Comunicação FORMAÇÃO CONTINUADA EM ARTE-EDUCAÇÃO



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Transcrição:

Comunicação FORMAÇÃO CONTINUADA EM ARTE-EDUCAÇÃO Simone André Mônica Pellegrini Maria Lívia de Castro Andrade Paulo Emílio de Castro Andrade 1 Palavras-chave: Formação Continuada de Arte-Educadores; Projetos Sociais de Arte-Educação; Ensino de Arte na contemporaneidade. O campo da arte-educação está atravessando um período de ebulição. Não só existe um interesse crescente no ensino de arte, como uma multiplicidade de novas organizações e instituições desenvolvendo atividades nesta área, como, também, o próprio ensino da arte passa por grandes transformações. Estudos recentes têm levado à uma reflexão sobre os modos tradicionais de se ensinar arte e os objetivos desse ensino. O período é de pesquisa intensa, com várias experimentações e descobertas. Este quadro inclui uma demanda imensa por conhecimento tanto de novos profissionais, que estão ingressando na área, como de educadores experientes, que estão revendo suas práticas. Ao promover um programa social que tem a arte na centralidade de suas ações o Instituto Ayrton Senna (IAS) acredita no ensino de arte como uma via efetiva de desenvolvimento humano. Sob o ponto de vista do Programa Educação pela Arte, desenvolvido pelo IAS desde 1999, o ensino de arte tem como proposta o fazer artístico e a apreciação e interpretação da obra de arte, a partir de uma perspectiva multiculturalista e uma visão interdisciplinar que possibilitam o conhecimento sensível do ser humano e do mundo, a vivência, a identificação e a incorporação de valores pelos educandos. Participam do Programa Educação pela Arte 19 organizações não-governamentais, localizadas em 9 estados brasileiros, que atendem diretamente 10.000 crianças e jovens. 1 Instituto Ayrton Senna 1

Entre as suas diversas ações, o Programa desenvolve a Formação Continuada em Arte-Educação de 456 arte-educadores e gestores de todas as organizações parceiras, com a intenção de contribuir para a construção de referências teórico-práticas sobre o ensino de arte na contemporaneidade, para a qualificação profissional de arte-educadores e para a melhora permanente das oportunidades educativas em arte oferecidas às crianças e jovens. A VISÃO DO PROGRAMA EDUCAÇÃO PELA ARTE A visão de mundo que orienta nosso conceito de educação na sociedade do século 21 é o Paradigma do Desenvolvimento Humano. Trata-se da crença de que o desenvolvimento de um país ou de uma comunidade depende fundamentalmente das oportunidades que oferece para que as pessoas desenvolvam seus potenciais. O desenvolvimento humano das novas gerações implica, portanto, em uma visão de que todas as crianças e os jovens, sem exceção, são portadores do potencial e do direito de tornarem-se pessoas capazes de enfrentar os desafios que suas vidas e o tempo em que vivem lhes impõem. Agir em favor das novas gerações, nessa perspectiva, é criar concepções e práticas educacionais que sejam capazes de gerar competências para que os indivíduos transformem a si mesmos e as suas circunstâncias a partir do desenvolvimento de seus potenciais. Essa é a nossa concepção de educação para o desenvolvimento humano. Implícita no conceito de educação para o desenvolvimento humano, há uma visão de pessoa que, segundo esse paradigma, passa a ocupar o centro dos processos de desenvolvimento. O ensino de arte e o desenvolvimento humano das novas gerações A educação pela arte é uma oportunidade ímpar para promover o desenvolvimento humano das novas gerações. Fazer arte e apreciar e interpretar obras de arte são oportunidades privilegiadas para que o educando desenvolva seu potencial e adquira um conhecimento sensível de si mesmo e da realidade. O conhecimento sensível é um modo singular de conhecer, que não pode ser proporcionado por outros modos de apreensão do real. O modo de ver, sentir, 2

pensar e agir proporcionado pela arte torna nossa interação com o mundo mais rica, integrada, inventiva e humana. Se ignorarmos essa dimensão do conhecimento humano, nosso olhar se torna mais pobre e mais fragmentado. É tamanha a força criadora da arte na vida das pessoas, que podemos falar de uma natureza ontocriadora (criadora do ser) na relação que estabelecemos com ela. É precisamente aí que reside a importância da arte para o desenvolvimento humano. Além de propiciar ao ser humano um conhecimento singular de si mesmo e do mundo do qual é parte, a arte contribui para, nele, fundar um vigoroso sentido do humano. A arte possibilita vivenciar, identificar e incorporar valores Obras de arte dão corpo aos valores de uma determinada sociedade em um contexto específico, e cumprem variados papéis - servir de objeto de culto, promover relações sociais, apresentar posições hierárquicas, documentar fatos, defender pontos de vista, etc. O estudo da arte, portanto, deve incluir um ponto de vista ético, promovendo a vivência, a identificação e a incorporação de valores. Essa proposta encontra grande correspondência com a concepção contemporânea de arte. A noção de arte que predomina atualmente reconhece os componentes políticos, sociais e econômicos que atuam na criação e recepção da arte. O aumento significativo de obras que propõem a discussão de questões éticas marca o surgimento da arte contemporânea. O mergulho das artes nas esferas política e social chegou a tal ponto, que muitas vezes é difícil separar obra de arte de manifestação política ou de atividade social. Estamos vivendo uma onda de experimentações, desenvolvidas por equipes multidisciplinares. Arte ativista, arte política, arte mídia, arte pública, arte tecnológica e arte virtual são alguns dos movimentos que compõem o cenário contemporâneo. A história da arte também participa dessa discussão. Quando a arte era vista como um campo autônomo, o foco da história da arte se dirigia às características estéticas das obras de arte. Seu objeto de estudo estava focado nos estilos e movimentos artísticos, sem uma preocupação maior sobre os componentes éticos, políticos e econômicos que as obras de arte materializam. Seguindo as tendências contemporâneas, a discussão de valores perpassa a produção e a apreciação de obras de arte. Em ambos os casos, é fundamental 3

ajudar o educando a comparar diferentes valores e visões de mundo, ampliando suas referências para atuar no contexto em que vive. O fazer artístico como oportunidade de desenvolvimento humano Sendo uma experiência totalizante, que envolve todas as dimensões do ser humano, o fazer artístico reúne os interesses, valores, sentimentos, conhecimentos e visão de mundo do artista. Independentemente da linguagem artística, fazer arte parte de experiências e inquietações pessoais, de uma necessidade interior de conhecer a si mesmo e o mundo. Ao dar forma ao seu projeto, o artista constrói também novas formas para si e para o mundo. Na visão do Programa Educação pela Arte, todas as pessoas têm potencial para fazer arte. O ensino de arte tem um papel fundamental no desenvolvimento desse potencial humano. Não se trata de transformar todas as pessoas em artistas profissionais, mas de dar meios para que todos possam se expressar poeticamente. Existem diferentes propostas de ensino de arte voltadas para o fazer artístico, algumas enfatizando os aspectos técnicos e outras a subjetividade do educando. Mais recentemente, estudiosos têm se debruçado sobre o trabalho de artistas profissionais para pensar o fazer artístico dentro do ensino de arte. Como verificamos, existe uma série de características comuns no processo de criação de uma obra de arte. Independente da linguagem artística, ou das especificidades de cada obra, o trabalho do artista passa por caminhos parecidos. Com base nas características gerais do fazer artístico podemos distinguir dois tipos de fazer artístico nas oportunidades educativas em arte: 1) o autêntico, que leva o educando a experimentar um processo semelhante àquele vivido pelos artistas profissionais; e 2) o aleatório, que proporciona atividades casuais de manipulação de materiais. Na visão do Programa, atividades aleatórias podem até trazer algum benefício, mas não contribuem significativamente para o desenvolvimento humano. Já o fazer artístico autêntico parte da visão da arte como conhecimento e proporciona ao educando oportunidades para que ele possa desenvolver competências pessoais, relacionais, cognitivas e produtivas. Para conduzir atividades educativas capazes de estimular o fazer autêntico, o Programa estruturou sua proposta de ensino em uma perspectiva multiculturalista, que 4

contempla a educação estética, a partir da construção de um conhecimento sensível de ser humano e do mundo, e ética, a partir da vivência, identificação e incorporação de valores. A perspectiva multiculturalista sustenta a relação intrínseca que existe entre fazer artístico, experiência de vida e contexto histórico. A experiência de vida e o contexto no qual o educando está inserido desempenham um papel fundamental na sua criação artística. Ao dar forma à matéria, o educando responde à necessidade de compreender a si mesmo e ao mundo. Organiza também seus sentimentos, experiências e conhecimentos. Nesse processo, ele vai respondendo aos desafios e possibilidades de seu contexto histórico. Sendo assim, para criar oportunidades educativas propícias ao fazer artístico autêntico, precisamos reconhecer nosso educando como sujeito que detém um conjunto de valores, conhecimentos, experiências, interesses, necessidades. Toda proposta de fazer artístico deve permitir que o educando estabeleça relações com o que já sabe e já viveu. A partir da sua experiência prévia é que ele pode construir novas formas para si mesmo. Isso não significa restringir o trabalho ao universo cultural do educando. Pelo contrário. Nosso desafio é proporcionar a ele novas experiências de fazer artístico, que o levem a refletir sobre seu próprio universo e ao mesmo tempo ampliem sua visão de mundo. Ao construir um conhecimento sensível sobre o ser humano e o mundo o educando desenvolve a sensibilidade, a percepção e a criatividade. Ao fazer arte, o educando mergulha em um processo intenso de pesquisa e experimentação formal. Sua sensibilidade dirige sua percepção para captar idéias, sensações e referências que vão constituir a base do seu trabalho. Ao mesmo tempo, o educando vai dando forma à sua obra ele seleciona, organiza, estabelece contrastes e semelhanças, determina relações. A criatividade preside todas essas ações, pois não existe uma resposta pré-definida. O resultado depende da capacidade do educando de descobrir um modo pessoal de dar sentido ao mundo através da forma. A capacidade de se expressar por meio da arte depende, também, do conhecimento que o educando tem da linguagem artística trabalhada. É necessário, ainda, saber usar os princípios formais ritmo, proporção, equilíbrio, contraste, semelhança, etc. Além disso, as experiências anteriores com a arte, seja como criador ou apreciador, vão influenciar a capacidade criativa do educando. Quanto mais referências o educando tiver, mais rico será seu vocabulário formal. 5

A apreciação e interpretação da obra de arte como oportunidades de desenvolvimento humano Preparar as novas gerações para a apreciação artística é uma tarefa primordial do Programa Educação pela Arte, pois, apreciar e interpretar obras de arte é uma maneira de abrir novos horizontes de percepção da própria arte, da cultura e da vida. A apreciação artística propicia ao educando desenvolver sua percepção estética, construir novas relações, exercitar a sua capacidade de criar múltiplas interpretações e de propor novos significados à obra de arte, ao seu contexto e à sua própria vida, a partir da compreensão e avaliação de uma multiplicidade de códigos culturais. Nessa perspectiva, o Programa Educação pela Arte propõe uma educação multicultural. Apostar no multiculturalismo significa reconhecer o outro, distinto de mim ou da minha comunidade, como portador de saber, de valores, de conhecimentos e práticas. É olhar de frente a complexidade humana, que não admite visões uniformes nem imposições redutoras. É entender que a verdade é plural. Que pessoas e comunidades, deparando-se com contextos e histórias diferentes, constroem realidades portadoras de sentido material e espiritual, individual e coletivo. Existem vários pontos de contato entre as propostas da educação multicultural e a educação para o desenvolvimento humano, proposta pelo Programa Educação pela Arte. O conhecimento de outras culturas é um passo fundamental para desenvolver uma atitude de respeito e solidariedade entre grupos diferentes. A confiança em relação ao outro pode encorajar uma postura de abertura e curiosidade para o desconhecido. Ao mesmo tempo, o conhecimento de outras culturas nos ajuda a entender o que temos de singular. Um outro ponto importante está ligado ao fato que os códigos culturais dos educandos devem ser vistos como uma fonte de riqueza a ser valorizada, e não como um problema a ser contornado. Esta é uma postura central na educação multicultural. O caráter político desta proposta de educação parte do pressuposto de que o conhecimento é uma propriedade comum de todos os grupos humanos. Portanto, 6

promover a igualdade entre diferentes grupos significa reconhecer os seus saberes como equivalentes, em uma rede horizontal de relações. O processo de apreciação artística pressupõe, também, atividades de percepção das qualidades formais de uma obra dentro de um conjunto de significações. Assim, para se desenvolver um processo educativo em arte que contribua para que o educando compreenda de que maneira a obra de arte é elaborada é importante que ele amplie a sua percepção estética. Ao tratar sobre o plano perceptivo na apreciação artística, Regina Machado (2003) afirma que: Envolve a ampliação e o aguçamento dos sentidos para que o aluno possa aprender a distinguir qualidades nas formas realizadas e observadas por ele, percebendo relações das formas entre si, das formas com o espaço circundante, relações entre materiais e técnicas, entre materiais e suas possibilidades expressivas. Além disso, perceber quer dizer também entrar em contato com as repercussões e ressonâncias, como diz G. Bachelard, que as formas provocam em cada um, em termos de emoções, lembranças, intuições, pensamentos. (MACHADO, 2003) Os desafios do Programa Educação pela Arte, tendo em vista o desenvolvimento humano das novas gerações, envolvem prepará-las para agir contra a alienação, a passividade, a uniformidade e o espírito de competitividade que ameaçam dominar as sociedades contemporâneas. Queremos formar cidadãos sensíveis e criativos, que valorizem as diferenças culturais, que tenham uma visão crítica do mundo e sejam participativos, solidários e responsáveis. Ao apreciar e interpretar a obra de arte, portanto, desejamos que o educando possa refletir sobre si mesmo, sobre o objeto de arte e seu tempo, lugar e contexto histórico. Que ele se confronte e valorize as diversas manifestações culturais e que ele desenvolva habilidades, valores e atitudes para refletir, pensar, comparar, diferenciar e interpretar a obra de arte no seu contexto e que essa interpretação passe pela sua emoção e cognição. A FORMAÇÃO CONTINUADA DO PROGRAMA EDUCAÇÃO PELA ARTE A Formação Continuada do Programa Educação pela Arte teve início em 2001, no momento em que 21 organizações não-governamentais passaram a ser parceiras do Instituto Ayrton Senna. O conjunto das ONGs apontava uma grande e valorosa diversidade, fosse de localização (estavam situadas em 9 estados 7

brasileiros), de foco em relação às linguagens artísticas, de público-alvo, entre outros. O Programa atentou-se às ricas possibilidades de trocas de experiências entre as organizações parceiras e, mais que isso, na necessidade de construção de referências conceituais e de estratégias que respondessem à causa que aquele conjunto de instituições passava, de maneira articulada, a responder. Assim, decidiu-se estruturar um processo permanente de formação, envolvendo as equipes de gestores, coordenadores e arte-educadores das organizações parceiras. A estrutura da Formação Continuada A Formação Continuada desenvolvida pelo Programa Educação pela Arte é composta por unidades formativas à distância, encontros presenciais, visitas técnicas e sistema de acompanhamento e avaliação. Unidades formativas à distância Cada unidade formativa à distância tem uma média de 3 meses de duração e é desenvolvida nas seguintes etapas: a) Carta Proposta: os gestores e arte-educadores das ONGs parceiras recebem uma proposta de trabalho, com textos e/ou livros para leitura prévia; propostas de atividades artísticas para desenvolvimento junto aos educandos e roteiro de reflexão e discussão entre os arte-educadores e gestores. A equipe faz registros do processo vivenciado e os envia à coordenação e aos consultores técnicos do Programa Educação pela Arte, do Instituto Ayrton Senna; b) Leitura e análise dos registros das ONGs parceiras: a equipe de coordenação e de consultores do Programa Educação pela Arte faz uma leitura e reflexão de todos os registros enviados pelos educadores em arte das ONGs parceiras, à luz dos conceitos trabalhados nos textos de referência. c) Carta-Resposta: a partir da leitura e análise dos registros das ONGs parceiras, a equipe de coordenadores e consultores do Instituto Ayrton Senna produz uma Carta-Resposta, sistematizando o processo de formação vivenciado pelo conjunto 8

das ONGs parceiras e articulando trechos dos registros das ONGs com os conceitos de referência, apontando os desafios e os avanços verificados na unidade formativa. Encontros presenciais Os encontros presenciais, que são chamados de Grupos de Trabalho, têm o objetivo de reunir representantes de todas as organizações parceiras para trocas de experiências e para promover o aprofundamento em relação aos conceitos e às temáticas relacionadas ao Programa Educação pela Arte. Em geral, os Grupos de Trabalho são realizados anualmente. Visitas técnicas As visitas técnicas são realizadas pela coordenação e pela equipe de consultores técnicos do Programa Educação pela Arte, com o objetivo de aproximar e ampliar o contato com a equipe de educadores e com os educandos de todas as organizações parceiras. Assim, é possível dialogar, in loco, sobre as conquistas e os desafios de cada organização parceira, possibilitando a qualificação do trabalho de ensino de arte para o desenvolvimento humano e a identificação de questões e temáticas para serem abordadas na Formação Continuada. Sistema de acompanhamento e avaliação O acompanhamento e a avaliação do Educação pela Arte são desenvolvidos de várias formas complementares: Visitas anuais - acompanhamento in loco das atividades dos educadores e jovens. Monitoramento semestral/mensal - acompanhamento através de relatórios descritivos das ações pedagógicas desenvolvidas no cotidiano do Programa. Avaliação formativa - realizada ao longo do processo de implementação das ações, com o objetivo de aferir se o caminho escolhido está certo e quais os ajustes de rota necessários. É realizada através de questionários, pesquisas, coleta de depoimentos e cases de jovens participantes. Desta forma é possível analisar o impacto da vida pessoal, relacional e cognitivo e produtivo que o projeto promove. 9

Avaliação Somativa - Ao final do ano letivo, é realizada uma avaliação para aferir o grau de sucesso da proposta e se os resultados atenderam às expectativas iniciais. Comparação com Dados Secundários - dados obtidos em Banco de Dados oficiais são comparados com os dados das organizações parceiras do programa. Temáticas trabalhadas na Formação Continuada As organizações parceiras do Programa Educação pela Arte participaram de unidades formativas que trabalharam temas relevantes ao ensino de arte na contemporaneidade, tais como: a) Concepções que marcaram o ensino de arte no Brasil no século XX e a concepção contemporânea do ensino de arte; b) O ensino de arte numa proposta de educação para o desenvolvimento humano; c) O ensino de arte na perspectiva multicultural; d) O ensino de arte e a interdisciplinaridade; e) As novas gerações e as culturas juvenis; f) O fazer artístico e a apreciação e interpretação da obra de arte: o contexto histórico, social, político e cultural; g) O fazer artístico e a apreciação e interpretação da obra de arte: um processo de conhecimento e transformação de si e do mundo; h) O ensino de arte e o Projeto Pedagógico da organização. O papel do educador no ensino de arte para o desenvolvimento humano O processo de ensino de arte do Programa Educação pela Arte prevê uma clara compreensão do educador em relação ao seu papel, tendo em vista o desenvolvimento dos potenciais de seus educandos. Cabe, ao educador, convidar, instigar, promover reflexões, debates, trocas de idéias e experiências entre os educandos, assim como promover a busca e aprofundamento de conhecimentos necessários para fazer arte e apreciar e interpretar obras de arte. É papel do educador despertar, no educando, o desejo de iniciar um processo de investigação e descoberta e garantir que ele tenha liberdade e confiança para experimentar suas idéias. Tudo isso não ocorre espontaneamente, mas, ao contrário, é conseqüência 10

de um processo de busca e aprofundamento de informações e conhecimentos sobre a obra de arte e seu contexto, planejamento, acompanhamento, avaliação e sistematização das atividades, processo este que deve ser vivenciado pelo educador. É fundamental que o educador leve em consideração a sua experiência de fazer arte e a experiência de vida e o contexto de seus educandos, envolvendo-se com o processo do educando de fazer arte e de apreciar e interpretar obras de arte, com sensibilidade, percepção e coragem para ousar e criar. É necessário que o educador tenha domínio da linguagem artística, saiba pesquisar, introduzir questões, coordenar, conduzir a um fechamento. Todas estas ações são guiadas por um conjunto de valores. Quando o educador tem clareza sobre os valores que permeiam as suas decisões, pode direcionar seus esforços de modo mais produtivo e significativo. Para que o educador seja capaz de atuar desta maneira, é imprescindível que ele vivencie permanentemente um processo de formação, refletindo e discutindo com seus pares sobre as principais questões e temáticas relacionadas às práticas de ensino de arte. Assim, terá mais e melhores possibilidades de qualificar as ações desenvolvidas junto aos seus educandos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ANDRÉ, Simone e GOMES DA COSTA, Antonio Carlos. Educação para o Desenvolvimento Humano. São Paulo: Saraiva: Instituto Ayrton Senna, 2004. BARBOSA, Ana Amália T. B. Releitura, citação, apropriação ou o quê? In: BARBOSA, Ana Mae (org.). Arte/educação contemporânea: consonâncias internacionais. São Paulo: Cortez, 2005. BARBOSA, Ana Mae; COUTINHO, Rejane e Sales, Heloisa. Artes Visuais: da exposição à sala de aula. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005. BARBOSA, Ana Mae (org). Arte/Educação Contemporânea: consonâncias internacionais. São Paulo: Cortez Editora, 2005. BARBOSA, Ana Mae. Apreciar e interpretar. Seminário SESC A compreensão e o prazer da arte. Disponível em http://www.sescsp.com.br/sesc/hotsites/arte/art_ed.htm. Acesso em 19 Ago 2003. BRASIL, SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais: arte. Brasília: MEC, 1998. 11

CHANDA, Jacqueline. Arte e Tessitura da Vida: a questão étnica nos parâmetros multiculturais da história da arte. Seminário SESC A compreensão e o prazer da arte. Disponível em http://www.sescsp.com.br/sesc/hotsites/arte/text_3.htm. Acesso em 19 Ago 2003. FERRAZ, Heloísa. Leitura de obra de arte. Seminário SESC A compreensão e o prazer da arte. Disponível em http://www.sescsp.com.br/sesc/hotsites/arte/text_4.htm. Acesso em 19 Ago 2003. GOMBRICH, Ernest Hans. A História da Arte. LCT Editora, 1999. OSTROWER, Fayga. Universos da Arte. Rio de Janeiro: Campus, 1983. OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1977. MACHADO, Regina. Para pintar o retrato de um pássaro. Seminário SESC A compreensão e o prazer da arte. Disponível em http://www.sescsp.com.br/sesc/hotsites/arte/text_4.htm. Acesso em 19 Ago 2003. PARSONS, Michael J. Compreender a arte: um ato de cognição verbal e visual. Seminário SESC A compreensão e o prazer da arte. Disponível em http://www.sescsp.com.br/sesc/hotsites/arte/text_5.htm. Acesso em 19 Ago 2003. SALLES, Cecília Almeida. Gesto Inacabado: processo de criação artística. São Paulo: Fapesp: Annablume, 1998. SHUSTERMAN, Richard. Vivendo a Arte: o pensamento pragmatista e a estética popular. São Paulo: Editora 34, 1998. 12