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Transcrição:

1 INTRODUÇÃO No Brasil, assim como em outros países em desenvolvimento, observa-se o crescimento de um terceiro setor coexistindo com os dois setores tradicionais: o primeiro setor, aquele no qual a origem e a destinação dos recursos são públicas, corresponde às ações do Estado, e o segundo setor, correspondente ao capital privado, sendo a aplicação dos recursos revertidos em benefício próprios [1, 1 A]. O terceiro setor constitui-se na esfera de atuação pública não-estatal, formado a partir de iniciativas privadas, voluntárias, sem fins lucrativos, no sentido do bem comum. O Terceiro Setor representa o surgimento de um terceiro personagem, além do Estado e do Mercado, de característica não-governamental e não lucrativo, organizado e independente, que mobiliza a ação voluntária das pessoas na sociedade [2, 2 A, 2B]. Nesta definição, agrega-se, estatística e conceitualmente, um conjunto diversificado de instituições, no qual incluem-se organizações não governamentais, fundações e institutos empresariais, associações comunitárias, entidades assistenciais e filantrópicas, assim como várias outras instituições sem fins lucrativos [3]. As principais organizações deste setor, ao lado de fundações e associações são comumente consideradas como Organizações Não Governamentais (ONGs) [3 A, 3 B]. As ONGS incluem uma variedade ampla de grupos e instituições que são inteiramente ou largamente independentes do governo, e caracterizadas por serem humanitárias ou cooperativas do que por serem comerciais e objetivas. O último levantamento feito pelo IBGE em 2002 registra a existência de 275.000 entidades desse tipo, entre grupos de ambientalistas, casas de caridades, fundações esotéricas e movimentos sociais. As ONGs vêm adquirindo um papel cada vez mais relevante na arena global, particularmente junto às organizações internacionais. Essas ONGs tem sido chamadas de argonautas da cidadania em um mundo cada vez mais globalizado [4]. Na mesma linha, um novo tecido institucional está em gestação na arena global, acontecimento que se deu em resposta a diversas oportunidades geradas pela defesa por distintos atores de seus interesses próprios e pelo enfrentamento de problemas modernos de natureza global por parte da sociedade

13 civil, do setor privado e do setor público. Como participantes nesse balanço de mudança entre estados, mercados e sociedade civil, as ONGs, entidades simultaneamente políticas e econômicas, tem, ao mesmo tempo, respondido e atuado como catalisador da transformação em uma nova ordem mundial globalizada. Entretanto, o crescimento das ONGs no país e seus novos papéis em um mundo globalizado tem atraído uma maior atenção sobre sua atuação, funções e resultados. Assim, em recente reportagem na revista Exame (2006), ONG s - Os Novos Inimigos do Capitalismo, faz-se referência a ausência de controle das atividades das ONGs no Brasil. Nesses últimos anos uma série de reportagens tem chamado atenção para um suposto descontrole na atuação das ONGs e de seu relacionamento com o Governo Federal. Ainda segundo a revista Exame, embora sempre cobrem atitudes transparentes das empresas que criticam, são pouquíssimas as ONGs que publicam balanços e se abrem ao público. A preservação da floresta Amazônica, o respeito às minorias étnicas e os direitos do consumidor, entre outras causas, são questões que interessam a todos na sociedade brasileira, assim faz-se necessário que existam vozes organizadas da sociedade civil preparadas para denunciar ilegalidades e abusos. Nos últimos tempos, manifestos contra o aquecimento global, feitos pelo ex-vice-presidente americano Al Gore, têm mobilizado cidadãos, governantes e empresas de todo o mundo para a solução de problemas ambientais. Crescentemente, entidades da sociedade civil (ONGs, movimentos sociais e etc), algumas com décadas de vida, preenchiam um vazio deixado pelo Estado em serviços públicos, como saúde e educação, entretanto, no universo das ONGs, há entidades sérias misturadas a associações oportunistas e radicais, algumas delas com objetivos políticos, outras com metas puramente financeiras. Paul Watson, um dos fundadores do Greenpeace, diz que ONGs se prostituem por financiamentos. Há quem de fato busque soluções para os graves problemas do planeta. Há quem queira apenas destruir as empresas e barrar o progresso. Há quem busque apenas proveito financeiro. Por fim, apesar dos obstáculos e limites à sua atuação impostos pela sua juventude organizacional, de sua identidade institucional e pelas dificuldades de se construir um modelo transparente de suas relações tanto como estado quanto

14 com a sociedade, pode-se concluir que o terceiro setor, particularmente as ONGs, é fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, contribuindo significativamente para a melhoria das condições sociais em nosso país e no mundo, gerando emprego e renda, promovendo a cidadania e cooperando para identificação e resolução de novos problemas sociais em escala global, nacional e local. Estima-se a participação do terceiro setor no Produto Interno Bruto do Brasil em 1,5% (um e meio por cento) ao final do século XX, o que ressalta seu fortalecimento [5]. O combate à pobreza e à exclusão social, além de exigir a mobilização do Estado e da sociedade como um todo, vem nos últimos anos envolvendo a sociedade civil organizada e as empresas privadas. Este modelo emergente de desenvolvimento social, requer do Terceiro Setor um alto nível de competência e de sustentabilidade. Para tanto, faz-se necessário melhorar a qualidade e profissionalizar a gestão das ONGs, o que se constitui em fator primordial para o fortalecimento deste importante segmento da sociedade. 1.1 Contextualização 1.1.1 Evolução As ONGs surgiram no mundo em meados dos anos 40 e, durante muito tempo, estiveram mais associadas a trabalhos de filantropia. Nas décadas mais recentes, essas organizações se multiplicaram e ganharam popularidade levantando bandeiras ambientalistas, como a defesa das baleias e a oposição à construção de usinas nucleares. A queda do Muro de Berlim, em 1989, foi um marco na história mundial e também das ONGs. A derrocada dos regimes socialistas deixou uma lacuna ideológica que, aos poucos, foi sendo preenchida pelas organizações não governamentais. Como diz Jude Fernando, professor do departamento de desenvolvimento internacional da Clark University, Estados Unidos: As crises e as contradições do capitalismo alimentam as ONGs de hoje. (Exame 2006). Por outro lado, segundo Alnoor Ebrahim, professor da faculdade de economia da Universidade Havard, Estados Unidos: As ONGs acreditam que o capitalismo

15 aumenta a divisão entre ricos e pobres. Ou seja, no lugar do sistema econômico atual, as entidades falam em implantar um capitalismo mais humano, uma idéia que mistura conceitos como fraternidade e solidariedade, mas sem o racionalismo econômico de Karl Marx e sem a idéia do controle dos meios de produção por parte do Estado. No Brasil, data do final do século XIX o início da participação efetiva das entidades sem fins lucrativos na sociedade brasileira. As Santas Casas, que datam da segunda metade do século XVI, são exemplos clássicos de antigas organizações nacionais sem fins lucrativos que atuavam através da Igreja Católica com o suporte do Estado, cabe destacar, que esta parceria era responsável pela maior parte das entidades que prestavam algum tipo de assistência, principalmente nas áreas de saúde e educação, às comunidades carentes que ficavam às margens das políticas sociais básicas. Por fim, durante todo o período colonial, até o início do século XIX, esta associação/parceria entre Estado e Igreja Católica com o intuito de assistência às questões sociais, mostrou-se efetivamente predominante [3 B]. A partir do século XX, outras religiões, que entendiam a caridade como uma atividade indissociável da prática religiosa, passaram a promover a formação de organizações nos moldes já praticados pelos católicos, dividindo, assim, com a Igreja Católica, a parceria com fins filantrópicos entre esta e o Estado. No período republicano, diversas mudanças ocorreram no relacionamento entre Estado e igreja. Não somente novas instituições passaram a executar funções até então limitadas ao raio de atuação destes atores mais tradicionais, como também a modernização da sociedade, fruto da industrialização e da urbanização, suscitava o aparecimento de novas e mais complexas necessidades sociais na população. Na década de 30, então, várias entidades da sociedade civil passaram a se formar, muitas das quais atreladas ao Estado. Entretanto um novo processo de expansão e consolidação dessas organizações se iniciou nas décadas de 60 e 70, período marcado pelas restrições político-partidárias impostas pelos governos militares, observando-se que somente nas décadas de 80 e 90 (século XX) as organizações não governamentais cresceram e se tornaram mais visíveis para a sociedade. Nos anos 50 e 70, nasceram organizações periféricas e marginais à conjuntura política vigente. A expansão do sindicalismo e a oposição à ditadura

16 fortaleceram a idéia de organização comunitária [6]. No momento da consolidação democrática do país, fato que gerou o fortalecimento dos movimentos sociais, dos sindicatos e a retomada do sistema de pluralidade partidária, abriu-se espaço para uma atuação mais efetiva das organizações não governamentais, cujo número elevou-se rapidamente em face do crescimento das dificuldades socioeconômicas experimentadas pelo Brasil. Nos anos 80 e 90 consolidou-se o conceito de ONGs, adquirindo imensa legitimidade e deixando de ser oposição ao sistema, para tornarem-se parceiras na execução de políticas públicas [7]. 1.1.2 Avaliação e Metrologia A avaliação de programas sociais surgiu inicialmente na área da Educação, quando, pela primeira vez em 1932, um estudo de Ralph Tyler, professor da Ohio State University, buscou ir além das tradicionais avaliações de desempenho de alunos a fim de medir a qualidade do ensino mediante uma nova concepção de avaliação. Em 1960, a avaliação de programas sociais desenvolveu-se como disciplina e como profissão, inclusive com a criação de associações profissionais de avaliadores. Muitos países estabeleceram, como exigência legal, que todo programa público de certa dimensão fosse submetido à avaliação. Tal fato redundou em grande impulso à área, que conta com associações de avaliadores nos Estados Unidos, Canadá e América Central. Infelizmente, a América do Sul ainda não possui nenhuma [8]. No Brasil, existe a Rede Brasileira de Avaliação que é composta por um grupo informal de profissionais atuantes na área do monitoramento e da avaliação. O objetivo global da rede é apoiar um processo nacional sustentável de capacitação em monitoramento e avaliação mediante a implementação de um fórum que contribua para a definição de normas, metodologias e práticas profissionais. A criação da rede, em Agosto de 2002, faz parte de um processo global cujo objetivo é estabelecer uma comunidade mundial de monitoramento e avaliação. Atualmente, a Rede Brasileira de Avaliação está distribuída nos seguintes estados: São Paulo, Brasília, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro. Há outras instituições e avaliadores interessados em iniciar o processo de constituir novos capítulos locais em Belém, Fortaleza, Manaus e Porto Alegre.

17 No Brasil, diante do cenário de diversos problemas sociais, miséria e fome, a sociedade vem se mobilizando, tanto para cobrar ações do Poder Público como para desenvolver e implementar alternativas que solucionem ou, ao menos, minimizem essas questões. As ONGS têm cumprido um papel importante nesse processo. No que diz respeito a avaliação de programas nas áreas de atividades do Terceiro Setor, particularmente de suas principais organizações, os resultados alcançados pela ONG s são materializados em indicadores de resultado. Kayano e Caldas (1999) [9], assinalam que o fato de os indicadores e suas metodologias de formulação estarem nas agendas dos executores de programas ou projetos sociais (seja no poder público, na iniciativa privada ou nas Ong s) se deve basicamente a três fatores: a) A necessidade dos Organismos Internacionais de medir o desempenho de programas e projetos; b) Busca de elementos para embasar políticas públicas e denúncias da sociedade civil. (ex: indicadores de concentração fundiária para apoiar a Luta da Reforma Agrária, indicadores de analfabetismo, acesso e distribuição de bens e serviços pelo Estado, indicadores de distribuição de renda, indicadores de desigualdade regional, indicadores de desemprego, indicadores de desigualdade relativos a gênero e raça, indicadores produzidos pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) sobre os níveis de pobreza no Brasil); c) A possibilidade de ampliar a participação popular na medida em que as informações sobre a realidade do país passam a ser democratizadas para a sociedade, favorecendo o monitoramento e a avaliação das políticas públicas e dos trabalhos desenvolvidos pelas Organizações do Terceiro Setor. Essa tendência de transformação da prática e da avaliação das políticas sociais tem produzido uma crescente pressão nas ONGs para que demonstrem as mudanças provocadas no cenário social em decorrência de suas intervenções [10], tornando-se um grande desafio.

18 Nesse sentido, a avaliação da gestão das ONG s representa um instrumento capaz de concretizar uma maior e melhor compreensão das efetivas modificações provocadas no panorama social. Os modelos tradicionalmente empregados para avaliar programas sociais, sejam de entidades governamentais, sejam de ONGs, vêm sofrendo fortes críticas, principalmente pelo baixo grau de relevância e de utilidade das informações geradas, que, normalmente, não respondem satisfatoriamente às necessidades dos agentes sociais envolvidos. A avaliação deve causar conhecimento útil para o contínuo aprendizado da organização e também para o seu monitoramento transparente e eficaz por parte da sociedade. Assim ela produz informações não apenas quanto aos insumos utilizados, ao custo, à eficiência e eficácia dos programas sociais, mas também, e principalmente, quanto às verdadeiras mudanças provocadas por sua intervenção, ou seja, informações quanto à sua efetividade e seu impacto [1 B]. Contudo, para medirmos o impacto das ações é necessário, primordialmente, que as referidas organizações sejam administradas com qualidade. A medição de atividades de gestão em organizações de natureza diversa à empresa e às entidades governamentais como é o caso das ONGs, apresenta dificuldades de diferentes ordens. Primeira, analítica na medida em que sua estrutura, motivação, dinâmica e relacionamento com a sociedade diferem dos padrões organizacionais até então estudados pela literatura. Essa falta de referências analíticas por si só representa um desafio maior enfrentado por esse trabalho. Segundo, soma-se a este o fato que a existência de uma grande heterogeneidade nas formas organizacionais, combinação de funções e modos de atuação das ONGs, ou seja um objeto de análise ainda em constituição tendo em vista sua novidade histórica e sua ainda emergente identidade institucional tanto no cenário nacional quanto internacional. Finalmente, devido à sua matriz em movimentos sociais e políticos e na própria emergência da sociedade civil como instituição distinta do estado e do mercado, a ONG incorpora em seu DNA institucional e cognitivo, que informam sua prática, um elevado grau de subjetividade. Para a metrologia O acesso a um conhecimento passa geralmente por um número e a medida representada por este número não pode ser concebida sem

19 unidades, padrões ou instrumentos de medida. Esta é a razão de ser deste capítulo das ciências físicas que leva o nome de metrologia. (ênfase do autor. INMETRO 1999) O conhecimento da gestão nas ONGs não é passível de ser obtido por um número pelas razões acima expostas. Entretanto, o rigor no raciocínio da metrologia na definição de indicadores que buscam gerar tal conhecimento e seus conceitos básicos de unidades, padrões e instrumentos de medida informam e servem de metas balizadoras para o trabalho de definição de critério para avaliação da gestão da qualidade nas ONGs, objetivo dessa dissertação. 1.2 Objetivos a) Desenvolver um modelo de avaliação da qualidade de gestão para organizações não governamentais, tendo como base principal os critérios de excelência utilizados no Prêmio Nacional de Qualidade PNQ; b) Identificar e analisar métodos de avaliação de gestão existentes no âmbito das organizações do Terceiro Setor / Organizações não Governamentais; c) Melhorar o desempenho das ONGs, superando pontos frágeis detectados nos processos internos de avaliação. 1.3 Justificativa Riddell et al. (1997) [11], estudando o impacto do trabalho realizado por ONGs em que revisou relatórios cobrindo 240 projetos em 26 países, concluiu que o verdadeiro impacto do trabalho das ONGs era pouco claro de pouco consenso quanto às ferramentas e aos métodos apropriados para sua determinação. A falta de consenso, tanto em aspectos conceituais como em aspectos metodológicos acerca da avaliação de programas sociais (e ainda mais de ONGs), vem acompanhada no Brasil de outro fator agravante: a escassez de textos em língua portuguesa sobre este tema [8]. Essa carência de publicações brasileiras demonstra, portanto, que se trata de teoria e prática ainda pouco disseminadas. Assim, tal fato corresponde a mais um obstáculo enfrentado pelas ONGs para o

20 uso de uma ferramenta estratégica importante, geradora de informações substantivas, que podem incrementar a atuação de seus programas sociais melhorando a qualidade da intervenção e, principalmente, do impacto por elas produzido. 1.4 Metodologia Divide-se em 4 etapas: (i) Análise e pesquisa bibliográfica sobre os métodos de avaliação de gestão aplicáveis às organizações do Terceiro Setor. (ii) Estudo de Programa Nacional de Qualidade, particularmente seus critérios de excelência. No âmbito da pesquisa, estes foram subdivididos em itens para os quais são avaliados os níveis de práticas de cada aspecto de gestão. (iii) Construção de proposta de métrica e metodologia para avaliação da qualidade de organizações não governamentais, incorporando critérios adaptados do PNQ e critérios desenvolvidos a partir de análise de literatura. (iv) Realização de teste para validação do modelo em uma ONG. 1.5 Delimitação do estudo O modelo de avaliação da qualidade proposto é direcionado para aplicação em organizações do Terceiro Setor, que atuem na assistência social e tenham abrangência de ação municipal. Esta delimitação torna-se necessária devido à complexidade e diversidade dos focos de ação e formas de atuação destas organizações que possuem especificidades próprias. A aplicação do modelo proposto poderá ser realizada por empresas ou órgãos públicos, proporcionando uma análise mais detalhada da ONG em questão, na sua componente gestão, que servirá de suporte para a decisão de investimentos

21 nos trabalhos por esta realizados, ou ainda pelas próprias Ong s, que, com o instrumento proposto, poderão desencadear um processo de auto-avaliação em gestão da qualidade. A fixação de um modelo direcionado para organizações de ação local, deve-se, em parte, ao fato de que o Prêmio Nacional da Qualidade PNQ, fundamentação básica do modelo proposto, embora seja também aplicado à organizações sem fins lucrativos, marginaliza um grande número de organizações, pois grande parte das organizações do Terceiro Setor não tem a condição básica de inscrição, relacionada ao aspecto financeiro, visto que há uma taxa cobrada nesta categoria (três mil e quinhentos reais) e outras despesas relacionadas as equipes de avaliação e à cerimônia de premiação. Por fim, cabe destacar, que o PNQ é um modelo de avaliação de organizações limitado, na medida em que oferece um modelo do tipo one size fits all para todos, o que não corresponde à realidade organizacional e de gestão das ONGs no país.