1 ESOFAGOTOMIA PARA RETIRADA DE CORPO ESTRANHO EM ESÔFAGO TORÁCICO Ana Paula da SILVA 1 ; Manuela da Silva CASA 2 ; Anna Laetícia da Trindade BARBOSA 3 ; Camila Sens HINCKEL 4 ; Cristiane VARGAS 4 e Altamir CORSO 4 1 Médica Veterinária, graduada na Universidade do Estado de Santa Catarina, email: vetanapaula@outlook.com 2 Médica Veterinária, graduada na Universidade do Estado de Santa Catarina 3 Professora do Departamento de Clínica Cirúrgica da Universidade do Estado de Santa Catarina 4 Residentes do Hospital de Clínica Veterinária Lauro Ribas Zimmer (CAV/UDESC) Resumo Os corpos estranhos são objetos inanimados, que ao serem deglutidos, podem causar obstrução parcial ou total do lúmen do esôfago. Cães jovens são os mais acometidos, e os principais sinais clínicos observados são a disfagia, salivação e regurgitação. O acompanhamento desses casos é indispensável, devido as possíveis complicações pré, intra e pós-operatórias. O objetivo do presente relato foi descrever a técnica cirúrgica de acesso ao esôfago torácico para a retirada de um corpo estranho e os resultados positivos que foram obtidos, devido a cuidadosa manipulação das estruturas presentes na região e ao pós-operatório adequado. Foram empregadas as técnicas de toracotomia intercostal e esquerda seguida de uma esofagotomia. Conclui-se que o procedimento produziu o efeito esperado, sem a manifestação de possíveis complicações no intra e pós-operatório. Palavras-chave: osso; regurgitação; toracotomia intercostal. Keywords: bone; regurgitation; intercostal thoracotomy. Revisão de literatura Os corpos estranhos, quando deglutidos, obstruir ou perfurar o lúmen esofágico, sendo os mais comuns na rotina clínico-cirúrgica de cães e gatos, os ossos, objetos metálicos pontiagudos, brinquedos de couro, bolas e outros (THOMPSON et al., 2012), sendo o maior acometimento em animais jovens (TAMS e SPECTOR, 2011). Estes objetos geralmente se alojam em locais onde há estruturas extra-esofágicas que limitam a dilatação do músculo esofágico, podendose citar a entrada do tórax, a região próxima a base do coração e a área epifrênica cranial (RADLINSKY, 2014). ANAIS 37ºANCLIVEPA p.1058
2 Os sinais clínicos dependem do local de obstrução, se é completa ou parcial e se ocorreu perfuração esofágica (WILLARD, 2006). O diagnóstico é realizado a partir do histórico, sinais clínicos, exame físico e exames complementares de imagem, sendo a endoscopia o de maior valor, também utilizada como um meio de tratamento (RADLINSKY, 2014). O tratamento pode ser conservativo, endoscópico ou cirúrgico (GUILFORD, 2005), e se deve levar em consideração o tipo do corpo estranho, sua localização anatômica e o estado clínico do paciente (GUILFORD, 2005). As maiores indicações de retiradas cirúrgicas são em casos de perfuração; quando a recuperação do corpo estranho não é possível através do endoscópio; ou nos casos em que um objeto afiado está atravessando completamente a parede do esôfago, gerando riscos de dilaceração (RADLINSKY, 2014). As técnicas utilizadas são a esofagotomia ou esofagectomia parcial, podendo ser necessária a realização de toracotomia intercostal (CASTRO e RAISER, 2012). O objetivo do presente relato foi descrever a técnica cirúrgica utilizada em um cão que apresentava um corpo estranho em esôfago torácico e os resultados obtidos em relação à adequada cicatrização do mesmo. Descrição do Caso Foi atendido no Hospital de Clínica Veterinária Lauro Ribas Zimmer (CAV- UDESC), um cão, macho, Bull Terrier, três anos, de 30 kg, com histórico de ingestão de osso bovino seguida de salivação excessiva, mímica de vômito, apatia, anorexia e angústia respiratória há três dias. Ao exame físico, percebeu-se apenas dispneia. Realizou-se então, radiografias da região cervical e torácica, nas posições latero-lateral e ventro-dorsal, onde foi possível observar uma massa radiopaca, consistente com corpo estranho ósseo, na região de esôfago torácico caudal, obstruindo todo o lúmen esofágico. O animal foi direcionado à endoscopia para tentativa de retirada do material, porém não foi possível, pois o osso estava aderido em vários pontos ao esôfago, podendo levar a laceração esofágica se tracionado. O paciente foi encaminhado à cirurgia, visto que não havia outra forma de remoção do corpo estranho. A anestesia se iniciou com a administração da medicação pré-anestésica, indução com propofol e manutenção com isofluorano. O paciente foi posicionado em decúbito lateral direito com a região do tórax esquerdo ANAIS 37ºANCLIVEPA p.1059
3 tricotomizada, e fez-se a assepsia. Foi realizada toracotomia intercostal esquerda entre o 8º e 9º espaço intercostal, através da incisão da pele, tecido subcutâneo e da musculatura ali presente. Em seguida, identificou-se o esôfago caudal entre a artéria aorta e a porção dorsal do nervo vago. O mesmo apresentava-se aumentado e com perfuração completa na região dorsal, com uma porção do osso em contato direto com artéria aorta. A técnica de esofagotomia foi então executada para a retirada do corpo estranho no local da perfuração. Após, realizou-se debridamento cirúrgico nas bordas da parede esofágica perfurada, para então, se realizar a esofagorrafia. Fez-se a esofagorrafia em dois planos, o primeiro envolvendo a mucosa e a submucosa no padrão de Swift, com fio absorvível de poliglactina 3.0, e o segundo envolvendo as camadas muscular e adventícia, com pontos interrompidos e mesmo fio. A síntese da parede torácica foi realizada plano a plano, iniciando com a camada muscular, no padrão de ponto isolado simples, com nylon 0-0. O subcutâneo foi suturado com ponto contínuo de zigue-zague, com nylon 2-0, e a dermorrafia foi realizada com pontos isolados simples com nylon 3-0. Fez-se o reestabelecimento da pressão negativa do tórax por meio de colocação de um dreno torácico. Após o procedimento, o paciente permaneceu internado por cinco dias, para observação e identificação de possíveis extravasamentos ou infecções esofágicas. Prescreveu-se ao paciente: Tramadol (6 mg/kg, TID, SC), Dipirona (25 mg/kg, TID, SC) e Sucralfato (30 mg/kg, BID, VO) por cinco dias, além de Meloxican (0,1 mg/kg, SID, VO, por 3 dias), Omeprazol (1 mg/kg, SID, VO, por 10 dias) e Amoxicilina com clavulanato de potássio (20 mg/kg, BID, IV, por 5 dias). Realizou-se jejum nas primeiras 12 horas, mantendo o animal em fluidoterapia. Em seguida, foi oferecido água ao paciente, o qual não apresentou episódios de regurgitação ou vômito. Dessa forma, no dia seguinte disponibilizou-se iogurte, e nos próximos dias gradualmente foi oferecida ração pastosa. Era realizado curativo da região do dreno torácico e ferida cirúrgica, a cada 12 horas. Após cinco dias, o dreno foi retirado e o paciente recebeu alta, com prescrição de amoxicilina e clavulanato de potássio (20mg/kg, BID, VO, por 10 dias), alimentação pastosa, e retorno para a retirada dos pontos e avaliação clínica em dez dias. No retorno o paciente encontrava-se ativo com completa cicatrização da ferida cirúrgica e alimentando-se normalmente. ANAIS 37ºANCLIVEPA p.1060
4 Discussão A pouca idade e a espécie do animal do presente relato está de acordo com o que a literatura cita, pois apesar de haver relatos em cães e gatos de todas as idades, os cães jovens possuem hábitos alimentares mais indiscriminados e nãoseletivos (RADLINSKY, 2014). Da mesma forma, os sinais clínicos e os achados nos exames radiográficos do paciente apresentaram-se conforme o que normalmente é observado (THOMPSON et al., 2012). A remoção cirúrgica precoce do corpo estranho foi adequada, já que o osso era grande, impossibilitando a movimentação cranial ou caudal do mesmo, além disso, Radlinsky (2014) cita que uma distensão prolongada do esôfago destrói a função neuromuscular normal, reduzindo o peristaltismo do órgão. Já Thompson et al. (2012) recomenda a remoção rápida do corpo estranho no intuito de evitar a necrose tecidual, que ocorre devido às altas pressões sobre o esôfago e ao longo período de permanência dos objetos. A maior complicação de corpos estranhos é a perfuração esofágica (GIANELLA et al., 2009), fato observado no paciente que apresentava uma perfuração na região dorsal do esôfago, próximo a artéria Aorta, gerando riscos de grandes hemorragias. No entanto, devido à indicação de atendimento precoce do paciente, foi possível evitar lesões nos vasos próximos, não havendo grave contaminação da cavidade torácica, já que havia uma obstrução total do lúmen esofágico, o que não permitia passagem através do corpo alojado (WILLARD, 2006). A cirurgia esofágica também pode levar a grandes complicações intra e pósoperatórias, devido a diversos fatores ocasionando resultados indesejáveis, como a deiscência de suturas. Dentre estes fatores, pode-se citar a movimentação constante do esôfago, pela respiração e deglutição; tensão na sutura; falta de serosa, impedindo um selamento adequado; e falta de uma estrutura como o omento para a proteção do local (KYLES, 2007). Essas complicações não foram observadas neste relato, devido a realização de uma adequada assepsia, intervenção cirúrgica, e cuidadosa administração de dietas específicas no pós-operatório. Após a remoção do objeto, conforme realizado no paciente, recomenda-se a inspeção do lúmen esofágico para avaliar o grau das lesões (WILLARD, 2006) e síntese do esôfago em dois planos de sutura, fornecendo maior resistência da ferida, melhor aposição dos tecidos e melhor cicatrização (CASTRO e RAISER, 2012). Para evitar rupturas das suturas e consequentemente, contaminação, Radlinsky ANAIS 37ºANCLIVEPA p.1061
5 (2014) indica-se o oferecimento de alimentos líquidos nos primeiros dias de pósoperatório, prevenindo regurgitações ou vômitos. O retorno à alimentação normal deve ser feito dentro de duas a três semanas (CASTRO e RAISER, 2012). Sendo estas recomendações utilizadas com sucesso no paciente. No presente relato, o paciente respondeu bem as técnicas cirúrgicas utilizadas, mesmo exposto aos riscos decorrentes de cirurgias esofágicas no segmento torácico. Conclusão Concluiu-se que a técnica cirúrgica utilizada permitiu um bom manuseio e exposição do esôfago torácico, sem a necessidade de um procedimento mais invasivo, além de evitar lesões que causam danos na vascularização do órgão acometido, favorecendo a rápida cicatrização. O diagnóstico e tratamento precoces foram essenciais na prevenção de graves complicações e os cuidados na dieta do pós-operatório também foram eficazes ao evitar alta pressão sobre o esôfago e possíveis deiscências de sutura. Referências CASTRO, J. L. C.; RAISER, A. G. Cirurgia Geral I esôfago e estômago. In: OLIVEIRA, A. L. A. Técnicas Cirúrgicas em Pequenos Animais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. p. 271-296. GIANELLA, P.; PFAMMATER, N. S.; BURGENER, I. A. Oesophageal and gastric endoscopic foreign body removal: complications and follow-up of 102 dogs. Journal of Clinical Veterinary Medicine, Denver, v.50, n.12, p. 649-654, 2009. GUILFORD, W. G. Upper gastrointestinal endoscopy. In: McCARTHY, T. C. Veterinary Endoscopy. 1 ed. St. Louis: Elsevier Saunders, 2005. p. 279-322. KYLES, A. E. Esôfago. In: SLATTER, D. Manual de cirurgia de pequenos animais. 3.ed. São Paulo: Manole, 2007, p. 573-592. RADLINSKY, M. G. Cirurgia do Sistema Digestório. Cirurgia do Esôfago. In: FOSSUM, T. W. Cirurgia de Pequenos Animais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. p. 386-583. TAMS, T.R.; SPECTOR, D.J. Endoscopic Removal of Gastrointestinal Foreign Bodies. In TAMS, T.R.; RAWLINGS, C.A. Small animal endoscopy. 3 ed. St. Louis: Elsevier Mosby, 2011. p. 245-292 ANAIS 37ºANCLIVEPA p.1062