AS ARGUMENTAÇÕES DA HISTORIOGRAFIA DE ROBERTO LEVILLIER E DE LUIS FERRAND DE ALMEIDA SOBRE A DESCOBERTA DO RIO DA PRATA EM 1501-1502

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Transcrição:

AS ARGUMENTAÇÕES DA HISTORIOGRAFIA DE ROBERTO LEVILLIER E DE LUIS FERRAND DE ALMEIDA SOBRE A DESCOBERTA DO RIO DA PRATA EM 1501-1502 1. Introdução ANSELMO ALVES NEETZOW Professor da Universidade Federal de Santa Maria anselmoan@gmail.com No contexto das descobertas das terras do Novo Mundo, como é sabido, os principais reinos da Península Ibérica disputaram, de forma bastante acirrada, a posse delas. Com isto, inúmeros termos e tratados para que tais questões fossem resolvidas foram firmados desde as primeiras expedições até quando a divisão das terras já parecia ter sido assunto já definido entre as Coroas. Dentre os documentos que foram sendo gerados com o decorrer dos anos um dos mais conhecidos é o Tratado de Tordesilhas. Como é de conhecimento geral Portugal e Espanha faziam uso dele para argumentar suas possessões na América mesmo mais de dois séculos passados da assinatura do mesmo. Dentre as obrigações do mencionado tratado estava à demarcação das terras pertencentes aos reinos Portugal e de Espanha em escala mundial, portanto, caberia as coroas realizarem expedições para este fim. Com isto, expedições foram realizadas durante alguns anos, entretanto, as demarcações das terras não ficaram bem definidas o que repercutiu em mais disputas. 1 Neste contexto, o conceito que surge nas documentações é o de descoberta e/ou descobrimento ou simplesmente achar/achamento. Estas palavras ou conceitos surgem diferentes fontes desde cartas, diários de bordo, registros e em tratados de delimitações de fronteiras e posses. Com isto, tiveram suas diferenças durante os percursos tomados pela historiografia e, por conseguinte, os pesquisadores a discutiam para melhor esclarecer os acontecimentos sobre o tema. Neste contexto o Rio da Prata se insere e pesquisadores de diferentes nacionalidades ao publicarem as suas explicações acabam por ter que definir o uso destas palavras como é caso de Roberto Leviller e Luis Ferrand de Almeida. O primeiro é argentino e o segundo é português e o tema por eles debatido é a presença européia no Rio da Prata numa expedição sob a bandeira portuguesa

chefiada por Américo Vespúcio com data de 1501-1502. Esta discussão acabou por gerar outras principalmente sobre a quem pertence à primazia européia na região platina. Para uma identidade portuguesa, defender a idéia de que eles foram os primeiros a chegar e tomar posse da região do Prata parece bastante evidente, porém nem sempre foi assim. A defesa de uma nacionalidade a partir dos feitos da época da expansão foi uma constante na historiografia lusa, entretanto, o cientificismo da argumentação é que ocasionou a discussão entre o pesquisador argentino e o português. O objetivo aqui é demonstrar esta discussão, uma vez que, tanto o historiador europeu quanto o sulamericano acabaram utilizar a mesma fonte para as suas argumentações e explicações e, por conseguinte, criaram escolas de pensamento e com isto as suas idéias refletiram sobre outros pesquisadores dedicados ao tema em ambos os lados do Atlântico. 2. Achar, Descobrir e a Tomada de Posse: Conceitos surgidos com a expansão européia ao Novo Mundo 2 Aos nos depararmos com a História da expansão européia no período moderno com toda a certeza nos saltam aos olhos tais palavras. Com isto, a semântica das mesmas será bastante restrita, porém o conceito e suas implicações para a historiografia apresentam-se de forma bastante variável e ao mesmo tempo carregada de significado. Para exemplificar o que está se querendo dizer aqui convido a seguinte reflexão. No Brasil, não raras vezes, ao fazer a alusão da chegada dos europeus no Novo Mundo ouve-se com toda a clareza a palavra invasão. A argumentação que justifica para o uso do vocábulo é que a população autóctone, ao vivenciar o mencionado fato, teria em seus sentimentos a sensação de que as suas terras estavam a ser invadidas por uma população a eles muito desconhecidas. Nisto fica claro, conforme referido anteriormente, o conceito do vocábulo bem carregado de significado que vão muito mais além do conteúdo semântico. Além do que, ainda segundo o mesmo exemplo, a noção de opressor e oprimido também está presente na bagagem conceitual da palavra.

As palavras descobrir e achar também revela uma pluralidade de significados que faz com que algumas reflexões sejam importantes de serem feitas. Em primeiro lugar temos o termo descobrir. Na época em que as navegações estavam em plena atividade e que mundos novos estavam começando a fazer parte, também, do imaginário do Velho Mundo o descobrir tinha um significado diretamente relacionado ao processo vivenciado. Descobrir implicava as seguintes ações: Em primeiro lugar, chegar a um local, saber retornar ao ponto de origem e ir ao local novamente. Como conseqüência direta, este novo local não deveria fazer parte do conhecimento mundial, pois ao passo que a divulgação legitimava a descoberta. Nisto, em algumas fontes da época vemos primeiramente a palavra achar sobre um determinado local, uma vez que, achar uma terra não significava, de imediato, a sua descoberta. Por fim, conforme o título deste item, a tomada de posse de local era o ultimo passo do processo, uma vez que, ao caracterizar a descoberta, ou seja, um território inédito ao conhecimento mundial, a posse deste era então atribuída ao rei daquele país que a descobriu. Evidentemente que anteriormente ao Tratado de Tordesilhas esta política era assim definida o que fez com a corrida por territórios se acentuasse. Como é conhecimento geral mesmo com a assinatura do Tratado de 1494, na cidade espanhola de Tordesilhas, tal pratica ainda permaneceu e as políticas das metrópoles expansionistas durante séculos a interpretaram conforme os seus interesses. Importante de ser destacado é que de acordo com João Marinho dos Santos o Tratado está em conformidade com a política externa de Portugal, pois assim aceitava e documentava as disputas que vinha sendo travadas com a Espanha perante o poder papal demonstrando, assim, o seu desejo de pertencer a Respublica Christiana. 3 Como se vê num contexto de disputas e de expansões os mapas mundiais foram sendo desenhados nas mentes das pessoas. Nisto, a região do Rio da Prata se insere como também um local de disputas, pois nela há diferentes notícias que despertam interesses. São elas: 1- Com a chegada de Vasco Nuñez de Balboa, em 1513, ao Pacífico especula-se a possibilidade de mais rota marítima rumo ao oriente. Com isto, expedições foram realizadas para encontrar, a exemplo do Cabo da Boa Esperança, uma passagem que ligasse o Atlântico ao Pacífico. Tanto que, anos mais tarde, em

1520, Fernão de Magalhães alcança o estreito que lhe deu o nome. 2- Anterior a descoberta das minas de prata de Potosí, em 1545, tinha-se a notícia (fantasiosa) de um Rei Branco cujo reino era revestido em Prata. Como se vê foram muitas as investidas devido às notícias que circulavam na época. 3. A discussão sobre o que seria a primeira viagem para a o Rio da Prata É de senso comum que a descoberta feita por Cristóvão Colombo despertou na Península Ibérica um interesse maior por aquelas terras e, principalmente, pelo caminho realizado, a fim de saber se estavam na Índia ou se tratava-se de uma terra desconhecida. Anos mais tarde da descoberta colombina, Pedro Álvares Cabral encontra a costa brasileira, provocando, mais uma vez, um maior interesse pelas terras do Novo Mundo. Neste contexto a costa da América do Sul começa a entrar nas disputas das Coroas Ibéricas, uma vez que, eram desconhecidas e agora passam a fazer de um conhecimento cujo interesse estava ao encontro das aspirações expansionistas da época. 4 Em relação ao descobrimento do estuário platino a primeira expedição de que se tem notícia é a realizada por Fernão de Noronha ou Loronha. Saída do porto de Beseneghe, no Cabo Verde, em Junho de 1501. Chegada ao Rio da Prata em começo de março de 1502 ( ), o seu piloto era o florentino Amerigo Vespucci que seria assim o verdadeiro descobridor do famoso rio, e que o batizou com o nome de Cabo de Bom Desejo, hoje chamada Punta Del Este. No mesmo ano Vespucci teria baptizado o chamado Cerro e Montevideo com o nome de Monte Ovídio, ou deixado uma inscrição no cume dele: MONTEVIDI 1501, que significaria, segundo investigações do ilustre investigador uruguaio Rolando Laguarda Trias: Monte Vespucci Inventi Di 1501. (ASSUNÇÃO, 1987, p. 8) A hipótese desta viagem ter sido realizada pelo florentino Américo Vespúcio é defendida tenazmente pelo historiador argentino Roberto Levillier em sua obra intitulada America La Bien Llamada editada em Buenos Aires, em dois volumes, pela editora Kraft no ano de 1948. A sua argumentação é baseada nas seguintes fontes e argumentos: 1- fragmentos das cartas de 1502, além dos escritos conhecidos pelos nomes de Lettera e Mundus Novus e 2- numa análise realizada sobre a cartografia

dos finais do século XV e principalmente na do século posterior. Ao ver designado na cartografia o nome de Rio Jordão para o que viria a ser o Rio da Prata, conforme é indicado na investigação de Levillier, o historiador Luís Ferrand de Almeida contesta, alertando para o fato de que os mapas construídos no século XVI têm, com muita frequência, erros de latitudes e ainda que o Rio Jordão aparecesse sempre, na cartografia primitiva, em 35º, isso não significa necessariamente que ele se identificava com o Prata. Acontece, porém, que o Jordão não está sempre à mesma latitude, o que enfraquece ainda mais o argumento de Levillier. Assim, em King-Hamy (1502), vemos um golfo sem nome em 25-27º, prolongando-se a costa até 33º. No mapa de Pesaro, o mesmo golfo inominado está em 35-37º, aparecendo também em Silvano e Lenox na latitude de 35º e no Waldseemüller de 1505 em 33º. Quanto ao rio com a designação de Jordão, ora nos surge em 35º (?) (Kunstmann II), ora em 33-34º (Canerio), ora em 40º (Waldseemüller, 1507), ora em 27º (Ruysch), ora em 32º (Waldssemüller, 1516). (ALMEIDA, 1955, p. 26) O golfo que é representado nos mapas antigos, com o nome de Jordão e por vezes sem denominação, nada mais é do que um pequeno rio próximo a Angra dos Reis, no Brasil. O Rio da Prata, por sua vez, nestas mesmas fontes possui o nome de Baía dos Reis. Contudo, entre os anos de 1523 e 1536, é localizado em alguns mapas da época o Rio da Prata com o nome de Rio Jordão. Esta informação é de crucial relevância, pois assim não podem ser considerados como erro os argumentos do estudioso argentino. A isto, em Coimbra, Luís Ferrand de Almeida explica que a carta denominada de Turim, do ano de 1523, possui em sua construção deficiências, ao 5 dar o nome de Jordão ao Rio da Prata, sendo o primeiro a cometer tal erro. A prova de engano é-nos fornecida pela própria carta ao apresentar simultaneamente o Jordão no seu verdadeiro sítio (cerca de 23º 30 ), entre a bem conhecida série de lugares do Brasil: Cabo Frio, Rio de Janeiro, Rio dos Reis, Pináculo da Tentação, S. Sebastião, S. Vicente e Cananeia, todos entre 23 e 25º. O nome de Jordão aplicado ao Prata volta a aparecer depois em vários mapas até 1536, desaparecendo então definitivamente. (ALMEIDA, 1955, p. 32) Retenha-se que os membros das cortes, os altos funcionários, os navegadores e os cronistas do tempo nunca usam nos seus escritos o nome Jordão para designar o estuário platino, mas sim, rio de Solis, Santa Maria, S. Cristóvão ou até mesmo Rio da Prata, ou seja, fora dos mapas nunca recebeu tal designação.

Desta argumentação acerca da cartografia, Luís Ferrand de Almeida continua a análise a respeito do exposto, publicado e muito defendido pelo historiador argentino, agora, porém, faz a suas afirmações a respeito das fontes escritas, nomeadamente as cartas referidas anteriormente, utilizadas por Levillier, dizendo que das seis cartas atribuídas a Vespúcio cinco fazem referências à viagem de 1501-1502, mas só quatro nos interessam, porque a de 4 de Junho de 1501 foi escrita à ida de Cabo Verde. Antes de mais deve notar-se que em nenhuma destas epístolas há a mínima alusão ao Rio da Prata ou qualquer rio, golfo ou canal com que ele se possa identificar. (ALMEIDA, 1955, p.39) Na carta Vespuciana Lettera, como afirma o historiador de Coimbra anteriormente citado, não diz que as 750 léguas foram percorridas diretamente desde o ponto inicial, o Cabo de Santo Agostinho, em direção ao sul. O que ocorreu foi que a expedição atingiu a terra brasileira em 5º de lat. S e daí ao referido cabo contou 150 léguas, percorrendo depois mais seiscentas a partir deste ponto. A interpretação de Levillier conduz ao absurdo, porque uma viagem de 150 léguas para poente do Cabo de Santo Agostinho faria entrar os navios pela terra dentro! O equívoco resultou de Vespúcio se ter explicado mais misturando o percurso feito antes do Cabo com o que foi feito depois, e falando de inflexão da costa para poente entre 5 e os 8º de latitude, o que só em pequena parte é verdade. Dando ao texto único sentido razoável facilmente concluímos que as 600 léguas a partir do Cabo de Santo Agostinho, atribuindo 17 ½ léguas ao grau (segundo a medida portuguesa do tempo), só permite chegar, quando muito à foz do Prata (35º). (ALMEIDA, 1955, p. 40) 6 As latitudes mais ao sul terão sido alcançadas quando do retorno da expedição à Europa, portanto, já distante da costa, visto que, para a navegação à vela, nem sempre os caminhos mais curtos são os mais rápidos e mais seguros, pois têm que respeitar o regime dos ventos e das correntes marítimas. Por isto é que, como salienta o historiador português, se as cartas de Vespúcio são autênticas e se o Florentino diz a verdade, - coisa de que Levillier não duvida, - torna-se evidente que a expedição portuguesa de 1501-1502, não descobriu o Rio da Prata nem a Patagónia, porque não ultrapassou, junto à costa, a latitude de 32º, ou seja, o actual estado do Rio Grande do Sul. (ALMEIDA, 1955, p. 42)

O que é atestado pelo autor argentino, ao afirmar que, por vezes, o próprio Américo Vespucio silencia-se a respeito de informações sobre a costa avistada e seus detalhes da orografia levou Luís Ferrand de Almeida a concluir que a cartografia não permite, pois, como já tivemos a ocasião de ver, o Cananor de 1502 não estava na Patagónia e o Rio Jordão, suposto Prata, era apenas um pequeno rio do Brasil, perto de Angra dos Reis Por outro lado, os dados bem claros da carta fragmentária de 1502 e da Lettera sobre o rumo da armada, assim como o total silêncio dos documentos vespucianos a respeito de descobrimentos na costa americana ao sul de 32º acabam por reduzir a nada a laboriosa construção do historiador argentino. (ALMEIDA, 1955, p. 43 e 44) Ainda sobre este mesmo argumento o historiador Luis Ferrand de Almeida, muito provavelmente, aprofundou seu estudos depois de tomar conhecimento da publicação organizada por Carlos Malheiros Dias intitulada A Colonização Portuguesa no Brasil publica em 1923 na cidade do Porto pela litografia nacional, sendo esta uma edição monumental em comemoração ao centenário da independência do Brasil. O estudioso de Coimbra tendo a forte intenção de dar por encerrada esta discussão, apresenta o argumento de que o rei D. João III, para justificar a posse e a presença lusitana na região platina, invoca a expedição realizada por João de Lisboa e Estevão de Froes nos anos de 1513-1514, deixando de lado qualquer outra data mais antiga, o descobrimento do Prata em 1502 pela simples razão de que ele não existiu (ALMEIDA, 1955, p. 46). Os argumentos do professor de Coimbra lançados sobre a investigação do seu colega argentino levam-nos a crer que a expedição de 1501-1502, a respeito da qual Américo Vespúcio afirma que esteve por regiões ao sul da América do Sul, não chegou à região platina, além das outras hipóteses que já foram aqui aludidas. O que não deve ser deixado de lado é que, nesta expedição na costa do nordeste do Brasil, foi criada, por Fernão de Noronha, a primeira feitoria de pau-brasil, iniciando, com isto, o processo de ocupação e de colonização brasileira. 7 Como se vê a discussão entre os referidos historiadores deu margem a outras tantas. Entretanto, ao discutir o mesmo assunto outro estudioso sul-americano, do Uruguai mais especificamente, Rolando Laguarda Trias na sua obra intitulada El Predescubrimiento del Rio de la Plata editado em Lisboa e publicado pela Junta de

Investigações do Ultramar no ano de 1973, expõe uma nova conceitualização. Contudo, sua definição está bem conivente com o exposto no item 2 deste texto. Esse é apenas um exemplo do que referimos neste texto ao dizer que com o passar dos tempos as idéias levantadas foram deixando marcas na historiografia sobre o tema seja neste ou no outro lado do Atlântico. 4. Conclusão A defesa da nacionalidade a partir dos feitos da época da expansão pode-se considerar como uma constante na historiografia lusa, entretanto, o cientificismo da argumentação é que ocasionou a discussão entre o pesquisador argentino e o português. Conforme aqui demonstrado, o historiador argentino Roberto Levillier coloca em suas explicações que os portugueses estiveram, antes dos espanhóis, na região do Rio da Prata. De acordo com a primeira frase desta conclusão isto seria, como se diz popularmente, um prato feito para o bairrismo nacionalista português. Todavia, o assunto não se findou com este propósito, pois um importante historiador de Portugal contestou tal afirmação utilizando, para tanto, as mesmas fontes e comparando com outras para derrubar a afirmação do historiador bonaerense. 8 Os conceitos que surgem nas documentações é o de descoberta e/ou descobrimento ou simplesmente achar/achamento. Estas palavras ou conceitos surgem diferentes fontes desde cartas, diários de bordo, registros e em tratados de delimitações de fronteiras e posses. A estes conceitos obedeciam um processo lógico de utilização demonstrando, com isto, as idéias que estavam a circular durante o período histórico, pois em primeiro lugar se acha um determinado local. Em seguida faz-se a divulgação a nível mundial para então a tomada de posse. Neste sentido, ficou claro que tanto os portugueses quanto os espanhóis obedeciam a tais preceitos mesmo com a assinatura do Tratado de Tordesilhas que, por sua vez, impunha limites a este isto. Por fim, as discussões sobre os conceitos que referimos no presente trabalho acabaram por gerar novas classificações de definições como foi o exemplo de Rolando Laguarda Trias ao definir o pré-descobrimento. Demonstrando, assim, como são

inconstantes e mutáveis as explicações sobre o passado, uma vez que, por ser um edifício em constante construção tal realidade estará sempre presente. 5. Referências Bibliográficas ALBUQUERQUE, Luís de (et al.), Tratado de Tordesilhas e Outros Documentos Lisboa: Publicações Alfa, 1989. ALBUQUERQUE, Luís de (Diretor) e DOMINGUES, Francisco Contente (Coordenador) Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses Lisboa: Ed. Caminho, 1994. ALMEIDA, Luis Ferrand de Vespúcio e o Descobrimento do Rio da Prata, In: Separata da Revista Portuguesa de História Tomo VI, Coimbra, pp. 1-49, 1955. ASSUNÇÃO, Fernando O. Presença e Herança Portuguesa na Região do Rio da Prata, Conferência proferida pelo Dr. Fernando Assunção na sessão solene de abertura do 1º Congresso do Patrimônio Construído Luso no Mundo, na sede da Fundação Gulbenkian, em Lisboa, no dia 23 de Março de 1987, Colecção 10 de Junho, Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, Instituto de Apoio à Imigração e às Comunidades Portuguesas, 1987. 9 BENITEZ, Luis G. Historia del Paraguay: Epoca Colonial Asunción: Imprenta Comuneros S. A., 1985. DIAS Carlos Malheiro A Expedição de 1501, In: DIAS, Carlos Malheiro (Direcção e Coordenação Literária), VASCONCELLOS, Ernesto de (Direcção Cartográfica), GAMEIRO, Roque (Direcção Artística), História da Colonização Portuguesa no Brasil Edição Monumental Comemorativa do Primeiro Centenário da Independência do Brasil, Porto, Litografia Nacional, vol. II, 1923. LEVILLIER Roberto America la Bien Llamada 2 vols. Buenos Aires: Editora Kraft, 1948. LEVILLIER, Roberto Americo Vespucio Madrid: Ediciones Cultura Hispanica, 1966. MATTOSO, José (Dir) História de Portugal vol. II, A Monarquia Feudal (1096-1480), Lisboa: Editorial Estampa, s/d. SANTOS, João Marinho dos Estudos sobre os Descobrimentos e a Expansão Portuguesa Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1998. SILVA, José Manuel Azevedo e O Brasil Colonial Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2005.

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