A CHARGE NUMA VISÃO RETÓRICO-TEXTUAL Romildo Barros da Silva (UNEAL) Maria Francisca Oliveira Santos (UNEAL)

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Transcrição:

A CHARGE NUMA VISÃO RETÓRICO-TEXTUAL Romildo Barros da Silva (UNEAL) romildomi@hotmail.com Maria Francisca Oliveira Santos (UNEAL) mfosal@gmail.com RESUMO Este artigo objetiva a análise dos recursos retóricos e textuais presentes no gênero textual charge, caracterizado como gênero opinativo e midiático transmitido na esfera discursiva jornalística. Trata-se então do estudo das relações de poder presentes no discurso das charges. Caracterizado pela sua função social e recursos linguísticos que conduzem aos significados através da persuasão presentes nos argumentos. Esses se vinculam a linguagem verbal e não-verbal, trouxeram questionamentos sobre a função da retórica atual, uma vez que é de vasta importância para a análise linguística e para o estudo dos gêneros textuais. Na investigação adotou-se método qualitativo de pesquisa fundamentado por Moreira (2002). Durante esse processo notou-se que nas análises há um acordo prévio entre ethos, pathos e logos, o que aprova os estudos de Reboul (1998) e salienta desta forma, o caráter opinativo que o gênero estudado possui e a contribuição para a identidade cultural dos leitores. A pesquisa apresenta uma biografia sobre análise de gêneros textuais embasados em Marcuschi (2008), retórica e argumentação conceituada por Abreu (2004) e um acervo de charges do Jornal Gazeta de Alagoas, que constituem o corpus da pesquisa. A investigação possibilitou, com a análise retórica e textual, inferir que essa forma de expressão da linguagem (charge) permite estudos linguísticos diversos em todas as esferas que trabalhem com a língua(gem), pois assim como a maioria dos gêneros textuais ela pode influenciar no senso crítico a até mesmo nas ações humanas. Palavras-chave: Charge. Gênero textual. Gêneros midiáticos. Retórica. 1. Introdução O presente artigo traz resultados de uma pesquisa realizada na Universidade Estadual de Alagoas e objetiva o estudo textual e retórico dos gêneros presentes nos meios de comunicação. Percebeu--se no corpus, constituído de charges, o uso de ferramentas retóricas e textuais exploradas de diversas maneiras. Além disso, do ponto de vista linguístico, essa pesquisa teve como meta analisar um gênero midiático específico difundido em jornal local. Executou-se um levantamento desses gêneros, que foram submetidos à análise relativa à retórica e à textualidade. Entre os inúmeros gêneros midiáticos existentes e descritos atualmente, a charge oferece oportunidades de análises únicas. Estas são

formadas por um texto verbal anterior à publicação das charges e imagens, que constituem o texto não verbal, sendo isso o corpus da pesquisa. As definições de retórica seguem as teorias atuais que estabelecem o diálogo entre ethos, pathos e logos, tratando a argumentação como prática retórica, que se materializa no convencimento e na persuasão, ambas ao lado do auditório que se envolve com suas emoções e verdades. Definiram-se, também, conceitos sobre as tipologias, instalando uma concepção de texto que reflete as relações e a existência de sentido em determinados contextos. 2. Gênero textual: aspecto geral e funcionalidades O texto é um evento comunicativo, no qual convergem ações linguísticas, cognitivas e sociais. Tal definição, conforme Beaugrande (1997), possibilita inferir que no texto habitam conexões de cunho social e cultural para efetivar a comunicação, estabelecendo sentidos, em determinados contextos. Essas ações são os gêneros textuais. Estes já foram estudados há 25 séculos por Platão, que eram ligados estritamente aos gêneros literários. No entanto, houve uma revolução conceitual; usualmente se refere a categorias distintas de discursos de qualquer tipo, falado ou escrito, com ou sem aspirações literárias, conforme afirma Swales (1990). Os gêneros textuais são fenômenos vinculados à vida cultural e social, considerados entidades sociodiscursivas altamente maleáveis, pois ordenam atividades de todas as situações comunicativas, para Marcuschi (2008). A comunicação verbal, objetivo da língua, só é possível por meio de um gênero textual, pois para Bakhtin e Bronckart (1997, 1999, apud, MARCUSCHI, 2008, p. 155): Os gêneros textuais são os textos que encontramos em nossa vida diária e que apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas. Esse enquadramento põe os gêneros textuais como modelos correspondentes a formas sociais reconhecíveis nas situações de comunicação em que ocorrem. Conclui-se ainda que o texto materializa o gênero. Para confirmar tais afirmações, aparecem os conceitos básicos do que seria tipo textual, gênero textual e domínio discursivo.

O já citado autor definiu tipo textual como uma espécie de construção teórica de natureza linguística em sua composição, caracteriza-se como sequências linguísticas e/ou retóricas, que abrangem apenas seis categorias: narração, argumentação, exposição, descrição e injunção. Gênero textual são entidades empíricas, em situações comunicativas, apresentando estabilidade, sendo situados de maneira histórica e social; são ilimitados. Exemplos: telefonema, carta comercial, notícia jornalística, editorial, resenha, charge e assim por diante. O domínio discursivo são práticas discursivas que permitem identificar um conjunto de gêneros textuais próprios ou específicos, instaurando a comunicação e as relações de poder, parafraseando Marcuschi (2008). Com a cultura impressa, a partir do séc. XV, os gêneros se expandem e nascem novos gêneros e novas formas de comunicação. A internet teve seu papel divulgador da cultura eletrônica na oralidade e na escrita. Essa disseminação dos gêneros deu-se, histórica e socialmente, visto que a intensidade dos usos origina os gêneros. A tecnologia e outros meios de comunicação são suportes para a fertilidade dos gêneros no campo da linguística. O gênero, então, se responsabiliza em retratar a realidade social sobre várias formas discursivas novas: televisão, jornais e internet. Os gêneros orais e escritos permitem observar a integração entre as semioses: signos verbais, sons, imagens e formas, em movimento, o que geralmente se classificam como novos gêneros. Bakhtin (1997, apud MARCUSCHI, 2003, p. 21) escreve sobre a transmutação dos gêneros e na assimilação de um gênero em outro gerando novos, provando, assim que eles apenas possuem formas novas, mas baseiam-se em gêneros existentes. Entretanto, é possível afirmar que os gêneros também investem nos usos e na funcionalidade, pois os aspectos sociocomunicativos e funcionais os caracterizam, porém não despreza a forma. Tanto ela quanto as funções determinam o gênero, assim como o suporte e o ambiente também podem determiná-los. 3. Charge: abordagens gerais A charge é toda ilustração que visa criticar fatos da atualidade, através de humor e exageros, de acordo com o senso comum. Compõe-se de ironias e elementos retórico-textuais.

O chargista expõe a opinião sobre os acontecimentos atuais vivenciados e noticiados. Enquadra-se, também, como gênero midiático, por isso tem longo alcance e constantemente é alvo de censura. Assume, ainda, o papel de gênero de opinião ilustrada, seja em jornais, ou em web sites. As charges são de fácil assimilação e contextualização, bastando apenas o conhecimento parcial prévio do que foi expresso nas notícias anteriores. Há, também, um caráter humorístico ou reflexivo, resultado da intenção tomada pelo chargista ou jornal. Na produção de uma charge, o artista além de fazer uso de elementos retóricos, pode, também, utilizar-se de várias técnicas como o exagero, a intertextualidade e a polifonia. A primeira técnica consiste em enfatizar uma dada informação, objetivando a verdade. Os intertextos presentes nas charges são o que comunica aos outros gêneros, pois as charges não são discursos puros, necessitam de uma situação comunicativa e contextos específicos. A polifonia, presente na maioria das charges, é a técnica que traz o diálogo entre os discursos das charges, seja entre personagens ou textos sobre a charge. O corpus de análise é um dos gêneros mais completos em relação a sua composição retórica e notoriedade de intertexto com outros gêneros. Além de mostrar criticamente a opinião da imprensa, percebem-se multielementos textuais e retóricos na sua produção. 4. Retórica: linha do tempo e funções Na antiguidade, a retórica englobava tanto a arte de bem falar ou eloquência como o estudo do discurso ou as técnicas de persuasão até mesmo de manipulação (MEYER, 1997). A retórica surgiu em Atenas, por volta de 427 a.c com os sofistas. Os mais importantes eram Protágoras e Górgias. Originalmente, desejava-se persuadir uma audiência variada, porém acabou-se generalizando para uma simples arte do bem falar. Resultou, assim, uma fama depreciativa da retórica, que era encarada tão somente como manipulação do público. Aristóteles, em seu livro Ars Rethoric, tratou de observar um envolvimento da retórica com a dialética, modificando a visão negativa da retórica. Propôs, também, definir campos da retórica, principalmente,

com ênfase nos assuntos jurídicos, com os gêneros defesa ou acusação, baseados no convencimento, que se refere ao ato de persuadir. Desse modo, as três formas de persuasão: ethos, pathos e logos eram tratadas isoladamente na construção dos argumentos. Porém, a noção contemporânea, convencer significa vencer junto e não contra o outro; dessa forma, o orador deve compreender a verdade do auditório e construir conjuntamente a sua verdade, parafraseando Abreu (2004). Essas e outras ideologias atuais permitem estabelecer um envolvimento amplo entre orador, auditório e a disposição dos argumentos, demonstrando uma evolução histórica dos estudos retóricos. A persuasão e o convencimento do público estavam voltados a específicos gêneros. A retórica como meio de persuasão não é exclusividade de um único gênero textual, pois ela pode ser expressa em vários outros meios de comunicação: pinturas, músicas, publicidade etc. Perelman (2005) afirma que a retórica age para a audiência, convencendo e persuadindo. Conjuntamente, com suas três frentes pré definidas: ethos, pathos e logos. O primeiro refere-se àquele que fala o retor/orador do discurso; o segundo trata-se do público que deve construir um modelo de comportamento e integrar-se à verdade do orador com suas paixões. O último é a disposição dos argumentos encadeados em ordem lógica e convincente estruturando o discurso. 4.1. Funções retóricas As funções retóricas, para Reboul (1998), são quatro: persuasiva, hermenêutica, heurística e pedagógica. A função persuasiva remete-se à racionalidade e ao afeto, gerenciando uma relação mais íntima com o auditório (pathos). A hermenêutica instaura-se através da interpretação dos argumentos, captando a intensidade deles e os possíveis pontos de vista do seu auditório, visto que deve existir adaptação do orador ao auditório. Heurística, do grego eureca, que significa encontrar, é a função retórica de descobrir e investigar o meio que o orador se expressa, pois um pequeno descuido ou um posicionamento em desacordo com o auditório pode desconstruir a ética e a aceitabilidade do discurso proferido pelo orador. A função pedagógica, denominada como "a arte de ser", é responsável por construir elos entre os argumentos de forma coerente e usual.

Abreu (2004) descreve seis lugares para a argumentação: o lugar de quantidade, que afirma que qualquer coisa vale mais que outra; o lugar de qualidade que valoriza o único, o raro; o lugar de ordem, que postula a superioridade do anterior sobre o posterior, das causas sobre os efeitos, dos princípios sobre as finalidades etc; lugar de essência, que valoriza indivíduos como representantes bem caracterizados de uma essência; lugar de pessoa, que afirma a superioridade daquilo que está ligado às pessoas, lugar de existente, que dá preferência àquilo que já existe em detrimento daquilo que não existe. Desse modo, as concepções de retórica trazem definições dos recursos de presença. Afirmando-os como mais uma estratégia do discurso retórico, que pretende ilustrar o argumento defendido. Estes são fundamentados na estrutura do real. Nas análises identificaram-se, primeiramente, a argumentação por analogia e a argumentação pragmática. A primeira fundamenta-se na relação de dois acontecimentos sucessivos por meio de um vínculo causal; a segunda segue uma tese inicial que sustenta todo o discurso. No estudo retórico, cabe, ainda, em última análise, mostrar a presença das figuras retóricas, de som, de palavra, de construção e pensamento. Todas favorecem a persuasão e constroem a linguagem, através de seus argumentos idealizados e organizados por um chargista (ethos) objetivando fins específicos com os leitores (pathos). 5. Amostragem: análise da charge O corpus foi colhido de um jornal local, em um período de dois meses, na cidade de Maceió AL. A investigação é qualitativa, pois trabalha com informações, em processo, conforme Moreira (2002). Foram escolhidas 20 charges para análise, das quais foram retiradas 20 % (quatro) do seu total para análise. A charge em análise (amostragem) apresenta uma venda de um produto com um contexto da formalização dos empregos domésticos no país. No primeiro fragmento, observa-se que o conteúdo expresso na análise foi apreciado em seus critérios externos e sociocomunicativos, o que fundamenta a questão de uso dos gêneros textuais (MARCUSCHI, 2008).

Charge 01. Gazeta de Alagoas. Alagoas, 17 de Março. 2013. Disponível em: <http://gazetaweb.globo.com/gazetadealagoas>. Acesso em: 17-03-2013. Ao explorar os elementos da conversação presentes neste gênero, encontram-se marcadamente recursos retóricos no discurso do personagem que tem por função persuadir, naquela situação comunicativa; venda de um produto. Para Abreu (2004), os recursos de presença são identificados na demonstração de um produto numa venda. Assim, o orador dá visibilidade aos argumentos. Encontram-se, também, marcas da argumentação por analogia, pois se relacionam diretamente a algum tema anterior, noticiado pela mesma mídia; o jornal local. Justifica, assim, que a adesão inicial do auditório já é pré-estabelecida com uma tese principal anterior: as notícias do tema conhecido. O gênero charge, ao expressar uma determinada opinião, reafirma os estudos de Melo (2003), sobre gêneros opinativos. Ela constitui-se, também, de argumentos fundamentados na estrutura do real, expondo opiniões e pontos de vista específicos, vigentes ao tempo em que os acontecimentos são registrados (ABREU, 2004). A argumentação pragmática é instituída nesta análise, pois possui um vínculo causal, sucessivo de acontecimentos, o que relaciona os dois gêneros; notícia jornalística e charge. Essa relação concorda com o que fora afirmado por Bakhtin (1997), sobre a transmutação dos gêneros na assimilação de um gênero por outro, gerando novos. O estudo da argumentação e das capacidades persuasivas interpessoais, seguindo o olhar descritivo de Abreu (2004), permitiu perceber intenções sobre as falas das personagens inseridas na charge. Observa-se, ainda, que existe inicialmente um gerenciamento de informação, uma vez que o chargista trabalha a notícia anterior, integrando-a com outros recursos que o gênero permite. Além disso, estabelece, no campo das emoções, uma relação íntima com o auditório (leitores), visto que, através da

apresentação da charge, as ideais e os conceitos são reafirmados ou redirecionados. No texto verbal exposto, identifica-se o gerenciamento de relação com a colocação lexical dos pronomes e os modos de tratamento minha senhora Nota-se, também, que o tempo predominante nas charges estudadas é o presente do indicativo. A temática geral remete-se a fatos sociais ou da atualidade, que são aquilo que as pessoas acreditam e passam a tomar como verdade (MARCUSCHI, 2008, p. 150). As análises, portanto, inferem elementos retóricos e discursivos com os quais se entrelaçam as situações mais diversas. 6. Considerações finais O estudo dos gêneros textuais, como forma de interação entre o orador (ethos) e o auditório (pathos) sobre um dado assunto (logos), seguindo os conceitos de Melo (2003) e Perelman (1996), influenciou na escolha do gênero charge e a definição como gênero midiático para a presente pesquisa. As intenções demonstradas pelo chargista apresentaram-se explicitas quando estudadas no âmbito da argumentação, embasado por Abreu (2004). Notaram-se, então, marcas da persuasão e convencimento contidas em todas as charges analisadas. O gênero estudado, também, permitiu análises retóricas e textuais, pois há uma conversação entre gêneros identificada em várias amostras. Depreende-se da pesquisa que existem características comuns no corpus, por se tratarem de gêneros textuais midiáticos, disseminados em idêntica esfera comunicativa, suporte e finalidades discursivas. O chargista transforma a informação ou notícia jornalística em um fato da atualidade. Assim, ele concebe um atalho para o significado daquela situação representada em sua charge. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, Suárez, Antônio. A arte de argumentar; gerenciando razão e emoção. São Paulo: Ateliê Editora, 2004. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

FILHO, Francisco Alves. Gêneros jornalísticos: notícias e cartas de leitor no ensino fundamental. São Paulo: Cortez, 2011. LINS, Enio. Charge 01. Gazeta de Alagoas. Alagoas, 17 de março 2013. Disponível em: <http://gazetaweb.globo.com/gazetadealagoas>. Acesso em: 17-03-2013. MARCUSCHI, Luis Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008. MOREIRA, Daniel Augusto. O método fenomenológico na pesquisa. São Paulo: Pioneira Thompson, 2002. MELO, José Marques de. Jornalismo opinativo; gêneros opinativos no jornalismo brasileiro. São Paulo: Mantiqueira, 2003. PERELMAN, Chaim; OLBRECHTS-YTECA, Lucie. Tratado de argumentação : a nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1996. REBOUL, Oliver. Introdução à retórica. Trad.: Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 1998.