Educação musical em contexto de tradição oral: experiência vivenciada em um grupo de capoeira angola, em Feira de Santana BA

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Transcrição:

Educação musical em contexto de tradição oral: experiência vivenciada em um grupo de capoeira angola, em Feira de Santana BA Jeanderson Bulhões UEFS bob_bulhoes@hotmail.com Resumo: O presente trabalho pretende descrever experiências vividas durante intervenções musicais em um grupo de Capoeira Angola, como atividade curricular do componente Estágio Supervisionado II, do curso de Licenciatura em Música, da Universidade Estadual de Feira de Santana. A pretensão foi promover um minicurso de percussão, cujo objetivo foi desenvolver a técnica instrumental e coordenação motora dos integrantes do grupo, aplicando-as à execução do ritmo Samba. Como suporte teórico, foi utilizado referencial que tange a abordagens da Educação Musical, da Etnomusicologia e da área da psicologia da música voltado para estudos e atuações do educador musical em contexto de tradição oral, assim como conceitos e premissas que abordam aspectos de coordenação motora e de técnica instrumental. Devido às especificidades do contexto, a metodologia utilizada para a transmissão do conhecimento foi baseada na oralidade, onde o conhecimento acontece apenas partir da (con)vivência com o contexto. Busco refletir também como a inserção do educador musical numa cultura de tradição oral pode contribuir para uma formação mais ampla, diversa e plural. Palavras chave: Educação Musical, Tradição oral, Capoeira Angola. Introdução A música é elemento inerente às sociedades. Geralmente, as dimensões das experiências sociais estão associadas e interligadas a ela numa profunda relação. Na capoeira, manifestação cultural de matriz africana, a música está também presente e cumpre um papel fundamental para a realização dos rituais, e por sua vez, possui uma estrutura sólida para os processos de transmissão do conhecimento musical. O Grupo de Capoeira Angola e Samba Rural Sementes do Sertão fica localizado na Universidade Estadual de Feira de Santana, na cidade de Feira de Santana - BA. As atividades realizadas pelo grupo não se caracterizam como extensão, acontecem na universidade pelo entendimento da importância dessa manifestação no espaço acadêmico. Além da Capoeira, o grupo tem como prática o Samba de roda, de estilo corrido, denominado Samba Rural, em que

são utilizados os seguintes instrumentos: tambor, pandeiro, caxixi, palma e canto. As cantigas são de caráter responsorial, puxadas pelos tocadores que estão no tambor, geralmente, os mais velhos, e são respondidas por todos que estão na roda. Este trabalho caracteriza-se como um relato de experiência de atividades desenvolvidas durante o componente curricular Estágio Supervisionado II, o qual foi planejado devido às dificuldades encontradas pelos integrantes do grupo. Como membro, percebi as dificuldades que eles tinham na execução dos instrumentos que compõem o ritmo samba. Assim, o objetivo central foi promover minicurso de percussão corporal e instrumental, visando desenvolver a técnica e coordenação motora dos integrantes do grupo, aplicando-as à execução do ritmo Samba. Para o desenvolvimento do minicurso foram realizadas atividades direcionadas para estimular a capacidade de memorização, concentração e assimilação corporais do ritmo. Por ter em seu cerne a oralidade, os processos de ensino e aprendizagem acontecem através da participação e (con)vivência com o contexto. Nesse caso, a transmissão do conhecimento musical é de responsabilidade do Treinel 1 Lupião, o qual conhece os toques de cada instrumento, sua importância e organização durante o acontecimento musical, bem como seus fundamentos, sejam eles filosóficos, musicais, históricos, entre outros. O minicurso só foi possível acontecer nesse contexto pelo fato de ser membro do grupo, pois este possui suas características particulares de ensinar os instrumentos e, devido a isso também, o acesso foi restrito apenas para integrantes. Como suporte teórico, foi utilizado referencial que tange a abordagens da Educação Musical, da Etnomusicologia e da área da psicologia da música voltado para estudos e atuações do educador musical em contexto de tradição oral, assim como conceitos e premissas que abordam aspectos de coordenação motora e de técnica instrumental. Diálogos entre essas áreas têm permitindo assim à abertura para os estudos de comunidades, culturas e etnias negadas historicamente, socialmente e culturalmente, contribuindo para a ampliação da 1 Denominação para a pessoa que atingiu o primeiro grau de formação, já autorizado a ensinar.

formação do educador frente às questões atuais, como interdisciplinaridade, multiculturalismo e diversidade. Inserção do educador musical numa cultura de tradição oral As atividades do Grupo de Capoeira Angola e Samba Rural Sementes do Sertão são realizadas na universidade há mais de três anos, numa sala localizada no pavilhão do curso de Educação Física, onde acontecem os treinos e a roda. Como o próprio nome já indica, o grupo compõe-se da prática dessas duas manifestações afro-brasileira, sendo que, as atividades propostas para a realização do minicurso foram voltadas para o desenvolvimento da execução dos instrumentos - tambor, pandeiro e caxixi - utilizados no samba, com exceção do canto que não foi trabalhado sistematicamente durante a oficina, mas que por pertencer ao conjunto musical, principalmente durante a culminância, foi agregado. Nesse estilo de samba, denominado corrido, [...] é comum o cantador principal do samba ser um solista. A resposta, que não recebe o nome de relativo, é cantada pelos participantes do samba, incluindo os integrantes dos grupos e os espectadores. As frases são curtas e repetitivas. (CARMO, 2009, p. 389). No samba, por ser uma manifestação cultural de tradição oral, os processos de ensino-aprendizagem se dão através da participação e (con)vivência com o contexto, desenvolvendo assim a capacidade de concentração, memorização, observação e imitação. No grupo Sementes do Sertão todo o conhecimento musical é fomentado oralmente, direcionado do professor para os demais, que conhece os toques de cada instrumento, assim como os fundamentos, importância e organização deles durante o acontecimento musical. É importante salientar que devido às questões hegemônicas da linguagem escrita, a oralidade, geralmente, é vista como inferior e passível de habilidades. Em contraponto a essa visão, a oralidade pode ser entendida [...] uma atitude diante da realidade e não a ausência de uma habilidade. (VANSINA, 2010, p. 140).

Diante a revisão bibliográfica consultada, tanto da área da Educação Musical quanto da Etnomusicologia, como também trabalhos que fazem interlocuções entre essas duas áreas, há um consenso entre os autores de que o processo de transmissão dos saberes musicais, em culturas de tradição oral, dar-se a partir da a observação, a imitação, a repetição [...] (ALMEIDA, 2009, p. 10). Especificamente no samba de roda, acontece o mesmo, onde a transmissão dos saberes no samba de roda é realizada através da observação e da imitação. (CARMO, 2009, p. 389). Por ser o membro mais velho do grupo, em caso de ausência do professor, fico responsável por dar a aula. Daí, pude então observar algumas dificuldades encontradas pelos membros na execução dos instrumentos, como a coordenação motora, andamento e dinâmica. Por esses motivos, decidi planejar as atividades de Estágio Supervisionado II, voltadas para tentar facilitar e desenvolver estas disposições musicais dos integrantes, já que este componente permite a inserção do educador musical em ambientes não escolares. Como exigência do componente curricular, o planejamento funciona como uma ferramenta organizacional que possibilita situar o educando com a realidade, buscando as vias mais adequadas para alcançar os objetivos pré-definidos, a partir de métodos, estratégias de ensino, permitindo a segurança necessária para que sua atuação seja eficiente. O planejamento é um processo que exige organização, sistematização, previsão, decisão e outros aspectos na pretensão de garantir a eficiência e eficácia de uma ação, quer seja em um nível micro, quer seja no nível macro (SILVEIRA, 2005, p. 1). Vale ressaltar que a compreensão particular e inserção nesse contexto sociocultural permitiu um planejamento mais eficaz, pois entendo que a música nesse ambiente não está desassociada da dança, da filosofia, principalmente do corpo, já que este é a expressão do diálogo presente na Capoeira, o que no projeto me fez atentar também para a utilização de mecanismos corporais, como a coordenação motora e a percussão corporal. Neste caso, [...] a oralidade e a capacidade auditiva de memorização dos alunos são bastante fortes, o que obriga os educadores a procurar outras possibilidades

de explorar os conteúdos musicais através de habilidades múltiplas incluindo o corpo, aspectos cênicos e a criatividade. (LÜHNING; CANDUSSO, 2014, p. 2). Pensar o planejamento para o desenvolvimento de atividades em cultura de tradição oral exige do educador o conhecimento das especificidades da manifestação na sua complexidade, ou seja, um olhar holístico, um olhar mais cuidadoso para compreender melhor as minúcias dessa cultura para as singularidades e pluralidades do contexto, como afirma Queiroz, O educador musical, para compreender seu campo de estudos e para atuar como professor de música na contemporaneidade, precisa estar atendo à complexidade de questões que permeiam a música artística, social e culturalmente. Consequentemente, deve ser capaz de trilhar e de (re)definir caminhos epistêmicos e metodológicos (inter)agindo, de forma contextualizada, com a dinâmica que diferentes culturas estabelecem para estruturar, valorar e transmitir seus conhecimentos musicais (QUEIROZ, 2004, p. 2). Refletindo sobre o papel do educador musical na contemporaneidade - frente às questões atuais, como multiculturalismo, pluralismo, diversidade - a abertura para os estudos de comunidades e etnias negadas historicamente, socialmente e culturalmente, tem contribuído bastante para a ampliação da formação do educador, pois possibilitam outras formas de transmissão do conhecimento musical, de métodos, outras compreensões de música. [...]o multiculturalismo indica para a educação musical e, de modo mais amplo, para o ensino de arte, é a necessidade de trabalhar com a diversidade de manifestações artísticas, considerando a todas como significativas, inclusive conforme sua contextualização em determinado grupo cultural. (PENNA, 2005, p. 14). Relato das atividades O minicurso teve duração de 16 horas, dividido entre quatro sábados, no turno da tarde, das 14h00min às 18h00min, e a participação nas aulas, como já dito anteriormente, foi

restrita às pessoas que compõem o grupo. O espaço físico, materiais didáticos e instrumentos foram disponibilizados pelo próprio grupo. Para o desenvolvimento das atividades foram realizados inicialmente exercícios de aquecimento para a preparação corporal com alongamentos e movimentos acrescidos de exercícios que trabalham a percepção e andamento. Em seguida, exercícios de independência rítmica que trabalham a coordenação entre pés, mãos e voz, com a utilização de sons corporais como tipos de palmas e estalos de dedos, utilizando representações dos sons dos instrumentos no próprio corpo. Os ritmos motores são manifestações voluntárias, que podem ser vistas em diversas tarefas que envolvam coordenação unimanual, bimanual ou intermembros, como por exemplo, na dança e atividades de acompanhamento musical. A tarefa rítmica requer do executante uma representação interna do padrão temporal do evento percebido. (PARKER, 1992; apud PELLEGRINI et al., 2005, p. 181). O primeiro passo dado foi solicitar que os participantes se organizassem em formato de roda para que pudesse apresentar o objetivo do minicurso e a metodologia a ser usada no processo. Fiz uma abordagem rápida sobre duas propriedades do som que daria suporte às possíveis resoluções dos problemas, que foram reconhecidas pelos próprios intregantes do grupo: intensidade e timbre; mostrando e identificando com exemplos de situações que ocorriam na roda de samba. As atividades realizadas nas quatro aulas do minicurso tiveram uma organização bem parecida em relação a sequência das atividades, mudando apenas algumas dinâmicas. As aulas eram iniciadas sempre com alongamentos utilizados, em sua maioria, pelo grupo antes do início das aulas; dinâmicas corporais, exercícios de técnica e por fim, a culminância com a roda de samba. A primeira a ser feita foi a chamada flecha, onde os participantes tinham que marcar o pulso binário com os pés. O pé esquerdo representava sempre o tempo 1(forte) e o direito o tempo 2(fraco), e com as mãos aponta-se para a pessoa que for escolhida para passar a vez. Por

último, era passado a vez nos dois tempos, respectivamente, tempo 1 e tempo 2. No caso, a pessoa recebe no tempo 1 e repassa no tempo 2. Na segunda atividade montei um gráfico que continha informações para a utilização da mão direta, mão esquerda, pé direito e pé esquerdo, arrumados nessa mesma ordem de cima para baixo. Com o agogô, eu marcava o andamento e a cada pulso eles executavam o que tava sendo representado no gráfico. Quando o quadrado esta marcado produziam som, quando estava vazio, era silêncio. O som a ser produzido pelas mãos era executado no peito, e o dos pés era no chão, de acordo com o que estava representado no gráfico. Inicialmente foi trabalhada separadamente a linha rítmica das mãos, depois os pés, e por fim, tinham que ler as mãos e os pés, simultaneamente. Poucos conseguiram fazer a sequência rítmica completa. A terceira atividade denominada Samba corporal foi a que os participantes mais gostaram, porque conseguiam produzir um som no corpo que se assemelhava e era simbolicamente parecido com o do instrumento representado, o que segundo eles, facilitava a memorização, podendo ser executado em qualquer lugar durante o cotidiano. Essa atividade acontece em formato de roda, aonde todos marcavam o pulso com os pés; depois eles percutiram no corpo a rítmica do tambor, estalando os dedos para representar o sleep 2 e a batida no peito para representar o open 3. Posteriormente, fazer juntamente a rítmica do caxixi utilizando a voz. Em seguida, dividi o grupo em três, cada grupo com um tipo respectivo de instrumento, para a realização dos exercícios de técnica instrumental. Foram trinta minutos de cada instrumento, totalizando 1h e 30 min de técnica instrumental. Dois conceitos de técnica que perpassam pela finalidade desse trabalho é o de Castello (2012), em que o entendimento dela aborda o uso ou aquisição de habilidades, abrangendo os processos de construção de respostas, seja musculares ou de formas de raciocínio e o de Heidegger (2001 apud CASTELLO, 2012, p. 17) no qual o autor traz a técnica com uma 2 Termo inglês que significa fechado, utilizado comumente para referir-se a um som preso 3 Termo inglês que significa aberto, utilizado comumente para referir-se a um som solto

abordagem estrutural e antropológica, [...] uma diz: a técnica é um meio para um fim. A outra diz: técnica é uma atividade do homem. Para desenvolver a técnica no tambor, os primeiros exercícios foram de relaxamento. Era sempre mostrado como se faz, daí, a partir da observação eles repetem, bastando apenas acompanhar para poder ajustar o que fosse preciso. Levam-se as duas mãos alternadamente ao tambor levemente para sentir o peso do braço; sentir a pele, o diâmetro, do instrumento. Em seguida, eram propostos os exercícios de open e sleep, duas formas diferentes de produzir o som do instrumento, alternando as duas mãos buscando obter um som equânime. Depois, utilizaram o open e o sleep para a execução da célula rítmica do samba corrido, já conhecidos por eles. No pandeiro, as atividades tiveram objetivo de trabalhar o fortalecimento e flexibilidade do pulso, seguido dos exercícios para tirar o som aberto equalizado, executado apenas no tempo 1, e para obter o som fechado, executado apenas no tempo 2; por último a execução da rítmica do samba corrido. No caxixi, movimentar para frente no tempo 1 e para trás no tempo 2; também seguido da rítmica do samba. Durante todo esse processo, eu ia falando a eles sobre a importância da respiração, do relaxamento para não causar lesões e cansasos quando estiverem executando os instrumentos. Em seguida, revezavam-se as equipes de forma que todos os participantes tivessem passado pelos três instrumentos. Nesses exercícios a maior dificuldade era manter o pulso. Eu contribuia as vezes marcando o pulso e o andamento com o agôgô. Como avaliação foi utilizada a gravação de áudio e vídeo no início e no término, como intuito de comparar as mudanças ocorridas com a participação no minicurso, o depoimento dos participantes sobre o que eles acharam e o que eles aprenderam com o minicurso e, a culminância com roda de samba. Considerações finais Trago como conclusão, primeiramente, dois fatores principais que influenciaram bastante para o desenvolvimento na prática desse trabalho, que são: a importância de

conhecer o contexto a ser trabalhado, de entender como se dá o processo de transmissão dos conhecimentos, neste caso específico, musicais, tanto do samba quanto da capoeira, e a importância do planejamento do plano de curso. Isso porque percebi que há uma interligação complexa entre esses dois fatores, pois o fato de conhecer o contexto ajudou no planejamento, assim como o planejamento contribuiu para a desenvoltura da aula, acontecendo o mais próximo do objetivo pretendido. As atividades que foram executadas antes dos exercícios de técnica instrumental foram de extrema importância para, a partir de outras relações, principalmente com a utilização do corpo, facilitar o entendimento, já que não se teve nada escrito, da execução da rítmica de cada instrumento, resultando numa execução mais suave, mais dinâmica, mais limpa, assim como o estímulo, a interação entre os participantes, a concentração, entre outros. Ao final, três pessoas participaram efetivamente da oficina que eram novas no grupo e que não tocavam nenhum instrumento na roda de samba, com dificuldades até para bater palma e cantar. Destas, duas terminaram o minicurso tocando caxixi e a outra, caxixi e pandeiro. Quem era mais velho e já tocava conseguiu aperfeiçoar a sua prática instrumental e se atentar para fatores como: manter o andamento, respirar de forma cautelosa, pensar na tensão, no relaxamento, na intensidade em que se toca. Ressalta-se importância da escolha dos critérios para a avaliação, condizentes com a proposta de trabalho. No caso, como os processos de ensino e aprendizagem estão fundamentados na oralidade, a avalição só se dá na vivência do participante no minicurso. A gravação do áudio-vídeo permitiu enxergar detalhes referentes à postura, a execução dos instrumentos, possibilitando desse modo a análise do vídeo e sucessivamente comentar com a pessoa que estava fazendo algo que se pretendia corrigir com o desdobramento do minicurso, como também a auto avaliação do educador frente a sua prática, como a avaliação dos participantes para o educador. O convívio, a inserção do educador musical com uma cultura de tradição oral, a noção de tempo difere da forma cartesiana ocidental, contribuem para ampliar a percepção sobre o

contexto que tem em seu cerne a oralidade, exigindo um olhar holístico e respeitoso para a compreensão das minúcias que estão imbricadas nessa cultura, assim como outras formas e metodologias para obter o foco principal, que é a relação dialética entre ensino e aprendizagem.

Referências Bibliográficas ALMEIDA, J. L. S. Ensino e aprendizagem dos alabês: uma experiência em nos terreiros Ilê Axé Oxumarê e Zoogodo Bogum Malê Rundo. Salvador: UFBA, 2009. 279 p. Tese Programa de Pós- Graduação em Música, Universidade Federal do Estado da Bahia, Salvador, 2009. CARMO, R. A. M. L. A performance musical do samba de roda do Recôncavo Baiano. In: XIX Congresso da Associação de Pesquisa e Pós Graduação em Música- ANPPOM, 2009, Curitiba. Anais do XIX da ANPPOM, Curitiba, 2009. CASTELLO, B. M. Reflexões sobre música e técnica. EDUFBA: Salvador, 2012. LÜHNING, A. E.; CANDUSSO, F. M. C.. Trocando experiências: relações entre educação musical, etnomusicologia e contextos culturais na percepção de educadores sociais na Bahia. In: XXIV Congresso da ANPPOM, 2014, São Paulo. Anais do XXIV Congresso da ANPPOM. São Paulo, 2014. PELLEGRINI, A. et al. Desenvolvendo a coordenação motora no ensino fundamental. In: vários coordenadores. (Org.). São Paulo: UNESP, 2005, v. 1, p. 177-190. PENNA, M. Poéticas Musicais e Práticas Sociais: reflexões sobre a educação musical diante da diversidade. Revista da ABEM, Porto Alegre, v. 13, n. 13, p. 7-16, 2005. QUEIROZ, L. R. S. Educação musical e etnomusicologia: caminhos, fronteiras e diálogos. Opus, Goiânia, v. 16, n. 2, p. 113-130, 2010. SILVEIRA, R. L. B. L.. Planejamento de Ensino: peculiaridades significativas. Revista Iberoamericana de Educación, Buenos Aires, n. 37/38, p. 1-6, 2005. VANSINA, J. Metodologia e pré-história da África. In: História geral da África, vol. I / Joseph Ki Zerbo. 2.ed. rev. Brasília : UNESCO, 2010. p. 139-166.