AUTISMO: A IMPORTÂNCIA DA FUNÇÃO MATERNANTE E O TRATAMENTO NA CONTEMPORANEIDADE



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AUTISMO: A IMPORTÂNCIA DA FUNÇÃO MATERNANTE E O TRATAMENTO NA CONTEMPORANEIDADE 2011 Psicóloga E-mail: elainematos1@hotmail.com RESUMO Este estudo tem como objetivo compreender a importância da função materna diante da criança autista, bem como as conseqüências que o desamparo pode causar. Será abordado acerca do surgimento do termo Autismo e um breve relato sobre sua história. Além das principais características que diagnostica o Autismo, destaca-se o que aconteceu de importante nas décadas de 80 e 90 e, descobertas importantes acerca da inteligência dessas crianças portadoras da Síndrome do Autismo. O autismo será apresentado através da leitura psicanalítica onde, explica que a síndrome autista tem relação com a falta de instauração das estruturas psíquicas, causando assim déficits no desenvolvimento da criança. Palavras-chave: Autismo, função materna, desamparo INTRODUÇÃO O assunto abordado possui uma bibliografia vastíssima, precisando ainda de contribuições. Conhecer esse mundo tão fascinante e curioso, onde a criança autista que apresenta dificuldades na interação social possui ao mesmo tempo um tipo diferente de inteligência. Penetrar nesse mundo ainda inexplicável, misterioso, mas que acima de tudo requer a contribuição de uma equipe multiprofissional, principalmente da psicologia, que é imprescindível, tanto para as crianças autistas, como para os pais dessas crianças. 1

O termo autismo foi empregado pela primeira vez por E. Bleuler em 1911, e explicava ser um prejuízo no contato com o real, ocasionando uma dificuldade de manter uma comunicação com as pessoas. Em 1943, um estudo feito por Kanner, mostrou 11 crianças entre dois e onze anos, cujos resultados revelaram uma falta de imaginação e uma inabilidade para desenvolver relacionamentos interpessoais, foi a partir daí que surgiram as primeiras descrições diagnósticas de esquizofrenia infantil e psicose infantil para o autismo (Kwee, 2006). Para Bleuler apud Campanário (2008), as principais características da esquizofrenia são: o autismo, a ambivalência e dissociação psíquica. Assim, o termo autismo nasceu para servir como fenomenologia para a esquizofrenia, sendo que o autismo ainda não era determinado como uma entidade nosológica própria. Foi Kanner que em 1943, descreveu como uma síndrome única, onde a confusão é a inabilidade das crianças autistas manterem relação com outras pessoas desde o começo de vida (Campanário, 2008). Em 1993, na décima revisão da Classificação Internacional de Doenças CID-10, o autismo infantil passou a ser classificado entre os transtornos invasivos do desenvolvimento (Souza, Guimarães e Ballone, 2004). A síndrome autista refere-se a falhas que envolvem a função materna. Essas falhas no processo de desenvolvimento têm a ver com o papel que é exercido pela mãe, mas que esta não realiza de forma apropriada, chegando a deixar o bebê sem resposta quando este lhe solicita um retorno (Doria, Marinho e Filho, 2006). O objetivo deste estudo foi fazer uma breve revisão histórica acerca do Autismo Infantil, além de compreender quão importante é a presença materna na vida dessa criança, embora a literatura mostre que umas das características do autismo seja a indiferença pela genitora. Por outro lado, vários autores defendem a importância e afirmam que a presença materna é essencial para o desenvolvimento da criança autista. Muitos autores explicam o autismo a partir de várias abordagens, porém, no presente estudo, será utilizada a abordagem psicanalítica. Breve histórico do Autismo O termo Síndrome do Autismo (Vasconcelos, 2009) foi mencionado pela primeira vez pelo especialista em psiquiatria pediátrica dos Estados Unidos Leo Kanner através da observação de um grupo de crianças pelo modo particular como se comportavam, em seguida foi caracterizado pela falta de capacidade inata de manter uma relação afetiva e interpessoal. Vasconcelos (2009) diz que o autismo pertence à categoria das psicoses. Tamanaha e cols. (2008) apud Kanner no ano de 1943 deu uma denominação diferente para o Autismo Infantil, ele nomeou como Distúrbio Autístico do Contato Afetivo, e descreveu como: 2

Uma condição com características comportamentais bastante específicas, tais como: perturbações das relações afetivas com o meio, solidão autística extrema, inabilidade no uso da linguagem para comunicação, presença de boas potencialidades cognitivas, aspecto físico aparentemente, normal, comportamentos ritualísticos, início precoce e incidência predominante no sexo masculino (p. 296). O Autismo Infantil evidenciava uma deformação na estrutura familiar, acarretando mudanças no desenvolvimento psico-afetivo da criança, isso como sucessão do caráter intelectual dos pais dessas crianças. Porém, não se deve ignorar o fator biológico que subsiste na criança, já que mudanças no comportamento eram percebidas prematuramente, tornando difícil admitir somente como relacional. Já a teoria afetiva refere-se a uma etiologia genuinamente relacional (Tamanaha e cols. 2008), e que o autismo é mais um sintoma do quadro clínico de Psicose Infantil e menos uma entidade nosológica em si (p. 297). Para Marcelli (1998), o isolamento é uma das características do autismo, e pode subsistir desde a infância. Durante o primeiro ano de vida, as mães de crianças autistas descrevem seus filhos como bebês principalmente tranquilos, não solicitam nada para as pessoas e aparentam estar felizes quando sozinhos. Junto a um adulto, mostra total indiferença. Possui ausência de atitude antecipatória, ou seja, não olha para ver alguém que se aproxima e não se jogam para ir ao colo, nem mesmo o da mãe. Em relação à psicomotricidade, no terceiro mês não há presença do sorriso, e no oitavo mês, não reage negativamente na presença de um estranho. É durante o segundo e terceiro anos de vida, que o autismo se torna visível. Às vezes a mãe de um autista sente-se como se seu filho não a reconhecesse como mãe. Outra característica do autismo para Marcelli (1998) é o olhar vazio, desatento e de difícil fixação. Rejeita o contato físico, mas quando aceita é somente por uma parte do corpo do adulto, como braço, mão etc. Ou simplesmente utiliza-se do adulto para pegar alguma coisa desejada. Aparentemente não reage a saída dos pais com choros. A criança autista se interessa por insetos, objetos duros, barulhentos e complexos, são objetos considerados pelo autor como bizarros e não-simbólicos. Ela até pode se interessar por alguns brinquedos, mas nada comparável ao bicho de pelúcia que a criança normal utiliza para dormir. No relacionamento com outras crianças são nulas. Não participa das brincadeiras e é indiferente aos jogos. Geralmente, na tentativa de uma aproximação com a criança autista, ela pode reagir de forma agressiva, violenta e até mesmo serem auto-agressivas (Marcelli, 1998). Segundo Baron-Cohen (2004), no início dos anos 80, o autismo era diagnosticado em um adulto quando este mostrava uma anormalidade no desenvolvimento social e na comunicação, possuindo também, interesse obsessivo desde a infância. Era considerado raro, pois a cada dez mil crianças, quatro eram afetadas. Mas o autor chama a atenção afirmando que esse comportamento é um indício de tipo diferente de inteligência. 3

Nos anos 90 houve uma transformação que despertou interesse, antes apenas uma porcentagem mínima de crianças com autismo (25%) possuía inteligência (QI) normal ou acima da média, porém, aos poucos esses casos começaram a ser identificados mais frequentemente. O atraso na fala faz parte do diagnóstico do autismo, mas esse atraso refere-se a nenhuma palavra aos dois anos e nenhuma frase aos três anos de idade. Mas mesmo o atraso na fala não impossibilitou dessas crianças obterem ótimos níveis de habilidades matemáticas, de aprenderem a jogar xadrez ou adquirirem conhecimentos de mecânica, assuntos concretos, científicos, técnicos ou baseados em regras (Baron-Cohen, 2004). As crianças autistas despertaram interesse dos cientistas, pois eram incapazes de se comunicarem de forma adequada, mas por outro lado, eram rápidas em cálculos matemáticos e aprendiam com facilidade e rapidez o vocabulário e gramática de idiomas estrangeiros, porém não conversavam em sua língua materna (Baron-Cohen 2004). Grandes mudanças ocorreram em relação ao autismo, e uma das concepções mais atualizada e moderna segundo Sousa e Santos (2005) encontra-se relacionada: Com o fato de assumir o autismo como uma perturbação pervasiva do desenvolvimento, caracterizada por três grupos de comportamentos, com diversas expressões: disfunções sociais; perturbações na comunicação e no jogo imaginativo; interesses e atividades restritas e repetitivas. Quanto a estas manifestações comportamentais, passou a considerar-se que as mesmas devem de algum modo estar presentes desde o nascimento até aos 36 anos de idade, aproximadamente, persistindo e desenvolvendo-se de modos diferentes ao longo do tempo de vida, atendendo a que o autismo pode coexistir com a debilidade mental, mas é diferente dela (p. 5). Um fato curioso percebido na clínica do autismo (Costa, 2005) é a quantidade de meninos autistas, que é bem maior que o de meninas autistas, segundo a autora, estudos mostram uma maior quantidade de autismo em homens do que em mulheres. O Autismo na psicanálise Muitos foram os caminhos percorridos para refletir sobre as singularidades das crianças autistas. Singularidades estas que nem sempre era consenso. O neurologista considerava o autismo como uma doença orgânica e o psiquiatra como um distúrbio psicoafetivo ou como uma doença genética definida, já na psicanálise os autores expõe visões controversas em relação ao conceito de autismo (Costa, 2005). Vasconcelos (2009) diz que do ponto de vista psicanalítico, a síndrome autista tem relação com a falta de instauração das estruturas psíquicas, tendo como conseqüências déficits no desenvolvimento da criança. Ou seja: o autismo é um defeito de estruturação primeira do 4

aparelho psíquico por conta do fracasso do circuito pulsional, podendo levar à constituição de patologias diversas com déficits gravíssimos que fazem lembrar a oligofrenia (p. 6). E segue, a síndrome autista tem como resultado um defeito no momento de estabelecer os laços entre pais e crianças. Pois, o bebê ao nascer, precisa de alguém que cuide dele, ele não tem como sobreviver sozinho, e também não tem condições de subjetivação, e essa subjetivação vai se estabelecer a partir da relação mãe e filho. Assim, para que o aparelho psíquico dessa criança se desenvolva, é necessário que além do aparelho biológico, existam pessoas que exerçam a função materna e paterna simbolicamente, pois esse filho só simbolizará a partir do contato com o outro. Assim, é o meio familiar e o sistema simbólico unido ao aparelho biológico que surgirá o sujeito psíquico. Doria et al. (2006) afirmam que o autismo acontece da falha dos atos de reconhecimento mútuo entre a mãe e o bebê. Um dos motivos dessa falha é causado pela depressão que produz interferência na capacidade da mãe nos cuidados com o bebê. Para Campanário (2008), o diagnóstico do autismo só poderá ser feito definitivamente a partir dos três anos de idade, antes dessa idade poderá ser citado apenas como suspeita. Mas o tratamento poderá ser iniciado antes mesmo do diagnóstico definitivo, propondo resultados clínicos efetivos. Pois, mesmo essas crianças não sendo autistas, já mostraram um laço debilitado com seu agente maternal, podendo não dar conta de suportar uma subjetividade e se estabelecer para elas. Presença materna e desamparo Na teoria winnicottiana, para que uma criança autista tenha um desenvolvimento sadio (Araújo, 2003), deve ser necessário que sua mãe esteja atenta as necessidades exclusivas de cada etapa de desenvolvimento. Existe uma questão que pode intervir no que se refere no fornecimento de cuidado, é o desamparo da mãe, que inicialmente nem sempre é conhecido nem compreendido por essa mãe, isso por causa das defesas construídas pela mãe contra seus sentimentos de se ver sozinha e vulnerável. Após investigações, descobriu-se que em alguns casos, esse desamparo aconteceu antes mesmo do nascimento do filho. E comenta: Certamente algo acontece às pessoas quando elas se vêem confrontadas com o desamparo que supostamente caracteriza o bebê. (...) Poderíamos quase dizer que as pessoas que cuidam de um bebê são tão desamparadas em relação ao desamparo do bebê quanto o bebê o é. Talvez haja até mesmo um confronto de desamparos (p. 4). Para Araújo (2003), o responsável pelos cuidados do bebê geralmente é possuído por um sentimento de desamparo, sendo este semelhante ao desamparo do bebê. Segundo a autora algumas mães possuem dificuldade em sentir preocupação na condição especial, isso por medo 5

de não ter de volta a sua individualidade. A partir desse desamparo, a mãe terá dificuldade com a identificação com o bebê, que é essencial para este. O modo de ser e de cuidar da mãe afeta o desenvolvimento do bebê (Araújo, 2003), se ela não está emocionalmente bem, certamente terá dificuldade de ingressar na condição de preocupação materna primária, sendo isso o que consente a identificação com o bebê e apresenta as condições que certificam a continuidade de ser da criança. Tanto o pai quanto a mãe no exercício dos seus papéis, permitirá ao bebê o desenvolvimento do seu eu. Para Góes (2003), o nascimento da criança não é traumático e que a criança está pronta para enfrentar esse momento. O trauma diz respeito ao estado de desamparo, de não acolhimento ou mesmo de um mau acolhimento dessa criança. Esse trauma refere-se a uma desordem da comunicação entre o adulto e a criança. Essa criança ao não ser compreendida, fica desamparada, este é o trauma, o que não é compreendido não é simbolizado. É de grande importância a relação da mãe/cuidador com a criança autista, pois a saúde dessa criança dependerá do tipo de relação que é exercida pela mãe. É essencial o seu estado emocional, principalmente na fase inicial quando o autismo pode se evidenciar (Araújo, 2003). A psicolingüística explica que o bebê tem preferência pela voz da mãe nas primeiras horas de vida, isso mostra indícios que a presença da mãe é imprescindível para a subjetivação do bebê (Campanário, 2008). O tratamento do autista Fazer psicanálise com bebês lhes concede um decreto de sujeito desde o seu princípio. O analista ao se remeter ao bebê ou a criança, não tem importância o fato que ali não exista ainda um sujeito do inconsciente constituído, ao falar com esse bebê ou essa criança, se faz um adiantamento de sujeito, o que é essencial para que futuramente possa surgir um sujeito dali. Porém, esse atendimento ainda não apresenta garantias (Campanário, 2008). Para que aconteça o reconhecimento da criança como sujeito, o terapeuta precisará tirar essa criança do seu mundo particular, trazendo-a para a realidade, habituando-a a interagir e fazendo com que ela reconheça o outro. O propósito do terapeuta é fazer com que essa criança seja um sujeito com subjetividade. É retirar essa criança da situação em que era tomado pelo desejo do outro, para assim tornar possíveis seus próprios desejos e suas aflições, para que assim ela possa exercer uma interação com as pessoas (Doria et al. 2006). A função do psicanalista é instaurar as estruturas que permitam o funcionamento do inconsciente, caso essa intervenção não ocorra precocemente, o indivíduo pode não sobrevir (Vasconcelos, 2009). No tratamento com crianças autistas é importante a idade com que se inicia o tratamento, pois é o que vai determinar no seu quadro evolutivo, além de: 6

O tipo de tratamento, a freqüência dos atendimentos, de que maneira e quando este diagnóstico foi dado aos pais e se havia suposição de sujeito por parte dos que estavam atendendo o caso também devem ser levados em consideração em relação à melhor evolução clínica (p.73). Vasconcelos (2009) diz que uma das dificuldades que se encontra no tratamento do autismo é o início demorado para o tratamento, podendo os sintomas estar cristalizados, tornando assim difícil para o psicanalista intervir. Na maioria dos casos, as famílias procuram tratamento quando a criança já está na idade escolar, segundo a autora, essa é uma idade que dificulta o tratamento, pois este quando feito antes dos três anos, tem a possibilidade de (r) estabelecer o circuito pulsional, sendo este uma fase delicada para a criança que ingressa com mais espontaneidade no campo dos significantes do Outro e deles se apossa. Em relação às intervenções e interpretações Campanário (2008) diz o seguinte: Devem se dirigir ao bebê, ao agente que exerce a função materna, e à relação do bebê com este agente que exerce a função materna, ao (r)estabelecimento de um laço capaz de sustentar uma singularidade em instalação. Estas intervenções e interpretações têm sido feitas a partir do lúdico, propiciando um laço através do brincar entre a mãe e o bebê (p. 148). A criança não fala até uma determinada idade. O analista que faz o atendimento a criança, fica dependente a outro tipo de linguagem, a do brincar, podendo muitas vezes até negligenciá-la. É importante está atento para a não-consideração da fala da criança, pois pode fazer com que ela não se mostre na primeira pessoa nos discursos que dela se ocupam (Campanário 2008). Não é possível o sucesso do tratamento de um bebê ou uma criança se os pais não forem também trabalhados (Campanário, 2008), a família possui atribuição de restringir o gozo da criança, através da entrada da função paterna como lei. Doria et al. (2006) também chamam a atenção quando dizem que a terapia com a criança autista não pode ser realizado somente com ela, mas também com os pais, pois no tratamento psicanalítico não adianta fazer atividades somente com as crianças, pois compreende que o autismo tem relação a falhas na função materna. Pensa-se em uma estrutura própria ao autismo infantil, como também se imagina que a psicose é uma das possibilidades de saída para o autismo, geralmente é a mais usada na clínica, contudo não é a melhor. Pensa-se que através do atendimento precoce do bebê com sua mãe seja estabelecido um laço que seja capaz de manter a subjetivação da criança, o que é imprescindível para a saída do autismo, é possível ainda a entrada do pai enquanto função, que é importante para a saída da psicose (Campanário, 2008). 7

No que se refere à clínica do autismo para Winnicott citado por Araújo (2003), diz que o essencial no trabalho com crianças autistas é o apoio ao ego, o holding e o manejo (handling), o que torna possível o fornecimento de prover adequadamente o que faltou a criança em alguma etapa do seu desenvolvimento. Doria et al. (2006), dizem que o terapeuta para chegar ao seu objetivo e fazer com que o tratamento com crianças autistas tenham resultados positivos, será necessário trabalhar o desenvolvimento da função materna. Em algumas situações, o próprio terapeuta poderá exercer essa função, cooperando para que a criança autista mantenha relação com as pessoas. Campanário (2008) diz que os atendimentos realizados possuem pouco tempo, que se faz necessário um trabalho a posteriori para avaliar a estrutura clínica das crianças que foram atendidas em época precoce. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Falar sobre o Autismo é falar sobre um tema muito complexo, penetrar nesse mundo desconhecido da criança autista é também ao mesmo tempo emocionante e muito curioso. Há muitos estudos acerca do Autismo, porém deixa claro que esse tema ainda necessita de muitos outros estudos e pesquisas. Os teóricos divergem quanto à explicação de como a criança se torna autista, mas alguns teóricos psicanalistas foram brilhantes ao explicar que o autismo acontece na falha no estabelecimento da mãe com seu filho. Porém, esse assunto precisa ser aprofundado, pois alguns autores não descartam sua origem no aspecto biológico. O autismo não tem cura, porém existem vários tipos de intervenções para criança autista, com o objetivo de fazer com que ela consiga desenvolver uma relação interpessoal, uma maior independência e possivelmente uma vida melhor. Importante mencionar que essas intervenções precisam da participação ativa dos pais, não somente na fase diagnóstico, mas também na reabilitação. Existe um consenso entre os psicanalistas ao afirmar que as crianças autistas precisam da presença materna para se constituir enquanto sujeito, que a sua subjetivação só acontecerá a partir dessa função materna, contudo a importância do tratamento na clínica psicanalítica está exatamente ai, onde o terapeuta objetiva fazer com que essa criança seja um sujeito com subjetividade, fazendo-a sair do seu mundo particular e ajudado-a a interagir com o outro. A criança, independente da sua condição precisa da presença materna, seja pela importância da sua subjetivação como nos cuidados necessários que toda criança necessita. Uma coisa precisa ser lembrada sempre, as crianças autistas são indivíduos com necessidades especiais, não só no âmbito familiar, como também social e no escolar, digno de respeito e de atenção especial e específica, para que assim possa ser incluído no convívio social, 8

sendo mais sadio e feliz. Finalizando com Campanário (2008): conceder à criança a possibilidade de ser cuidada integralmente como sujeito e cidadão, deve ser este o propósito as novas ações no campo da clínica psicanalítica. 9

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