Desenvolvimento das habilidades de auto-cuidado em crianças com atraso neuropsicomotor.



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Transcrição:

630 Relato de Caso Desenvolvimento das habilidades de auto-cuidado em crianças com atraso neuropsicomotor. Self care skills development in children with neuropsicomotor delay. Lígia Maria Presumido Braccialli (1), Ana Carla Braccialli (2), Camilla Zamfolini Hallal (3), Nise Ribeiro Marques (3). Departamento de Educação Especial Universidade Estadual Paulista, campus de Marilia Resumo Introdução: O desenvolvimento neuropsicomotor pode ser afetado negativamente por diversos fatores incidentes no período pré, peri e pós natal. A estimulação precoce é implementada por meio de um conjunto dinâmico de atividades que visam o desenvolvimento da criança de acordo com a fase em que ela se encontra. Objetivo: O objetivo do presente estudo foi analisar a aquisição de habilidades funcionais, na área de auto-cuidado, de crianças com atraso no desenvolvimento. Participaram do estudo 9 cuidadores de crianças de 0 a 3 anos de idade, com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Método: Para a coleta de dados foi utilizada a área de auto-cuidado da Pediatric Evaluation of Disability Inventory (PEDI) em sua versão adaptada para o Brasil. As coletas foram realizadas por meio de entrevista direta aos cuidadores em duas etapas distintas, com um período de intervalo de 6 meses entre cada coleta. Os escores brutos obtidos nas entrevistas foram transformados em escores contínuos por meio da análise estatística de Rasch e aplicados os testes de Shapiro-Wilk e t-student. Resultados: A pontuação obtida na segunda entrevista foi significativamente maior que na primeira (p<0,01). Conclusão: Os resultados do presente estudos sugerem que a estimulação precoce pode ser um importante meio de intervenção no processo de aquisição das habilidades de auto-cuidado em crianças com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Palavras-chave: Desenvolvimento Infantil. Estimulação Precoce. Abstract Introduction: The neuropsicomotor development could be negatively affected by several factors occurred in the pre, peri and pos natal period. The early stimulation is implemented by a set of dynamic activities which aim the child development according to the child s phase. Objective: The purpose of this study was to analyze the functional skills acquisition in the self care area in children with development delay. Participated of this study 9 caregiver of children aged of 0 to 3 years with delay neuropsicomotor. Method: For the data collect was used the self-care area of the Pediatric Evaluation of Disability Inventory (PEDI) in the version adapted for Brazil. The data collect was performed in two different stages, with an interval of 6 months between the collects. The raw score were transformed in continuous score by the Rasch statistics, then was applied the Shapiro-Wilk and t-student test. Results: The participants obtained a significant higher score in the second stage than in the first (p<0,01). Conclusion: The results of the present study suggests that the early stimulation could be an important intervention in the process of self-care skills acquisition in children with neuropsicomotor delay. Key words: Child Development. Early Stimulation. Recebido em 27 maio 2011 aceito em 23 julho 2011. 1. Professora Dra. - Universidade Estadual Paulista campus de Marília / Departamento de Educação Especial. 2. Aprimoranda em Educação Especial - Universidade Estadual Paulista campus de Rio Claro. 3. Doutoranda em Desenvolvimento Humano e Tecnologias - Universidade Estadual Paulista campus de Rio Claro. Endereço para correspondência: Camilla Zamfolini Hallal. Telefone: (17) 81043145. Rua José Pinto Ferreira Coelho, nº 235, São José do Rio Preto, SP. e-mail: camillazhallal@yahoo.com.br

Lígia Maria Presumido Braccialli, Ana Carla Braccialli, Camilla Zamfolini Hallal, Nise Ribeiro Marques. 631 INTRODUCÃO O termo desenvolvimento neuropsicomotor, nos remete à observação do amadurecimento de estruturas somáticas, bem como ao aumento da capacidade de interagir e explorar o ambiente (1). O desenvolvimento normal segue uma seqüência previsível baseada na aquisição de habilidades funcionais (2,3). No entanto, o ritmo do desenvolvimento, seja ele motor, cognitivo ou de linguagem, é individual e, portanto, pode haver variações de criança para criança, principalmente naquelas com atraso no desenvolvimento (3). O período compreendido entre o nascimento e o primeiro ano de vida é considerado o mais crítico no desenvolvimento infantil, pois é nesta fase que acontece a acelerada mielinização e maturação do sistema nervoso central (4-6). Estes fatores fazem com que, no primeiro ano de vida, ocorra um grande avanço nos aspectos motores, cognitivos, afetivos e comunicativos da criança, que irão enriquecer as experiências sensório-motoras em função do meio onde elas vivem (7). O desenvolvimento neuropsicomotor da criança pode ser afetado negativamente por diversos fatores ambientais, genéticos ou multifatoriais, incidentes no período pré, peri e/ou pós natal. Estes fatores aumentam a probabilidade da criança manifestar atrasos no desenvolvimento neuropsicomotor, identificados em alterações na aquisição de habilidades motoras, cognitivas e psicossociais (8,9). Além dos déficits neuromotores, os atrasos no desenvolvimento podem, também, resultar em limitações nas habilidades funcionais. As atividades funcionais incluem, por exemplo, atividades de auto-cuidado como alimentação e banho independentes, atividades de mobilidade como levantar da cama e ir ao banheiro com independência, além de tarefas de função social como ir à escola e interagir com outras crianças (10). Assim, a investigação do processo evolutivo da criança por meio da identificação de distúrbios no desenvolvimento neuropsicomotor no primeiro ano de vida é imprescindível para possibilitar a intervenção em estimulação precoce (11,12). Os avanços médico-científicos na neonatologia paralelo ao crescente interesse de profissionais e pesquisadores da área da saúde em proporcionar à criança pleno desenvolvimento motivaram os estudos que investigam os fatores de risco para a aquisição das habilidades neuropsicomotoras, bem como a implementação de medidas preventivas na área de intervenção precoce (13,14). A estimulação precoce ou essencial é uma medida de prevenção secundária que visa evitar ou minimizar os distúrbios do desenvolvimento neuropsicomotor e possibilitar ao indivíduo desenvolver-se em todo o seu potencial (15,16). Assim, a intervenção deve ser realizada a partir de um diagnóstico precoce, logo que sejam notadas as primeiras alterações no desenvolvimento (16,17). Quanto mais imediata for à intervenção, preferencialmente entre os 0 a 3 anos de idade, maiores as chances de prevenir e/ou minimizar a instalação de padrões de postura e movimentos anormais, visto que é este o período de maior plasticidade cerebral, ou seja, o período mais fecundo para a aprendizagem e mais decisivo no desenvolvimento da criança (14-17). As incapacidades e dificuldades da criança são manifestadas durante o desempenho das atividades de vida diária. Assim, existe a necessidade de conhecer a opinião dos cuidadores sobre a aquisição das habilidades funcionais das crianças com atraso no desenvolvimento e do impacto que este gera nas rotinas diárias. Deste modo, o objetivo deste estudo foi analisar a aquisição de habilidades funcionais na área de auto-cuidado de crianças com atraso no desenvolvimento inseridas em um programa de estimulação precoce, segundo a percepção de seus cuidadores. MÉTODO Participantes Participaram do estudo cuidadores de 9 crianças de 0 a 3 anos de idade com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. A Tabela 1 mostra o diagnóstico clínico das crianças, grau de parentesco do cuidadores, sexo e idade cronológica no início das coletas. Foram excluídas do estudo as crianças cujos cuidadores não se dispuseram a participar ou desistiram do atendimento no período da coleta de dados. Tabela 1. Diagnóstico médico das crianças e grau de parentesco dos cuidadores. Participantes Diagnóstico clínico Parentesco do Idade cronológica no Sexo cuidador inicio do estudo P1 Paralisia cerebral diparética Mãe Masculino 3 anos e 11 meses P2 Deficiência visual Mãe Feminino 3 anos e 5 meses P3 Hidrocefalia Mãe Masculino 2 anos e 4 meses P4 Hidrocefalia Pai Masculino 2 anos e 11 meses P5 Síndrome de Dandy-Walker Mãe Masculino 2 anos e 6 meses P6 Síndrome de Jacobsen Mãe Feminino 3 anos e 10 meses P7 Atraso no desenvolvimento Mãe Masculino 7 meses P8 Atraso no desenvolvimento Mãe Masculino 1 ano e 11 meses P9 Lesão nervosa periférica (plexo braquial) Mãe Masculino 2 anos e 10 meses

632 Crianças com atraso neuropsicomotor. Todos os participantes do estudo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, conforme a Legislação 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética local (parecer nº 2691/2006). Instrumento Para a coleta de dados foi utilizada o instrumento funcional norte-americano Pediatric Evaluation of Disability Inventory (PEDI), traduzida e adaptada às condições socioculturais brasileiras 18. A PEDI foi desenvolvida com o objetivo de fornecer informações detalhadas sobre o desempenho funcional da criança, predizer seu desempenho futuro e documentar mudanças no desempenho funcional 19. O instrumento é composto por três partes distintas. A primeira parte avalia as habilidades funcionais da criança, as quais são agrupadas em três aspectos do desenvolvimento: auto-cuidado (73 itens), mobilidade (59 itens) e função social (65 itens). Cada item desta parte é pontuado com escore 0 se a criança não é capaz de realizar a atividade funcional, ou 1 se a atividade já fizer parte do repertório de habilidades funcionais da criança. A segunda parte do instrumento PEDI avalia a quantidade de assistência fornecida pelo cuidador à criança no desempenho das atividades funcionais nas áreas de auto-cuidado, mobilidade e função social. Na terceira parte do PEDI são documentadas as modificações do ambiente usadas pela criança no desempenho das habilidades funcionais das áreas de auto-cuidado, mobilidade e função social 19. Procedimento para coleta de dados A coleta de dados foi realizada em duas etapas distintas, separadas por um período de 6 meses entre elas, por meio de entrevista direta aos cuidadores durante visitas realizadas nas residências destes. Todas as coletas foram realizadas por um mesmo avaliador. Durante todo o período da coleta de dados, todas as crianças foram atendidas em um programa de estimulação precoce. O programa de estimulação precoce disponibilizou atendimentos nas áreas de fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiolgia e psicologia, de acordo com as necessidades de cada criança. Todas as crianças avaliadas no presente estudo receberam atendimentos individuais de fisioterapia com atividades específicas para o desenvolvimento neuropsicomotor, planejadas com base em avaliações físicas e funcionais realizadas periodicamente. Os atendimentos no setor de fisioterapia eram realizados por profissionais com experiência na área e aconteciam 2 vezes por semana em sessões de 60 minutos cada. Não foram realizadas avaliações acerca do grau de comprometimento cognitivo e sensorial das crianças avaliadas. Procedimentos para a análise dos resultados Para o presente estudo foram utilizados os dados obtidos na área de auto-cuidado da Parte I do inventário PEDI. Escores brutos foram obtidos como resultado da somatória de todos os itens pontuados na área de autocuidado, em ambas as coletas. Os escores brutos foram transformados em escores contínuos por meio da análise estatística de Rasch 19. Posteriormente, com o uso do programa Biostat 3.0 foi aplicado o teste de Shapiro-Wilk para verificar a normalidade dos dados. A comparação entre as avaliações foi feita pelo teste t-student com nível de significância de p<0,05. RESULTADOS Todas as crianças participantes obtiveram aumento entre a pontuação obtida na primeira e na segunda avaliação (Tabela 2). A Figura 1 mostra que houve diferença significativa (p=0,00) entre a primeira e a segunda coleta. A Figura 2 ilustra os escores contínuos individuais obtidos na primeira e na segunda coleta. Tabela 2. Pontuação individual das crianças participantes na primeira e na segunda avaliação. Participantes 1ª avaliação 2ª avaliação P1 57,7 60,8 P2 52,23 69,01 P3 50,07 60,8 P4 50,07 60,8 P5 36,52 43,69 P6 45,42 53,65 P7 18,15 31,38 P8 42,79 59,33 P9 55,05 68,1 Média 45,33 56,40 Desvio Padrão 12,06 12,03 Figura 1. Escores contínuos obtidos na primeira e na segunda coleta. * <0,05

Lígia Maria Presumido Braccialli, Ana Carla Braccialli, Camilla Zamfolini Hallal, Nise Ribeiro Marques. 633 Figura 2. Escores contínuos individuais obtidos na primeira e na segunda coleta. DISCUSSÃO O desenvolvimento motor segue uma ordem cronológica evolutiva com etapas distintas e previsíveis, caracterizadas por mudanças nas habilidades e nos padrões de movimento que ocorrem durante a vida (3,20). No entanto, fatores intrínsecos ou ambientais podem interferir na aquisição dos marcos neuropsicomotores, aumentando a probabilidade da criança manifestar alterações motoras, cognitivas e psicossociais (11,12). A estimulação precoce caracteriza-se como um estímulo extrínseco ao desenvolvimento neuropsicomotor, no entanto, não atua isoladamente neste processo. Além dos fatores externos, o processo de aquisição de habilidades funcionais também sofre influencia de fatores internos como a neuromaturação (7). A mudança de um estágio de desenvolvimento a outro depende das necessidades da própria criança e dos incentivos que são oferecidos a ela (21). Um ambiente apropriado, rico em estímulos adequados à idade da criança, contribui favoravelmente para a maturação do sistema nervoso central e para a aquisição de habilidades motoras e cognitivas (16). Deste modo, a intervenção precoce baseia-se em atividades dinâmicas, por meio de recursos humanos e ambientais incentivadores, que visam o desenvolvimento da criança de acordo com a fase em que ela se encontra (16,22,23). Os resultados do presente estudo apontam que as crianças participantes obtiveram pontuação significativamente maior, na área de auto-cuidado, após 6 meses de atendimento em estimulação precoce. Deste modo, sugerimos que a estimulação precoce, contribuiu para o desenvolvimento de habilidades funcionais das crianças com atraso no desenvolvimento que participaram do estudo. Apesar da criteriosa metodologia adotada, alguns fatores devem ser considerados ao se analisar a aquisição de habilidades funcionais de crianças com atraso no desenvolvimento e sugerir a contribuição da intervenção precoce nestas aquisições. A expectativa dos pais e cuidadores em relação ao desempenho da criança pode interferir na percepção destes, assim, alguns comportamentos podem ser omitidos ou valorizados durante a avaliação na tentativa de transparecer o desempenho almejado. Os fatores culturais também exercem influência no desenvolvimento infantil. A cultura brasileira caracteriza-se por um perfil protecionista em relação à realização das tarefas de rotina diária pelas crianças e deste modo, mesmo que esta tenha capacidade de realizar determinadas tarefas, muitas vezes o cuidador às faz (7,24). Isto parece acontecer especialmente nas famílias das crianças com necessidades especiais, em que os cuidadores procuram realizar o maior número de tarefas para a criança com o intuito de polpá-las de esforços que consideram desnecessários. Entretanto, os pais e cuidadores devem ser incentivados pelos profissionais que atuam na estimulação precoce a estimular a independência funcional da criança nas atividades de vida diárias. Ressalta-se ainda, que o desempenho das habilidades funcionais pode ser prejudicado também em situações em que a criança e o adulto estão submetidos à pressão de resultados (25). Deste modo, a limitação de tempo e espaço para a realização de determinadas atividades como o banho e a refeição, por exemplo, acabam por interferir diretamente na independência funcional da criança. Apesar de todos os participantes apresentarem atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, os diagnósticos clínicos eram distintos, o que pode representar uma limitação na análise e interpretação dos resultados do presente estudo devido à generalização da amostra. Além disto, as crianças não foram avaliadas quanto ao grau de comprometimento cognitivo e sensorial, fatores estes que podem interferir de forma considerável na aquisição de habilidades funcionais de auto-cuidado. CONCLUSÃO Os resultados do presente estudos sugerem que a estimulação precoce pode ser um meio de intervenção significativo na aquisição das habilidades de auto-cuidado, fundamentais para a independência na execução das atividades de vida diárias, em crianças com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. O inventário PEDI foi considerado um instrumento bastante útil na avaliação da intervenção em estimulação precoce, pois caracterizou de forma satisfatória a evolução dos participantes na área de auto-cuidado. No entanto, a adoção de outros instrumentos complementares, como por exemplo, a avaliação clínica e escalas de avaliação por observação, são indispensáveis no acompanhamento do desenvolvimento infantil. Novos estudos devem ser realizados acerca do desenvolvimento neuropsicomotor e aquisição de habilidades funcionais em crianças com diagnósticos clínico, grau de comprometimento cognitvo e sensorial semelhantes.

634 Crianças com atraso neuropsicomotor. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. Silva PL, Santos DCC, Gonçalves VMG. Influência de práticas maternas no desenvolvimento motor de lactentes do 6 ao 12 meses de vida. Rev. bras. fisioter. 2006; 10(2): 225-231. Meyerhof PG. The development of normal prehension. Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. 1994; 4(2): 25-29. Ramos CR, Lucas S, Pedromônico MRM. O desenvolvimento infantil no segundo ano de vida: existem diferenças em relação ao sexo? Temas sobre desenvolv. 2000; 9(53): 38-43. Andraca I, Pino P, Parr, A, Rivera F, Castillo M. Factores de riesgo para el desarrollo psicomotor em lactantes nacidos em óptimas condiciones biológicas. Rev. saúde pública. 1998; 32(2): 138-147. Barros KMFT, Fragoso AGC, Oliveira ALB, Filho JEC, Castro RM. Do environmental influences alter motor abilities acquisition? A comparision among children from day-care centers and privative schools. Arq. neuro-psiquiatr. 2003; 61(2): 170-175. Mancini MC, Fiúza PM, Rebelo JM, Magalhães LC, Coelho ZAC, Paixão ML, et al. Comparação do desempenho de atividades funcionais em crianças com desenvolvimento normal e crianças com paralisia cerebral. Arq. neuro-psiquiatr. 2002; 60(2). Amaral ACT, Tabaquim MLM, Lamônica DAC. Avaliação das habilidades cognitivas, da comunicação e neuromotoras de crianças com risco de alterações do desenvolvimento. Rev. bras. educ. espec. 2005; 11(2): 185-200. Caram EHA, Funayama CAR, Spina CI, Giuliani LR, Neto JMP. Investigação das causas de atraso no neurodesenvolvimento. Recursos e desafios. Arq. neuro-psiquiatr. 2006; 64(2): 466-472. Neto FR, Caon G, Bissani C, Silva CA, Souza M, Silva L. Características neuropsicomotoras de crianças de alto risco atendidas em um programa de follow-up. Pediatr. moderna. 2006; 42(2): 79-85. Mancini MC, Teixeira S, Araújo LG, Paixão ML, Magalhães LC, Coelho ZAC, et al. Estudo do desenvolvimento da função motora aos 8 e 12 meses de idade em crianças nascidas pré termo e a termo. Arq. neuro-psiquiatr. 2002; 60(4): 974-980. Bretas JRS, Pereira SR, Cintra CC, Amirati KM. Avaliação de funções psicomotoras de crianças entre 6 e 10 anos de idade. Acta paulista enferm. 2005; 18(4): 403-412. Campos D, Santos DCC, Gonçalves VMG, Goto MMF, Arias AV, Brianezi ACGS, et al. Agreement between scales for screening and diagnosis of motor development at 6 months. J. Ped. 2006; 82(6): 470-474. Figueiredo DV, Formiga CKMR, Tudella E. Aplicação de um programa de estimulação sensorial em bebês pré-termo em unidade de cuidados intermediários neonatais. Temas sobre desenvolv. 2003; 12(71): 15-33. Formiga CKMR, PedrazzanI ES, Tudella E. Desenvolvimento motor de lactentes pré-termo participantes de um programa de intervenção fisioterapêutica precoce. Rev. bras. fisioter. 2004; 8(3): 239-245. Robles HSM, Williams LCA, Aiello ALR. Intervenção breve no ambiente natural de uma criança especial com família de baixo poder aquisitivo. Temas sobre desenvolv. 2002; 11(63): 52-57. Tudella E, Formiga CKMR, Serra EL, Oish J. Comparação da eficácia da intervenção fisioterapêutica essencial e tardia em lactentes com paralisia cerebral. Fisioter. mov. 2004; 17(3): 45-52. Oliveira FT. Síndrome de Jacobsen: caracterização da atuação fisioterapêutica. Monografia (Curso de especialização em Intervenção em Neonatologia). Universidade Federal de São Carlos; 2005. Haley SM, Coster HJ, Ludlow LH, Haltiwanger JT, Andrellos PJ. Pediatric evaluation of disability inventory (PEDI): development, stardardization and administration manual (version 1.0). Boston: PEDI Research Group & New England Medical Center Inc, 1992. Mancini M. Inventário da avaliação pediátrica de incapacidade (PEDI). 1ª edição. Minas Gerais: UFMG; 2005. Camargos ACR, Lacerda TTB. O Desenvolvimento motor na perspectiva dos sistemas dinâmicos. Temas sobre desenvolv. 2005; 14(82): 23-29. Bracciali LMP, Manzini EJ, Reganhan WG. Contribuição de um programa de jogos e brincadeiras adaptados para a estimulação de habilidades motoras em alunos com deficiência física. Temas sobre desenvolv. 2004; 13(77): 37-46. Sarro KJ, Salina ME. Estudo de alguns fatores que influenciam no desenvolvimento das aquisições motoras de crianças portadoras de síndrome de Down em tratamento fisioterápico. Fisioter. Mov. 1999: 13(1): 93-106. MEC. Diretrizes Educacionais Sobre Estimulação Precoce. Brasília; 1995. Mancini MC, Alves ACM, Schaper C, Figueiredo EM, Sampaio RF, Coelho ZAC, Tirado MZA. Gravidade da paralisia cerebral e desempenho funcional. Rev. bras. fisioter. 2004; 8(3): 253-260. Oliveira MC, CordanI LK. Correlação entre habilidades funcionais referidas pelo cuidador e o nível de assistência fornecida a crianças com paralisia cerebral. Arq. bras. paral. cereb. 2004; 1(1): 24-29.