corporal aleatório. Para que esses e outros estudiosos das línguas de sinais pudessem chegar a essas conclusões, houve um primeiro estudo, o estudo linguístico fundador, realizado pelo linguista americano William Stokoe, em 1960. A partir de sua observação de surdos 120

LEITURA COMPLEMENTAR sinalizando na universidade em que lecionava, ele, curioso, resolveu estudá-la. Seria uma língua? Para obter a resposta a essa pergunta, aplicou os rigorosos métodos de pesquisa da linguística estrutural. Os resultados de seus estudos demonstraram evidências de que, ao contrário do que se pensava até então, a língua e sinais dos surdos têm estrutura e função semelhante às demais línguas. Para descrever uma língua antiga, produzida em uma modalidade tão diferente das línguas faladas e nunca antes estudada, criou alguns termos próprios para definir os elementos constituintes da ASL, como: Sinal: a menor unidade da língua de sinais com significado. Gesto: movimento comunicativo não analisável linguisticamente. Quirema (do grego: kiros = mãos): conjunto de posições, configurações ou movimentos que tenham a mesma função na linguagem, o ponto de estrutura da língua de sinais (análogo ao fonema nas línguas orais). Alocação: qualquer um do conjunto de configurações, movimentos ou posições, isto é, quirema, que sinaliza identicamente na língua. Além disso, propôs a decomposição dos sinais da ASL em três parâmetros formacionais: configuração de mão (CM); locação da mão (L); e movimento da mão (M). O trabalho de Stokoe teve grande repercussão nos meios linguísticos ao redor do mundo e nos movimentos de surdos, que a partir de então tinham em mãos uma evidência científica de que sua comunicação sinalizada apresentava o estatuto de língua semelhante ao das línguas orais e, portanto, merecedora de respeito. A MODALIDADE VISUOESPACIAL Quando falamos, um complexo sistema de órgãos e funções entra em ação, basicamente: lábios, língua, dentes, nariz (para articular as palavras), a laringe (para produzir a voz) e os pulmões, que produzem o ar que passa pela laringe e depois pela boca e, finalmente as palavras se deslocam pelo ar, para chegar aos nossos ouvidos, onde as escutamos e compreendemos. Além disso, os sons da fala (os fonemas) são produzidos um depois do outro, pois é impossível anatomicamente produzir dois sons ao mesmo tempo. Por essa razão, dizemos que a fala é produzida sequencialmente no tempo. 121

LEITURA COMPLEMENTAR As línguas de sinais, por outro lado, são produzidas por movimentos das mãos, do corpo e expressões faciais em um espaço à frente do corpo, chamado de espaço de sinalização. A pessoa recebe a sinalização pela visão, razão pela qual as línguas de sinais são chamadas de visuoespaciais ou espaço-visuais. Dependendo do tipo de enunciado produzido, dos sinais utilizados, do que se deseja expressar, se pode obter uma sinalização em que vários sinais podem ser feitos simultaneamente, pois, no caso dos movimentos envolvidos, não há impedimento anatômico. Em outros momentos, os sinais são produzidos um após o outro, sequencialmente. Os estudos linguísticos demonstram, além do mais, que as línguas de sinais, e aí está inserida a Libras, possuem as mesmas características e qualidades de qualquer outra língua, ou seja: 1. Versatilidade e flexibilidade: são qualidades que as línguas possuem de poder expressar qualquer sentimento, emoção, fazer indagações, fazer referência ao passado, presente ou futuro, ou até mesmo à fatos e coisas que não existem. 2. Arbitrariedade: é a característica segundo a qual a forma da palavra (seja falada, escrita ou sinalizada) não tem relação direta com seu significado. Se ouvirmos uma palavra em língua estrangeira, o som dela não nos ajudará a saber seu significado. Da mesma maneira, ver um sinal não ajudará a conhecer o que significa, a não ser que conheçamos a língua. 3. Criatividade/produtividade: são possibilidades que as línguas possuem de produzir infinitos enunciados a partir de um número finito de fonemas ou quiremas. 4. Dupla articulação: é a característica das línguas de possuir um número finito de unidades (fonema ou quirema) que isoladamente não têm significado. Apenas se forem combinadas a outros fonemas/quiremas adquirem significado. Por exemplo, os sons o, p, t, a, isolados, não têm significado, mas ao serem combinados, como em pato ou topa ou opta, ganham diferentes sentidos. Pode-se compreender, então, que há duas camadas nas palavras, uma de unidades menores e outra de unidades maiores. Fonte: Harrison (2013). 122

EDUCAÇÃO FÍSICA Tenho um aluno surdo e agora? Introdução à Libras e educação de Surdos. Cristina Broglia Feitosa de Lacerda e Lara Ferreira dos Santos (Org.) Editora: EdUFSCAR, 2013 Sinopse: ganhador do Prêmio Jabuti na categoria Educação, este livro reúne texto de autores diversos que atuam na área da surdez, com a intenção de possibilitar uma visão ampla a respeito da surdez, da Libras e da educação de surdos. Conforme as organizadoras destacam, na contracapa, o objetivo que as orientaram na produção deste livro foi [...] oferecer um conhecimento inicial acerca da educação de surdos e da Libras, bem como dar subsídios para a atuação do professor da educação básica junto a alunos surdos. Leitura fascinante, fácil e quase que obrigatória aos futuros professores. Você encontra muitas informações acerca da Libras, referências bibliográficas, links importantes, pesquisas atuais, e entre outros diversos conteúdos disponíveis em: <www.dicionariolibras.com.br> e <aprendolibras.blogspot.com>. Acesso em: 20 jun. 2016. 123