Mediação: processo comunicacional não violento Desde que comecei a escrever nessa coluna, preocupo-me em deixar muito claro do que se trata a mediação. Assim, a mediação é um processo conversacional pacífico, facilitado pelo terceiro imparcial o mediador - que, através de técnicas, vai devolver aos participantes, suas habilidades de identificar suas preocupações, de analisar suas perspectivas, de tomar suas decisões conscientes, de entender os outros, de respeitá-los e de demonstrar empatia, e, não menos importante, de aumentar sua consciência e compreensão, ao descobrir novas informações, ampliando a conexão entre todos e a percepção da situação e do contexto. Esse processo conversacional, em que os participantes estão inseridos, conjuntamente com o mediador, tem como uma das bases, a comunicação não violenta - CNV, cujo método foi desenvolvido por Marshall Rosenberg 1, em sua obra 2, que leva esse título, e que recomendo a leitura. Para esse autor, a CNV partiu da sua observação da crescente violência no mundo e do qual fazemos parte. É o reflexo das formas culturais de comunicação, baseadas na lógica da força, da destruição, da raiva, da punição, da vergonha e da culpa. Para Marshall, a CNV serve de estratégia para apaziguar os combates verbais do dia-a-dia, pois ele acredita que é na maneira como falamos e escutamos os 1 Marshall Rosenberg é psicólogo americano, orientador educacional em escolas e universidades, treinador em técnicas comunicativas e criador da CNV. Atualmente, media conflitos e leva programas de paz a regiões assoladas por guerras. 2 ROSENBERG, M. B. Comunicação Não-Violenta Técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. São Paulo: Editora Agora, 2.006.
outros que está a chave para o problema das desavenças e discórdias. Ele enfatiza a importância de se expressar, evitando uma linguagem classificatória, que rotule ou enquadre os indivíduos, os interlocutores ou terceiros. Ela busca responder a pergunta: Como fazer com que as pessoas se satisfaçam, atinjam suas necessidades, sem fazer outras pessoas sofrerem? A CNV é o caminho, pois trata da comunicação empática, daquela cuja fala e escuta são diferenciadas, pois reforçam a habilidade que todos os seres humanos têm de escolher as palavras, para não magoar, julgar, rotular, comparar ou gerar dor em si e no outro e/ou escutar não só as palavras, mas, principalmente, as emoções e sentimentos que estão dentro das mesmas, ou seja, as palavras grávidas. Marshall Rosenberg demonstra como é importante estabelecer um fluxo de conversa entre as pessoas, que as conecte compassivamente, num desejo mútuo de dar, doar de coração um para o outro e vice-versa. Para tanto, é necessário estarem presentes quatro componentes da CNV: observação, sentimento, necessidade e pedido. A observação implica em utilizarmos nossos sentidos, sem qualquer julgamento, pois quando assim procedemos, a observação passa a ser avaliação. Muitas pessoas recebem a avaliação como sugestão, cobrança, crítica ou julgamento e isso pode produzir ruído, barreira ou violência na comunicação, gerando a desconexão entre elas. É muito recorrente, o ser humano avaliar o outro, mesmo em situações não conflituosas. Essa atitude se agrava quando as pessoas estão vivenciando situações de sofrimento. Estou atendendo, em mediação, um caso de excasal, onde Marcos, o pai de Gabriela, filha comum, solicita a ampliação de seu tempo de convivência com ela. O genitor tem mostrado, com atitudes, os esforços para melhorar seu desempenho nas funções de pai, e a genitora, Lea,
tem percebido melhora na relação de pai e filha. No entanto, no seu comportamento automático, ou seja, sem pensar, é frequente Lea avaliar o comportamento de Marcos. No último encontro, ela argumentou que o pai não poderia pernoitar com sua filha, com a seguinte fala: Você fez tudo errado outra vez! Assim, você nunca vai me ajudar a tirar a fralda da Juliana. Lea poderia ter um olhar apenas observador, dizendo: Nessas últimas semanas você não levou Juliana ao penico. Essa observação é uma fala respeitosa, que permite que Marcos escute o seu conteúdo e o leve à reflexão, de como poderá melhorar, ainda mais, sua performance, já que seu objetivo era conviver com sua filha, Juliana, e aumentar a sua conexão com ela. O segundo elemento da CNV é o sentimento e sua expressão. As pessoas, de um modo geral, têm dificuldades para identificar, nomear e descrever seus estados emocionais, como se essas sensações não fossem importantes. O repertório de palavras, para nomear o sentimento, é muito limitado, principalmente para as pessoas cujo código profissional as desencoraja a manifestar emoções, como, por exemplo, os operadores do direito, profissionais da área da saúde etc. Além da nossa dificuldade em identificar o que estamos sentindo, muitas vezes, utilizamos o verbo sentir, sem que qualquer sentimento esteja sendo expressado, como, por exemplo: sinto que meu vizinho não gosta de mim. O verbo sinto, constante do meu exemplo, poderia ser substituído por penso, imagino. No entanto, se eu disser: Sinto frustração por manter uma relação superficial com meu vizinho., meu estado emocional foi devidamente identificado e nomeado. Por outro lado, se eu disser: Sinto-me atacada quando cumprimento meu vizinho e ele não me responde., não estou identificando e nomeando meu estado emocional, senão que estou pensando como o meu vizinho reage ou se comporta a meu respeito. Embora tenhamos sido educados a não manifestar nossos sentimentos, para não nos tornarmos vulneráveis perante o outro, o fato é que já vivenciamos e
presenciamos situações em que os sentimentos não reconhecidos ou menosprezados tendem a se intensificar. Segundo a CNV, a sua expressão propicia o desenvolvimento de um vocabulário de sentimentos, facilitando a conexão entre as pessoas, favorecendo a abordagem de conflitos e propiciando verdadeiro alívio e conforto nas mesmas. Quando percebemos e entramos em contato com as nossas necessidades (terceiro componente da CNV) e a dos outros, estamos reconhecendo a raiz dos sentimentos. É muito importante que cada indivíduo aprenda a expressar suas necessidades, sem criticar, sem cobrar, sem julgar, sem analisar, sem sugerir, sem culpar os outros, evitando-se, assim, que esses outros invistam sua energia na autodefesa e contra-ataque, que levam à escalada da violência e do conflito. Os mediadores, no desenvolvimento das suas funções, dentro do processo de mediação, criam condições para que os participantes identifiquem e expressem suas necessidades, que estão gerando sentimentos, por exemplo, de raiva, de medo, de insegurança, de tristeza etc. Quanto mais aquele terceiro facilitador o mediador - conseguir levar as pessoas à conexão dos seus sentimentos e necessidades, mais fácil será para elas conseguirem reagir umas às outras, de forma respeitosa, generosa e empática. O quarto e último componente da CNV é o pedido. Conforme propõe Marshall (2006) é muito importante que os pedidos não sejam interpretados ou percebidos como exigências. Muitas vezes, isso acontece quando o indivíduo que escuta, acredita que precisa cumprir a ordem, sob pena de punição. A CNV sugere que aquele que faz a solicitação, dê algum sinal de que o seu desejo não é uma ordem, uma ameaça ou coação, deixando o outro à vontade para atendê-lo, somente se for de sua livre vontade. Numa mediação, relativa à dissolução de sociedade, um dos sócios alega que é muito importante para ele, que se faça uma auditoria na empresa, para o levantamento do seu ativo e passivo. Após verbalizar sua necessidade, pergunta para o outro sócio: Você poderia colocar um dos funcionários para acompanhar o auditor, durante o trabalho?
O objetivo da CNV não é mudar as pessoas e seu comportamento, para conseguir o que queremos, mas, sim, estabelecer relacionamentos baseados em honestidade e empatia, que acabarão atendendo às necessidades de todos. (ROSEMBERG, 2006, pág. 127). A obra Comunicação Não Violenta marcou minha vida pessoal e profissional. Tornou-se meu livro de cabeceira, para que os conceitos sejam lidos e constantemente relidos, já que ele trata de um tema vital: a comunicação. No entanto, trata-se daquela comunicação não violenta, daquela em que as pessoas se conectam umas às outras, deixando florescer a compaixão, que é da natureza humana. Helena Gurfinkel Mandelbaum Advogada; Mediadora; sócia da Open Mediação (www.openmediacao.com.br); Consultora, Docente e Palestrante sobre Métodos de Abordagens de Conflitos e Crises; Mestranda em Mediação pelo IUKB-Institut Universitaire Kurt Bosh- Maestría Latinoamericana Europea en Mediación.