ANÁLISE DOS OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS NA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS

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Transcrição:

ANÁLISE DOS OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS NA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS Fabiane de Andrade Leite1 (PQ)* fabiane.leite@uffs.edu.br. UFFS Universidade Federal da Fronteira Sul Campus Cerro Largo Palavras-Chave: Formação Continuada, Obstáculos Epistemológicos,Reflexão-Ação Área Temática: Formação de Professores RESUMO: O PRESENTE TRABALHO CONSISTE NO RELATO DE UMA INVESTIGAÇÃO REALIZADA DURANTE O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE UMA PROPOSTA DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS EM UMA ESCOLA NO MUNICÍPIO DE SANTA ROSA/RS, A QUAL FOI REALIZADA PARA FINS DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO DE MESTRADO EM ENSINO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO DA UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA URI - CAMPUS SANTO ÂNGELO NO ANO DE 2012.O PROCESSO DE PESQUISA FOI REALIZADO COM APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA DA UNIVERSIDADE E FOI CONSTRUÍDA BASEADA NOS PRINCÍPIOS DA INVESTIGAÇÃO-AÇÃO. PARA TANTO, DESENVOLVERAM-SE ATIVIDADES A FIM DE PROMOVER UM PROCESSO DE REFLEXÃO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA. AO LONGO DO TRABALHO FOI APRESENTADO AOS PROFESSORES UM ESTUDO DA EPISTEMOLOGIA DA CIÊNCIA, NO QUAL DEMONSTRARAM MAIOR INTERESSE NOS CONHECIMENTOS DE BACHELARD E CONSEQUENTEMENTE EM REALIZAR UMA PESQUISA ACERCA DOS OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS QUE SE APRESENTAM NO DECORRER DO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM. A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS O trabalho de formação de professores de Ciências sempre despertou um interesse em mim, tendo em vista minha formação acadêmica em Ciências Plenas com Habilitação em Química, bem como minha experiência como professora de educação básica na rede pública e privada durante dezesseis anos. Na oportunidade destaco a importância de ter sido responsável pelo programa de formação continuada de professores do município de Santa Rosa/RS em um período de cinco anos. Essas experiências tornaram-se momentos marcantes em minha vida profissional, pela possibilidade de promover diálogos externos aos de sala de aula, fato que me proporcionou um olhar ampliado ao processo de ensino e aprendizagem. Com essas experiências, pude perceber que grande parte dos professores apresenta, ao mesmo tempo, conforme Freitas e Villani (2002), resistência às mudanças em suas práticas e insatisfação na participação de programas de formação continuada orientados pelo sistema, o que, segundo Contreras (2002), caracteriza o processo de desqualificação docente. Essa resistência é demonstrada pela postura adquirida por parte dos colegas, os quais fazem desses momentos encontros para rever amigos, espaço de descontração e muito pouco para a

realização de momentos de estudo, relatos de experiência e reflexão da prática pedagógica. De forma especial, como professora de Química, percebo o quanto a maioria dos colegas da área de Ciências da Natureza comportam-se de forma indiferente aos encontros de formação continuada. Isso se deve à formação inicial a que foram submetidos e aos saberes experienciais que possuem, enraizados em uma Ciência positivista, na qual o conhecimento científico é entendido como conhecimento provado e verdadeiro (CHALMERS, 1993). Uma explicação para essa insatisfação, com relação aos encontros de formação continuada, encontrei nas conversas em salas de professores ao longo de minha trajetória docente. Os diálogos demonstram uma busca em resolver os problemas vivenciados no dia-a-dia em sala de aula, pois continuamente os professores evidenciam que boa parte do que é realizado na formação continuada está longe do que ocorre na escola. Essas falas surgem porque a prática docente é permeada por teorias implícitas que se apresentam inadequadas ao contexto escolar, pois os atuais programas de formação continuam ocorrendo no exterior da escola. O caráter técnico da educação se aprofunda na mesma proporção em que a separação entre quem planeja a educação e quem a faz, entre teoria e prática, alcança níveis sem precedentes. Aos professores, obreiros de uma fábrica, caberia a aplicação de currículos empacotados, preparados por projetistas acadêmicos como sistema de abastecimento (DICKEL, 2003, p.49). Na busca por soluções aos problemas vivenciados em sala de aula, o professor participa dos momentos de formação, porém, como não encontra respostas para suas aflições, perde a motivação e, como consequência, vai assumindo uma posição subordinada na comunidade discursiva da educação (CONTRERAS, 2002, p.63). Essa subordinação torna o ambiente educativo um espaço onde a rotina que se apresenta dia após dia é a mesma ocorrida há muitos anos. Nesse contexto, torna-se evidente a falta de estímulo dos professores em participar de cursos, seminários e encontros e não obterem os resultados esperados no trabalho em sala de aula, pois o fio condutor que interliga a formação continuada e a prática pedagógica está desconectado e, como consequência, pouco (ou nada) interfere no planejamento diário do professor. Dessa forma, concordo com Nóvoa (1995, p.25), quando coloca que a formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas. Ao longo de minha trajetória profissional, pude perceber que os programas de formação continuada devem estar diretamente vinculados ao trabalho em sala de aula.

Nos anos de vivência como formadora, não deixei de estar em sala de aula e, com isso, pude perceber que o ciclo do processo de formação continuada inicia e reinicia ano após ano e não apresenta mudanças significativas no processo de ensino, principalmente porque os professores mais antigos interferem no condicionamento dos iniciantes fazendo-os permanecerem desacreditados desta metodologia de formação que se apresenta. Nesse sentido, destaco a importância de se dar voz aos professores, de retirá-los da cômoda situação de apenas querer receitas prontas e colocá-los como protagonistas da sua própria formação. A formação do professor deve ser vista como uma profunda mudança didática (CARVALHO; GIL-PÉREZ, 2009, p. 38), através da qual o professor deve estar preparado para uma tarefa de pesquisa e inovação permanentes. É o que se pretende com esse trabalho: propor diálogo, escrita e reflexão da prática pedagógica. Dessa forma, considero que os programas de formação de professores de ciências devem permitir a construção de um triplo diálogo 1 (ALARCÃO, 2011, p.49) entre os professores, bem como uma maior reflexão sobre as concepções de ciências que possuem considerando que o espaço para que isso se efetive é a própria escola, pois a aquisição de conhecimentos por parte do professor está muito ligada à prática profissional e condicionada pela organização da instituição educacional em que esta é exercida (IMBERNÓN, 2011, p.17). AS CONCEPÇÕES DE CIÊNCIAS E A PRÁTICA PEDAGÓGICA Nesse estudo acerca das concepções de Ciências dos professores de uma escola da rede pública do município de Santa Rosa/RS busquei proporcionar aos colegas momentos de investigação da prática pedagógica tendo como ponto de partida a reflexão sobre como se dá o conhecimento científico pelo aluno, analisando os pensamentos de diversos autores como: Popper (1976), Lakatos (1979), Feyerabend (1977), Bachelard (1971), Kuhn (1975) e Fleck (1986). Os seis professores envolvidos realizaram uma pesquisa sobre as ideias a cerca da natureza do conhecimento científico e, posteriormente, apresentaram suas compreensões para o grupo, o que contribuiu muito para suas aprendizagens, pois está no ato de ensinar a melhor maneira de aprender, de avaliar a solidez de nossas convicções (LOPES, 2007, p. 57). Na sequência tinham que relatar ações realizadas em sala de aula que evidenciavam suas concepções a fim de analisar a interferência destas no processo de ensino e aprendizagem. No decorrer do trabalho os professores demonstraram reconhecer o quanto sua formação inicial baseada em uma Ciência positivista, tornou-os meros 1 Este triplo diálogo diz respeito a um diálogo consigo próprio, um diálogo com os outros, incluindo os que antes de nós construíram conhecimentos que são referência, e o diálogo com a sua própria situação, situação que nos fala.

retransmissores dos conceitos científicos. Essa conscientização foi decisiva para motivá-los a conhecer mais acerca das concepções de Ciências e, então pude lhes apresentar opções de leitura de artigos e trechos de livros que pudessem contribuir ainda mais com seus interesses. A curiosidade pelos pensamentos de Bachelard foi evidenciado por todos através da solicitação de mais textos, além dos que haviam sido propostos, então, de forma conjunta decidimos nos aprofundar nos seus estudos a partir do conhecimento a respeito dos obstáculos epistemológicos, pois essa noção pode ser estudada no desenvolvimento histórico do pensamento científico e na prática da educação (BACHELARD, 1996, P.21) Atualmente a escola realiza um ensino científico pouco significativo ao aluno, resultado do caráter não histórico adotado pela Ciência ministrada em sala de aula. A forma como se ensina nas escolas em muito pouco contribui para a formação do espírito científico do aluno, pois multiplica conceitos sem efeitos para a vida dos alunos, do ensino científico da escola retemos os fatos, esquecemos as razões e é assim que a cultura geral fica entregue ao empirismo da memória (BACHELARD, 1971, p. 35). O conhecimento científico deve ser trabalhado partindo da curiosidade do aluno sobre as explicações aos fenômenos do seu interesse, pois para instituir os valores propriamente científicos é necessário colocar-se no próprio eixo dos interesses científicos (BACHELARD, 1971, p. 76). Por isso os conteúdos a serem trabalhados devem estar sempre em função de seu significado direto com a vida do aluno e de sua relevância científica e tecnológica, possibilitando que o professor compreenda o porquê se ensina Ciências. No decorrer dos encontros foi possível perceber que, através das leituras, discussões e das reflexões feitas a partir da prática pedagógica os professores iam identificando as contribuições deste estudo e, consequentemente procuravam construir formas de superar os obstáculos pedagógicos, que segundo Lopes, 2007, p. 144, são entraves que impedem o aluno a compreender o conhecimento científico. OS OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS E PEDAGÓGICOS NA PRÁTICA DO ENSINO DE CIÊNCIAS Um dos maiores problemas enfrentados pelos professores em sala de aula é identificar as razões que fazem com que o aluno não aprenda, em especial os professores das ciências duras 2, os quais se deparam diariamente com obstáculos pedagógicos que impedem, estagnam e não contribuem para o desenvolvimento científico. 2 Adjetivo popular atribuído aos componentes de Química, Física, Matemática e Biologia.

Segundo Lopes (2007, p. 51) é importante considerar que constantemente conhecimentos são construídos contra conhecimentos anteriores, em rompimento com os obstáculos epistemológicos, seja do conhecimento comum ou do próprio conhecimento científico. A experiência primeira e a linguagem se caracterizam como os primeiros obstáculos da aprendizagem científica, os quais são necessários para a formação do verdadeiro conhecimento científico. Superar estes obstáculos é algo determinante para que o aluno possa substituir um saber fechado e estático por um conhecimento aberto e dinâmico. Os diálogos no decorrer dos encontros eram regados por muitos exemplos práticos, ou seja, cada um dos professores queria expor experiências de sala de aula em que identificavam a presença de cada obstáculo que ia sendo estudado. Nesse momento percebi que, além da autonomia com relação a construção conjunta de uma proposta de formação continuada que se afastasse da rotina presente na escola de utilizar esses momentos de encontros para planejamentos e correções de avaliações, conseguimos de forma coletiva construir um espaço de diálogo, ou seja, a intenção de dar voz aos professores e permitir que houvesse construção de um processo de reflexão-ação foi efetivamente conquistado. Destaco aqui um recorte de exposição feita por um dos professores, no sentido de perceber como um dos obstáculos para a aprendizagem, a utilização dos livros didáticos. Os livros didáticos são usados como diário de classe do professor e isso, é visto por todos como um grande entrave no trabalho em sala de aula, pois os livros apresentam uma linguagem animista, realista e essencialmente substancialista. Ao tentar aproximar o aluno dos conceitos científicos os professores tendem a facilitar o conceito, fazendo-o associar o conhecimento químico com fatos que lhe sejam familiares. As colocações ao longo dos diálogos nos provocaram a refletir sobre: até que ponto o conteúdo transmitido contribui para a construção de um espírito científico no aluno? CONSIDERAÇÕES FINAIS De forma a manter uma coerência com o trabalho proposto busquei integrar as discussões como ouvinte, proporcionando através de questionamentos constantes reflexões, a fim de que os professores buscassem novos caminhos na educação em Ciências. Para tanto, cabe lembrar que isso implica participar de um processo de tomada de consciência, em que refletir sobre a prática educacional fazse necessário, tendo sempre, como inspiração, conhecer a realidade em que se está envolvido e o ambiente educacional, a fim de melhorá-lo. Através deste trabalho, pude perceber que há muitas variáveis envolvidas no processo de aprendizagem que podem influenciar a prática de um professor. Por

isso, é imprescindível levar em consideração as concepções científicas e pedagógicas dos professores, sendo que essas constituem uma autêntica epistemologia sobre o conhecimento escolar que influi em suas intervenções práticas. A partir das leituras, destaco que a necessidade de mudança da prática do professor atual, e a mudança de suas concepções é condição necessária para que isso se efetive na escola. Sendo assim, a busca por informações acerca da epistemologia de Bachelard, através do estudo dos obstáculos epistemológicos, desencadeou nesse grupo de professores a formação de um olhar reflexivo, importante para promover o processo de mudança didática. Dessa forma, posso afirmar que os professores envolvidos nesta pesquisa puderam perceber o quanto, assumir uma postura de investigação-ação no fazer pedagógico é, oportunizar a prática de novos olhares que não se encerram em ciclos fechados de planejamento, ação, intervenção e retomada do problema. Através da pesquisa proposta pelo grupo ocorreu o desenvolvimento de uma maior autonomia no processo de formação e um novo caminho na constituição do ser/fazer docente. Portanto, assim como é a Ciência, inacabada, almejo proporcionar essa construção em outros grupos, pois a concretização deste trabalho deu-se a partir da troca entre os sujeitos, o qual teve o seu início e deverá ter a sua continuidade, pois, conforme Chassot (2006, p.424), há bons tempos para gestar sonhos. A semeadura foi feita. Que nasça a planta... e que frutifique produzindo mais sementes. Então, haverá tempos para novos semeares. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALARCÃO, I. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. 8. Ed. São Paulo: Cortez, 2011. BACHELARD, G.. A Epistemologia. Lisboa, Portugal: Edições 70, 1971. BACHELARD, G.. A Formação do Espírito Científico. 1. Ed. Rio de janeiro: Contraponto, 1996. CARVALHO, A. M. P.; GIL-PÉREZ, D.. Formação de Professores de Ciências. 9. Ed. São Paulo: Cortez Editora, 2009. CHALMERS, A. F. O que é Ciência Afinal? São Paulo: Brasiliensis, 1993. CHASSOT, A.. Alfabetização Científica: Questões e Desafios para a Educação. 4. Ed. Ijuí: Ed. Unijuí, 2006.

CONTRERAS, J. D.. A autonomia de professores. Trad. Sandra Trabucco Valenzuela. São Paulo: Ed. Cortez, 2002. DICKEL, A. Que Sentido há em se falar em professor-pesquisador no contexto atual? Contribuições para o Debate. In: GERALDI, C.; FIORENTINI, D.; PEREIRA, E. (orgs.). Cartografias do trabalho docente: professor(a) pesquisador(a). p.33-71,campinas: Mercado de letras, 2003. FEYERABEND, P. Contra o método. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora,1977. FLECK, L. La génesis y el desarrollo de un hecho científico. Madrid: Alianza Editorial, 1986. FREITAS, D.; VILLANI, A. Formação de professores de ciências: um desafio sem limites. Investigações em ensino de ciências. V. 7, n. 3, p. 215-230, 2002. IMBERNÓN, F. Formação Docente e Profissional. 9. Ed. São Paulo: Cortez, 2011. KUHN, T. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Editora Perspectiva, 1975. LAKATOS, I. O falseamento e a metodologia dos programas de pesquisa científica. In: LAKATOS, I. e MUSGRAVE, A. (org.) A crítica e o desenvolvimento do conhecimento. São Paulo: Cultrix, 1979. LOPES, A. C.. Currículo e Epistemologia. Ijuí: Editora Unijuí, 2007. NÓVOA, A. Os professores e a sua formação. Trad. Graça Cunha, Cândida Hespanha, Conceição Afonso e José António Souza Tavares. 2. Ed. Lisboa: Instituto Inovação Educacional, 1995. POPPER, K.R. A racionalidade das revoluções científicas. In: HARRÉ, R. (Org.). Problemas da revolução científica. São Paulo: EDUSP, 1976.