O SUS diante do ajuste fiscal: impactos e propostas Sérgio Francisco Piola Seminário Política Econômica e Financiamento da Saúde Pública Faculdade de Saúde Pública São Paulo, 26 de junho de 2015
O SUS diante do ajuste fiscal Nesta intervenção pretendo falar menos sobre ajuste fiscal e seus impactos para SUS e me concentrar mais em algumas questões que considero estruturais para o financiamento do SUS.
(Questão 1 o subfinanciamento crônico) O ajuste fiscal preocupa, mas devemos sair dele dentro de um horizonte de tempo previsível; Mais difícil, no entanto, será resolver a questão do subfinanciamento crônico do SUS; Apesar de todos as tentativas já feitas (vincular 30% do OSS; criação da CPMF em 1997, Emenda Constitucional 29/2000), o gasto público é ainda inferior ao privado, na contramão de outros países que tem sistemas públicos de acesso universal; nesses o gasto público é sempre superior ao privado.
(Questão 1 o subfinanciamento crônico) Em 2012, o gasto total com saúde foi de 9,5% do PIB, sendo 47,5% público (4,5%) e 52,5% privado (5 %) (WHO, WHS, 2015). Em 2000, a participação pública era de 44%; Foi graças à EC 29 de 2000 que o gasto com ações e serviços públicos de saúde passou de 2,95% do PIB em 2000 para os atuais 4,5%;
(Questão 1 o subfinanciamento crônico) Apesar desse crescimento a participação do gasto público brasileiro é inferior à participação do gasto público em países com sistemas universais (Espanha, 71,7% ; Portugal, 64% e Reino Unido, 84%) e, à participação média nos países de renda média alta (56,2%) Duas posições antagônicas e contraproducentes: (i) os que não acreditam que o SUS esteja subfinanciado, por não entenderem sua proposta ou por não compartilharem dos princípios do SUS; (ii) os que só lutam por mais recursos, sem admitirem os graves problemas de gestão existentes;
(Questão 2 para o SUS o ajuste chegou mais cedo com a EC 86/2015) O ajuste para o SUS começou antes, em março deste ano, com a aprovação da Emenda Constitucional 86/2015, que alterou o financiamento federal da saúde (a EC do Orçamento Impositivo); De acordo com esta emenda, o Governo Federal deverá aplicar no SUS percentuais crescentes da Receita Corrente Líquida (RCL), ao longo de 5 anos (13,2% em 2016 até 15% em 2020);
(Questão 2 Para o SUS o ajuste chegou com a EC 86/2015) O problema é que o SUS, com a retração da RCL, poderá ter em 2016, 2017... menos recursos federais do que teria pela regra anterior; Além disso, com a aprovação da EC 86/2015 seus defensores buscaram: desmobilizar a luta por 10% da RCB ou o seu equivalente de 18,7% da RCL; dificultar qualquer nova alteração no financiamento federal da saúde. A nova regra está na CF e exige quórum qualificado (de 3/5) para qualquer alteração;
(Questão 2 Para o SUS o ajuste chegou mais cedo com a aprovação da EC 86/2015) Com a nova regra perderam-se os recursos adicionais (royalties da exploração de gás natural e petróleo); serão incluídos no piso. As Emendas individuais de parlamentares passaram a ser impositivas (1,2% da RCL do ano anterior, sendo 50% para a saúde), ainda que o contigenciamento tenha incidido, sobre emendas e investimentos.
(Questão 3 A situação é mais grave para Estados e Municípios) Além do impacto sobre os recursos da União, o problema é mais preocupante nos estados e municípios, que hoje já financiam a maior parte dos gastos do SUS cerca de 57%. Com a EC 29 os recursos das três esferas cresceram mais de 1% do PIB entre 2000 e 2014; cresceram mesmo que para União e muitos estados o que deveria ser piso tivesse virado teto; Mas a EC 29 poderia ter melhores resultados, se a regulamentação não tivesse demorado tanto.
Evolução dos gastos com ações e serviços públicos de saúde das três instâncias de governo, 2000-2014 (Fonte:MS)
(Questão 3 A situação é mais grave para Estados e Municípios) Nos municípios os gastos com saúde estão explodindo: muitos municípios paulistas com mais de 50 mil habitantes já gastam mais de 30% da receita própria com o SUS. Há um descompasso muito grave, pelo menos no que se refere à área da saúde, entre o que cada esfera de governo gasta em saúde e sua receita disponível; A regra é clara: compete ao município prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população (CF, 30,VII) O que têm pressionado os gastos nos municípios?
DIVISÃO FEDERATIVA DA RECEITA TRIBUTÁRIA POR NÍVEL DE GOVERNO EM 2011 Fonte: Dados retirados da apresentação de José Roberto R. Afonso, na Academia Internacional de Direito e Economia, São Paulo, 21/5/2012
(Questão 4 Mesmo reconhecidamente insuficientes, os recursos públicos não vão só para o SUS) O financiamento público não se destina somente ao SUS que é o sistema a que toda população tem direito; se estende por meio de renúncia fiscal à compra privada de serviços de saúde; Também há renúncia fiscal para entidades filantrópicas e para medicamentos (mas estes casos são diferentes);
Questão 4 Mesmo que reconhecidamente insuficientes os s recursos públicos não vão só para o SUS) Para 2015 a renúncia na foi estimada em cerca de R$ 25 bilhões (PLO 2015). Desse total, R$ 4,2 bilhões com assistência médica, odontológica a empregados e R$ 11,8 bilhões com despesas médicas de pessoas físicas; O restante é renúncia derivada de isenções para entidades sem fins lucrativos (R$ 3,4 bilhões), Medicamentos (R$ 4,4 bilhões) e Produtos Químicos e Farmacêuticos (0,9 bilhão); A renúncia na assistência médica é criticável do ponto de vista distributivo. Mas nem todos percebem isso como um problema.
Questão 4 Mesmo que reconhecidamente insuficientes os s recursos públicos não vão só para o SUS) Entre os inúmeras propostas de redução de incentivos e subsídios, não existe no Congresso,atualmente, nenhum projeto de Lei propondo a redução da renúncia fiscal na assistência médica; Mas existem projetos propondo o aumento do mercado para os planos privados de saúde. É PEC 451/2014, de autoria do dep. Eduardo Cunha que propõe a acrescentar ao Art. 7 da CF como direito dos trabalhadores XXXV plano de assistência à saúde, oferecido pelo empregador, em decorrência do vínculo empregatício, na utilização dos serviços de assistência médica. Hoje, tudo é possível.
Propostas de mais recursos (1) Contribuição específica Para a saúde a criação de contribuição específica, uma nova versão da CPMF, é a proposta mais ventilada; Lembrar a experiência anterior: quando era vinculada à saúde, houve substituição de fontes; Começou como contribuição específica para a saúde em 1997. Em 2007, quando foi extinta, destinava-se à saúde (53%); à Previdência (26%) e ao Fundo de Combate à Pobreza (21%);
Propostas (1) Contribuição específica Costuma-se dizer que o SUS perdeu 40 bilhões ao ano sem a CPMF; Não perdeu, porque os recursos da CPMF já não eram mais exclusivos da saúde; Na verdade a CPMF servia mais às necessidades da área econômica do que ao MS; Para fazer sentido, a nova contribuição deveria ser adicional ao piso definido pela atual EC 86/2015.
Propostas (2) Diminuição da renúncia fiscal Diminuição da renúncia fiscal com despesas médicas de empresas e de pessoas físicas é de difícil aprovação; Mesmo que fosse feito, não haveria repasse direto para o SUS; Um limite, como se faz com a educação, teria o efeito pedagógica de demonstrar a real prioridade do orçamento público. Apenas isso! (Mas já seria muito); Contudo, a renúncia pode até aumentar (PEC 451/2014) Em 2015 o PL do Orçamento previa renúncias no total de R$ 250 bilhões; Com ajuste houve redução.
Propostas (3)Imposto sobre grandes fortunas Apesar de previsto da Constituição até hoje não andou. (Art. 153, VII, CF 88) Já foram propostos vários projetos, mas nenhum prosperou; As estimativas de receitas dependem do que seja definido como grande fortuna e a taxa; PLC de 2012 incidindo sobre 0,04% mais ricos (cerca de 10 mil famílias) daria R$ 6 bi ao ano, mas poderia chegar a muito mais;
Propostas - Outras DPVAT Seguro de danos pessoais por veículos automotores; Aumentar a taxação de cigarros, bebidas alcoólicas; Taxação herança Brasil taxa apenas 4%, em alguns países chega a 30% ou 40%; Contudo, o que se desperdiça de recursos é representativo, mas quase ninguém toca neste ponto; Certamente não resolveria o subfinanciamento do SUS, mas o desperdício, por problemas de gestão, é indecoroso na situação atual.
O SUS como prioridade Para ter mais recursos para a saúde pública, o país precisa crescer e saúde passar a ser prioridade de governo (o que não tem ocorrido); Para ter mais recursos, precisa mostrar, mais concretamente, que está tentando resolver seu problemas de gestão. Ex.: Brasília (cirurgias e tratamentos postergados, equipamentos não utilizados, compras inadequadas, etc);
O SUS como prioridade Para colocar o SUS como prioridade é necessário: (i) recuperar a participação de recursos federais no financiamento do SUS; (ii) estabelecer limites ao incentivo via renúncia fiscal à atenção privada sinalizando para a sociedade a prioridade dada ao SUS ;
Obrigado! sergiofpiola@gmail.com