Os Meandros da Análise Semiótica de Texto Publicitário 1. Valdirene Pereira da Conceição 2 Universidade Federal do Maranhão UFMA

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Transcrição:

Os Meandros da Análise Semiótica de Texto Publicitário 1 Valdirene Pereira da Conceição 2 Universidade Federal do Maranhão UFMA RESUMO Análise semiótica do texto publicitário. Apresenta os pressupostos teóricos metodológicos da análise semiótica de base francesa, destacando o percurso gerativo de sentido constituído por três níveis básicos: fundamental, narrativo e discursivo. Descreve as perspectivas da sintaxe e da semântica, enfatizando o quadrado semiótico com afirmações e negações, ressaltando os valores de euforia e de disforia. Aborda a organização da narrativa sob o ponto de vista de um sujeito, evidenciando o estado e/ou transformação sofrida pelo mesmo e os valores desejáveis e indesejáveis, destacando-os no texto sob a forma de temas e figuras. Ilustra a aplicação da teoria semiótica greimasiana analisando um texto publicitário sobre o café, enfatizando que a narratividade manifesta-se em qualquer tipo de texto. PALAVRAS-CHAVE: Análise semiótica. Semiótica greimasiana. Textos publicitários. 1 INTRODUÇÃO Há muito que a Semiótica, como ciência da significação, se preocupa em fornecer conhecimentos sobre o funcionamento da língua e dos textos e sobre as formas em que ocorre a produção de sentidos. Por meio da análise dos elementos que se depreende de determinado texto, a Semiótica propõe determinar sua significação, partindo do pressuposto de que o texto é um todo de significação que oferece as condições necessárias para sua leitura e que, segundo Fiorin (2005), é um produto resultante da relação entre o plano da expressão e o plano do conteúdo e que faz parte de um contexto, situado no tempo e no espaço, carregado de certa carga ideológica. 1 Trabalho apresentado no GT Teorias da Comunicação, do Inovcom, evento componente do X Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste. 2 Doutoranda do Curso de Lingüística e Língua Portuguesa da UNESP, e-mail: cvaldirene@bol.com.br 1

A Semiótica de base francesa, fundada por J.A. Greimas, está pautada no chamado Percurso Gerativo de Sentido, constituído por três níveis básicos, a saber: fundamental, narrativo e discursivo e que pode ser sintetizado da seguinte maneira: SINTAXE SEMÂNTICA Nível Fundamental (mínimo de significado) Nível Narrativo (sujeitos / valores) Oposição semântica fundamental (quadrado semiótico com afirmações / negações) A narrativa se organiza do ponto de vista de um sujeito (estados / transformações ) Valores (euforia / disforia) Valores (desejáveis / indesejáveis ) Nível Discursivo (instância da enunciação ) Figura1: Percurso Gerativo de Sentido Temporalização Espacialização Actorização Aspectualização Valores disseminados no texto sob forma de Temas (tematização) e Figuras(figurativização) No nível fundamental, revela-se a significação como oposição semântica mínima, isto é, a base de sustentação das demais etapas do percurso gerativo. Nesse nível determinam-se também, na perspectiva semântica, as categorias fundamentais do quadrado semiótico (com afirmações/negações) como positivas (eufóricas) ou negativas (disfóricas). Em se tratando do nível narrativo e, em especial, da sintaxe narrativa, o discurso se narrativiza por meio de transformações, operadas pelos actantes: sujeito(s) e objeto (O) e destinador (S1) e destinatário (S2). Fazem parte deste nível os enunciados elementares de estado ou de fazer (descrevem a relação de junção entre sujeito e objeto e de disjunção) mostram as transformações, as passagens de um estado para o outro, ou seja, o que o sujeito pretende fazer, a finalidade da sua ação. O esquema narrativo inclui as seguintes fases: a) Manipulação fase em que o sujeito (S1) age sobre o outro (S2), para convencê-lo por intimidação, sedução, provocação ou tentação a querer e/ ou dever fazer algo; 2

b) Competência momento em que o sujeito é dotado de um saber e /ou poder fazer alguma coisa; c) Perfórmance é a ação em si, a transformação central da narrativa; d) Sanção fase do julgamento da performance, em que o destinador julga se a ação se realizou em conformidade com o acordo inicial. Vale ressaltar que a sanção pode levar à premiação ou à punição do sujeito. Por fim, o nível discursivo que, por sua vez, revela os elementos constituintes da sintaxe discursiva, ou seja, a pessoa (actorização), o tempo (temporização) e o espaço (espacialização) instaurando na enunciação um eu, um agora e um aqui. Essas categorias de análise fundam-se nas operações de embreagem e debreagem, que podem ser actanciais, temporais e espaciais. De acordo com Greimas (1989), a debreagem expulsa pessoa, tempo e espaço para fora do ato da enunciação, criando um não-eu (um ele diferente do sujeito de enunciação) e um não-aqui (um algures ou alhures diferente do lugar da enunciação). A embreagem, ao contrário, é o efeito de retorno à enunciação. Ainda no nível discursivo, mas na perspectiva semântica, observa-se o aspecto ideológico do discurso, por meio de dois procedimentos essenciais: a tematização (texto que faz uso de coisas, idéias e conceitos, que não fazem parte da realidade concreta) e a figurativização (uso de elementos da realidade concreta). Conforme sentencia Fiorin (1996, p.23-25), nenhum texto é, porém, exclusivamente temático ou exclusivamente figurativo. Assim, temas e figuras estão sempre interligados e criam seus respectivos percursos, por meio dos quais podemos reconhecer de que trata um texto, nos auxiliando, conseqüentemente, na leitura e na interpretação do texto, ou seja, no desvelamento da sua significação. Enfim, essas são algumas das categorias que dão aporte à análise semiótica e que permitem desvendar o processo de produção dos efeitos de sentidos de um texto. Para a aplicação da teoria semiótica greimasiana, selecionamos para a análise um texto publicitário - uma propaganda de café - publicada na revista Veja, de 06 de dezembro de 2006. A escolha foi feita tendo em mente que a narratividade se manifesta em qualquer tipo de texto: científico, literário, dentre outros, ou seja, a narratividade não 3

se restringe apenas aos textos narrativos, ela é um elemento da teoria do discurso. A partir disso, foi considerado relevante observar, por um lado, aspectos lingüísticos e, por outro, mecanismos discursivos de construção do sentido. 2 ANÁLISE SEMIÓTICA DO TEXTO PUBLICITÁRIO A Semiótica, como ciência da significação, estuda o discurso com base na idéia de que uma estrutura narrativa se manifesta em qualquer gênero textual. Os textos publicitários são, por natureza, textos argumentativos que visam a convencer o leitor / consumidor a comprar determinado produto ou serviço. A partir dessa observação, poderíamos pensar, em um primeiro momento, que não há, nos anúncios publicitários, a estrutura narrativa. No entanto, os textos publicitários põem muitas vezes em cena uma transformação que é operada pelo produto/ serviço da campanha publicitária. A Semiótica nos faz perceber exatamente as estruturas narrativas existentes nos textos argumentativos dos anúncios publicitários, como veremos na análise a seguir: 4

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O texto inicia apontando o objeto-valor que é o estímulo do cérebro, fazendo referência a pessoas que obtiveram sucesso em suas vidas nas diversas áreas do conhecimento humano (ciência,literatura, música, política) como podemos observar no texto: Santos Dumont tomava. Monteiro Lobato tomava. Carmem Miranda tomava. JK também. É, o café estimula mesmo o cérebro. A publicidade, neste caso, adotou como estratégia o raciocínio de indução, utilizando, para tanto, além do texto verbal, os recursos visuais. Observamos, por exemplo, que a página da publicidade é ao mesmo tempo uma página de um livro antigo com capa de couro, a página amarelada com motivos neoclássicos nas bordas, o que remete para um tempo em que viviam os grandes vultos citados na abertura do anúncio. O tempo da narrativa é atualizado para um aqui e agora representado pela imagem de estudantes com uma xícara de café em um ambiente de leitura / estudo / intelectualidade, destacando que de fato tomar café estimula o cérebro. No aspecto verbal, a atualização se dá pela substituição do verbo no pretérito imperfeito do indicativo (tomava) por verbos no presente. O texto traz ainda duas imagens: uma do café in natura (grãos) e a outra de uma xícara de café em close. Vale a pena destacar que a seqüência de fotos tem a mesma disposição dos elementos do texto dissertativo verbal, a saber: introdução, desenvolvimento e conclusão. Em linhas gerais, o texto revela o seguinte percurso gerativo: a) Equilíbrio saúde, inteligência, bem-estar b) Desequilíbrio - alcoolismo, suicídio, depressão, cirrose, diabetes, câncer do cólon, de fígado e de mama e parkinson. c) Regressão ao equilíbrio a promessa de prevenção dessas patologias, através do prazer de tomar um café caminha lado a lado com os diversos benefícios que esse hábito traz à nossa saúde, além da promessa de ficar mais disposto com o raciocínio bem mais ágil. Cabe salientar que as categorias de euforia e disforia estão relacionadas, respectivamente, aos termos equilíbrio e desequilíbrio. 6

Observamos assim que o texto apresenta um outro objeto-valor: a conservação da saúde. Assim o percurso induz o leitor/consumidor a uma leitura que sugere uma transformação: a adesão ao hábito de consumir o café brasileiro, e conseqüentemente o de estimular o cérebro, somado à conservação da saúde e ao desejo de ser bem sucedido. O que se demonstra possível através da ação do sujeito/café (produto). Neste texto publicitário, o receptor (aquele que lê a propaganda) é apresentado como um sujeito em relação de conjunção com o objeto-valor: desejo de estímulo ao cérebro. S (todos os consumidores) O (desejo de estímulo ao cérebro) O valor deste objeto é apontado enfaticamente quando na chamada se afirma que as pessoas que obtiveram sucesso em suas vidas também tomavam café, encerrando com a afirmativa: É, o café estimula mesmo o cérebro. Entretanto, para o sujeito se manter em conjunção com o objeto de valor, deve buscá-lo através do produto/café. Nesse contexto, o enunciado de estado dá lugar a um enunciado de fazer, ou seja, o sujeito tem que realizar uma performance. Uma vez que, para estimular o cérebro e conservar a saúde, é preciso tomar café: café estímulo do cérebro Preservação da saúde Convém ressaltar que entre o percurso narrativo principal (estimular o cérebro e conservar a saúde) e o percurso secundário (tomar o café) produziu-se uma mudança: da vontade de estimular o cérebro para a vontade de parecer com as pessoas que obtiveram sucesso em suas vidas e tornaram-se grandes vultos da história. Ainda no percurso narrativo principal, cabe perguntar sobre o querer, o saber e o poder-fazer do sujeito. É claro que o sujeito possui o querer fazer (estimular o cérebro), porém é a publicidade que lhe confere a competência de um saber fazer 7

necessário para realizar a performance de obter sucesso na vida. No entanto, quem tem o poder de fazer tal feito é o produto/café. Como podemos observar, o foco desse texto publicitário é o estímulo do cérebro relacionado ao ser e ao parecer com pessoas que tiveram sucesso em suas vidas e que tornaram-se vultos da história, traçando assim a seguinte estrutura básica da significação do texto, ora em tela: S 1 S 2 Ser Parecer S 1 1Figura 3: quadrado semiótico Com base no quadrado semiótico acima, visualizamos a estrutura elementar da significação da publicidade em estudo: o estímulo do cérebro é imaginado e desejado: ser intelectual/inteligente como os grandes vultos da história. O percurso narrativo inicia-se em S 1 (Ser intelectual), segue para _S 1 (Não ser intelectual) e termina em S 2 ( parecer ser intelectual). Logo, em uma perspectiva mais ampla temos: grandes vultos / intelectuais que representa a junção de dois termos: ser intelectual e não parecer ser intelectual; e consumidores/leitores que representa: não ser intelectual, mas parecer intelectual, como podemos visualizar no quadro abaixo: 8

Estímulo do cérebro Ser Parecer Pessoas de sucesso / intelectuais Consumidor O texto da propaganda em estudo termina com uma afirmação que não pode ser contestada e que reforça a nacionalidade: Cafés do Brasil, completada com o slogan o tempo passa e o prazer continua. A partir dessa segunda afirmação, percebemos que o prazer de tomar café resiste ao tempo. Ainda no nível discursivo, é possível relacionar os temas que se apresentam no texto analisado: Saúde/bem-estar físico e mental; Nacionalidade/patriotismo; Exportação do café; Tecnologia; História; Desenvolvimento Nacional. Esses temas estão relacionados respectivamente às seguintes figuras que lhes dão concretude: Prevenção da depressão, suicídio, cirrose, alcoolismo do adulto, câncer do cólon, de fígado e de mama e Parkinson; 9

Brasileiros como você; Volume de exportação em 2005 foi de 2,9 bilhões de dólares Novas tecnologias no cultivo e processamento do café. Santos Dumont, Monteiro Lobato, Carmem Miranda, JK. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Por meio da análise semiótica, podemos perceber que o receptor/enunciatário do anúncio é apresentado como o sujeito do fazer: se usar o produto, estimulará o cérebro e, conseqüentemente, conservará a inteligência e a saúde. Na publicidade, de um modo geral, costuma-se fragmentar o indivíduo (neste caso específico, a parte do indivíduo que está em evidência é o cérebro). Ao entrar em conjunção com esta parte, o leitor alcançará o todo que é o estímulo do cérebro, da inteligência. Para atingir o objeto global, o todo mencionado acima, são traçados dois PN. É no PN secundário que o produto vai atuar como coadjuvante e destinador do poder. A publicidade é destinador do saber, ao levar ao conhecimento o produto; e o querer do sujeito está implícito. A publicidade atesta o poder ao produto por meio de sua ação estimuladora e da imagem de pessoas que tomaram o café. Desta forma, sugere o ato de consumo/compra. Porém, a performance e a sanção do PN principal estão ausentes da publicidade, por pertencer ao leitor/consumidor que, ao comprar e usar o produto anunciado, poderá alcançar o resultado que lhe sugere a publicidade, ou seja, estará de posse do objeto-valor. 1

Por sua vez, o objeto-valor é constituído pela imagem do estímulo do cérebro expressamente posto no texto, que, nas entrelinhas, traz consigo outros aspectos sutilmente sugeridos: a conservação da saúde, o desejo de pertencer a um grupo seleto de consumidores (grandes nomes do cenário cultural brasileiro), sendo tematizado e figurativizado, pois, a inteligência, o sucesso, o reconhecimento, o destaque, todos esses aspectos voltados para valores sociais de maior relevância, independente do tempo, da idade e da área de atuação do sujeito. Na construção das categorias discursivas - temporalização, espacialização, aspectualização - o enunciador realiza a interação, de forma dinâmica, do antes, do durante e do depois, evidenciados desde a disposição do texto na página amarelecida de um livro antigo, e mesmo pelo emprego de dêixis temporais para marcar a idéia de continuidade do produto no mercado, e por conseguinte de sua tradição, aceitação e qualidade. Ou seja, só resiste à competitividade e constrói uma história de sucesso quem é o melhor. A exemplo do emprego intencional do presente do indicativo em boa parte do texto; o uso do gerúndio em está ficando com ainda mais qualidade, sabor e variedade... ou,...fazendo cada vez mais sucesso no mundo inteiro.., e mesmo em enunciados-chave como na frase final destacada do texto maior O tempo passa e o prazer continua. O texto também apresenta no nível da manifestação alguns recursos estilísticos tanto verbais quanto não-verbais, o que é próprio do texto publicitário que convence pela sedução. Um recurso adotado no texto ora analisado é a redundância, caracterizada pela repetição do verbo tomar, como mostra o trecho abaixo: Santos Dumont tomava. Monteiro Lobato tomava. Carmem Miranda tomava. JK também. A imagem dos estudantes tomando café, caracteriza-se pelo recurso metonímia (a parte pelo todo), pois eles representam o todo / consumidor. Assim, o discurso instaurado neste texto publicitário de uma forma geral é manipulador, pois objetiva convencer o leitor/consumidor a aceitar o ponto de vista do enunciador/fabricante, que seria a compra do produto/café. Por conseguinte, no texto publicitário há, como em qualquer texto como foi afirmado por Greimas(1979), uma estrutura narrativa na qual se reconhece a existência de percursos narrativos constituídos pelas relações que se estabelecem entre actantes e o objeto-valor. No caso do anúncio 1

aqui analisado, os actantes são sempre os mesmos: o leitor/consumidor, o produto e o publicitário/fabricante. A partir da teoria semiótica greimasiana, vemos que não só há uma narratividade presente no texto publicitário, como também um percurso que se repete (nos textos deste gênero), quando a função é apelativa e reveladora do papel da publicidade, qual seja: o de argumentação e convencimento em favor de um produto. REFERÊNCIAS BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria do discurso: fundamentos semióticos. São Paulo : Atual, 1988.. Teoria semiótica do texto. São Paulo: Ática, 1990. CORTINA, Arnaldo, MARCHEZAN, Renata Coelho. Teoria semiótica: a questão do sentido. In: MUSSALIM, Fernanda & BENTES, Anna Christina (Orgs.). Introdução à Lingüística: fundamentos epistemológicos. São Paulo: Cortez, 2004, p.393-438. (Trilhas Lingüísticas, v.6). CORTINA, Arnaldo; MARCHEZAN, Renata Coelho(Org.). Razões e sensibilidades : a semiótica em foco. Araraquara: Laboratório Editorial FLC ; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2004. DISCINI, Norma. O estilo nos textos. História em quadrinhos, mídia, literatura. São Paulo: Contexto, 2003. FIORINI, José Luiz. Elementos de análise do discurso. 13.ed. São Paulo: Contexto, 2005.. Introdução à lingüística (Org.). 5.ed. São Paulo: Contexto, 2006.. São Paulo: Cultrix, 1979. GREIMAS, A. J. ; COURTÉS, Joseph. Dicionário de Semiótica. São Paulo: Cultrix, 1979. GREIMAS, A. J. Semântica estrutural. São Paulo: Cultrix,, 1973. VEJA. São Paulo, v.20, dez.2006. 1

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