BRINCAR: UMA EXEPRIÊNCIA DA TEORIA DE VYGOTSKY Marcos Rafael Tonietto UFPR 1 Flavia Gonzaga Lopes Vieira UFPR 2 Deborah Helenise Lemes de Paula UFPR 3 Monique Paola Wandembruck UFPR 4 RESUMO Fazendo uma breve comparação da sociedade atual com a antiga em relação às crianças, percebemos que, agora, estas estão sendo mais respeitadas e compreendidas dentro do seu desenvolvimento. Após vários estudos vem se pensando a criança como indivíduo único que ajuda na construção de sua própria identidade e atua como sujeito ativo na construção do contexto social no qual estão mergulhadas. Quando pensamos nas crianças e no que seria próprio de seu mundo, uma das primeiras imagens que vem em nossas mentes é a associação com a brincadeira, que é uma situação na qual elas aprendem e constroem inúmeros conhecimentos que as acompanham para o resto da vida. Durante uma brincadeira a criança formula um problema, procura soluções, delimitando espaço, tempo e funções de forma a transformar todo o meio que a cerca. Ela utiliza-se do seu mundo de faz-de-conta para imaginar a brincadeira e assim materializá-la com brinquedos (muitas vezes imaginários) e atitudes. Durante a brincadeira, ela usa recursos próprios - o corpo -, associando-os com os recursos disponíveis no ambiente, trazendo para o contexto do brincar situações vivenciadas por ela ou por outras pessoas, construindo assim novos significados. O professor deve tratar a criança como tal e não como um adulto em miniatura. Portanto, ele precisa penetrar no mundo da brincadeira para utilizar a imaginação, a criatividade e o constante relacionamento que a criança tem consigo, com o meio e com os outros no brincar. E a partir da idéia de desenvolvimento proposta por VYGOTSKY, este estudo propõe o brincar como elemento da aprendizagem que pode atuar dentro da zona de desenvolvimento proximal proposta pelo autor para o desenvolvimento das crianças na Educação Infantil. 1 Licenciado em Educação Física UFPR. Pós-graduando em Educação Física Escolar rafaeltonietto@hotmail.com 2 Licenciada em Educação Física - PUC/PR Pós-graduanda em Educação Física Escolar flaviaglv@yahoo.com.br 3 Licenciada em Educação Física PUC/PR. Graduanda em Pedagogia pela - UFPR Pós-graduanda em Educação Física Escolar deborah_helenise@hotmail.com 4 Licenciada em Educação Física PUC/PR. Pós-graduanda em Educação Física Escolar moniquepaola2001@yahoo.com.br
2913 1. CONSIDERAÇÕES PEDAGÓGICAS SOBRE A HISTÓRIA DA CRIANÇA Se formos analisar o papel da criança até nos séculos que antecedem o século XVIII, percebemos que a criança era desvalorizada e explorada para o trabalho, não contando com sua família e quando reconhecida como tal, era considerada simplesmente um incômodo ou algo que sempre sobrava. Acabava morta pela indiferença. Por volta do século XVIII, a criança passou a ter valor de mercadoria, sendo vista como uma potência econômica futura. Ou seja, ela cresceria, trabalharia e produziria riquezas para seu Estado. Também o defenderia quando necessário. Então, para as pessoas daquela época, quanto mais filhos melhor. Claro que esta quebra paradigmática com relação à criança proporcionou um tratamento melhor a ela, mas ainda assim, era entendida como um corpo que necessitava ser fortalecido para um trabalho futuro. A sua ludicidade não era reconhecida. Ao longo da história, prevaleceu por muito tempo a idéia de que as brincadeiras deveriam ser reprimidas, pois eram vistas como distrações inúteis. A escola era um local para aprender o que era importante de acordo com as necessidades sociais, tendo por fim o treinamento dos alunos que para o cumprimento de deveres. As crianças eram entendidas como adultos em miniatura e suas brincadeiras eram consideradas perdas de tempo. 2. O ATUAL CONTEXTO INFANTIL E O BRINCAR A Escola é um dos locais onde a criança passa maior parte do seu tempo. Sendo assim, faz-se necessários espaços lúdicos para suprir suas necessidades de brincar como também abertura e disponibilidade dos envolvidos: professores, orientadores, diretores, para tal. A brincadeira está inserida na vida da criança. Na escola tem como função o aspecto de auxiliar no seu desenvolvimento enquanto ser humano, e a construção do conhecimento, aspectos esses que estão interligados. Brincar favorece a auto-estima da criança e a sua interação com o mundo que a rodeia, proporcionando situações de aprendizagem e desenvolvimento de suas capacidades cognitivas. Por
2914 meio de jogos a criança aprende a agir, tem sua curiosidade estimulada e exercita sua autonomia (VYGOTSKY, 1984; FREIRE, 1989; VASCONCELOS, 2002). As brincadeiras são ferramentas que desafiam a criança facilitando suas descobertas e a compreensão de que o mundo está cheio de possibilidades e oportunidades para a expansão da vida com alegria, emoção, prazer e vivência grupal. Brincar é fonte de lazer, mas fonte de conhecimento que nos possibilita a considerar o brincar parte integrante da atividade educativa. Portanto o presente trabalho visa encontrar elementos que justifiquem a utilização do brincar como elemento do processo ensino-aprendizagem. 3. UMA PERSPECTIVA VYGOTSQUIANA Várias pesquisas têm procurado demonstrar a importância do brincar para o processo de ensinoaprendizagem, justificando-o como um meio eficaz para a aprendizagem. Nesta pesquisa buscou-se sistematizar o brincar para que ele assuma significado dentro do âmbito escolar. A sistematização tenta de forma embasada resgatar a idéia de Vygotsky (1984) de Zona de Desenvolvimento Proximal para verificar se: durante o brincar as crianças observadas criam uma zona de desenvolvimento proximal definido por este autor. Dessa forma poderemos: - Elucidar sobre a importância do brincar como elemento que assume significado no processo ensino aprendizagem em contexto escolar que respeite a crianças como tal; - Verificar a aplicabilidade da brincadeira para compreensão de um conhecimento. Vygostsky buscou em suas pesquisas analisar a evolução cultural do homem e entender o desenvolvimento psicológico do indivíduo. Embora suas pesquisas tenham sido realizadas a mais de meio século, vemos a atual aplicabilidade de sua teoria. Para Vygostky apud Coll et al. (1983, p.10) as funções psicológicas superiores são fruto do desenvolvimento cultural, que acompanham o indivíduo ao longo de sua vida. Para facilitar a compreensão do assunto em questão recorremos à idéia do autor sobre níveis de desenvolvimento; um real, já adquirido ou formado, que determina o que a criança já é capaz de fazer por si própria, e um potencial, sendo, a capacidade de aprender com outras pessoas.
2915 A aprendizagem interage com o desenvolvimento, produzindo abertura na zona de desenvolvimento proximal - distância entre aquilo que a criança faz com a intervenção de um outro indivíduo e o que ela é capaz de fazer sozinha; potencialidade para aprender, que não é a mesma para todas as pessoas; ou seja, distância entre o nível de desenvolvimento potencial e o real - nas quais as interações sociais são centrais, estando então, ambos os processos, aprendizagem e desenvolvimento, inter-relacionados. Assim, um conceito que se pretenda trabalhar, como por exemplo, quando a criança utiliza-se do mundo de faz-de-conta para representar o mundo real no qual está inserida (OLIVEIRA, 1993). O brincar dará fundamentos para o desenvolvimento cognitivo a partir da internalização dos objetivos postos pelo professor durante uma interação social dos conhecimentos através de materiais determinados pela cultura, sendo que o processo se constrói de fora para dentro. Para Vygotsky (1984), a atividade do sujeito refere-se ao domínio dos instrumentos de mediação, inclusive sua transformação por uma atividade mental. Ele considera a criança um ser interativo. Segundo ele, os pequeninos utilizam-se das interações sociais como formas de construção de saberes: aprendem a regra do jogo, através dos outros e não como o resultado de um engajamento individual na solução de problemas. Vemos aqui a necessidade dos docentes pensarem a brincadeira a partir de objetivos e métodos bem definidos para que esta tornese um instrumento pedagógico. 4. O MUNDO DO FAZ DE CONTA Quando Vygotsky (1984) discute o papel do brinquedo, refere-se especificamente à brincadeira de "faz-de-conta, como brincar de casinha, brincar de escolinha, brincar com um cabo de vassoura como se fosse um cavalo. Faz referência a outros tipos de brinquedo, mas a brincadeira "faz-de-conta" é privilegiada em sua discussão sobre o papel do brinquedo no desenvolvimento. Para o autor, ao reproduzir o comportamento social do adulto em seus jogos, a criança está combinando situações reais com elementos de sua ação fantasiosa. Esta fantasia surge da necessidade da criança, em reproduzir o cotidiano da vida do adulto da qual ela ainda não pode participar ativamente. Porém, essa reprodução necessita de conhecimentos prévios da realidade exterior, deste
2916 modo, quanto mais rica for a experiência humana, maior será o material disponível para as imaginações que irão se materializar durante o brincar. Vemos que durante uma brincadeira individual ou em grupo, é construída uma série de conhecimentos e várias habilidades são desenvolvidas, além de serem criadas diversas estratégias para solucionar os conflitos emocionais. Considerando importante esta construção da criança e privilegiando o brincar, mesmo assim é necessária uma atenção especial. Durante a brincadeira a criança usa recursos do próprio corpo associando com os recursos disponíveis no ambiente e traz para o contexto do brincar, situações vivenciadas por ela ou por outra pessoa (imitação), construindo assim novos significados. Para classificar esta idéia Oliveira (2000, p.55) cita Pedroza ao afirmar que: As crianças constroem suas brincadeiras, recortando pequenas ações das outras, ajustandose a elas, quer seja repetindo-as integralmente ou parcialmente, quer seja acrescentando-lhes algo e, até, substituindo parte delas. Cada uma das crianças parece fazer uma certa previsão do que é brincadeira e age nessa direção, mas cada instante é confrontada com as ações, das outras crianças e o efeito de suas próprias ações. O comportamento das crianças em situações do dia a dia é, em relação aos seus fundamentos, o contrário daquele apresentado nas situações de brincadeira. A brincadeira cria zona de desenvolvimento proximal da criança que nela se comporta além do comportamento habitual para sua idade, o que vem criar uma estrutura básica para as mudanças da necessidade e da consciência, originando um novo tipo de atitude em relação ao real. Na brincadeira, aparecem tanto as ações na esfera imaginativa numa situação de faz-de-conta, como a criação das intenções voluntárias e as formações dos planos da vida real, constituindo-se assim, no mais alto nível do desenvolvimento préescolar (VYGOTSKY, 1984). Na brincadeira a criança passa a dirigir seu comportamento pelo mundo imaginário, isto é, o pensamento está separado dos objetos e a ação surge das idéias. Sendo assim, do ponto de vista do desenvolvimento psicológico, a brincadeira de faz de conta assemelha-se a um pensamento abstrato.
2917 5. CONSTRUINDO UMA PRÁTICA A metodologia utilizada neste estudo utilizou uma abordagem fenomenológica num paradigma interpretativo de caráter qualitativo visando descrever os fenômenos observados. Para atingir os objetivos deste estudo, foi realizada uma pesquisa bibliográfica e uma pesquisa de campo, que pretendem dialogar entre si, de uma forma dialética interdependente, ou seja, se transformam conforme seu desenvolvimento. É importante frisar que não se trata aqui de uma pesquisa terminada; ela vai servir de elemento para auxiliar na formação e atualização dos profissionais envolvidos no processo de ensino aprendizagem. A população foi composta por alunos da série Pré II com idade entre 4 e 5 anos - da Escola Húnika situada na cidade de Curitiba no bairro Novo Mundo. A coleta de dados deu-se através de uma pesquisa participante onde o pesquisador propunha atividades que privilegiassem o conhecimento por meio da brincadeira. Para tanto houve a anotação dos fenômenos observados para a partir deles discutir sobre os resultados apresentados e assim propor uma conclusão. No iniciar da brincadeira foi realizada uma enquete sobre o assunto da aula (sinais de trânsito) e percebeu-se que a maioria dos alunos conhecia os sinais de trânsito, porém poucos compreendiam seu significado. Com o desenvolvimento da atividade primeiramente as crianças brincavam por brincar, não tinham conhecimento de que a brincadeira teria objetivos e significados pedagógicos. Para que o interesse aumentasse utilizou-se do faz-de-conta (elemento do mundo imaginário da criança já comentado e utilizado na teoria do desenvolvimento de Vygotsky), onde alguns alunos eram os coelhos e outros o lobo. Fatores que facilitaram o interesse e a participação por parte de todos. 5.1. Vivenciando uma brincadeira Coelho sai da toca O professor inicia a atividade identificando o que os alunos conhecem sobre sinal de trânsito, comentando sobre a importância de se respeitar os sinais de trânsito e suas conseqüências para a segurança dos indivíduos.
2918 A brincadeira constitui-se em tocas, coelhos e lobo. A toca é formada por dois alunos que de mãos dadas formarão um circulo. Dentro deste circulo terá um aluno que será o coelho. O lobo será um aluno que não possuirá toca, porém tentará conquistar uma toca quando for possível. Num primeiro momento a atividade será realizada com comandos de voz. O professor dará alguns comandos que deverão ser cumpridos pelos alunos. Os comandos são: Coelho sai da toca e Toca sai do coelho. Quando o primeiro comando for dado, os coelhos deverão sair de suas tocas e procurar outra, antes que o lobo entre em uma das tocas. O segundo comando, os alunos que formam as tocas, deverão formar outras tocas com outros companheiros. Nos dois casos, o coelho que ficar sem toca passará a ser o lobo. No segundo momento a brincadeira modifica-se e o professor utilizará cartões com as cores vermelha, amarela e verde. O cartão vermelho não permite que os coelhos saiam de suas tocas. Quando o amarelo for mostrado, os alunos deverão trocar de tocas, mas neste caso o lobo poderá entrar em uma toca, já com o cartão verde, os coelhos possuem passe livre, ou seja, saem de suas tocas livremente e o lobo não pode entrar. Quando algum dos alunos não conseguia compreender o que fazer a partir do estímulo visual (qualquer das cores) os colegas procuravam auxiliar para que houvesse um melhor desenvolvimento da brincadeira, estes também funcionavam como mediadores no processo ensino-aprendizagem. Caso esse auxílio não fosse suficiente o professor explanava novamente a atividade. É interessante ressaltar que os alunos demonstraram gosto pela atividade no seu decorrer e que pediram para que essa brincadeira fosse repetida em outras aulas para que pudessem brincar mais. Ao final da atividade os alunos foram dispostos em círculo para que ocorresse o feedback da atividade e neste momento um dos alunos comentou que aquela atividade era dos sinais do sinaleiro e que ele já sabia que isso tinha a ver com o carro. Outro comentou que o amarelo era atenção. Foram observados diferentes comentários quando indagados sobre o significado das cores do semáforo, sobre o vermelho perguntaram para que servia e após o professor comentar que era parar um dos alunos disse que se não pára o carro bate e todo mundo morre. Observamos que apesar da dramatização do menino ele iniciou o entendimento da importância dos sinais de trânsito para o bom convívio social e segurança dos indivíduos, e da mesma forma ele conseguiu utilizar os elementos da brincadeira para relacionar com o cotidiano escolar.
2919 6. ENCAMINHAMENTOS FUTUROS Na perspectiva deste trabalho vemos aqui a importância de ressaltar dois aspectos: 1. A intervenção do professor; 2. Interação entre os alunos. A intervenção propiciou trabalhar dentro da zona de desenvolvimento proximal, pois os alunos tinham com o auxilio do professor e dos colegas, potencial de conhecer o funcionamento do semáforo e sua importância para o bom convívio social. Esse potencial se tornou real para alguns dos alunos após a realização da atividade e do feedback. Desta forma, mostrou-se a necessidade de o professor estar intervindo com objetivos e métodos definidos para que se possa desenvolver um excelente trabalho pedagógico, formando indivíduos competentes para a transformação social. Concluímos a partir deste trabalho que o brincar pode ser um riquíssimo elemento para o processo de ensino aprendizagem. Não que ele seja a solução para os problemas da escola, mas não vemos porque não valorizá-lo. O professor ao trabalhar com a criança não pode simplesmente proibi-la de brincar durante as aulas, pelo contrário ele deve se utilizar desse mundo riquíssimo de criatividade e imaginação para melhor desenvolver o processo de aprendizagem. Ainda nos dias de hoje observa-se que alguns educadores referem à hora de brincar ao recreio e nunca durante as aulas. Por exemplo: não seria muito mais interessante aprender a contar pulando amarelinha? Percebemos então que o brinquedo pode ser um poderoso aliado no processo-ensino aprendizagem de acordo com a maneira que é utilizado, lembrando também que a criança necessita brincar por prazer, em liberdade. Sendo assim e como diz Feire (1989, p.39), ela poderá decidir sobre o uso dos seus recursos cognitivos para resolver os problemas que surgem no brinquedo, sem dúvida alguma chegará ao pensamento lógico de que necessita para aprender a ler escrever e contar. Além disso, vimos que no brincar as crianças podem recriar o mundo que estão inseridos e a partir dele podem discutir sua relação com este mundo e com os outros, de forma a estarem desenvolvendo-se em uma zona de desenvolvimento proximal.
2920 REFERÊNCIAS COLL, C. et al. Desenvolvimento Psicológico e Educação: Psicologia da Educação. Porto Alegre: Artmed, 1996. FREIRE, J. B. Educação de Corpo Inteiro: Teoria e Prática da Educação Física. São Paulo: Scipione, 1989. OLIVEIRA, M. K. Vygotsky: Aprendizado e Desenvolvimento Um Processo Histórico, São Paulo: Scipione, 1993. OLIVEIRA, V. B. O brincar e a criança do nascimento aos seis anos. Petrópolis: Vozes, 2000. VASCONCELOS, M. S. Brinquedo, Aprendizagem e o Desenvolvimento da Inteligência Reflexiva. Temas em Educação I Livro das Jornadas 2002. Curitiba: Futuro, 2002. VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente. Martins Fontes: São Paulo, 1984.