PATOPSICOLOGIA: ESTUDO DAS ALTERAÇÕES PATOLÓGICAS NO PSIQUISMO HUMANO BASEADO NA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL Maria Aparecida Santiago da Silva Silvana Calvo Tuleski O presente trabalho baseia-se nos estudos iniciais acerca do entendimento das alterações patológicas nos processos psíquicos humanos a partir das contribuições da Psicologia Histórico-Cultural, que se fundamenta nos princípios filosóficos e metodológicos do materialismo histórico dialético. A partir de seu caráter teórico conceitual, objetiva apresentar a autora russa B. V. Zeigarnik (1900 1988) e suas contribuições relacionadas às alterações patológicas dos processos psicológicos do homem, informações encontradas nesse início de pesquisa. Luria (1991) afirma que a psicologia tem como tarefa traçar as leis básicas da atividade psicológica, ao estudar suas vias de desenvolvimento e seus mecanismos básicos, assim como trabalhar com as mudanças ocorridas nessa atividade nos estados patológicos. Conforme o referido autor, a psicopatologia foi elaborada com êxito na URSS pela psicóloga Bluma V. Zeigarnik, no ramo denominado Patopsicologia. Na União Soviética, a psicologia foi institucionalizada, enquanto ciência independente, somente no ano de 1967 e, por este motivo, não pertencia à Academia de Ciências da URSS. Durante esse período de não reconhecimento, que abrange as produções do período pós-revolucionário até o ano de 1966, a ciência psicológica estava subordinada às Ciências Pedagógicas, mais precisamente ao quadro da Academia de Ciências Pedagógicas da URSS (Almeida, 2008). Este retrato fez com que a psicologia permanecesse mais envolvida às questões educacionais, enquanto que a saúde mental estava sob a ótica da fisiologia e psiquiatria soviética, ambas marcadas pelo pensamento científico-natural e médico embasado no materialismo da URSS (Rojlin, s/d). Este fato pode justificar a pouca atenção dada ao desenvolvimento de estudos relativos às alterações patológicas do psiquismo humano no âmbito da Psicologia Histórico- Cultural, que ligada aos aspectos educativos, relegou à psiquiatria e fisiologia as explicações
desse âmbito de estudo. Outra fato que também interferiu nesse campo do conhecimento refere-se aos anos da stalinização, que atingiram todas as esferas da sociedade, em especial a Psicologia, com a imposição da pavlovinização na fisiologia/medicina e na psicologia (Almeida, 2008). No entanto, Vigotski, Luria e continuadores dedicaram-se ao estudo da psicopatologia e, mais especificamente, Bluma Zeigarnik, na década de 1960, com a institucionalização da psicologia na URSS, dedicou-se a esse estudo com a elaboração da patopsicologia, que admite relações parentais com a psicologia geral, mas absorve e assimila as regularidades da norma na formação e operações dos processos mentais para a pesquisa científica das desordens mentais (Nikolaeva, 2011, p. 178). Assim como a Neuropsicologia, a Patopsicologia experimenta a influência da ciência médica, no entanto é um ramo do conhecimento psicológico e está subordinada às regularidades e as leis da psicologia, desenvolvidas, particularmente, na URSS. Por sua significação teórica e prática, Rodriguez e Grau Abalo (1986) afirmam que esses ramos apresentam a solução de alguns problemas da psicologia clínica tradicional, desenvolvidos com bastante proximidade e intersecções, citando o exemplo da contribuição do diagnóstico neuropsicológico e patopsicológico no campo da psicologia clínica. De acordo com Nikolaeva (2011), existem dois aspectos fundamentais na patopsicologia, sendo o primeiro baseado na relação entre a teoria e sua comprovação experimental e, o segundo, sua fundamentação nos pressupostos da psicologia históricocultural. Zeigarnik ingressou no Departamento de Filosofia da Universidade de Berlim em 1922, tendo sido orientanda de Kurt Lewin, desenvolvendo muitos de seus estudos apropriando-se do método experimental, que mais tarde fundamentou suas elaborações teóricas, tal como observado por Nikolaeva (2011). Quando a autora retornou para a URSS no começo da década de 1930, trabalhou com Lev Semenovich Vigotski (1896-1934) e Alexander Romanovich Luria (1902-1977) e, posteriormente, com Alexei Nicolaievich Leontiev (1903-1979), os fundadores da escola psicológica denominada de Psicologia Histórico-Cultural, com base marxista. Compartilhando as ideias desses autores, tornou-se colaboradora em seus estudos e grande amiga de Luria, que lhe ajudou em muitos momentos de dificuldades vivenciados na época stalinista.
Brožek (1973) afirma que a patologia do pensamento tornou-se a especialidade de Zeigarnik, que estabeleceu laços entre a psicologia científica e a psiquiatria russa, dirigindo o laboratório de psicologia experimental vinculado ao Instituto de Pesquisa de Psiquiatria de Moscou, do Ministério da Saúde. Conforme Zeigarnik (1981), a Patopsicologia, um ramo da ciência psicológica, "parte das leis de desenvolvimento e da estrutura do psiquismo em estado normal. Estuda as leis da desintegração da atividade psíquica e das propriedades da personalidade, comparando-as com as leis de formação e desenvolvimento dos processos psíquicos normais, estuda a regularidade nas alterações da atividade reflexiva do cérebro (p. 8). Diante dessas considerações, é importante apresentar as diferenças nas duas disciplinas Patopsicologia russo-soviética e Psicopatologia ocidental que abordam as alterações psíquicas, a partir de diferentes posições ( Qué es la Patopsicología?, 2011). 1. A Patopsicologia diferencia-se por ser uma disciplina dos transtornos psíquicos como alterações da atividade psíquica, em termos qualitativos, enquanto que a Psicopatologia é uma ciência médica baseada na psiquiatria clínica, predominantemente quantitativa; 2. A Patopsicologia opera com conceitos e categorias psicológicas (atividade, motivaçãonecessidade, personalidade), já a Psicopatologia com conceitos clínicos-médicos (etiologia, patogênese, sintoma e síndrome) e critérios patológicos gerais (surgimento e término da enfermidade); 3. A Patopsicologia se ocupa da caracterização psicológica dos mecanismos da formação das alterações dos processos e propriedades da personalidade, enquanto que a Psicopatologia ocupa-se da descrição de sinais da enfermidade psíquica em sua dinâmica externa ao curso da enfermidade; 4. Por fim, em relação aos métodos específicos, temos que a Patopsicologia recorre ao psicológico-experimental e, por sua vez, a Psicopatologia ao clínico-descritivo. Baseada nos princípios marxistas, a Patopsicologia propõe uma nova abordagem para a avaliação psicológica, que considera o caráter ativo e integral da atividade mental, por meio da aplicação de técnicas experimentais, que investiguem os processos psicológicos do
homem. Além disso, tem o homem como princípio explicativo principal, tomando-o como ser social por excelência, compreendido por meio da psicologia da personalidade, da motivação e da atividade humana (Delari Junior, 2006). Dessa maneira, leva em consideração, nas suas investigações sobre o homem que adoece, essas três esferas que implicam em sua atividade. Conforme as elaborações de Vigotski (1994), o estudo do desenvolvimento patológico e saudável contribuem para o entendimento da constituição da consciência humana e, além disso, as elaborações da patopsicologia de Zeigarnik, pouco conhecidas na atualidade, ao serem sistematizadas, podem contribuir para diagnóstico e trabalho clínico ao fundamentar a atuação do psicólogo. Referências Almeida, S. H. V. (2008). Psicologia Histórico-Cultural Da Memória. Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Educação: Psicologia da Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. Brožek, J. (1973). Psicologia Soviética. In. Marx; Melvin H. & Hillix, Willaim A. (1973). Sistemas e teorias em Psicologia. 3. ed. São paulo: Cultrix, p. 655 687. Delari Junior, A. (2006). Clínica vigotskiana: fragmentos e convite ao diálogo. Produção independente. Curitiba: 2006. Luria, A. R. (1991). Curso de Psicologia Geral. vol. I. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização brasileira. Nikolaeva, V. V. (2011). B. W. Zeigarnik and Pathopsychjology. In: Psychology in Russian: State of the Art, p. 176 192. de Qué es la Patopsicología?. (2011). Cuba. Recuperado em 30 de setembro de 2011, http://www.psicologiadelasalud.cl/prontus/patopsicologicas/site/pags/20050404123716.html. Rodriguez, E. K.; Grau Abalo, J. (1986). La neuropsicología e la patopsicología como nuevas áreas de trabajo del psicólogo clínico em Cuba. Revista Cubana de Psicología, vol. III, nº 1, p. 83 87.
Rojlin, L. (s/d). La Medicina Sovietica em La Lucha Contra Las Enfermidades Psiquicas. Moscou: Ediciones em Lenguas Extrangeras. Vygotsky, L. S. (1994). Thought in schizophrenia. In: Valsiner, J. & Van Der Veer, R. (eds.). The Vygotsky reader. Oxford, UK; Cambridge USA: Basil Blackwell. [Tradução instrumental para fins didáticos por Achilles Delari Junior. Disponível em: http://www.4shared.com/file/50287419/9ebb7f5b/traduo_de_vigotski_o_pensamento _na_esquizofrenia.html?s=1] Zeigarnik, B. V. (1981). Psicopatologia. Madrid: Akal Editor.