O Teorema de Poincaré Bendixson e o Teorema de Hartman Grobman

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Transcrição:

Aline de Melo Machado O Teorema de Poincaré Bendixson e o Teorema de Hartman Grobman Volta Redonda RJ 13 de maio de 2016

Aline de Melo Machado O Teorema de Poincaré Bendixson e o Teorema de Hartman Grobman Trabalho de Conclusão de Curso submetido ao Curso de Matemática da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Matemática. Universidade Federal Fluminense Instituto de Ciências Exatas Curso de Matemática Orientador: Ivan Aguilar Volta Redonda RJ 13 de maio de 2016

Machado, Aline de Melo O Teorema de Poincaré Bendixson e o Teorema de Hartman Grobman/ Aline de Melo Machado. Volta Redonda RJ, 13 de maio de 2016. 48 f., 30cm. : il. Orientador: Ivan Aguilar Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Matemática) Universidade Federal Fluminense Instituto de Ciências Exatas Curso de Matemática, 13 de maio de 2016. 1. Teorema de Poincaré-Bendixson. 2. Teorema de Hartman-Grobman. 3. Sistemas Dinâmicos I. Ivan Aguilar. II. Universidade Federal Fluminense. III. Instituto de Ciências Exatas. IV. Curso de Bacharelado em Matemática com ênfase em Matemática Computacional. V. O Teorema de Poincaré-Bendixson e o Teorema de Hartman-Grobman

Aline de Melo Machado O Teorema de Poincaré Bendixson e o Teorema de Hartman Grobman Trabalho de Conclusão de Curso submetido ao Curso de Matemática da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Matemática. Trabalho aprovado. Volta Redonda RJ, 13 de maio de 2016: Prof. Dr. Ivan Wilber Aguilar Maron (Orientador) UFF Universidade Federal Fluminense Prof. a Dra. Marina Sequeiros Dias de Freitas UFF Universidade Federal Fluminense Prof. Dr. Luiz Felipe Nobili França UFF Universidade Federal Fluminense Volta Redonda RJ 13 de maio de 2016

Agradecimentos Agradeço, primeiramente, a meus pais e minha irmã pelo apoio, incentivo e amor. Ao meu orientador Ivan Aguilar pelo suporte, ajuda e pelo incentivo no decorrer deste trabalho e durante a universidade. Ao corpo docente da universidade, em particular, a professora Marina Sequeiros, pelo conhecimento transmitido e apoio durante todo meu período na UFF. Agradeço também aos meus amigos e colegas da universidade que torceram por mim e me apoiaram no decorrer desta universidade. E, a todos que diretamente ou indiretamente fizeram parte da minha formação, o meu muito obrigada.

Resumo Estudamos o Teorema de Poincaré Bendixson e o Teorema de Hartman Grobman (em pontos fixos hiperbólicos). Neste último teorema demonstramos a versão para difeomorfismos de classe C 1. Ambos, teoremas de extrema importância na matemática. O teorema de Poincaré Bendixson classifica o ω limite no plano. O teorema de Hartman Grobman garante que localmente o comportamento de um campo vetorial é conjugado à sua linearização.

Abstract We study the Poincaré Bendixson theorem and the Hartman Grobman theorem (for hyperbolic fixed points). In this last theorem, we prove the C 1 diffeomorphisms version. Both theorems of utmost importance in mathematics. The Poincare Bendixson theorem classifies the ω limit in the plane. The Hartman Grobman theorem ensures that locally the behavior of a vector field is conjugated to its linearization

Lista de ilustrações Figura 1 Campo de vetores e curvas integrais.................... 14 Figura 2 Conjuntos limite α(p) e ω(p)........................ 18 Figura 3 Teorema da curva de Jordan........................ 19 Figura 4 Ilustração do Lema 3.1........................... 29 Figura 5 União do arco p 1 p 2 e o segmento p 1 p 2. Orientação da seção Σ... 30 Figura 6 Impossibilidades.............................. 30 Figura 7 Ordenação da interseção de órbita com seção............... 30 Figura 8 Parte (a) do teorema............................ 31

Sumário Introdução................................ 1 1 NOÇÕES BÁSICAS DE ANÁLISE E ÁLGEBRA LINEAR...... 2 1.1 Espaços métricos e funções contínuas.................. 2 1.2 Aplicações Diferenciáveis......................... 7 1.3 Forma de Jordan.............................. 11 2 NOÇÕES BÁSICAS DE SISTEMAS DINÂMICOS.......... 14 2.1 Campos Vetoriais e Fluxos........................ 14 2.2 Conjuntos ω-limite e α-limite de uma órbita.............. 17 2.3 Teorema do Fluxo Tubular........................ 20 2.4 Campo linear e Isomorfismo hiperbólico em R n............ 23 3 TEOREMA DE POINCARÉ-BENDIXSON.............. 28 3.1 O Teorema de Poincaré-Bendixson.................... 28 3.2 Aplicações.................................. 32 3.2.1 Pontos singulares no interior de uma órbita periódica............ 32 3.2.2 Teorema do Ponto Fixo de Brouwer..................... 33 4 TEOREMA DE HARTMAN GROBMAN............... 35 4.1 O teorema de Hartman Grobman para difeomorfismos........ 35

1 Introdução O estudo das equações diferenciais começou com os métodos de Cálculo Diferencial e Integral e elaborado no século XVII com o objetivo de resolver problemas físicos e geométricos. De fato, muitas leis gerais da física, biologia e economia encontram sua expressão natural nestas equações. Também, inúmeras questões na própria Matemática são formuladas por equações diferenciais ordinárias ou se reduzem a elas. Por tanta importância, as Equações Diferenciais se tornou um novo ramo da Matemática e em meados do século XVIII, se transformou numa disciplina independente. A teoria das Equações Diferenciais foi evoluindo-se e se transformando numa das disciplinas matemáticas mais importantes. A princípio, tinha como finalidade, a procura e análise de soluções. Dessas soluções, inicialmente, buscavam-se de tal maneira que fossem expressas em termos de funções elementares, isto é, polinomiais, racionais, trigonométricas e exponenciais. Posteriormente, surgiram as soluções expressas em forma de integral contendo operações elementares envolvendo funções elementares. Entretanto, estes dois caminhos deixaram de ser suficientes, então surgiram as soluções expressas por meio de séries infinitas. Um marco muito importante na evolução das equações diferenciais foi a Teoria Qualitativa das Equações Diferenciais. Um aspecto desta teoria, estudado por Poincaré, é descrever o comportamento assintótico das soluções e a estrutura de seus conjuntos limites. O comportamento assintótico de uma solução se obtém quando se faz a variável independente tender ao infinito. Sob hipóteses simples, neste trabalho, demonstraremos o teorema de Poincaré-Bendixson, que analisa o comportamento assintótico das órbitas de campos vetoriais no plano ou na esfera, havendo três padrões possíveis para os conjuntos limites das órbitas. Como aplicação deste teorema, demonstraremos o teorema de ponto do fixo de Brouwer. Posteriormente, tivemos outro marco fundamental para o desenvolvimento contemporâneo das equações diferenciais. O objetivo, neste caso, é obter condições necessárias e suficientes para que o retrato de fase de uma equação diferencial não experimente mudanças qualitativas bruscas por pequenas pertubações das funções que as definem. Isto é de importância no ramo da física. Para isto, trataremos neste trabalho o teorema de Hartman-Grobman para difeomorfismos de classe C 1. Por sua vez, este garante que, localmente, o comportamento de um campo vetorial é conjugado à sua linearização. Portanto, ambos teoremas (Teorema de Poincaré-Bendixson e Teorema de Hartman- Grobman) são de extrema importância na matemática.

2 1 Noções Básicas de Análise e Álgebra Linear Nas próximas seções apresentamos algumas definições e resultados básicos da Análise Matemática e Álgebra Linear que serão utilizados ao longo da monografia. 1.1 Espaços métricos e funções contínuas Definição 1.1. Uma função d : M M [0, + ) é uma métrica num conjunto M se, para todo x, y, z M, 1. d(x, y) = 0 x = y; 2. d(x, y) = d(y, x); 3. d(x, z) d(x, y) + d(y, z). (desigualdade triangular) O par (M, d) é chamado espaço métrico. O número d(x, y) é a distância de x a y. Em geral, por abuso de linguagem, diz-se que M é um espaço métrico, subentendendo-se uma métrica d a ele associada. Definição 1.2 (Bolas). Se (M, d) é espaço métrico, uma bola aberta de centro a M e raio r > 0 é o conjunto B(a; r) = {x M; d(x, a) < r}. O conjunto B[a; r] = {x M; d(x, a) r} é uma bola fechada de centro a M e raio r > 0. Definição 1.3 (Conjuntos abertos e fechados). Seja X um subconjunto de um espaço métrico (M, d). Um ponto a X é um ponto interior de X quando a é centro de uma bola aberta contida em X. O conjunto de todos os pontos interiores de X, denotado por int X, é chamado interior de X. O subconjunto A de M diz-se aberto em M quando inta = A. Um subconjunto F de M é fechado quando M F é aberto em M. Definição 1.4 (Conjunto limitado). Um subconjunto X de um espaço métrico (M, d) é limitado se existe c > 0 tal que d(x, y) c, para todo x, y X. Definição 1.5 (Sequência e subsequência). Uma sequência num conjunto M é uma aplicação x : N M, onde N = {1, 2,..., n,...}. O n ésimo termo de x é o valor x n que assume x em n (i.e. x n = x(n)). Para representar a sequência x também usamos as notações (x 1, x 2, x 3,...), (x n ) n N, ou (x n ) Seja N = {n 1 < n 2 < n 3 < < n k < } um subconjunto infinito de N. Uma subsequência de (x n ) é a restrição x N : N M de x a N. Uma subsequência de (x n ) é denotada por: (x nk ) k N ou (x nk ).

Capítulo 1. Noções Básicas de Análise e Álgebra Linear 3 Definição 1.6. Seja (x n ) uma sequência de (M, d). Dizemos que a M é o limite de (x n ), quando para todo ε > 0, existe n 0 N tal que n > n 0 d(x n, a) < ε. Nesse caso escrevemos a = lim x n ou a = lim n x n. Também diz-se que x n tende para a e denota-se: x n a. Sempre que existe a = lim x n M diz-se que a sequência de pontos x n M é convergente em M, e converge para a. Quando uma sequência não é convergente em M é dita divergente em M. Definição 1.7 (Distância de um ponto a um conjunto). Seja X subconjunto de um espaço métrico (M, d) e a M. A distância de a ao conjunto X é o número d(a, X) = inf{d(a, x); x X} Define-se também a distância entre dois subconjuntos não vazios X e Y de M como d(x, Y ) = inf{d(x, y); x X, y Y }. Definição 1.8 (Fecho de um conjunto). Seja X um subconjunto de um espaço métrico (M, d). Um ponto a é um ponto aderente a X quando d(a, X) = 0. O fecho de um conjunto X, denotado por X, é o conjunto de todos os pontos aderentes a X. Observação 1.1. Se d(a, X) = 0 então, ε > 0, x X tal que d(a, x) < ε. Ou seja, ε > 0 tem-se B(a, ε) X. Ou ainda, n N existe x n X tal que d(a, x n ) < 1/n. Isto é, existe sequência (x n ) de X tal que x n a. Observação 1.2. Da definição tem-se = ; M = M; X X para todo X M; e X Y X Y. Proposição 1.1. Para todo subconjunto X de um espaço métrico (M, d) e todo a M tem-se d(a, X) = d(a, X). Corolário 1.1. Para todo subconjunto X M, tem-se X = X. Proposição 1.2 (Caracterização dos fechados). Dado F M tem-se F = F se, e somente se, M F é aberto. Isto é, F é fechado em M se, e somente se, F = F. Definição 1.9 (Compactos de R n ). Um subconjunto K de R n é compacto se, e somente se, é limitado e fechado. Proposição 1.3. Se A e B são dois subconjuntos fechados não vazios de R n tal que A B = então, d(a, B) > 0. Definição 1.10 (Sequência de Cauchy). Uma sequência (x n ) de um espaço métrico (M, d) é uma sequência de Cauchy se, para todo ε > 0, existe n 0 N tal que m, n > n 0 d(x m, x n ) < ε.

Capítulo 1. Noções Básicas de Análise e Álgebra Linear 4 Definição 1.11 (Espaço métrico completo). Um espaço métrico (M, d) é dito completo se toda sequência de Cauchy de M é convergente em M. Definição 1.12. Uma norma num espaço vetorial real E é uma função : E [0, ), tal que para x, y E e k R vale 1. x = 0 x = 0 2. kx = k x 3. x + y x + y O par (E, ) é chamado espaço vetorial normado. A norma induz a métrica d : E E [0, ) dada por d(x, y) = x y. O espaço vetorial normado (E, ) é completo se (E, d) é um espaço métrico completo, onde d é a métrica induzida pela norma. Definição 1.13. Um espaço de Banach é um espaço vetorial normado completo. Definição 1.14 (Função contínua). Sejam (M, d M ) e (N, d N ) espaços métricos. Uma aplicação f : M N é contínua em a M se, para todo ε > 0, existe δ > 0 tal que d M (x, a) d N (f(x), f(a)) < ε. Dizemos que f é contínua quando é contínua em cada elemento de M. Proposição 1.4. Sejam M, N espaços métricos. A função f : M N é contínua em a M se, e somente se, x n a implica lim f(x n ) = f(a). Demonstração. Se f contínua em a, ε > 0, δ > 0; d M (x, a) d N (f(x), f(a)) < ε. Como x n a, para δ > 0, existe n 0 N tal que n > n 0 d(x n, a) < δ d(f(x n ), f(a)) < ε. Ou seja, lim f(x n ) = f(a). Para a recíproca, se f não é contínua em a, então ε > 0 tal que, para cada n N, x n M; d(x n, a) < 1/n e d(f(x n ), f(a)) ε. Ou seja, x n a e f(x n ) não converge para f(a). Corolário 1.2. A aplicação f : M N é contínua se, e somente se, a imagem (f(x n )) de qualquer sequência convergente (x n ) em M é convergente em N. No caso afirmativo, f(lim x n ) = lim f(x n ). Definição 1.15 (Aplicação lipschitziana). Sejam (M, d M ) e (N, d N ) espaços métricos. Dizemos que uma aplicação f : M N é lipschitziana, se existe λ > 0 (constante de Lipschitz) tal que d N (f(x), f(y)) λ d M (x, y), x, y M. Denotamos por Lip(f) o ínfimo das constantes de Lipschitz de f. O próprio Lip(f) é uma constante de Lipschitz.

Capítulo 1. Noções Básicas de Análise e Álgebra Linear 5 Definição 1.16 (Contração). A aplicação lipschitziana f, acima definida, é uma contração quando 0 < λ < 1. Proposição 1.5. Toda aplicação lipschitziana f : (M, d M ) (N, d N ) é contínua. Demonstração. Para a M arbitrário e qualquer ε > 0 tomamos δ = ε/λ tal que, se d M (x, a) < δ então, d N (f(x), f(a)) λd M (x, a) < λδ = λ(ε/λ) = ε. Teorema 1.1 (Ponto fixo para contrações). Seja (M, d) um espaço métrico completo e f : M M uma contração. Então existe um único ponto fixo p de f, isto é, existe um único p M tal que f(p) = p. Além disso, para todo x 0 M tem-se f n (x 0 ) p quando n ; onde f n (x 0 ) = f(f n 1 (x 0 )) e f 0 (x 0 ) = x 0. Demonstração. Seja x 0 M arbitrário e x n = f n (x 0 ), n N (portanto, x n+1 = f(x n )). Afirmamos que (x n ) é uma sequência de Cauchy. Por indução, mostraremos que existe λ (0, 1) tal que d(x n+1, x n ) λ n d(x 1, x 0 ), n N (1.1.1) A equação 1.1.1 é válida para n = 1. Com efeito, sendo f contração, λ (0, 1) tal que d(x 2, x 1 ) = d(f(x 1 ), f(x 0 )) λ d(x 1, x 0 ). Supondo válida a equação 1.1.1 para n = k N, também é válida para k + 1. De fato, d(x (k+1)+1, x k+1 ) = d(f(x k+1 ), f(x k )) λ d(x k+1, x k ) λ λ k d(x 1, x 0 ) = λ k+1 d(x 1, x 0 ). A equação 1.1.1 está provada. Como Sejam m, n N. Podemos assumir que m n. Usando 1.1.1, d(x m, x n ) d(x m, x m 1 ) + + d(x n+1, x n ) (λ n + + λ m ) d(x 1, x 0 ) (λ n + λ n+1 + ) d(x 1, x 0 ) = λ n (1 + λ + λ 2 + ) d(x 1, x 0 ) = λn 1 λ d(f(x 0), x 0 ) λ n 1 λ 0 quando n, segue que x n é uma sequência de Cauchy. Como M é completo, x n é convergente. Isto é, existe p M, tal que lim x n = p. Afirmamos que p é ponto fixo de f. De fato, da continuidade de f (por ser lipschitziana) f(p) = f(lim x n ) = lim f(x n ) = lim x n+1 = p. Para a unicidade do ponto fixo de p. Suponha que p, q M são pontos fixos de f, então d(p, q) = d(f(p), f(q)) λ d(p, q) (1 λ) d(p, q) 0 d(p, q) = 0 p = q.

Capítulo 1. Noções Básicas de Análise e Álgebra Linear 6 Definição 1.17 (Homeomofismo). Sejam M e N espaços métricos. Um homeomorfismo de M sobre N é uma bijeção contínua f : M N tal que sua inversa f 1 : N M também é contínua. Nessa situação, dizemos que M e N são homeomorfos. Definição 1.18 (Homeomorfismo local). Sejam M e N espaços métricos. Um homeomorfismo local de M sobre N é uma aplicação contínua f : M N tal que para todo p M existe um aberto U M contendo p tal que a restrição f U : U f(u) é um homeomorfismo entre U e f(u). Teorema 1.2 (Perturbação da Identidade). Sejam E um espaço de Banach, I : E E a aplicação identidade em E e φ : E E uma contração em E. Então, a aplicação I + φ é um homeomorfismo sobre E. Demonstração. Seja 0 < λ < 1 a constante de Lipschitz de φ e h = I + φ. Dados x, y E, h(x) h(y) = I(x) + φ(x) I(y) φ(y) x y φ(x) φ(y) x y λ x y = (1 λ) x y. Assim, h(x) h(y) (1 λ) x y. (1.1.2) Dessa última desigualdade, se x y então h(x) h(y), de onde segue a injetividade de h. Para a sobrejetividade de h, seja z E. Provaremos que existe p E tal que h(p) = z. Note que h(p) = z p + φ(p) = z p = z φ(p). Seja f z : E E tal que f z (x) = z φ(x). Afirmamos que f z tem ponto fixo p. De fato, f z (x) f z (y) = z φ(x) z + φ(y) = φ(x) φ(y) λ x y. Logo, f z é contração. Sendo E é um espaço de Banach, pelo teorema do ponto fixo para contrações (teorema 1.1) existe um único ponto p E tal que f z (p) = p. Ou seja, h(p) = z. Logo, h é sobrejetiva, e portanto, é bijetiva. Seja h 1 a inversa de h. Para todo x, y E existem x, y E tal que h(x) = x e h(y) = y x = h 1 (x ) e y = h 1 (y ). Reescrevendo 1.1.2 obtemos h 1 (x ) h 1 (y ) 1 1 λ x y, x, y E. Por outro lado, para todo x, y E, h(x) h(y) = I(x) + φ(x) I(y) φ(y) x y + φ(x) φ(y) (1 + λ) x y. Assim, h e h 1 são lipschitzianas, logo, são contínuas. Portanto, h = I + φ é um homeomorfismo sobre E.

Capítulo 1. Noções Básicas de Análise e Álgebra Linear 7 Corolário 1.3 (Perturbação do Isomorfismo). Sejam E, Ẽ espaços de Banach e T : E Ẽ um isomorfismo linear (sobrejetivo). Se φ : E Ẽ é uma aplicação lipschitziana com constante de Lipschitz Lip(φ) < T 1 1 então T + φ : E (sobrejetivo). Demonstração. Ẽ é um homeomorfismo Seja h : E E dada por h = T 1 (T + φ) = I + T 1 φ. Afirmamos que T 1 φ é uma contração. De fato, dados x, y E, tem-se T 1 (φ(x)) T 1 (φ(y)) = T 1 (φ(x) φ(y)) T 1 φ(x) φ(y) T 1 Lip(φ) x y λ x y, onde λ = T 1 Lip(φ) < 1 por hipótese. Logo, T 1 φ é uma λ-contração e, pelo teorema da perturbação da identidade (Teorema 1.2), a aplicação h = T 1 (T + φ) = I + T 1 φ é um homeomorfismo. Portanto, a composição T (T 1 (T + φ)) = T + φ é um homeomorfismo. 1.2 Aplicações Diferenciáveis Definição 1.19 (Diferenciabilidade). Seja U R m aberto. A aplicação f : U R m R n é diferenciável no ponto p U se existe uma transformação linear T : R m R n tal que, para v suficientemente pequeno, r(v) f(p + v) = f(p) + T v + r(v), com lim v 0 v Quando f é diferenciável em p, para cada v R temos = 0. (1.2.3) T v = T (tv) t = f(p + tv) f(p) t ± r(tv) v, para todo t 0. tv Assim, f(p + tv) f(p) T v = lim (1.2.4) t 0 t A unicidade do limite implica a unicidade de T : R m R n. Ela é chamada a derivada de f no ponto p, e a denotamos por: f (p), df(p) ou Df(p). Desse modo, as equações 1.2.3 e 1.2.4 podem ser reescritas como f(p + v) = f(p) + f r(v) (p) v + r(v), com lim v 0 v = 0, (1.2.5)

Capítulo 1. Noções Básicas de Análise e Álgebra Linear 8 f f(p + tv) f(p) (p) v = lim. (1.2.6) t 0 t Em 1.2.3, se v 0 então f(p + v) f(p). Ou seja, Proposição 1.6. Se f é diferenciável em p então f é contínua em p. Coordenadas de uma aplicação diferenciável Dado f : U R n (U R m aberto), a cada p U lhe corresponde f(p) R n. Ou seja, f(p) tem n coordenadas. Assim, podemos escrever f(p) = (f 1 (p), f 2 (p),..., f n (p)), onde f i : U R (i = 1,..., n) Pode-se denotar f = (f 1,, f n ). Usando 1.2.5 e 1.2.6 aplicadas às funções f i, obtemos Proposição 1.7. f é diferenciável em p se, e somente se f i é diferenciável em p, para cada i = 1,..., n. Ou seja, f (p) v = (f 1(p) v,..., f n(p) v) (1.2.7) Se {e j } m j=1 é a base canônica de R m. Usando 1.2.6, obtemos: f f(p + te j ) f(p) (p) e j = lim, (1.2.8) t 0 t chamada a j ésima derivada parcial de f em p, onde j = 1,..., m. A j ésima derivada parcial é denotada por f x j (p) = f (p) e j. Para f : U R n, com U R m aberto, uma observação importante é Observação 1.3. f é contínua em p se, e somente se, cada função coordenada f i é contínua em p. Matriz Jacobiana Usando 1.2.7 para cada j = 1,..., m obtemos ( f f1 (p) = (p),..., f ) n (p) x j x j x j (1.2.9) Se {ê i } n i=1 é a base canônica de R n, reescrevemos 1.2.9 f x j (p) = n i=1 f i x j (p) ê i ou f (p) e j = n i=1 f i x j (p) ê i

Capítulo 1. Noções Básicas de Análise e Álgebra Linear 9 A matriz de ordem n m de f (p) : R m R n nas bases canônicas de R m e R n é chamada matriz jacobiana de f em p e denotada por Jf(p) = Classes de diferenciabilidade f 1 [ ] x 1 (p) f fi 2 (p) = x 1 (p) x j. f n x 1 (p) f 1 f x 2 (p) 1 x m (p) f 2 f x 2 (p) 2 x m (p)..... f m x 2 (p) f n x m (p) n m (1.2.10) Seja L(R m, R n ) o espaço vetorial das aplicações lineares de R m em R n com norma T = sup{ T v ; v = 1}, onde, sem perda de generalidade, é a norma de R m ou R n. Seja M n m (R) o espaço vetorial das matrizes (reais) de ordem n m. Como dim L(R m, R n ) = dim M n m (R) = mn, então esses dois espaços são isomorfos. Desse modo, cada derivada f (p) pode ser vista como a matriz jacobiana Jf(p) = [ f i x j (p) ]. Definição 1.20. Seja U R m aberto. Uma aplicação f : U R n é diferenciável em U, se for diferenciável em cada ponto p U. Se f : U R m R n diferenciável então, para cada p U existe uma única f (p) : R m R n. Isso define a aplicação derivada f : U L(R m, R n ) p f (p). Definição 1.21. Diremos que f : U R n é de classe C 1, e escrevemos f C 1, se f é diferenciável e f : U L(R m, R n ) é contínua. Se f C 1, isto é, p U f (p) L(R m, R n ) é contínua. Como f (p) pode ser vista como a matriz jacobiana Jf(p) = [ f i x j (p) ], as funções coordenadas de f podem ser consideradas as funções f i x j : U R. Portanto. f C 1 f i x j são contínuas. A recíproca também é verdadeira. Diversos autores definem: f C 1 as j ésimas derivadas parciais de cada f i, f i x j contínuas. : U R existem e são Suponha que f : U L(R m, R n ) é diferenciável em p U. Nesse caso, dizemos que f é duas vezes diferenciável em p e escrevemos f (p) : R m L(R m, R n ) para denotar a derivada de f em p. Se f é duas vezes diferenciável em cada ponto de U, diremos que f é duas vezes diferenciável (em U).

Capítulo 1. Noções Básicas de Análise e Álgebra Linear 10 Neste último caso, para cada p U existe uma única f (p) : R m L(R m, R n ). Isso define a aplicação derivada segunda f : U L(R m, L(R m, R n )) p f (p). Seja L 2 (R m, R n ) o espaço vetorial normado das aplicações bilineares B : R m R m R n. A norma em L 2 (R m, R n ) é dada por B = sup{ B(u, v) ; u = v = 1}. Os espaços L(R m, L(R m, R n )) e L 2 (R m, R n ) são isomorfos. Para verificar isso, a cada transformação linear T : R m L(R m, R n ) associamos a transformação bilinear B : R m R m R n tal que B(u, v) = (T u) v. Desse modo, a derivada segunda f (p) pode ser considerada uma transformação bilinear f (p) : R m R m R n. Dizemos que f é de classe C 2 se f : U L 2 (R m, R n ) é contínua. Indutivamente, definimos derivadas de ordem superior como segue. Supondo que f : U R n é (k 1) vezes diferenciável. A (k 1)-ésima derivada de f é um aplicação f (k 1) : U L k 1 (R m, R n ), de U no espaço vetorial das aplicações (k 1)-lineares de R m em R n. Quando f (k 1) é diferenciável em p U, dizemos que f é k vezes diferenciável em p e escrevemos f (k) (p) : R m L(R m, L k 1 (R m, R n )) para denotar derivada de f (k 1) em p chamada k-ésima derivada de f em p. Seja L k (R m, R n ) o espaço vetorial normado das aplicações k lineares de R m em R n, onde a norma C = sup{ C(v 1,..., v k ) ; v 1 = = v k = 1}. Os espaços L(R m, L k 1 (R m, R n )) e L k (R m, R n ) são isomorfos. Esse isomorfismo associa a cada transformação linear T : R m L k 1 (R m, R n ) uma transformação k linear C : R m R m R n tal que C(v 1, v 2..., v k ) = (T v 1 ) (v 2,..., v k ). Desse modo, a k ésima derivada de f em p pode ser tomada como sendo uma aplicação k linear f (k) (p) : R m R m R n. Isto é, f (k) (p) L k (R m, R n ). Definição 1.22. Uma aplicação f : U R n é de classe C k e denotamos por f C k se f for k-vezes diferenciável e f (k) : U L k (R m, R n ) for contínua. Finalmente, dizemos que f é de classe C em U se f é de classe C k para todo k N. Proposição 1.8 (Regra da cadeia). Sejam U R m, V R n abertos e f : U R n diferenciável em p U, onde f(u) V, e g : V R p diferenciável em q = f(p) V. Então a composição g f : U R p é diferenciável em p e (g f) (p) = g (q) f (p) : R m R p. Corolário 1.4. A composição de aplicações de classe C k é de classe C k.

Capítulo 1. Noções Básicas de Análise e Álgebra Linear 11 Teorema da Função Inversa Definição 1.23 (Difeomorfismo). Sejam U, V R m abertos. A aplicação f : U V é dita ser um difeomorfismo se é uma bijeção diferenciável, cuja inversa f 1 também é diferenciável. Se f e f 1 são de classe C k, dizemos que f é um difeomorfismo de classe C k. Quando existe um difeomorfismo entre U e V dizemos que U e V são difeomorfos. Em particular, todo difeomorfismo é um homeomorfismo. A composição de difeomorfismos é difeomorfismo. Definição 1.24 (Difeomorfismo local). Seja U R m aberto. A aplicação f : U R n é um difeomorfismo local se para cada p U existe um aberto V p U contendo p tal que a restrição f V p : V p f(v p ) é um difeomorfismo entre V p e f(v p ). Definição 1.25 (Ponto regular). Dado p U e f : U R n diferenciável. Dizemos que que p é um ponto regular se f (p) é sobrejetiva. Caso contrário, p é chamado de ponto crítico. Um ponto c R n é um valor regular se todo p f 1 (c) é um ponto regular, caso contrário, dizemos que c é um valor crítico. Observação 1.4. Se f 1 (c) = então c é um valor regular. Teorema 1.3 (Teorema da Função Inversa). Seja f : U R m R m uma aplicação de classe C r (r 1). Se f (p) : R m R m é um isomorfismo, então existe uma vizinhança V U de p tal que f V : V f(v ) é um difeomorfismo de classe C r. De acordo com o teorema da função inversa, f (p) : R m R m é um isomorfismo para cada p U se, e somente se, f : U R m é um difeomorfismo local. 1.3 Forma de Jordan Definição 1.26. Seja A : R n R n um operador linear. O espectro de A é o conjunto σ(a) = {λ C; det(a λi) = 0}. Teorema 1.4 (Forma de Jordan - caso complexo). Sejam A : C n C n operador linear e λ 1,..., λ r, 1 r n, os respectivos autovalores complexos distintos de A. Então, existe uma base β de C n de tal forma que a matriz correspondente ao operador A na base β, [A] β, escrevemos como J 1 0 J 2 [A] β =... 0 J r

Capítulo 1. Noções Básicas de Análise e Álgebra Linear 12 onde cada bloco de Jordan J k (1 k r) é da forma: λ k 0 0 0 0 1 λ k 0 0 0 0 1 λ J k = k 0 0....., onde λ k R.... 0 0 0 λ k 0 0 0 0 1 λ k Além disso, a matriz [A] β chamada a forma canônica de Jordan é única, a menos de permutações entre os blocos de Jordan. Teorema 1.5 (Forma de Jordan - caso real). Seja A : R n R n aplicação linear com autovalores reais λ 1,..., λ r e autovalores complexos a 1 + ib 1,..., a s + ib s. Então, existe uma base β de R n no qual podemos escrever A como J 1 0... 0 0 J r [A] β = J 1 0. 0.. 0 J s onde cada J k (1 k r) é da forma: λ k 0 0 0 0 1 λ k 0 0 0 0 1 λ J k = k 0 0........ 0 0 0 λ k 0 0 0 0 1 λ k com λ k R, e cada J l (1 l s) é da forma: C l 0 0 0 0 I C l 0 0 0 0 I C J l = l 0 0........ 0 0 0 C l 0 0 0 0 I C l

Capítulo 1. Noções Básicas de Análise e Álgebra Linear 13 onde C l = α l β l, I = 1 0 e 0 = 0 0 com α l, β l R. Além disso, a β l α l 0 1 0 0 forma canônica de Jordan é única, a menos de permutações entre os blocos de Jordan.

14 2 Noções Básicas de Sistemas Dinâmicos A seguir, apresentamos algumas definições e resultados básicos de sistemas dinâmicos que serão utilizados posteriormente. 2.1 Campos Vetoriais e Fluxos Definição 2.1. Um campo vetorial de classe C r, r 1, em um aberto U R n é uma aplicação X : U R n de classe C r. Ao campo vetorial X, associa-se a equação diferencial x = X(x) (2.1.1) Definição 2.2. Seja X : U R n um campo vetorial de classe C k (k 1) e I intervalo aberto contendo 0. A aplicação diferenciável α : I U tal que dα (t) = X(α(t)), α(0) = p (2.1.2) dt é chamada trajetória ou curva integral de X passando por p U. A curva α é solução da equação dx/dt = X(x) com condição inicial x(0) = p. Observação 2.1. Geometricamente, α é uma curva integral de X se, e somente se, seu vetor velocidade α (t) em t, coincide com o valor do campo X em α(t). Figura 1: Campo de vetores e curvas integrais Teorema 2.1 (existência e unicidade de solução maximal). Seja X : U R n R n um campo vetorial de classe C r, r 1 e p U. Então, existe uma curva integral de X, α : I U, com α(0) = p e I um intervalo aberto. Se β : J U é uma outra curva integral de X no outro intervalo aberto J, com β(0) = p, então J I e α(t) = β(t), para todo t J. Neste caso, dizemos que α(t) é solução maximal de X. O intervalo I é chamado de intervalo maximal de α e denotado por I max.

Capítulo 2. Noções Básicas de Sistemas Dinâmicos 15 Teorema 2.2 (existência e unicidade para campos lipschitzianos). Seja X : R n R n campo vetorial com constante de Lipschitz K. Então o problema dx/dt = X(x), x(t 0 ) = x 0 tem uma única solução que é global, isto é, I max = R. Demonstração. Basta considerar as soluções ϕ(t) com ϕ(0) = x 0 e mostrar que ϕ está definida em [ α, α], para todo α R. Considere em [ α, α], Temos ϕ 2 (t) ϕ 1 (t) ϕ 0 (t) = x 0 ϕ 1 (t) = x 0 + ϕ 2 (t) = x 0 + ϕ n+1 (t) = x 0 + t 0. t 0 t 0 t 0 X(ϕ 0 (s))ds X(ϕ 1 (s))ds X(ϕ n (s))ds. X(ϕ 1 (s)) X(ϕ 0 (s)) ds K ϕ 1 ϕ 0 t onde ϕ 1 ϕ 0 = sup{ ϕ 1 (t) ϕ 0 (t) ; t [ α, α]}. Assim, ϕ 3 (t) ϕ 2 (t) t K X(ϕ 2 (s)) X(ϕ 1 (s)) ds 0 t 0 K 2 ϕ 1 ϕ 0 ϕ 2 (s) ϕ 1 (s) ds t 0 s ds = K 2 ϕ 1 ϕ 0 t 2 2! ; ϕ 4 (t) ϕ 3 (t) t K X(ϕ 3 (s)) X(ϕ 2 (s)) ds 0 t 0 K 3 ϕ 1 ϕ 0 Indutivamente, para todo t [ α, α], temos ϕ 3 (s) ϕ 2 (s) ds t 0 s 2 2! ds = K3 ϕ 1 ϕ 0 t 3 3!. Além disso, ϕ n+1 ϕ n K n ϕ 1 ϕ 0 t n n! ϕ n+p (t) ϕ n (t) ϕ n+p (t) ϕ n+p 1 (t) + + ϕ n+1 (t) ϕ n (t) [ ] (K t ) n+p 1 ϕ 1 ϕ 0 (n + p 1)! + + (K t )n n! [ ] (Kα) n+p 1 ϕ 1 ϕ 0 (n + p 1)! + + (Kα)n. n!

Capítulo 2. Noções Básicas de Sistemas Dinâmicos 16 (Kα) i Pelo critério da razão, a série é convergente. Então, dado ε > 0, existe i=0 i! n+p (Kα) i n 0 N tal que para todo n n 0 e p 1 tem-se ε. Logo, i! ϕ n+p (t) ϕ n (t) ɛ ϕ 1 ϕ 0, n n 0, p 1, t [ α, α] Portanto, ϕ n (t) é (uniformemente) de Cauchy em [ α, α] e, consequentemente, converge uniformemente para alguma ϕ : [ α, α] R n. Mas ϕ n+1 (t) = x 0 + t 0 i=n X(ϕ n (s))ds, então fazendo n nesta igualdade, obtemos ϕ(t) = x 0 + t 0 X(ϕ(s))ds Definição 2.3. Seja R R n aberto. Uma aplicação ϕ : R R n E é chamada fluxo sobre se a) ϕ(0, x) = x b) ϕ(t, ϕ(s, x)) = ϕ(t + s, x) Dizemos que um fluxo é linear se a aplicação ϕ t (x) = ϕ(t, x) é linear. Definição 2.4. Um fluxo local de um campo X : U R n R n no ponto p U (U aberto) é uma aplicação ϕ : ( ε, ε) V p U, onde V p é uma vizinhança de p em U, tal que para cada q V p, a aplicação ϕ q : ( ε, ε) U definida por ϕ q (t) = ϕ(t, q) é uma curva integral de X no ponto q, para todo t ( ε, ε). Teorema 2.3. Seja X : U R n um campo vetorial de classe C r, r 1. Para todo p U, existe um fluxo local ϕ : ( ε, ε) V p U de classe C r. Além disso, D 1 D 2 ϕ(t, q) = DX(ϕ(t, q)) D 2 ϕ(t, q), D 2 ϕ(0, q) = E para todo (t, q) ( ε, ε) V p. Denotamos por E a identidade de R n e D 1 e D 2 as derivadas parciais com respeito à primeira e segunda variável. Demonstração. Vide [??], p. 98. Definição 2.5. Sejam A um subconjunto aberto de R n e f : A A um difeomorfismo de classe C r, r 1. A aplicação f gera um fluxo ϕ : Z A A, onde ϕ(n, x) = f n (x) e f n = f f f se n > 0, f 0 = I e f n = (f 1 ) n se n < 0, que verifica: a) ϕ(0, x) = x b) ϕ(m + n, x) = ϕ(m, ϕ(n, x)), m, n Z

Capítulo 2. Noções Básicas de Sistemas Dinâmicos 17 c) ϕ n é um difeomorfismo com inversa ϕ n Definição 2.6. Seja A R n aberto. Um sistema dinâmico em A é a ação de um grupo G (em geral, G = R ou G = Z) em A, isto é, ϕ : G A A verifica: a) ϕ 0 = Id b) ϕ g+h = ϕ g ϕ h, h, g G c) ϕ g é um difeomorfismo com inversa ϕ g Definição 2.7. Seja X : U R n um campo vetorial de classe C r e ϕ : I p U U seu fluxo correspondente passando pelo ponto p U onde I p é um intervalo aberto contendo 0. A órbita de X pelo ponto p U é o conjunto O(p) = {ϕ(t, p); t I p }. Se X(p) = 0 então O(p) = {p}, neste caso dizemos que p é uma singularidade de X. Por outro lado, a aplicação ϕ p : I p U tal que ϕ p (t) = ϕ(t, p) é uma imersão. Caso ϕ não seja injetiva, existe τ > 0 tal que ϕ p (τ) = ϕ p (0) = p e ϕ p (t) p para todo t (0, τ). Neste caso, a órbita de p é difeomorfa a um círculo e dizemos que ela é uma órbita fechada ou periódica com período τ. Caso a órbita não seja singular ou fechada, dizemos que ela é regular. Logo, uma órbita regular é uma imagem biunívoca de um intervalo de R. Cada caso descrito corresponde a uma das alternativas do Teorema 2.4 a seguir. Teorema 2.4. Se ϕ x uma solução máxima de (2.1.2) em I x, verifica-se uma única das seguintes alternativas: a) ϕ x é injetiva. b) I x = R e ϕ x é constante. c) I x = R e ϕ x é periódico, isto é, existe τ > 0 tal que ϕ x (τ) = ϕ x (0) = p e ϕ x (t) p, para todo t (0, τ). Observação 2.2. Se q O(p) então O(q) = O(p). De fato, se q O(p), q = ϕ(t 1, p) e ϕ(t, q) = ϕ(t + t 1, p) e I q = I p t 1. Logo, duas órbitas de X são disjuntas ou coincidem. 2.2 Conjuntos ω-limite e α-limite de uma órbita Sejam U R n aberto, X : U R n um campo vetorial de classe C r, r 1 e ϕ(t) = ϕ(t, p) seu fluxo correspondente passando pelo ponto p, para todo t R. Definição 2.8. O conjunto O(p) = {ϕ(t, p); t R} é chamado a órbita de X pelo ponto p U; O + (p) = {ϕ(t, p); t 0} é a semiórbita positiva de p e O (p) = {ϕ(t, p); t 0} é a semiórbita negativa de p.

Capítulo 2. Noções Básicas de Sistemas Dinâmicos 18 Definição 2.9. Dado p U, definimos ω(p) = {q; (t n ) com t n, α(p) = {q; (t n ) com t n, lim ϕ(t t n n, p) = q} e lim ϕ(t t n n, p) = q} Os conjuntos ω(p) e α(p) são chamados, respectivamente, de ω-limite e α-limite de p. Intuitivamente, α(p) é onde a órbita de p "nasce" ou o passado de O(p) e ω(p) é onde a órbita de p "morre" ou o futuro de O(p). Figura 2: Conjuntos limite α(p) e ω(p) Se A denota o fecho do conjunto A, temos Proposição 2.1. ω(p) O + (p). Demonstração. Seja q ω(p), existe uma sequência (t n ), com t n 0 tal que, se t então ϕ(t n, p) q. Como ϕ(t n, p) O + (p), para cada t n. Logo, q O + (p). Analogamente, α(p) O (p). Em particular, ω(p) O(p) e α(p) O(p). Observação 2.3. Se q O(p) então ω(q) = ω(p). De fato, se q O(p), existe c R tal que ϕ(t, p) = ϕ(t + c, q). Analogamente, α(q) = α(p). A partir da última observação, podemos definir Definição 2.10. Se γ = O(p), define-se o conjunto ω-limite da curva γ por: ω(γ) := ω(q), onde q é qualquer elemento de γ. Analogamente define-se o conjunto α-limite da curva γ. Definição 2.11. Seja A R n aberto e X : A R n um campo vetorial de classe C 1. Dizemos que um subconjunto B de A é invariante pelo fluxo de X (ou, por X) se O(x) B, para todo x B. Ou seja, ϕ(r, B) B. Teorema 2.5 (Teorema da Alfândega). Seja R n um conjunto arbitrário. Se um conjunto conexo C R n contém um ponto a e um ponto b / então C contém um ponto c.

Capítulo 2. Noções Básicas de Sistemas Dinâmicos 19 Definição 2.12 (Curva fechada e simples). Seja C R 2 e γ : [a, b] C contínua. O conjunto C é uma curva fechada e simples se a restrição γ [a,b) é injetiva e γ(a) = γ(b). Teorema 2.6 (Teorema da curva de Jordan). Toda curva fechada simples γ R 2 (sem auto-interseção), divide R 2 em duas regiões D 1 e D 2 disjuntas tal que γ = D 1 = D 2. Figura 3: Teorema da curva de Jordan Proposição 2.2 (Propriedades do conjunto ω limite). Seja X : U R n R n um campo de classe C r, r 1 e ϕ seu fluxo correspondente. Se O + (p) está contido no compacto K U então a) ω(p) b) ω(p) é compacto. c) ω(p) é conexo. d) ω(p) é invariante por ϕ. Isto é, se q ω(p) então O(q) ω(p). Demonstração. a) ω(p). Seja t n = n N. Por hipótese, O + (p) K, logo, {ϕ(t n ); n N} K. Como K é compacto, existe uma sequência (passando a uma subsequência se necessário) ( ϕ(t n ) ) tal que ϕ(t n ) q K quando t n. Assim, por definição, existe q ω(p). b) ω(p) é compacto. Da Proposição 2.1, ω(p) O + (p) e a hipótese O + (p) K temos ω(p) K. Sendo K limitado, ω(p) é limitado. Basta mostrar que ω(p) é fechado. Seja q n ω(p) tal que q n q. Afirmamos que q ω(p). Com efeito, para cada q n ω(p), existe uma sequência (t m (n) ) m N tal que t (n) m e ϕ(t m (n), p) q n quando m. De cada sequência (t (n) m ), escolhemos um ponto t n {t m (n) ; m N} tal que t n > n e d(ϕ(t n, p), q n ) < 1. Temos então n d(ϕ(t n, p), q) d(ϕ(t n, p), q n ) + d(q n, q) < 1 n + d(q n, q).

Capítulo 2. Noções Básicas de Sistemas Dinâmicos 20 Desse modo, existe uma sequência (t n ) tal que t n e ϕ(t n, p) q quando n. Ou seja, q ω(p), e portanto, ω(p) é fechado. c) ω(p) é conexo. Se ω(p) não é conexo. Então existem abertos A 1 e A 2 não vazios tal que ω(p) = A 1 A 2. Como ω(p) é compacto, existe um aberto limitado B tal que ω(p) B B D. Em particular, ω(p) = (A 1 B) (A 2 B) onde A 1 B e A 2 B formam uma cisão não trivial de ω(p). Como A 1 B, existe uma sequência (t n) tal que t n e ϕ(t nn) x 1 A 1 B quando n. De forma análoga, existe uma sequência (t n) tal que t n e ϕ(t nn) x 2 A 2 B quando n. Logo, podemos construir uma sequência (t n ) tal que ϕ(t 2n, p) A 1 B e ϕ(t 2n+1, p) A 2 B. Como (A 1 B) (A 2 B) =, pelo teorema da Alfândega, 2.5 para cada natural n, existe t n < τ n < t n+1 tal que ϕ(τ n, p) (A 1 B). Como (A 1 B) é compacta, existe uma subsequência (t nk ) tal que t nk e ϕ(τ n, p) q (A 1 B) quando n k. Logo, q ω(p). O que nos leva a um absurdo pois ω(p) = (A 1 B) (A 2 B) e, consequentemente, ω(p) (A 1 B) =. Portanto, ω(p) é conexo. d) ω(p) é invariante por ϕ. Seja q ω(p) e O(q) a curva integral de X passando por q. Precisamos mostrar que O(q) ω(p). Seja q 1 O(q) então, existe t 0 R tal que q 1 = ϕ(t 0, q). Como q ω(p), existe sequência (t n ) tal que t n e ϕ(t n, p) q quando n. Como ϕ é contínua, temos q 1 = φ(t 0, q) = ϕ(t 0, lim n ϕ(t n, p)) = lim n ϕ(t 0, ϕ(t n, p)) = lim n ϕ(t 0 + t n, p). Se s n = t 0 + t n, temos lim s n ϕ(s n, p) q 1 quando n. Portanto, q 1 ω(p). 2.3 Teorema do Fluxo Tubular Definição 2.13. Sejam ϕ 1 : I 1 1 1 e ϕ 2 : I 2 2 2 curvas integrais dos campos vetoriais X 1 : 1 R n R n e X 2 : 2 R n R n, respectivamente. Dizemos que X 1 é topologicamente conjugado (respectivamente, C r conjugado) a X 2 quando existe um homeomorfismo (respectivamente, difeomorfismo de classe C r ) h : 1 2 tal que h(ϕ 1 (t, x)) = ϕ 2 (t, h(x)), para todo (t, x) I 1 1. A aplicação h é chamada de conjugação topológica (respectivamente, C r -conjugação) de X 1 e X 2.

Capítulo 2. Noções Básicas de Sistemas Dinâmicos 21 Definição 2.14. Sejam U, V subconjuntos abertos de R n e f : U U e g : V V difeomorfismos de classe C 1. Dizemos que f é topologicamente conjugado a g se existir um homeomorfismo h : A B tal que g h = h f (logo, g n h = h f n ). Observação 2.4. É claro que toda conjugação é uma relação de equivalência. Para isto, a conjugação topológica h leva singularidades em singularidades, órbitas periódicas em órbitas periódicas e preserva o período de órbitas periódicas. Teorema 2.7. Sejam X 1 : 1 R n R n e X 2 : 2 R n R n campos vetoriais de classe C k e h : 1 2 um difeomorfismo de classe C r, r 1. A aplicação h é uma conjugação topológica de X 1 e X 2 se, e somente se, Demonstração. Dh(p)X 1 (p) = X 2 (h(p)), p 1 (2.3.3) Sejam ϕ 1 : I 1 1 1 e ϕ 2 : I 2 2 2 curvas integrais dos campos vetoriais X 1 e X 2, respectivamente. Suponha que a igualdade (2.3.3) seja satisfeita e, dado p 1, considere a aplicação ψ : I 1 2 tal que ψ(t) = h(ϕ 1 (t, p)). Então, ψ é solução de x = X 2 (x), x(0) = h(p) pois ψ (t) = Dh(ϕ 1 (t, p)) t ϕ 1(t, p) = Dh(ϕ 1 (t, p))x 1 (ϕ 1 (t, p)) = X 2 (h(ϕ 1 (t, p))) = X 2 (ψ(t)) Dado p 1, seja ψ : I 2 2 tal que φ(t) = ϕ 2 (t, h(p)). Note que ψ também é solução de x = X 2 (x), x(0) = h(p). Pelo teorema 2.1, concluímos que h(ϕ 1 (t, p)) = ϕ 2 (t, h(p)). Para a recíproca, suponha que h seja uma conjugação topológica de X 1 e X 2, isto é, h(ϕ 1 (t, p)) = ϕ 2 (t, h(p)), para todo (t, p) I 1 1. Derivando esta igualdade com respeito a t em t = 0, obtém-se a igualdade (2.3.3). Definição 2.15. Sejam U R n aberto, A R n 1 aberto e X : U R n um campo vetorial de classe C r, r 1. Dizemos que a aplicação diferenciável f : A U é uma seção transversal local de X se, para todo a A, Df(a)(R n 1 ) e X(f(a)) geram o espaço R n. Seja Σ = f(a) munido da topologia induzida. Se a aplicação h : A Σ for um homeomorfismo, dizemos que Σ é uma seção transversal de X. Teorema 2.8 (Teorema do Fluxo Tubular). Sejam X : U R n um campo vetorial de classe C k, p U um ponto não singular de X e f : A Σ uma seção transversal local de X de classe C k com f(0) = p. Então existe uma vizinhança V de p em U e um difeomorfismo h : V ( ɛ, ɛ) B de classe C k, onde ɛ > 0 e B é uma bola aberta em R n 1 de centro na origem 0 = f 1 (p), tal que a) h(σ V ) = {0} B; b) h é uma C k -conjugação entre X V e o campo constante Y : ( ɛ, ɛ) B R n onde Y = (1, 0,..., 0) R n.

Capítulo 2. Noções Básicas de Sistemas Dinâmicos 22 Demonstração. Sejam ϕ : I U U fluxo de X e D A = {(t, u); (t, f(u)) I U}, onde I é um intervalo aberto de R contendo 0. Considere F : D A U tal que F (t, u) = ϕ(t, f(u)). Note que F aplica linhas paralelas ao eixo t em curvas integrais de X. Mostraremos que F é difeomorfismo local em 0 = (0, 0) R R n 1. Pelo teorema da função inversa 1.3, basta mostrar que F é um isomorfismo. Temos D 1 F (0) = d dt ϕ(t, f(u)) 0 = X(ϕ(0, p)) = X(p) Por outro lado, ϕ(0, f(u)) = f(u), logo, D j F (0) = D j 1 f(0), para todo j = 2,..., n. Portanto, D j F (0), j = 1,..., n geram R n e DF (0) é um isomorfismo. Pelo teorema da função inversa 1.3, existem ɛ > 0 e uma bola B em R n 1 com centro na origem tal que F ( ɛ, ɛ) B : ( ɛ, ɛ) B V é um difeomorfismo, onde V = F (( ɛ, ɛ) B). Seja h = (F ( ɛ, ɛ) B) 1. Como F (0, u) = ϕ(0, f(u)) = f(u) para todo u B, segue que h(σ V ) = {0} B. O que prova o item 1. Pelo teorema 2.7, para provar o item 2, basta mostrar que Dh 1 (t, u)y (t, u) = X(h 1 (t, u)). Logo, para todo (t, u) ( ɛ, ɛ) B, tem-se Dh 1 (t, u) Y (t, u) = DF (t, u) (1, 0,..., 0) = D 1 F (t, u) = X(ϕ(t, f(u))) = X(F (t, u)) = X(h 1 (t, u)) Isto termina a demonstração. Corolário 2.1. Seja Σ seção transversal de X. Para todo p Σ, existem ɛ = ɛ(p) > 0, vizinhança V de p R n e uma função τ : V R de classe C k tal que τ(v Σ) = 0 e a) para todo q V, a curva integral ϕ(t, q) de X V é definida e biunívoca em J q = ( ɛ + τ(q), ɛ + τ(q)); b) o único ponto onde ϕ(, q) J q intercepta a seção Σ é ξ(q) = ϕ(τ(q), q) Σ. Em particular, se q Σ V se, e somente se, τ(q) = 0. c) ξ : V Σ é de classe C k e Dξ(q) é sobrejetiva, para todo q V. Além disso, Dξ(q) v = 0 se, e somente se, v = αx(q), para algum α R. Demonstração. a) Sejam h, V, ɛ como no teorema anterior. Chamaremos de ϕ Y (t, x) = x + (t, 0) e ϕ X = ϕ V os fluxos dos campos Y e X, respectivamente. Considere h : V ( ɛ, ɛ) B

Capítulo 2. Noções Básicas de Sistemas Dinâmicos 23 tal que h(q) = ( τ(q), ξ(q)), para todo q V. Como h é de classe C k e τ é função coordenada de h, segue que τ é de classe C k. Para cada q V, tem-se ϕ Y ( τ(q), (0, ξ(q))) = (0, ξ(q)) + ( τ(q), 0) = ( τ(q), ξ(q)) Pelo teorema 2.8, h é uma C k conjugação entre X V e Y então h(ϕ X (t, q)) = ϕ Y (t, h(q)) = ϕ Y (t, ( τ(q), ξ(q))) = ϕ Y (t, ϕ Y ( τ(q), (0, ξ(q)))) = ϕ Y (t τ(q), (0, ξ(q))) Assim, ϕ X (t, q) = h 1 ϕ Y (t τ(q), (0, ξ(q))) cujo domínio é J q. Como as aplicações t ϕ Y (t τ(q), (0, ξ(q))) e h são biunívocas, segue que ϕ X (t, q) é biunívoca em J q. b) Para todo q V, a aplicação ξ(q) = ϕ X (τ(q), q) está bem definida e é de classe C k. Pelo item anterior, dado ξ(q) B, tem-se ϕ X (t, q) = h 1 ϕ Y (t τ(q), (0, ξ(q))). Se t = τ(q) então ξ(q) = ϕ X (τ(q), q) = h 1 ϕ Y (0, (0, ξ(q))) = h 1 (0, ξ(q)) e pelo teorema 2.8, h 1 (0, ξ(q)) Σ. Afirmamos que ξ(q) é o único ponto onde a órbita local de q intercepta a seção Σ. De fato, suponha que exista t 1 J q tal que ϕ X (t 1, q) Σ. Note que (0, B) h ϕ X (t 1, q) = ϕ Y (t 1 τ(q), (0, ξ(q))) t 1 τ(q) = 0 t 1 = τ(q) Portanto, ξ(q) é o único ponto onde ϕ X intercepta a seção Σ. 2.4 Campo linear e Isomorfismo hiperbólico em R n Para esta seção, salvo menção em contrário, consideraremos S 1 = {z C; z = 1}. Definição 2.16. Um campo X : R n R n é dito ser um campo linear hiperbólico se todos os seus autovalores têm parte real 0. Denotamos por s(a) o número de autovalores com parte real < 0, contando com as multiplicidades algébricas. O número s(a) é chamado índice de estabilidade. Definição 2.17. Dados X : U R n R n um campo vetorial de classe C 1, com U subconjunto aberto de R n, e um ponto p tal que X(p) = 0. Dizemos que p é um ponto crítico hiperbólico se DX p é um campo linear hiperbólico. Neste caso, o índice de estabilidade do campo X em p é o índice de estabilidade de DX p

Capítulo 2. Noções Básicas de Sistemas Dinâmicos 24 Definição 2.18. Dizemos que L : R n R n é um isomorfismo hiperbólico se O(L) S 1 =, isto é, se λ é autovalor de L então λ 1. Denotamos por e(l) o número de autovalores λ de L (contando com as multiplicidades algébricas) tais que λ < 1 e o chamamos de índice de estabilidade de L. Denotamos por GL(R n ) = {L L(R n ); L é isomorfismo} e GLH(R n ) = {L GL(R n ); L é isomorfismo hiperbólico} Teorema 2.9. Seja L GL(R n ) com índice de estabilidade e(l) = s. Tem-se a) Existem subespaços E s, E u, invariantes por L, tais que R n = E s E u, dim E s = s e σ(l E s ) = {λ σ(l); λ < 1} e σ(l E u ) = {λ σ(l); λ > 1} Os subespaços E s, E u são chamados de subespaço estável e instável, respectivamente. b) Existe uma norma em R n tal que L E s < 1 e (L E u ) 1 < 1 Apresentamos alguns lemas que serão utilizados para a prova do teorema 2.9: Lema 2.1. Seja A L(R n ). Dado ɛ > 0, existe uma base de C n tal que a matriz de à é a matriz ɛ forma canônica complexa. Isto é, a matriz à é a forma canônica complexa com ɛ no lugar de cada 1 na subdiagonal. Demonstração. Pelo teorema de Jordan para caso complexo (teorema 1.4), existe uma base β = {e 1,..., e n } de C n no qual podemos escrever A como onde cada J k, 1 k r é da forma: J k = à = λ k J 1 0... 0 J r 1 λ k 0 1...... λ k 0 1 λ k

Capítulo 2. Noções Básicas de Sistemas Dinâmicos 25 com λ k R. Assim, fixado 1 k r, a matriz J k é a representação de A k na base {e 1,..., e s } de C s, com s = dim A k e, consequentemente, s < n. Logo, A k (e 1 ) = λ k e 1 + e 2 A k (e 2 ) = λ k e 2 + e 3.. A k (e s 1 ) = λ k e s 1 + e s A k (e s ) = λ k e s Dessa maneira, basta multiplicar os vetores da base atual por escalares convenientes. De fato, considere ẽ i = e i ɛ, então pela definição de A k, i 1 A k (ẽ 1 ) = λ k ẽ 1 + ẽ 2 A k (ẽ 2 ) = λ k ẽ 2 + ɛ ẽ 3.. A k (ẽ s 1 ) = λ k ẽ s 1 + ɛ ẽ s A k (ẽ s ) = λ k ẽ s Logo, para cada 1 k r, existe uma base β k = s = dim A k, no qual A k pode ser representada pela matriz J k = λ k ɛ λ k 0. ɛ..... λk 0 ɛ λ k { e 1, e } 2 ɛ,..., e s ɛ s 1 de C s, e Portanto, existe uma base β = é representada por à = { e 1, e 2 ɛ,..., e s J 1 0... 0 Jr ɛ, e s+1 s 1 ɛ s },..., e n de ɛ n 1 C n no qual à Lema 2.2. Seja A L(R n ) e Λ = sup{ λ ; λ σ(a)}. Dado ɛ R, com 0 < ɛ 1, existe uma norma em A tal que A s Λ + ɛ. Demonstração. Dado ɛ R, com 0 < ɛ 1, pelo lema 2.1, existe uma base {e 1,..., e n } n de C n no qual a matriz à é a matriz ɛ forma canônica complexa. Para z = z i e i C, i=1

Capítulo 2. Noções Básicas de Sistemas Dinâmicos 26 temos λ 1 b 1 λ 2 0 Ãz = b 2...... λ n 1 0 b n 1 λ n onde b i = 0 ou b i = ɛ, para i = 1,..., n. Portanto, z 1 z 2. z n Ãz = (λ 1 z 1, b 1 z 1 + λ 2 z 2,..., b n 1 z n 1 + λ n z n ) Então Seja a norma em C n obtida do produto interno que torna {e 1,..., e n } ortonormal. Ãz 2 λ 1 2 z 1 2 + + λ n 2 z n 2 + b 2 1 z 1 2 + + b 2 n 1 z n 1 2 + 2b 1 λ 2 z 1 z 2 + + 2b n 1 λ n z n 1 z n n Λ 2 z i 2 + ɛ 2 n z i 2 + 2Λɛ( z 1 z 2 + + z n 1 z n ) i=1 i=1 n Para z = z i 2 1 temos Ãz 2 Σ 2 +ɛ 2 +2Λɛ = (Λ+ɛ) 2. Pela desigualdade i=1 de Cauchy-Schwarz ( z 1, z 2,..., z n ) ( z 2, z 3,..., z n ) n 1 z i 2 n z i 2 1 i=1 i=2 Portanto, Ã Λ + ɛ. DEMONSTRAÇÃO DO TEOREMA 2.9: a) Seja β = {v 1,..., v n }a base de R n na qual a matriz de L é a forma canônica real J = J 1 0 sendo J 1, s s, correspondente aos autovalores λ σ(l) com 0 J 2 λ < 1 e J 2, (n s) (n s), correspondente aos autovalores λ σ(l) com λ < 1. Definindo E s = [v1,..., v s ] e E u = [v s+1,..., v n ], o item a) segue diretamente das definições. b) Sejam L s = L E s e ɛ R tal que 0 < ɛ 1. Pelo lema 2.2, existe uma norma s em E s tal que L s Λ + ɛ. Pela própria definição de E s, segue que Λ < 1 e, portanto, L s < 1. Considere L u = L E u. Como σ(l 1 u) = { 1 ; λ σ(l λ u)} segue, de modo análogo, que existe uma norma u em E u tal que (L u ) 1 u < 1.

Capítulo 2. Noções Básicas de Sistemas Dinâmicos 27 Definição 2.19. Sejam A um subconjunto aberto de R n e f : A R n R n uma aplicação de classe C 1 com um ponto fixo p, isto é, f(p) = p. Dizemos que p é um ponto fixo hiperbólico de f se Df(p) é um isomorfismo hiperbólico. Neste caso, o índice de estabilidade de f em p é o índice de Df(p).

28 3 Teorema de Poincaré-Bendixson 3.1 O Teorema de Poincaré-Bendixson Para esta seção, salvo menção ao contrário, consideraremos R 2 X : R 2 campo vetorial de classe C r, r 1 e K um compacto. aberto, Teorema 3.1 (Teorema de Poincaré Bendixson). Seja ϕ(t) = ϕ(t, p) uma curva integral de X, definida para todo t 0, tal que O + (p) K. Suponha que o campo X possua um número finito de singularidades em ω(p). Tem-se as seguintes alternativas: (a) Se ω(p) contém somente pontos regulares, então ω(p) é uma órbita periódica. (b) Se ω(p) contém pontos regulares e singulares, então ω(p) consiste de um conjunto de órbitas, cada uma das quais tende a um desses pontos singulares quando t ±. (c) Se ω(p) não contém pontos regulares, então ω(p) é um ponto singular. Para sua prova, apresentamos alguns lemas que serão utilizados: Lema 3.1. Se p Σ ω(γ), onde Σ é uma seção transversal a X e γ = {ϕ(t)} alguma órbita. Então p = lim t n ϕ(t n) onde ϕ(t n ) Σ. Demonstração. Seja γ = {ϕ(t)} = {ϕ(t, q)} e p Σ ω(γ) como na figura 4. Considere a vizinhança V e a aplicação τ definidas no corolário 2.1. Por hipótese, p ω(γ), isto é, existe uma sequência (t n) tal que t n e ϕ(t n) p quando n. Logo, existe n 0 N tal que ϕ(t n) V, para todo n n 0. Se t n = t n + τ(ϕ(t n)), para todo n 0, temos ϕ(t n ) = ϕ(t n + τ(ϕ(t n)), q) = ϕ(τ(ϕ(t n)), ϕ(t n)) Pela forma como foi definida a aplicação τ, segue que ϕ(t n ) Σ. Como τ é contínua, segue que lim ϕ(t n) = lim n n ϕ(τ(ϕ(t n)), ϕ(t n)) = ϕ(τ(p), p) = ϕ(0, p) = p Portanto, p = lim n ϕ(t n ) onde ϕ(t n ) Σ.