Importância da Avaliação ao Exercício de Pacientes Orovalvares: Uma Reflexão

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Portaria nº 402 de 17 de Junho de O Secretário de Assistência à Saúde, no uso de suas atribuições,

Transcrição:

ARTIGO Importância da Avaliação ao Exercício de Pacientes Orovalvares: Uma Reflexão Resumo Relatamos o caso de um paciente, 45 anos, masculino, com insuficiência aórtica grave, cuja etiologia é a Síndrome de Marfan, destacando a contribuição do teste de exercício na avaliação funcional e na indicação cirúrgica do paciente. Argumentamos, ainda, em favor da abordagem de que a indicação de coronariografia em pacientes orovalvares deve ser considerada com base na probabilidade de ocorrência de fatores preditivos para doença arterial coronariana. A partir do caso relatado, demonstramos a contribuição do teste de exercício a esta abordagem. Palavras-chave: teste de exercício cardiopulmonar; coronariografia; doença orovalvar; síndrome de Marfan. Abstract We describe the case of a 45 years-old patient, male, with severe aortic insufficiency whose etiology is the Marfan Syndrome, highlighting the contribution of the exercise test to the functional evaluation and in the surgical indication of the patient. We argue, still, in favor of the approach that the coronariography indication in orovalvar patients must be considered on the basis of predictive factors occurrence probability of cinecoronary arteriography. From the described case we demonstrate the contribution of the exercise test to this approach. Keywords: exercise test; coronariography; orovalvar disease; Marfan Syndrome. Introdução O teste de exercício é comumente utilizado como auxiliar no diagnóstico de pacientes com dor torácica, na avaliação do pós-infarto e naqueles submetidos à angioplastia, à cirurgia de revascularização miocárdica, e à terapêutica trombolítica. É também amplamente recomendado na angina estável e na angina instável, após estabilização do paciente, com a finalidade de observar se a terapêutica está sendo eficaz e de auxiliar na escolha de condutas posteriores que eventualmente se façam necessárias. Pacientes com disfunção ventricular esquerda, como nas cardiomiopatias dilatadas, também são beneficiados pela avaliação do estresse do exercício, embora particularmente nestes casos, a análise simultânea dos gases expirados acrescente informações e fidedignidade ao teste 1,2. A ocorrência da tão prevalente hipertensão arterial sistêmica também constitui uma importante indicação para a realização do teste de exercício, aplicado para simples avaliação da resposta da pressão arterial no esforço graduado, na avaliação da terapêutica anti-hipertensiva utilizada, e de sua possível modificação, assim como para a identificação entre os não-hipertensos, daqueles com maior probabilidade de se tornarem efetivamente hipertensos em alguns anos. Aqueles pacientes que têm como propósito a avaliação de sua capacidade de exercício, sabidamente um dos mais importantes indicadores do prognóstico cardiovascular, senão o mais importante, assim como a liberação para a prática esportiva, obtêm no teste de exercício o melhor método de avaliação 1,2. > Dr. Dany David Kruczan Mestre (PUC-RJ) e Doutor (UFRJ) em Cardiologia Chefe de Clínica do Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro, RJ dkruczan@cardiol.br > Dr. Salvador Serra Mestre (UFF) e Doutor (UFRJ) em Cardiologia Chefe do Serviço de Ergometria e Reabilitação do Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro, RJ sserra@cardiol.br > Pamela Santos Borges Graduanda do Curso de Medicina (Universidade Estácio de Sá) pamelaborgesestacio@gmail.com Nos pacientes orovalvares, em contraste, tal importância parece não ser efetivamente reconhecida, considerando o número reduzido de solicitações do exame ergométrico nesses casos. É bem provável que isto ocorra em razão da premissa de que o teste traz poucos benefícios, ou que não seja indicado nesses pacientes que, de modo geral, são muito sintomáticos, com arritmias e alterações eletrocardiográficas que poderiam prejudicar uma avaliação adequada. Não poucas vezes ouvimos o comentário de que é muito arriscado colocar um paciente valvopata grave em uma esteira. No entanto, a prática clínica por mais de 25 anos no Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro (IECAC), Rio de Janeiro, particularmente atentando para as características das doenças orovalvares de etiologia congênita, reumática, e degenerativa, tem nos levado a assumir uma visão divergente. A experiência desses anos tem apontado que o teste de exercício é subutilizado na avaliação da classe funcional e como parâmetro para a tomada de decisão quanto à indicação cirúrgica desses pacientes, o que nos parece um grande desperdício face 18 DERC

às informações que um método tão tradicional pode trazer. Relatamos aqui um caso de paciente com insuficiência aórtica grave, cuja etiologia é a Síndrome de Marfan, destacando a contribuição do teste de exercício, neste caso cardiopulmonar, na avaliação funcional e na indicação cirúrgica do paciente. Apresentando um caso de doente orovalvar Paciente de 45 anos, masculino, pardo, solteiro, professor de artes plásticas, porém trabalhando como jardineiro, natural do Rio de Janeiro, assintomático. Referiu apenas que há 15 anos, enquanto acompanhava de bicicleta a maratona do Rio de Janeiro, não se sentiu muito bem. Naquela ocasião procurou um hospital público onde foi informado apresentar um sopro cardíaco, passando a ser atendido de modo irregular até cinco anos atrás, quando começou a ser acompanhado no ambulatório do Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro, no Rio de Janeiro. Dos seus antecedentes mais significativos, citamos insuficiência venosa e alguns procedimentos cirúrgicos dermatológicos de pequena magnitude. A sua história social, familiar e fisiológica não mostrava nada relevante. Os dados mais expressivos do exame físico foram a sua altura (2,03m) e uma envergadura de 2,02m (Figuras 1 e 2). A pressão arterial em ambos os membros superiores era de 160x40x0mmHg, o que já sugeria uma insuficiência aórtica grave. Uma pulsatilidade cervical arterial muito aumentada também era observada, inclusive com Musset arterial. O seu precórdio era hiperdinâmico, com nítida impulsão do VD e um ictus visível com onda protodiastólica. Os pulsos eram todos palpáveis, retrocedentes e com uma relação normal. Na ausculta cardíaca, eram dados relevantes: ritmo regular em três tempos, com uma B3 exuberante e soprosa e um sopro sistólico na ponta com características de regurgitação. Na base do precórdio ouvia-se um sopro sistólico de ejeção causado por hiperfluxo através da válvula aórtica e um SD de moderada intensidade com característica aspirativa. Na ausculta pulmonar não se observou nada a ser citado. Na palpação do abdome, além de uma importante pulsatilidade da aorta abdominal, não foram identificadas visceromegalias. O estudo radiológico torácico (Figura 3) apresentava um grande aumento da área cardíaca por preponderância do ventrículo esquerdo. A circulação pulmonar estava normal. O eletrocardiograma (Figura 4) mostrava um crescimento do átrio esquerdo e uma sobrecarga diastólica do ventrículo esquerdo. Como dados mais significativos, o ecocardiograma apresentava um diâmetro da raiz da aorta aumentada (43 mm), um diâmetro diastólico final do VE de 78 mm e um diâmetro sistólico do VE também aumentado (50 mm). A análise final pelo ecocardiograma revelou prolapso mitral com degeneração mixomatosa e vibrações diastólicas da insuficiência aórtica; cavidades direitas normais e ectasia da aorta; ventrículo esquerdo com diâmetros aumentados e leve disfunção sistólica e contração segmentar normal. Ao Doppler, regurgitação aórtica importante, e insuficiência mitral mínima e protosistólica. A conclusão foi prolapso da válvula mitral e insuficiência aórtica grave. Considerando a existência de uma importante dilatação da raiz da aorta de 43 mm em um paciente Marfan e diâmetros sistólico e diastólico do VE aumentados em um paciente assintomático, optamos pela realização de um teste cardiopulmonar com o objetivo de avaliar a classe funcional do paciente e obter critérios de avaliação da sua função ventricular esquerda e de uma série de informações advindas deste método 3. Foi utilizado protocolo em rampa. O paciente se exercitou na esteira durante sete minutos e 59 segundos. Atingiu a freqüência de pico de 151 batimentos por minuto e 13,9 METs. Apesar de um excelente desempenho na esteira, o paciente apresentou alguns aspectos que consideramos de relevância no caso em questão. No pico máximo do esforço foram observados episódios não sustentados, embora curtos, de taquicardia ventricular (Figura 5). A curva do pulso de oxigênio foi considerada inadequada e a pressão arterial se elevou nos primeiros dois minutos do exercício, e a partir daí se manteve em platô até o final da prova (Figuras 6 e 7). Outro aspecto Figura 1. Paciente com elevada estatura, característica da Síndrome de Marfan. Percebe-se a desproporção dos membros superiores e inferiores. Figura 2. Habitualmente, no Marfan, a envergadura ultrapassa a altura. No caso, a envergadura se equipara a altura. continua > DERC 19

> Importância da Avaliação ao Exercício de Pacientes Orovalvares: Uma Reflexão continuação > importante, observado durante o teste cardiopulmonar, foi a inexistência de qualquer evidência clínica ou eletrocardiográfica de isquemia miocárdica. Indicar ou não coronariografia no doente orovalvar Figura 3. Radiografia do tórax, em PA e perfil, mostrando aumento das cavidades cardíacas esquerdas. Figura 4. Eletrocardiograma mostrando sobrecarga atrial esquerda por critério de duração da onda P em D2 e pela presença de índice de Morris em V1 e sobrecarga ventricular esquerda, do tipo diastólica, pelo índice de Sokolov-Lion em que as ondas S de precordiais direitas e ondas R de precordiais esquerdas são maiores que 35mm e por ondas T pontiagudas e simétricas em V5 e V6. A coronariografia pré-operatória em pacientes orovalvares tem sido indicada rotineiramente em pacientes com idade igual ou superior a 35 anos 4,5. Na prática clínica, freqüentemente utiliza-se um corte para indicação de coronariografia pré-operatória nesses pacientes na idade de 40 anos 6,7. Tal conduta tem sido recomendada em diversas diretrizes, porém com baixo nível de evidência 4,5. Entretanto, em estudo que avaliou quase trezentas coronariografias pré-operatórias de pacientes acompanhados no IECAC-RJ, com idade igual ou superior a quarenta anos e doença valvar primária, observamos principalmente nos doentes de etiologia reumática, embora também nos de etiologia não reumática, que não apresentavam os fatores preditivos de doença arterial coronariana (DAC), que ela era praticamente inexistente 8. Isto nos leva a concluir que a coronariografia de rotina em todos os doentes valvares seria desnecessária 6-8. Considerando, ainda, que em nosso meio, em hospital público, pacientes reumáticos representam a maioria dentre os doentes valvares, e que ao mesmo tempo são pacientes com muito baixa probabilidade para desenvolver DAC, a coronariografia indicada de modo indiscriminado não nos parece um bom caminho. No caso do paciente em questão, a etiologia da valvopatia era a Doença de Marfan. Entretanto, o paciente não apresentava angina de peito típica nem fatores de risco para DAC, tais como tabagismo, dislipidemia ou diabetes. O paciente era hipertenso, porém considerando uma pressão arterial diferencial aumentada pela própria insuficiência aórtica. Decidindo conforme a probabilidade Figura 5. Pico do exercício. Extra-sístoles ventriculares freqüentes e presença de duas e três extra-sístoles ventriculares sucessivas monomórficas, caracterizando taquicardia ventricular auto-limitada. Ausência de alterações diagnósticas da repolarização ventricular. Com base nos resultados obtidos em estudo citado acima, duas tabelas de probabilidade de DAC entre pacientes orovalvares (Tabelas 1 e 2) foram desenvolvidas considerando-se as variáveis sexo, idade, presença de angina típica e de fatores preditivos da doença, correlacionando-se com as coronariografias pré-operatórias de todos os pacientes 8. Assim, essas tabelas mostram os fatores preditivos de DAC que mais pesaram no modelo estatístico empregado. A Tabela 1 mostra a probabilidade de DAC entre pacientes do sexo feminino e masculino com menos de 60 anos. Já na Tabela 2 verifica-se a probabilidade de DAC entre pacientes com idade igual ou superior a 60 anos. 20 DERC

Arbitramos como baixa as probabilidades em torno de 5% a 6,5%, marcadas em verde claro nas duas tabelas. As probabilidades marcadas em azul escuro representam aquelas um pouco mais elevadas, mas que ainda poderiam ser consideradas como baixas. Entretanto, alguns pacientes apresentavam fatores preditivos de DAC que pesavam muito no modelo estatístico no que tange à presença desta doença 8. Por exemplo, dor torácica típica e diabetes. Tais pacientes, mesmo tendo probabilidades que podem ser consideradas baixas para DAC, no máximo 8,7%, foram coronariografados antes da cirurgia. O nosso corte para indicação de coronariografia antes da cirurgia de troca valvar foi entre 5% e 6,5% de probabilidade para DAC. Os pacientes que tinham probabilidades para DAC neste patamar ou abaixo, caso apresentassem dor torácica típica ou diabetes, eram coronariografados em razão do fato dessas variáveis serem as que mais pesaram em nosso modelo estatístico quanto à presença de DAC, como mencionado. Vale ressaltar que na nossa casuística, entre 294 pacientes avaliados, encontramos 125 pacientes (42,5%) com características clínicas de baixa probabilidade de DAC. Desses 125 pacientes, 110 (88%) tinham etiologia reumática e a prevalência de DAC nesses pacientes foi de apenas 0,8%, pois apenas um único paciente apresentava esta doença. Podemos constatar a partir da Tabela 1, como era baixa a probabilidade de DAC no caso aqui relatado, apenas 4,3%. O paciente tinha menos de 60 anos, não apresentava nenhum fator preditivo de DAC, exceto hipertensão arterial diferencial, própria da insuficiência aórtica. O teste de exercício cardiopulmonar não mostrando evidência de isquemia miocárdica, corroborou essa interpretação, nos dando ainda mais segurança para submetê-lo à cirurgia sem necessidade de indicação de coronariografia. A aplicação adicional do teste de exercício não seria apenas a de reforçar a possibilidade de ausência de isquemia miocárdica em pacientes com baixa probabilidade de DAC, mas de praticamente afastá-la nos pacientes orovalvares com probabilidades intermediárias de DAC. Nesses casos, seriam pacientes com alguns fatores preditivos para a doença, tais como hipertensão, dislipidemia, tabagismo e dor torácica atípica, não apresentando angina típica, ou seja, pacientes que até poderiam apresentar DAC, mas sem evidências clínicas de insuficiência coronariana. Em tais pacientes, uma avaliação funcional ao exercício que não identificasse isquemia poderia nos permitir indicar a cirurgia de troca valvar sem avaliação coronariográfica prévia. Figura 6. Após elevação inicial, a curva do pulso de oxigênio mostra tendência a platô e queda ainda durante o exercício, inferindo-se uma redução do volume sistólico. A linha vermelha mais grossa foi inserida para auxiliar a análise da curva em azul do pulso de oxigênio. Há alguma semelhança com a curva da pressão arterial sistólica. Ver Figura 7. Finalizando O teste de exercício, com ou sem análise de gases, constitui uma importante ferramenta de avaliação funcional, auxiliando a tomada de decisão quanto à indicação cirúrgica em pacientes orovalvares. Tais métodos são de valor não apenas para avaliação da classe funcional e da capacidade de exercício, como também para complementar uma boa avaliação clínica, contribuindo na reafirmação de uma baixa probabilidade de doença arterial coronariana, assim como, quando normal, reduzindo drasticamente a possibilidade de isquemia miocárdica em pacientes com probabilidades intermediárias. Desse modo, evita-se a coronariografia pré-operatória desnecessária em pacientes com indicação cirúrgica de troca valvar. Ressalte-se que os testes de exercício são métodos que avaliam o paciente de modo fisiológico. Métodos de avaliação funcional que utilizam drogas e tentam mimetizar o exercício, em nossa opinião, podem se tornar um fator impeditivo para pacientes com arritmias ou mesmo para aqueles em uso de betabloqueador, condições muito freqüentes entre pacientes orovalvares, além de não permitirem a identificação da capacidade de exercício, seguramente a variável independente de maior valor na antevisão do prognóstico 9. Os testes de exercício, particularmente com análise de gases expirados, também se mostram de extremo valor ao evidenciarem sutilezas que retratam uma disfunção ventricular esquerda ainda incipiente, como no caso aqui descrito, no qual as curvas da Figura 7. Após elevação inicial, observa-se evolução em platô da pressão arterial sistólica (PAS) durante o exercício. Logo após iniciar o platô da PAS, a freqüência cardíaca (FC) adquire uma elevação mais intensa, permitindo inferir uma predominância da elevação do débito cardíaco, compensatoriamente, através da FC a partir deste momento, coincidindo com a também tendência a um platô e queda do pulso de oxigênio. Ver Figura 6. pressão arterial sistólica e do pulso de oxigênio adquiriram uma evidente evolução inadequada ao exercício (Figuras 6 e 7). Idealmente, a análise multivariável durante e após o exercício, mais do que a hipervalorização isolada de alguma delas, adquire papel fundamental na avaliação da capacidade do meio interno, em particular cardiovascular, pulmonar e da periferia, em responder adequadamente ao grande estresse orgânico que necessariamente é desencadeado pelo exercício físico graduado. continua > DERC 21

Tabela 1. Probabilidade de DAC em homens e mulheres com idade inferior a 60 anos. Fonte: Adaptado de Kruczan (2006) Tabela 2. Probabilidade de DAC em homens e mulheres com idade maior ou igual a 60 anos Fonte: Adaptado de Kruczan (2006) Referências: 1. Andrade J. et al. II Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre teste ergométrico. Arq Bras Cardiol. 2002; supl 2:78. 2. Consenso Nacional de Ergometria. Arq Bras Cardiol. 1995:65. 3. Serra S. Considerações sobre ergoespirometria. Arq Bras Cardiol. 1997;68:301-4. 4. Bonow RO (org) ACC/AHA Guidelines for the Mangement of patients with valvular heart disease/a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines (Committee on Management of Patients with Valvular Heart Disease). J Am Coll Cardiol. 1988;32:1486-1588. 5. Bonow RO (org) ACC/AHA Guidelines for the Mangement of patients with valvular heart disease/a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines (Committee on Management of Patients with Valvular Heart Disease). J Am Coll Cardiol. 2006;48:e4-e124. 6. Kruczan DD, Souza e Silva NA, Pereira BB, Romão VA, Correia Filho WB, Morales, FEC. Doença arterial coronariana em pacientes com valvopatia reumática e não-reumática acompanhados em hospital público do Rio de Janeiro. Arq Bras Cardiol. 2008;90(3):217-23. 7. Sampaio RO, Jonke, VM, Falcão JL, Falcão S, Spina GS, Tarasoutchi F, Grinberg M. Prevalência de doença arterial coronariana e avaliação pré-operatória em portadores de valvopatia. Arq Bras Cardiol. 2008;91(3):200-204. 8. Kruczan DD. Doença arterial coronariana em pacientes com doença valvar reumática e não-reumática acompanhados no Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro (IECAC/Rio de Janeiro) [Tese de Doutorado]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2006. 9. Myers J, Prakash M, Froelicher V, Do D, Partington S. Exercise capacity and mortality among men referred for exercise testing. N Engl J Med. 2002;346:793-801. 22 DERC