EXPERIMENTAÇÃO: AVALIAÇÃO DA CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO EM BIOLOGIA POR UM GRUPO DE ALUNOS EM UMA SEQUÊNCIA DE PRÁTICA EXPERIMENTAL João Luís de Abreu Vieira*; Silvia Frateschi Trivelato* & Daniel Manzoni de Almeida Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo* Eixo: Ciências Humanas RESUMO Este trabalho teve como objetivo estudar como alunos do ensino médio formulavam experimentos de laboratório durante uma sequência de aulas práticas com a temática geral: O que uma célula falou para a outra?. A proposta de pesquisa tinha o caráter qualitativo com foco na caracterização das interações discursivas e epistêmicas que ocorriam nas falas de alunos e professores. A sequência dos experimentos foi coletada do curso de ensino de ciências UFMG & Escolas no departamento de bioquímica e imunologia do ICB, UFMG. Os procedimentos investigativos foram: gravações em áudio e vídeo e a análise de dados era composta por transcrições, construção de mapas de interações propostos por MORTIMER & SCOTT (2002) e construção e identificação de categorias epistêmicas propostas por SILVA & MORTIMER (2010). Nossos resultados mostraram que: i) os alunos desenvolveram os experimentos formulando hipóteses e, testando - as com modelos experimentais, obtiveram os resultados e conclusões; b) nas análises das categorias epistêmicas, observamos nas falas dos professores a maior aparição da categoria Questionamento devido ao levantamento de questões para aos alunos; entretanto, nas falas dos alunos, a categoria com maior aparição foi a de Explicação, devido às explicações das questões levantadas pelos professores no desenvolvimento dos experimentos. INTRODUÇÃO As temáticas ensinadas em Biologia exigem aulas práticas e vivenciadas, havendo, assim, a formação de uma atitude científica, a qual está ligada ao modo como se constrói o conhecimento. A aula prática é atividade fundamental no ensino de ciências, em especial de
Biologia, e proporciona ao aluno espaço para que ele seja atuante e agente do próprio aprendizado, descobrindo, assim, que o aprender é mais que o mero conhecimento de fatos, interagindo com suas próprias dúvidas, chegando à conclusão e à aplicação dos conhecimentos por ele obtido. Essa estratégia pedagógica para a educação científica faz parte do projeto UFMG & Escolas, que consiste em receber estudantes de ensino fundamental e médio das redes públicas da cidade de Belo Horizonte no Instituto de Ciências Biológicas da UFMG e, com uma série de perguntas de tema proposto, montar experimentos que possam responder essas questões propostas pelo curso. A essência do curso é estimular os alunos e professores a perguntar, buscar e responder seus questionamentos de Biologia de forma criativa e com instrumentos simples do laboratório, estimulando o prazer pelo conhecimento e o desenvolvimento da crítica no ato científico. Utilizando os conceitos dos gêneros do discurso bakhtiniano, SILVA & MORTIMER (2010) caracterizaram, em uma sala de aula de química, estratégias enunciativas, aspectos teóricos e metodologias de configurações do discurso do gênero. Uma das principais contribuições desse trabalho foi a metodologia envolvida que guia um caminho para a percepção de um gênero do discurso das salas de aula de ciências, considerando as relações estabelecidas entre as estratégias discursivas e as oportunidades que elas geram para a aprendizagem do aluno. Entretanto, pouco se tem entendido sobre as questões enunciativas dos gêneros de discursos que aparecem nas aulas práticas de biologia para os estudantes do ensino médio nos cursos de extensão de ensino de ciências oferecidos pelas universidades. Assim, nossas perguntas são: i) como um grupo de estudantes organiza experimentos a partir de uma pergunta geral em biologia celular e imunologia?; ii) quais são as interações epistêmicas aparentes, nesse grupo, no desenvolvimento da prática experimental?; e iii) como essa prática experimental ajuda esse grupo de estudantes a construir conhecimento em biologia? O Objetivo foi a caracterização qualitativa dos gêneros de discurso e das relações epistêmicas de um grupo de alunos na realização dos experimentos propostos pelos próprios alunos em uma edição de 2013 do projeto UFMG & Escolas com objetivos de avaliar como essas interações discursivas, ocorridas nas falas de alunos e entre os alunos e seus professores no ensino médio, auxiliam na construção do conhecimento em biologia e imunologia na prática experimental. DESENVOLVIMENTO
Os dados em audiovisual e material escrito foram coletados de um grupo de 6 alunos do ensino médio que participaram da edição de junho/2013 no projeto de extensão UFMG & Escolas, do departamento de Bioquímica e Imunologia (UFMG). Os trechos de importância das sequências experimentais realizadas pelos alunos foram analisadas e as falas dos alunos e dos professores foram transcritas para análise das interações discursivas e epistêmicas. Os mapas de interações, para posterior análise, foram construídos baseados na proposta da estrutura analítica apresentada por MORTIMER & SCOTT (2002) e com o conjunto de categorias epistêmicas (mundo dos objetos, das teorias e modelos, relações entre os dois mundos; níveis de referencialidade [generalização, explicação, descrição, definição, exemplificação, classificação, analogia, cálculo e comparação]) propostas por SILVA & MORTIMER (2010). Esse sistema de análise foi voltado para a caracterização do gênero do discurso na sala de aula de ciências, possibilitando a identificação de estratégias enunciativas típicas destas aulas. Trabalhamos, também, com conjuntos de categorias propostas por nós de acordo com a necessidade apresentada no decorrer das análises. Em 2013 foram coletados os dados por meio das gravações nas aulas com os alunos de ensino médio e com os monitores nos laboratórios de aula prática. No 1º semestre de 2014 os vídeos foram analisados, os trechos de interesse selecionados e feitas as transcrições e análises (segundo nosso referencial teórico) das falas dos alunos e dos professores pelo autor desse trabalho, juntamente com seu orientador. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os alunos usam a sequência da lógica do pensamento científico nos experimentos em Biologia. Para avaliar a construção do conhecimento biológico por meio de experimentos selecionamos um grupo de alunos (n=8 alunos totais [3 meninas e 5 meninos de idade entre 14-15 anos]), orientados por 3 professores de biologia (2 mestrandos e 1 doutorando do ICB/UFMG). A pergunta geral, para a turma da edição do projeto UFMG & Escolas, foi O que uma célula falou para outra?. Avaliamos a sequência dos experimentos desenvolvidos durante os 4 dias do curso (nos dois períodos do dia de curso com duração de 8 horas/dia). Após análise das gravações, em áudio e vídeo, notamos que os alunos do grupo, assim como cientistas, seguiam a lógica do pensamento científico (formulação de hipóteses, teste das hipóteses com experimentos, obtenção de análises dos resultados e formulação de conclusões a partir dos resultados obtidos), para obtenção das respostas. Esse grupo de alunos, na seção Hipóteses levantou a pergunta: As plantas desenvolvem câncer assim
como o ser humano?, baseados na hipótese de que, assim como nos humanos, as plantas expostas a agentes externos (como radiação UV intensa), desenvolveriam lesões tumorais. Para investigar essa hipótese, os alunos, na seção classificada como Experimentos, montaram um experimento com dois tipos distintos de plantas (cacto e hortelã [segundo o argumento dos alunos, são vegetais que vivem em climas distintos e como consequência recebem e interagem com a luz UV de forma distintas]) com proteção ou sem proteção de filtro solar (o argumento do uso de filtro solar no experimento é que, segundo eles, assim como no uso em humanos, o uso do filtro solar pode ajudar a proteger as plantas à exposição excessiva da luz UV). Assim, o esquema experimental montado pelos alunos para avaliar o desenvolvimento do tumor nas plantas escolhidas foi em dois grupos: i) plantas sem protetor e expostas à luz UV; ii) plantas com filtro solar e expostas à luz UV. Após o experimento executado, ao longo dos dois primeiros dias, os alunos obtiveram os resultados: i) que as plantas expostas à luz UV, porém com o filtro solar, sofreram 41% de lesões nas folhas, em comparação às plantas sem filtro solar com 50% de lesões nas folhas; ii) que as lesões detectadas, devido à exposição na luz UV, são queimaduras, ao invés de desenvolvimento de tumor, lesão de ordem genética. Na seção de conclusões, os alunos definiram que o modelo utilizado não conseguiu observar o desenvolvimento do câncer em plantas; e que o câncer é uma doença com fundo genético. O Questionamento foi a operação epistêmica importante para construção do conhecimento do grupo de alunos. Para avaliar as operações epistêmicas presentes nas falas dos professores e dos alunos, transcrevemos trechos dos diálogos da sequência experimental acontecida e dividimos essa sequência em: i) hipótese; ii) experimentos, iii) resultados e iv) conclusões. Para cada uma dessas partes, as falas (para cada momento foram subdivididas e estão representadas em [total n=x]) dos professores (n=3) e dos alunos (n=8), foram analisadas seguindo os padrões de categorias epistêmicas definidas por Silva & Mortimer (2010). Devido às características das interações entre alunos e professores, criamos a categoria Questionamento, que se refere a todo o momento em que os professores ou alunos realizavam uma questão que leva a uma ação importante para a construção do conhecimento. Nossos resultados mostraram que a categoria epistêmica mais utilizada (com maior porcentagem de aparição nos diálogos) pelos professores foi a de Questionamento, (levantando dúvidas sobre os procedimentos experimentais adotados pelos alunos, induzindo o questionamento dos próprios integrantes do grupo na tomada de decisão para o encaminhamento das atividades). Durante as aulas, no levantamento de hipóteses e nas conclusões dos professores, 100 % deles se utilizaram da categoria questionamento em
suas falas. Nos resultados, 95,1% dos professores usaram o questionamento como sua categoria principal e durante os experimentos, 79,5 % do discurso feito foi de questionamento. A mais usada pelos alunos foi a de Explicação, (resposta aos questionamentos levantados pelos professores na tentativa de formular explicações sobre os fenômenos observados).durante a elaboração das conclusões feitas pelos alunos, 66,6 % de suas falas foram relacionadas à explicação. No levantamento de hipóteses, por sua vez, 64% delas eram relacionadas à categoria epistêmica explicação. Nos experimentos, 26, 6 % foram de explicação. Durante a formulação dos resultados, 24,3 % do discurso era relacionado também à explicação. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nossos resultados mostraram que o questionamento, no desenvolvimento de um experimento, é importante para construção do conhecimento em biologia. REFERÊNCIAS MORTIMER, E., & SCOTT, P (2002). Atividade discursiva nas salas de aula de ciências: uma ferramenta sociocultural para analisar e planejar o ensino. Investigação do ensino de ciências. SILVA, A.C.T., MORTIMER, E (2010). Caracterizando estratégias enunciativas em uma sala de aula de química: aspectos teóricos e metodológicos em direção à configuração de um gênero discursivo. Investigações em Ciências, v.15, 121-153.