Apontamentos a Respeito do Papel dos Avós no Cotidiano Escolar de Crianças do Ensino Fundamental



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Transcrição:

Apontamentos a Respeito do Papel dos Avós no Cotidiano Escolar de Crianças do Ensino Fundamental Profa. Dra. Rosa Maria da Exaltação Coutrim (orientadora) Pesquisadora do Núcleo de Estudos Sociedade, Família e Escola DEEDU/ICHS/UFOP Ivonicléia Gonçalves Boroto (PIVIC) DELET/ICHS/UFOP Iara de Oliveira Maia DEHIS/ICHS/UFOP Lívia Carolina Vieira (PIVIC) DEHIS/ICHS/UFOP Introdução As famílias vêm se modificando ao longo dos anos e o papel desempenhado por cada membro do grupo tem se alterado não apenas no Brasil, mas no mundo todo (GOLDANI (2002); BERQUÓ, OLIVEIRA e CANEVAGHI (1990)). Assim como os idosos, as crianças também têm desempenhado papel importante na família, constituindo-se em membros ativos e com voz nas decisões familiares e a educação dos pequenos tem se tornado uma preocupação maior nas últimas décadas. No caso dos idosos a maior longevidade proporcionada pela melhoria nas condições de existência tem possibilitado uma participação maior destes na sociedade (DEBERT,1992) e isso se reflete na organização familiar. Hoje os idosos estão mais ativos e atentos às transformações locais e mundiais do que há duas décadas e participam efetivamente não apenas da organização familiar, mas também do mercado de trabalho. As transformações ocorridas neste grupo geracional não têm impedido, contudo, que os idosos ainda sejam considerados um ponto de referência familiar em situações como divórcios, gravidez fora da união estável, desemprego ou em outros momentos de dificuldade econômica ou emocional de seus filhos. Por outro lado, a crescente inserção da mulher no mercado de trabalho provoca, em muitos casos, a transferência do papel de cuidador, tradicionalmente ocupado pela mãe, para outras pessoas, reforçando assim a necessidade de arranjos familiares com o fim de manter o cuidado da criança e seu acompanhamento escolar. Entre as famílias de

2 baixa renda, os limites orçamentários dificultam a contratação de pessoas externas à família para o desempenho desta tarefa. Neste caso, os avós (principalmente as avós) ocupam importante função na organização da casa e no cuidado das crianças em idade escolar (OLIVEIRA, 1993). Com baixos níveis de instrução (CAMARANO, 1999) os idosos cuidadores encontram dificuldades na tarefa de auxiliar as crianças nos deveres escolares e, além disso, a grande diferença geracional pode tornar-se um obstáculo para a comunicação e interação entre estas crianças e seus cuidadores. Tem-se, contudo, a hipótese de que os avós podem contribuir para o desempenho escolar e para a formação do caráter da criança na medida em que, por meio de histórias, casos e do ensino de tarefas e valores importantes para a constituição do cidadão, o idoso auxilia na formação do caráter do indivíduo oferecendo à criança elementos que facilitem a sua socialização e o seu relacionamento na escola. Certamente o processo de educação informal pode ocorrer em várias direções e neste movimento, os avós aprendem com os netos ensinamentos trazidos da escola. Partindo-se do princípio de que avós e netos são aprendizes e educadores em sua convivência diária, buscou-se compreender o papel das relações intergeracionais avós-netos na trajetória escolar das crianças segundo os seguintes objetivos. Pesquisar quais ações praticadas e valores passados pelos avós aos netos Compreender o papel das relações intergeracionais avós-netos na trajetória escolar das crianças As pesquisas relativas ao fracasso escolar não são recentes (NOGUEIRA, 1991) porém, são escassas as investigações que têm como tema os fatores que levam as crianças de baixa renda ao sucesso em sua trajetória escolar e o papel da família nesta trajetória. Raros também são os estudos brasileiros que abordam a relação entre crianças e avós e a influência que os primeiros têm na formação dos pequenos. Este estudo tem um caráter inovador pois possibilita a realização de estudos comparativos entre o universo das escolas públicas e das escolas privadas, ou mesmo entre cidades e países, atuando, dessa forma, na busca de mecanismos que promovam o sucesso escolar das crianças, sejam elas de baixa renda ou não, por meio da relação intergeracional.

3 Ao investigar o universo dos idosos cuidadores, a pesquisa também contribui para a maior compreensão deste grupo etário que ainda é desconhecido enquanto agregador de valor à família e também para a compreensão da relação de apoio mútuo e conflito entre gerações ao enfocar a colaboração dos netos para a manutenção da autonomia e atividade dos avós (OLIVEIRA, op.cit). Metodologia A pesquisa seguiu a abordagem qualitativa, pois o que se desejava era compreender como se dão as relações entre os dois grupos etários, seus conflitos e trocas de conhecimento e afetividade. Dessa forma, a investigação pode ser classificada predominantemente como exploratória, pois o tema é novo e, até o momento, não foi encontrado estudo semelhante no Brasil, embora a mesma apresente características de pesquisa explicativa. Foram escolhidas para a pesquisa crianças da 1ª a 4ª séries do ensino fundamental, incluindo a fase introdutória, porque crianças nesta idade ainda demandam um cuidado maior por parte dos adultos, principalmente nos deveres escolares. Os informantes foram selecionados em duas escolas públicas localizadas em bairros com características diferentes. A primeira escola é municipal e localiza-se em um bairro de periferia da cidade. A segunda escola é estadual e está situada no centro de Mariana e é, reconhecidamente, uma escola bem conceituada no município. Inicialmente foi feito um levantamento nas escolas junto aos professores e diretores para melhor conhecimento o universo a ser pesquisado. Para isso foram feitas entrevistas com os diretores e aplicados questionários semi-estruturados aos professores. Os questionários dos professores tiveram o objetivo de investigar como é, na escola, o comportamento e a vivência dos alunos cuidados pelos avós em comparação aos demais. Em um segundo momento, foram aplicados questionários aos alunos que são cuidados pelos avós com o objetivo de compreender como são travadas as relações domésticas, como é a estrutura familiar e como é o desempenho de cada um na escola. Nas duas escolas foram aplicados 75 questionários aos alunos e 26 aos professores. Na primeira escola foram encontrados 14 casos de crianças criadas por avós ou que convivem diariamente com os mesmos e cinco professores. Na escola localizada

4 na região central foram encontrados 61 crianças nesta situação e 21 professores que têm alunos inseridos nestes casos. Os questionários foram tabulados e analisados e, em um segundo momento da pesquisa, serão realizadas entrevistas com algumas famílias de alunos a fim de se investigar como se dá a relação de autoridade e afeto entre avós, pais e netos e também para se conhecer o universo familiar da criança. Resultados Entre os 26 professores que responderam os questionários a maioria declarou que não existe diferença de comportamento em sala de aula entre as crianças que têm os avós como educadores ou co-educadores, contudo, na escola de periferia, dos seis questionários aplicados, cinco professores afirmaram que o grupo observado apresenta comportamento diferenciado, embora não seja apontado nenhum caso extremo. Ainda na seqüência desta questão os professores foram interrogados a respeito do comportamento destes alunos fora da sala de aula e, neste caso apareceram respostas que apontam que tais crianças possuem comportamento diferenciado dos outros por serem mais mimados, são inquietos e inseguros. Respostas como estas representaram 36% dos casos embora apenas uma professora tenha dito que as crianças criadas por avós tenham problemas de relacionamento com os colegas. O desempenho escolar destes alunos foi apontado pela totalidade dos professores como variável, o que significa que tais crianças não se diferenciam das demais no que diz respeito às notas e aos deveres e tarefas passados em sala. Interessante notar que na escola de periferia todos os cinco professores que responderam o questionário alegaram que as crianças que têm convívio intenso com os avós são super protegidas, são carentes de afeto ou inseguras. No caso da escola localizada na região central da cidade, apenas quatro dos 21 professores apontaram tais características. Uma possível explicação para tal discrepância pode estar no meio no qual a criança está inserida, isto é, no fato da primeira escola atender a uma clientela com renda mais baixa, possuindo, consequentemente, diversas carências. No geral 66,7% dos professores entrevistados não entendem que o convívio intenso das crianças com os avós influencia negativamente aos pequenos, o que se reflete no bom relacionamento com os colegas.

5 Ainda segundo a maioria dos professores os avós participam das atividades oferecidas pela escola como festas e reuniões de pais e somente não comparecem quando a mãe ou o pai assumem esta responsabilidade. Com a aplicação dos questionários aos alunos foi possível perceber que as famílias destas crianças apresentam arranjos bastante diferentes. Algumas delas vivem somente com os avós, outras, com os avós, tios e/ou primos e irmãos, e outras ainda vivem também com suas mães. Apenas 16% das crianças vivem com o pai e, dentre estes casos, a maioria tem a mãe junto. Chamou a atenção o fato de que na escola da periferia nenhuma das crianças mora com o pai e, no geral estas crianças são filhas de pais separados que vivem em outra cidade. Existem situações em que os avós são os únicos provedores do domicílio e os pais não pagam pensão e nem visitam a criança, o que gera manifestações de revolta e mágoa nos pequenos. Somente duas professoras alegaram que os alunos criados pelos avós não trazem seus deveres de casa em ordem, o que significa que mesmo sem a presença dos pais os alunos possuem certo rigor e disciplina no cumprimento das obrigações escolares. Entretanto, os avós quase não se envolvem com os deveres da escola e existem crianças que afirmam que o dever de casa é um ato solitário. Comprovando a teoria, a baixa escolaridade dos avós foi um dos motivos apontados pelas crianças para a falta de apoio direto dos avós nos deveres, mas as crianças revelam também que existem outros motivos para isso, como a falta de tempo dos avós, devido às tarefas domésticas, o trabalho fora de casa (muitos avós ainda trabalham), entre outros. É certo que tais argumentos dos mais velhos para não ajudarem nas tarefas escolares dos netos não excluem a possibilidade destes não terem escolaridade ou atualização necessária para ajudar as crianças, porém este apoio pode vir de forma indireta. Quando surgem dúvidas nos deveres e trabalhos escolares as famílias lançam mão de diversas estratégias. Nesta hora entram em cena diversos amigos e parentes com tempo e conhecimento disponíveis como vizinhos, primos, tios, madrinha, amigos da avó, mãe e irmãos, formando, assim uma rede de solidariedade em prol do bom desempenho escolar da criança. Apenas um aluno se autoclassificou como mau aluno. Os demais se julgam bons alunos ou mais ou menos e os motivos foram diversos como: a professora não o(a) repreende, faz o dever quase sempre, é bonito, não briga com os colegas, às vezes não é muito legal, etc. Este dado revela que tais crianças têm autoestima elevada e

6 acreditam que, mesmo cometendo alguns atos que não são considerados corretos pela professora ou pela família, podem ser considerados bons alunos. O relacionamento com os colegas também foi considerado positivo. Todos os entrevistados afirmaram que se dão bem com todos ou alguns colegas na escola. Este dado demonstra que o processo de socialização destas crianças tem ocorrido de forma satisfatória e é possível que a causa disso seja o convívio intenso com irmãos, primos, tios e vizinhos. A pesquisa revelou também que a educação dada pelos avós de alguma forma tem oferecido instrumentos de socialização e participação social, possibilitando assim a integração da criança nos grupos. Os avós são apontados, na maioria dos casos, como as pessoas mais importantes na vida das crianças e é também possível perceber, pelas respostas das mesmas, que a relação entre avós e netos não é permissiva e destituída de autoridade. A grande maioria das crianças recebe algum tipo de repreensão quando tira notas baixas. Dentre as coisas ensinadas pelos avós, destaca-se o serviço doméstico. Somente 16% das crianças não apontaram tais tarefas como atividade cotidiana e em todos os casos as crianças, gostem ou não, têm que auxiliar na manutenção da casa, independente de idade e sexo. Tais tarefas modificam-se de acordo com a idade, sendo que os menores têm deveres como arrumar a cama, varrer e ajudar a lavar quintal. Já os mais velhos são iniciados na preparação de alimentos e, a maioria, já sabe cozinhar. As crianças apontam comportamento de autoridade dos avós e também a existência de conflitos com os mesmos, principalmente por dispersarem dos seus deveres, sejam as tarefas domésticas ou da escola. Os avós são mais rigorosos quando os deveres escolares não são feitos e as notas são baixas e o comportamento dos mais velhos varia entre a correção por meio do discurso ( xingar ), da privação (castigos como ficar sem ver TV, sem jogar vídeo game, sem ir brincar) e da correção física ( tapinhas ). Os avós também são apontados como pessoas carinhosas que preparam os alimentos preferidos das crianças, brincam e contam histórias de quando eram mais novos. Os conselhos também foram apontados como ensinamentos passados pelos avós como respeito aos professores, respeito aos mais velhos, não brigar, não levar desaforo para casa, entre outros. Tais ensinamentos têm fundo moral e também ensinam regras sociais de convivência em um ambiente que pode ser hostil em determinadas situações.

7 Análise dos Resultados Os dados ora apresentados demonstraram que a maioria dos professores não observam comportamentos diferenciados do grupo de crianças cuidadas pelos avós em relação às demais, nem dentro e nem fora de sala de aula. Tais resultados desmistificam a idéia do senso comum de que os avós mimam os netos e que estabelecem com eles uma relação de permissividade na qual os limites são frouxos. O papel dos avós é bastante claro e se torna semelhante ao dos pais quando os mesmos não estão presentes. Foi possível notar também pelos questionários, que os ensinamentos passados pelos mais velhos oferecem aos mais jovens elementos necessários para a vida em sociedade e preparam para a vida adulta, como é o caso dos pequenos serviços domésticos aos quais são iniciados desde pequenos. Neste caso vale assinalar que não é possível fazer um recorte de gênero por enquanto, pois tanto meninos quanto meninas afirmam que algum serviço doméstico eles já são capazes de fazer e efetivamente os fazem, sob a supervisão dos avós. Outros ensinamentos também são passados por meio de conversas, orações, histórias de vida e brincadeiras que apresentam um fundo moral e um alerta para o que chamou-se de perigos do mundo como as drogas, a falta de uma profissão e a marginalidade. As famílias, em sua maioria, são extensas e além dos avós existem tios, primos, irmãos habitando o mesmo domicílio. No caso da escola localizada no centro da cidade a presença dos pais na família é maior, porém, nas duas escolas foram constatados casos de abandono por parte dos pais que mudaram-se do município, do estado e até do país e, frequentemente, vivenciam o segundo casamento. Por isso, os avós representam muito para estas crianças que têm nos mais velhos sua referência de afeto e limites durante sua preparação para a vida adulta. Muitos declaram que os avós dão presentes e fazem gestos de carinho como preparar a comida preferida, porém dizem que os avós batem, xingam ou colocam de castigo quando as regras domésticas não foram seguidas. As crianças legitimam tais atos e acham que é o melhor para elas, embora não neguem que são objeto de conflito entre avós e netos. Ao contrário do que possa parecer, a educação escolar é bastante valorizada pelos mais velhos, que percebem aí um caminho para a ascensão social, e, embora não acompanhem diretamente os deveres escolares dos netos, definem estratégias para estes sejam feitos como pedir ajuda a vizinhos, amigos, outros filhos, etc. Além disso, os avós

8 acompanham o desempenho escolar das crianças e deixam de comparecer em festas e reuniões na escola quando os pais se encarregam de tal tarefa. Conclusão Com base nos resultados obtidos pode-se concluir que os avós não apresentam um comportamento diferente dos pais quando estes estão ausentes na vida da criança. Os limites e o acompanhamento diário dos pequenos é feito na medida do possível e para que estes obtenham sucesso escolar os avós apelam para uma rede de solidariedade que envolve pessoas da família e da comunidade. Isso demonstra a importância que a educação tem para estas pessoas que, mesmo depois de ter os filhos já adultos, são chamadas à reiniciar o processo de educação de crianças, muitas vezes abandonadas pelos próprios pais. Muitos avós ainda trabalham para manter a família que geralmente é extensa. Esta mesma família oferece suporte emocional aos mais novos, no caso do papel de mãe a avó torna-se sua substituta e, principalmente o de pai, são os avós e tios solteiros que ocupam seu lugar. As crianças não apresentam comportamentos discrepantes dos demais alunos das escolas estudadas, o que revela que, mesmo diante da organização familiar diferenciada das crianças que convivem com os pais, os informantes possuem estrutura psíquica e material para obter um bom desempenho escolar e uma socialização dentro dos padrões. Dessa forma, a hipótese de que os avós podem contribuir para o desempenho escolar e a formação do caráter da criança na medida em que, por meio de histórias, casos e o ensino de tarefas e valores importantes para a constituição do cidadão, o idoso auxilia na formação do caráter do indivíduo oferecendo à criança elementos que facilitem a sua socialização e seu relacionamento na escola foi comprovada. Em um segundo momento, serão realizadas entrevistas nas casas de aproximadamente dez crianças selecionadas a fim de se observar como se dá o relacionamento familiar e a valorização dos estudos pela família. Referências BERQUÓ, Elza; OLIVEIRA, Maria C.; CAVENAGUI, Suzana M. Arranjos Familiares Não Canônicos no Brasil. In: V ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 1990, São Paulo. Anais do V Encontro Nacional de Estudos Populacionais, São Paulo, 1990. P. 99-135.

9 CAMARANO, Ana A.; EL GHAOURI, Solange K. Idosos Brasileiros: que dependência é essa? In: CAMARANO, Ana (org) Muito Além dos 60: os novos idosos brasileiros. Rio de Janeiro: IPEA, 1999. DEBERT, Guita G. Família, Classes Sociais e Etnicidade: Um balanço da bibliografia sobre a experiência de envelhecimento. Rio de Janeiro, nº 33, p. 33-49, 1º semestre de 1992. GOLDANI, Ana Maria. Família, Gênero e Políticas: famílias brasileiras nos anos 90 e seus desafios como fator de proteção. Revista Brasileira de Estudos de População, Belo Horizonte, v. 19, nº 1, p. 29-48, jan./jun. 2002. NOGUEIRA, Maria Alice. Trajetórias Escolares, Estratégias Culturais e Classes Sociais: notas em vista da construção do objeto de pesquisa. In: Revista Teoria e Educação. 1991, Vol.3, p.89-112. OLIVEIRA, Paulo de S. Vidas Compartilhadas: o universo cultural nas relações entre avós e netos, 1993. Vol. 1. Tese de Doutoramento Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1993.