Compreensão, velocidade, fluência e precisão de leitura no segundo ano do ensino fundamental



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ARTIGO Mousinho ORIGINAL R et al. Compreensão, velocidade, fluência e precisão de leitura no segundo ano do ensino fundamental Renata Mousinho; Fernanda Mesquita; Josi Leal; Lia Pinheiro RESUMO O objetivo geral deste trabalho é estabelecer correlações entre fluência, precisão, velocidade e compreensão de leitura no português do Brasil em estudantes do 2º ano do ensino fundamental, bem como suas relações com as habilidades metalinguísticas e cognitivas. A amostra foi formada por 45 crianças do 2º ano do ensino fundamental, com idade com média etária de 7,58 anos (desvio padrão de 3,793), tendo sido avaliados a velocidade de leitura, a leitura de palavras, a consciência fonológica, o span dígitos e repetição de não palavras e a nomeação automatizada rápida. A análise em Cluster definiu dois grupos, o Grupo 1, com leitura lenta, padrão silabado e poucas possibilidades de compreensão e o Grupo 2, com velocidade duas vezes mais rápida, padrão de pausado a fluente e interpretação eficiente. A correlação (Pearson) entre compreensão, padrão, velocidade e precisão de leitura foi considerada de alta significância estatística em todas as combinações possíveis. A compreensão apresentou alto nível de significância em quase todas as habilidades investigadas, sendo mais discreta apenas na repetição de não palavras. Esta alta significância estatística revelada mostra que estes podem ser bons indicadores precoces de dificuldades na área, associados às habilidades já mais amplamente descritas de consciência fonológica, nomeação automatizada rápida e memória de trabalho. Tais dados corroboram a literatura. UNITERMOS: Aprendizagem verbal. Compreensão. Conscientização. Fonética. Leitura. Renata Mousinho Fonoaudióloga. Professora Adjunta da Graduação em Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da UFRJ. Doutora e Mestre em Linguística pela UFRJ. Estágio Pós-Doutoral em Psicologia pela UFRJ. Fernanda Mesquita Fonoaudióloga Clínica. Graduada pela UFRJ. Josi Leal Fonoaudióloga Clínica. Graduada pela UFRJ. Lia Pinheiro Fonoaudióloga Clínica. Graduada pela UFRJ. Correspondência Renata Mousinho Av. das Américas, 2678 casa 11 Barra da Tijuca Rio de Janeiro, RJ CEP 22640-102 E-mail: renatamousinho@ufrj.br 48

Compreensão, velocidade, fluência e precisão de leitura INTRODUÇÃO A compreensão é o objetivo final da leitura. Considerando que os atuais moldes educacionais valorizam a compreensão não só na disciplina específica, mas em todas as demais, poder-se-ia supor que uma dificuldade nesta área poderia prejudicar o início da escolarização formal, trazendo reflexos ao longo do processo escolar. Uma infinidade de razões pode afetar a compreensão leitora, incluindo questões emocionais, motivacionais, psicossociais, dificuldade para realizar inferências ou mesmo na compreensão da linguagem oral, dentre outras possibilidades. No entanto, no início do processo, algumas questões parecem se apresentar como primordiais. Vários pesquisadores vêm mostrando diferentes aspectos necessários à compreensão da leitura, dentre eles a fluência, a velocidade, a precisão, assim como com as habilidades metalinguísticas e cognitivas 1-4. Decodificação e compreensão já foram destacadas como componentes isolados da leitura, mas o desafio é justamente o oposto: observar como habilidades formais e possibilidades de compreensão podem interagir, sobretudo no início da aprendizagem formal. Os objetivos deste trabalho são: 1) estabelecer correlações entre compreensão, fluência, velocidade e precisão de leitura no 2 ano do ensino fundamental, por meio da distribuição em grupos de compreendedores mais e menos habilidosos; 2) estabelecer correlações entre fluência, precisão, velocidade e compreensão de leitura no português do Brasil em estudantes do 2 ano do ensino fundamental, bem como suas relações com as habilidades metalinguísticas e cognitivas; 3) comparar os resultados de leitura no início e no fim do ano letivo, a fim de observar o grau de incremento da leitura nesta etapa do desenvolvimento. A partir dos resultados, refletir sobre possíveis fatores de risco para o desenvolvimento da leitura no início da escolarização formal. MÉTODO Foram avaliadas 45 crianças do 2 ano do ensino fundamental, meio sociocultural variado, com média etária de 7,58 anos (desvio padrão de 3,793) no início do ano, submetidas à mesma metodologia de alfabetização na série precedente. A investigação foi realizada individualmente, em duas etapas, a saber: 1) Etapa 1: realizada em março, portanto, no início do ano letivo. LEITURA Para verificar a velocidade, foi cronometrada a leitura do texto narrativo O Acidente 5, composto por 196 palavras e 939 caracteres. Com vistas a verificar a compreensão, foram realizadas quatro perguntas eliciadoras, abrangendo o conteúdo do texto. O padrão de leitura poderia ser identificado como silabado (Ex: O me-ni-no sa-iu de ca-sa), pausado (com prolongamentos entre as palavras) ou fluente (sem pausas grandes, com contorno prosódico). A fim de investigar a precisão da leitura, foi utilizada uma lista de palavras isoladas reais, utilizando como variáveis o tipo de palavra (regulares, irregulares ou regras), a frequência (alta ou baixa), e o comprimento das palavras (dissílabas ou trissílabas) - (Pinheiro 6 adaptada por Capovilla & Capovilla 7 ). H A B I L I D A D E S L I N G U Í S T I C O - COGNITIVAS Para a investigação das habilidades metalinguísticas e cognitivas foram utilizados os protocolos de consciência fonológica 8, da memória de trabalho para dígitos ITPA 9, da repetição de não palavras 10 e da nomeação automatizada rápida (Denckla & Rudel 11, adaptado por Ferreiraet al. 12 ). 2) Etapa 2: realizada em novembro, portanto, no fim do ano letivo. Somente a fase da leitura foi repetida. Todos os responsáveis assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido da pesquisa aprovada sob o número 003/07 do Comitê de Ética e Pesquisa do Instituto de Neurologia Deolindo Couto, Rio de Janeiro. 49

Mousinho R et al. RESULTADOS Foram analisados aspectos relacionados a precisão, velocidade e compreensão de leitura. A lista, com objetivo de averiguar a precisão, apresenta um total de 48 palavras reais, sendo que os números indicados referem-se às lidas corretamente. A velocidade foi medida em segundos, do início ao fim do texto. Já na compreensão, as possibilidades de acertos variavam de 0 a 4 questões. Os dados foram tratados pelo pacote estatístico SPSS, por meio da distribuição em Cluster, conforme ilustra a Tabela 1. Foram propostos dois grupos pelo programa. O primeiro (G1) formado por crianças com perfil de leitura mais lento, menos preciso (cerca de 78% das palavras da lista foram lidas corretamente) e com compreensão do texto variando entre nenhum acerto e pouco mais de dois acertos, correspondendo a no máximo 50%. A média de velocidade foi de 482,17 segundos para a leitura do texto completo. O segundo grupo (G2), composto pela maioria das crianças do segundo ano do ensino fundamental, leu corretamente a quase totalidade das palavras, considerando que uma delas é considerada irregular para leitura, o que demanda uso da rota lexical, etapa ainda não atingida no processo. A velocidade do Grupo II foi bastante acelerada em relação ao Grupo I (204,44 segundos - menos da metade do tempo) e a compreensão oscilou entre eficiente e total. Essa distribuição foi correlacionada aos três padrões de leitura, a saber, silabado, pausado e fluente, considerando-se a frequência e porcentagem, como mostra a Tabela 2. O G1 agrupou apenas crianças com padrão silabado de leitura. Já o G2 abrangeu tanto alu- Tabela 1 - Distribuição da habilidade de leitura segundo a distribuição da compreensão, velocidade e precisão. Comp Vel texto Pal R lidas Grupos N % M DV M DV M DV Cluster 1 18 40% 2,28 1,320 482,17 246,846 38,83 10,411 2 27 60% 3,44 0,751 204,44 97,426 46,37 3,628 Combinado 45 100% 2,98 1,158 315,53 219,278 43,36 7,975 Tabela 2 - Padrão de leitura versus distribuição compreensão, velocidade, precisão. Padrão Silabado Padrão Pausado Padrão Fluente Frequência % Frequência % Frequência % Cluster 1 18 100% 0 0% 0 0% 2 0 0% 12 100% 15 100% Combinado 18 100% 12 100% 15 100% Tabela 3 - Correlação das variáveis da leitura Precisão Velocidade Padrãofluência Compreensão NARfig Precisão 1-0,827** 0,433** 0,661** -0,463** Velocidade -0,827** 1-0,660** -0,675** 0,703** Padrão fluência 0,433** -0,660** 1 0,521** -0,468** Compreensão 0,661** -0,675** 0,521** 1-0,602** p < 0,05*; p < 0,01** 50

Compreensão, velocidade, fluência e precisão de leitura nos com padrão pausado, quanto alunos com padrão fluente. É possível observar, neste caso, que o padrão pausado não prejudica a compreensão de textos narrativos no segundo ano do ensino fundamental, provavelmente porque os textos apropriados para a série comportam inter pretações com este padrão de leitura. Em contrapartida, o padrão silabado mostrou-se pouco suficiente para a compreensão básica de textos narrativos. Foram igualmente analisados, considerandose a amostra total, os aspectos relacionados a precisão, velocidade, padrão e compreensão de leitura entre si relacionados aos aspectos linguístico-cognitivos. A análise da Nomeação Automatizada Rápida (NAR) baseou-se no agrupamento de tarefas alfanuméricas NARan (dígitos + letras) e figurativas NARfig (objetos + cores), partindo-se do princípio de que, apesar de serem expressivos no ponto de vista de exigirem respostas verbais, podem ser conceitualmente distintos 13. Os resultados da memória de trabalho (MT) foram investigados por meio da repetição de pseudopalavras (REP) e do span de dígitos (SPAN). Em relação às provas de consciência fonológica (CF), procedeu-se à subdivisão das tarefas em nível da palavra (CFpal), da rima (CFrima), da sílaba (CFsil) e dos fonemas (CFfon). A Tabela 3 expõe as correlações (Pearson) das habilidades referentes a precisão, velocidade, padrão de fluência e compreensão de leitura e também o quão significativas podem se apresentar as habilidades linguístico-cognitivas para essas tarefas. A correlação entre compreensão, padrão, velocidade e precisão de leitura foi considerada de alta significância estatística em todas as direções e combinações possíveis. Para a precisão, foram significativas as habilidades de MT fonológica, CF no nível da palavra e do fonema, e muito significativas as tarefas de CF no nível de rima e da sílaba e de NAR. Para a velocidade de leitura, a consciência fonêmica e o span de dígitos apresentaram relevância, mas alta significância foi observada nas provas de NAR e consciência de palavras, rimas e sílabas. A velocidade está diretamente relacionada ao padrão de fluência de leitura. Este, por sua vez, apresentou-se relacionado com a repetição de não palavras e com a CF no nível da palavra e da rima e mais fortemente com a NAR e com a consciência fonêmica. A compreensão revelou correlação altamente significativa para a Nomeação Automatizada Rápida e para a Consciência Fonológica, independente dos estímulos ou dos níveis envolvidos. No que diz respeito à memória de trabalho, mostrou-se significativa para a prova de repetição de não palavras e sem significância estatística para o span de dígitos. Por fim, compararam-se os parâmetros estudados em dois momentos do desen volvimento, no início do 2º ano e no fim do mesmo, a fim de verificar a evolução em uma mesma série, no início do processo. Tais dados estão melhor explicitados na Tabela 4. A precisão de leitura, a princípio, mostrou pouca variação entre os dois momentos da avaliação, não apresentando relevância estatística. Entretanto, o alto desvio padrão revelado no início do ano não se manteve até o fim, mostrando que algumas diferenças individuais foram superadas neste período. Também se deve considerar que a precisão foi calcada na leitura de palavras isoladas propostas em uma lista, o às habilidades linguísticas e cognitivas. NARan SPAN REP CFPal CFrima Cfsil CFfon - 0,491** 0,233 0,311* 0,356* 0,537** 0,407** 0,363* 0,737** -0,313* -0,282-0,533** -0,541** -0,436** 0,363* -0,544** 0,042 0,295* 0,374* 0,306* 0,214-0,556** -0,472** 0,208 0,322* 0,424** 0,567** 0,439** 0,502 ** 51

Mousinho R et al. Tabela 4 - Comparação entre início e fim do 2º ano do EF: velocidade, precisão, padrão e compreensão de leitura. Média DP Média DP t p Avaliação inicial Avaliação final Precisão 43,36 7,97 46,33 1,679-2,451 0,16 Velocidade 315,53 219,27 219,27 71,55 4,234,000 Padrão 169,93,86 71,55,65-2,759,007 Compreensão 2,98 3,49 3,49,99 1,289,027 que pareceu fácil para a maior parte do grupo desde o início do 2º ano. Já as outras variáveis apresentaram-se estatisticamente significativas ao se comparar as duas etapas avaliativas. Houve diminuição do desvio padrão, o que mostra que o grupo vai tomando um ritmo próprio, mesmo ao se considerar variações no curso do desen volvimento. O aumento da compreensão é impulsionado pelo ganho da fluência de leitura, que sai de um padrão meramente silabado, para um pausado, encaminhando-se para o fluente. A velocidade de leitura de texto apresenta um ganho de aproximadamente 90%. Este último dado revela que não é possível, ao falar de avaliações, ter um único parâmetro para comparar o desenvolvimento, sobretudo no início do processo. DISCUSSÃO Esses resultados mostraram correlação direta entre uma leitura precisa, veloz e as possibilidades de compreensão, confirmando que as duas primeiras habilidades favorecem muito a última, apesar de não serem suficientes para garantir a interpretação desejada de textos. Os achados confirmam a hipótese de Alegria et al. 4 considerando que a fluência (automatismo e precisão) na leitura de palavras é condição fundamental, embora não suficiente, para a compreensão de leitura textual. Tal como os achados de outras pesquisas 14,15, este trabalho revelou a existência de uma correlação explícita entre fluência e compreensão de leitura nos primeiros anos de escolaridade formal, o que não necessariamente se mantém posteriormente. Mostrou também que crianças em risco de problemas de leitura precisam desenvolver a fluência para poder compreender um texto. A alta correlação entre precisão, fluência, compreensão e habilidades linguísticas e cognitivas também corrobora outros estudos. Freebody & Byrne 16 realçaram a alta correlação entre leitura de palavras, velocidade de leitura e CF. Berninger et al. 14 destacaram a nomeação de letras como bom preditor para o desempenho posterior na leitura de palavras reais. Os presentes resultados são compatíveis também com outras pesquisas brasileiras, que confirmaram que dificuldades individuais no vocabulário, na MT e na CF são importantes fatores nesta predição 17. Speece e Ritchey 3 também verificaram, por meio de medidas de correlação, que crianças com bom desempenho em NAR e CF apresentaram bom nível de fluência em leitura. Consideraram, igualmente, que habilidades no nível da palavra (tanto fluência, quanto precisão) tornaram-se os melhores preditores de fluência textual. Katzir, Kim, Wolf, Kennedy, Lovett e Morris 1 destacaram CF, NAR e proficiência de leitura de palavras reais como componentes importantes da fluência de leitura. A compreensão apresentou alto nível de significância com todas as habilidades investigadas, menor com MT fonológica e sem significância apenas para span de dígitos. Tais resultados são similares aos encontrados por Goff et al. 2, que verificaram que a leitura de palavras isoladas e as variáveis de linguagem apresen taram relação com a compreensão de leitura muito mais forte do que as variáveis de memória. Em contrapartida, autores como Swanson & Alexander 18, Engle, et al. 19, Swanson 20, Waters & Caplan 21 destacaram 52

Compreensão, velocidade, fluência e precisão de leitura que a memória de trabalho interfere no processo de compreensão de leitura. CONSIDERAÇÕES FINAIS A identificação precoce para a intervenção nos primeiros anos do ensino formal tem sido um dos caminhos considerados dos mais efetivos na prevenção dos problemas de leitura. Neste sentido, a velocidade da leitura pode ser considerada um bom parâmetro desde os primeiros anos do ensino fundamental, uma vez que a fluência interfere diretamente na compreensão, sobretudo nessa fase, apesar de não ser suficientes para garanti-la. A alta significância estatística revelada na avaliação de crianças brasileiras do 2 ano do ensino fundamental entre compreensão, velocidade, fluência e precisão de leitura indica que estes podem ser bons indicadores precoces, associados às habilidades já mais amplamente descritas de consciência fonológica, nomeação automatizada rápida e memória de trabalho. Tais dados corroboram a literatura, mostrando resultados similares no português brasileiro. Tais achados trazem implicação para a clínica e a educação, mostrando que, apesar do padrão fluente ser o almejado, o padrão pausado parece estar adequado a esta escolaridade, possibilitando a compreensão de textos compatíveis com a série. Entretanto, uma leitura que apresente um padrão silabado pode ser um sinal de alerta. Mesmo que uma parte dessas crianças apresente um desenvolvimento favorável, outra parte pode apresentar grandes prejuízos, o que já justificaria um cuidado especial. Também se torna importante destacar que, dentro do próprio 2º ano, a variação entre os resultados do início e do fim do ano letivo é tão relevante, que a criação de um único parâmetro como base de avaliação torna-se insuficiente. SUMMARY Reading comprehension, velocity, fluency and precision in the second grade of elementary school This work aims to establish correlations between fluency, precision, speed and understanding of reading in Brazilian Portuguese as well as the role of metalinguistics and cognitive skills. The sample was consisted by 45 children of 2 grade of Elementary Studies, age of 7.58 years old (standard deviation 3.793). The evaluation concerned the speed of reading, precision of word reading, phonological awareness, working memory and the rapid naming task. The analysis in Cluster defined two groups. The Group 1 presented slow reading, by syllable, and difficulties in text comprehension. The Group 2 showed twice quicker reading speed, fluency in lecture and efficient interpretation. The correlation (Pearson) between comprehension, fluency, speed and reading precision was considered of high statistical signification in all combinations. The comprehension presented high level of signification in almost all the investigated skills, being more discreet only in the repetition of no words. The result indicates that these can be precocious indicators to learning disabilities associated to skills more widely described as phonological awareness, working memory and rapid naming task. These data corroborates the literature. KEY WORDS: Verbal learning. Comprehension. Awareness. Phonetics. Reading. 53

Mousinho R et al. REFERÊNCIAS 1. Katzir T, Kim Y, Wolf M, Kennedy B, Lovett M, Morris R. The relationship of spelling recognition, RAN, and phonological awareness to reading skills in older poor readers and younger reading-matched controls. Reading and Writing. 2006; 19:845 72. 2. Goff D, Pratt C, Ong B. The relations between children s reading compre hension, working memory, language skills and components of reading decoding in a normal sample. Reading and Writing. 2005;18:583 616. 3. Speece D, Ritchey K. A longitudinal study of the development of oral reading fluency in young children at risk for reading failure. J Learning Disabilities. 2005;38(5):387-99. 4. Alégria J, Leybaert J, Mousty P. Aquisição da leitura e distúrbios associados: avaliação, tratamento e teoria. In: Grégoire J, Piérart B, orgs. Avaliação dos problemas de leitura: os novos modelos teóricos e suas implicações diagnósticas. Porto Alegre:Artes Médicas;1997. p.105-24. 5. Cocco MF, Hailer MA. ALP 1: análise, linguagem e pensamento: um trabalho de linguagem numa proposta sociocons trutivista. São Paulo:FTD;1995. 6. Pinheiro A. Leitura e escrita: uma abordagem cognitiva. Campinas:Psy II;1994. 7. Capovilla AGS, Capovilla FC. Uma perspectiva geral sobre leitura, escrita e suas relações com consciência fonológica. In: Capovilla AGS, Capovilla FC, editores. Problemas de leitura e escrita. São Paulo:Memnon;2000. p.3-37. 8. Cielo CA. Habilidades de consciência fonológica em crianças de 4 a 8 anos de idade [Tese de Doutorado]. Porto Alegre: PUC-RGS Faculdade de Letras. Curso de Pós-Graduação em Letras;2001. 133p. 9. Bogossian MADS, Santos MJ. Teste Ilinois de habilidades psicolinguísticas. Adaptação brasileira. Florianópolis:Tamasa;1977. 10. Kessler TM. Estudo da memória de trabalho em pré-escolares [Dissertação (Mestrado em Distúrbios da Comunicação Humana]. São Paulo:Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina;1997. 36p. 11. Denckla MB, Rudel RG. Rapid automatized naming of pictured objects, colors, letters and Trabalho realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ. numbers by normal children. Cortex 10:86-202. Denckla, M., and Rudel, R. G. 1976. Rapid automatized naming (RAN): Dyslexia differ 1974. 12. Ferreira TL, Capellini SA, Ciasca SM, Tonelotto JMF. Desempenho de escolares leitores proficientes no teste de nomeação automatizada rápida: RAN. Temas sobre Desenvolvimento. 2003;12(69):26-32. 13. Wood F, Hill D, Meyer M,Flowers L. Predictive assessment of reading. Read i n g a n d Wr i t i n g S p r i n g e r. 2 0 0 5 ; 18:583 616. 14. Berninger V, Abbott R, Vermeulen K, Fulton C. Paths to reading comprehension in at-risk second-grade readers. J Learning Disabilities. 2006;39(4):334-51. 15. Salles JF, Parente MAMP. Processos cognitivos na leitura de palavras em crianças: relações com compreensão e tempo de leitura. Psicologia: Reflexão e Crítica. 2002;15(2):321-31. 16. Freebody P, Byrne B. Word-reading strategies in elementary school children: Relations to comprehension, reading time, and phonemic awareness. Reading Research Quarterly. 1988;23(4):441-53. 17. Capovilla AGS, Gutschow CR, Capovilla FC. Habilidades de leitura e escrita que predizem competência de leitura e escrita. Psicologia: Teoria e Prática. 2004;6(2):13-26. 18. Swanson HL, Alexander JE. Cognitive processes as predictors of word recognition and reading comprehension in learningdisabled and skilled readers: revisiting the specificity hypothesis. J Eduactional Psychol. 1997;89(1):128-58. 19. Engle RW, Cantor J, Carullo JJ. Individual differences in working memory and comprehension: a test of four hypotheses. J Experimental Psychology: Learning, Memory, and Cognition. 1992;18(5):972-92. 20. Swanson HL. Reading comprehension and working memory in learning-disabled readers: is the phonological loop more important than the executive system? J Experimental Child Psychol. 1999;72:1 31. 21. Waters GS, Caplan D. The measurement of verbal working memory capacity and its relation to reading comprehension. The Quarterly Journal of Experimental Psychology. 1996;49A(1):51-79. Artigo recebido: 7/1/2009 Aprovado: 27/3/2009 54