AGENESIA EM COLUNA LOMBAR EM FELINO RELATO DE CASO AGENESIA IN LUMBAR COLUMN IN FELINE CASE REPORT Angélica da Silva Oliveira DINIZ 1 ; Iara Macêdo de Melo GOMES¹; Leonardo de Barros da SILVA 1 ; Bianca da Nóbrega MEDEIROS 2 ; Luzarte Araújo de MEDEIROS²; Rosileide Santos CARNEIRO 3 1 Médica(o) Veterinária(o) Residente do Programa de Residência Multiprofissional, Universidade Federal de Campina Grande 2 Estudante de Medicina Veterinária, Universidade Federal de Campina Grande, biancanobrega2009@hotmail.com* 3 Médica Veterinária, Mestre, Universidade Federal de Campina Grande Resumo O desenvolvimento da coluna segue um mecanismo complexo, assim, anormalidades podem acontecer como, por exemplo, a agenesia de vértebras. O relato consiste em um caso de um felino atendido no Hospital Veterinário da Universidade Federal de Campina Grande, com o histórico de ter desaparecido havia 15 dias e retornado para o seu domicílio no dia do atendimento, arrastando os membros pélvicos e com a presença de um ferimento com odor fétido na região da cauda. Ao exame físico, o animal apresentou-se alerta, com dor à palpação abdominal, áreas de necrose na região perineal e em toda cauda. Dentre as alterações encontradas no exame neurológico, destacaram-se: paraparesia, diminuição dos reflexos de propriocepção consciente e flexor dos membros pélvicos. No exame radiográfico da coluna, visualizou-se imagens sugestivas de agenesia de vértebra lombar e a presença de um projétil alojado lateralmente à coluna vertebral. A agenesia de vértebras lombares na espécie felina não é comum. Quando presentes, nem sempre as anomalias congênitas apresentam significado clínico ou cirúrgico, a não ser que resultem em compressão da medula espinhal. Os sinais clínicos neurológicos apresentados pelo paciente estavam relacionados ao acidente balístico, já que o animal não apresentava nenhuma malformação visível e se locomovia normalmente antes do ocorrido. Palavras-chave: vértebra; anomalia; gato Keywords: vertebra; anomaly; cat Revisão de literatura A coluna vertebral, segundo Kealy et al. (2012), é constituída por, aproximadamente, cinquenta vértebras, compreendendo as vértebras cervicais, torácicas, lombares, sacrais e coccígeas. O cão e o gato possuem sete vértebras Anais do 38º CBA, 2017 - p.0098
cervicais, treze torácicas, sete lombares, três sacrais e um número variável de coccígeas (KEALY et al, 2012; WIDMER e THRALL, 2013). O desenvolvimento da coluna segue um mecanismo complexo, assim, anormalidades podem acontecer, como disgenesia sacrococcígea, espinha bífida, hemivértebra, vértebras em bloco e variação no número de vértebras (KEALY et al., 2012). O presente estudo relata um caso de agenesia em coluna lombar em um felino. Descrição do Caso Foi atendido no dia onze de outubro de 2016, no Hospital Veterinário da Universidade Federal de Campina Grande, Patos, Paraíba, um felino, fêmea, sem raça definida, com um ano de idade e pesando 2,050 kg. A proprietária relatou que seu animal havia sumido há 15 dias e retornou para o seu domicílio no dia do presente atendimento, arrastando os membros pélvicos e com a presença de um ferimento com odor fétido na região da cauda. Ao exame físico o animal apresentou-se alerta, com dor à palpação abdominal, presença de áreas de necrose na região perineal e em toda cauda. Dentre as alterações encontradas no exame neurológico, destacaram-se: paraparesia, diminuição dos reflexos de propriocepção consciente e flexor dos membros pélvicos. Foram realizados hemograma e bioquímica sérica (alanina aminotransferase, Gama-glutamil transferase, albumina, ureia e creatinina). Também foram solicitados exame de ultrassonografia da cavidade abdominal, bem como radiografias das regiões toracolombar e pélvica. As alterações encontradas no hemograma foram a presença de anemia normocítica normocrômica (Hemácia 3.3 x 10 6 /µl; Hemoglobina 5.2 g/dl; Hematócrito 19.2%; VCM 43 fl; CHCM 36.6 g/dl) e leucocitose com desvio à esquerda regenerativo (Leucócitos Totais 39.400 µl; Leucócitos Segmentados 27.974 µl). No exame radiográfico da coluna, foram realizadas duas projeções uma lateral, na qual o animal foi posicionado em decúbito lateral e uma ventrodorsal, realizada em decúbito dorsal, sem rotação e com o feixe de raios-x centralizado na área de interesse. Após o processo de revelação das radiografias e observação em negatoscópio, visualizou-se imagens compatíveis com agenesia da sétima vértebra Anais do 38º CBA, 2017 - p.0099
lombar e a presença de um projétil balístico radiopaco alojado lateralmente às vértebras T13 e L1, com discreta diminuição do espaço intervertebral. O animal ficou internado e foi realizado um tratamento ambulatorial com ceftriaxona (30 mg/kg, por via intravenosa, a cada 12 horas), metronidazol (15 mg/kg, por via intravenosa, a cada 12 horas, por 5 dias), cloridrato de tramadol (3 mg/kg, por via intramuscular, a cada 8 horas, por 5 dias) e fluidoterapia, com solução Ringer com Lactato suplementada com um complexo vitamínico. Após dois dias no internamento, o animal foi submetido à cirurgia de caudectomia e debridamento da região necrosada. No local da ferida, foi realizado um curativo com hidrogel com nanoprata, que foi trocado a cada dois dias. Ao término do procedimento cirúrgico, o animal permaneceu internado por mais cinco dias. O mesmo estava se alimentando, urinando e defecando normalmente. Após este período o paciente foi prescrito um tratamento domiciliar a base de cefalexina (25 mg/kg, por via oral, a cada 12 horas, durante 15 dias), lactulose (0,5 ml/kg, por via oral, a cada 12 horas, até novas orientações médicas) e alimentação pastosa. Os retornos foram realizados a cada dois dias para reavaliação do animal e para a troca do curativo. A proprietária retornou apenas três vezes. Na última reavaliação, o paciente apresentava evidente melhora, com a ferida em processo de cicatrização e ausência dos sinais de infecção observados anteriormente. Discussão A coluna vertebral de felinos normais é composta por sete vértebras cervicais, 13 torácicas, sete lombares, três sacrais e um número variável de 18 a 26 vértebras coccígeas (THRALL, 2010; KEALY et al, 2012; WIDMER e THRALL, 2013). As anomalias congênitas nessa espécie não são comuns, contudo, nem sempre apresentam significado clínico ou cirúrgico, a menos que resultem em compressão da medula por consequente deformação do canal medular (THRALL, 2010). No presente caso, o animal não apresentava manifestações decorrentes da agenesia da última vértebra lombar, sendo este considerado um achado radiográfico, já que o animal não apresentava nenhuma malformação visível e se locomovia normalmente antes do acidente balístico. A presença de um projétil radiopaco lateral às vértebras T13 e L1 justifica as alterações neurológicas, como a paresia e perda de reflexos dos membros pélvicos, após o sumiço do animal, pois provavelmente houve lesão da medula espinhal. Anais do 38º CBA, 2017 - p.0100
As malformações congênitas, fraturas, luxações, doenças do disco, discoespondilite e neoplasias vertebrais primárias ou metastáticas podem ser diagnosticadas por meio de radiografias da coluna espinhal (NELSON e COUTO, 2010). Para diagnosticar o local da lesão, o exame radiográfico deve incluir todas as regiões da coluna vertebral, como as projeções laterolateral e ventrodorsal (SANDE, 1992). Quando há a evidência clínica de doença ou compressão da medula, a mielografia é utilizada para localizar, confirmar e caracterizar as lesões (NELSON e COUTO, 2010). Em nosso paciente, no primeiro momento foram realizadas radiografias simples da coluna vertebral. Após serem observadas as alterações neste exame e levando em consideração os sinais clínicos neurológicos apresentados, recomendou-se a realização de mielografia após a recuperação do estado geral do paciente. Entretanto, a proprietária não retornou depois deste período de recuperação. Conforme o que foi dito anteriormente, as anomalias vertebrais congênitas nem sempre possuem significado clínico ou cirúrgico e alguns estudos apontam algumas implicações, como as variações no local de terminação da medula espinhal (BREIT e KÜNZEL 2002; OCHIENG e IBINGIRA 2014) e instabilidade vertebral (BREIT et al., 2003; FLÜCKGER et al., 2006), em variações no número de vértebras e presença de vértebras transicionais lombossacras, respectivamente. A ocorrência de vértebras lombares infranumerárias em humanos pode ser considerada um fator de risco em procedimentos como punção lombar ou anestesia espinhal. Nesses casos, há a possibilidade da medula espinhal se localizar mais próximo à crista ilíaca de tais pacientes (OCHIENG e IBINGIRA, 2014). Em casos em que sejam necessárias intervenções cirúrgicas da coluna vertebral, a identificação de alterações no número de vértebras é de suma importância para evitar confusões a respeito do local mais adequado para o acesso cirúrgico (MCEVOY, 2005 apud AMARAL et al., 2014). Desta forma, ressalta-se a importância do diagnóstico de agenesia de vértebra antes de algum procedimento anestésico e cirúrgico. Conclusão Diante do exposto, conclui-se que a agenesia de vértebras lombares na espécie felina não é comum. Quando presentes, nem sempre as anomalias congênitas apresentam significado clínico ou cirúrgico, a não ser que resultem em compressão da medula espinhal. Os sinais clínicos neurológicos apresentados pelo Anais do 38º CBA, 2017 - p.0101
paciente estavam relacionados ao acidente balístico, já que o animal não apresentava nenhuma malformação visível e se locomovia normalmente antes do ocorrido. Referências AMARAL, A. C. et al. Anomalias vertebrais congênitas em um cão: relato de caso. Disponível: http://www.infoteca.inf.br/sindiv/smarty/templates/arquivos_template/upload_arquivos /acervo/docs/05.pdf. [Capturado em 7 jan. 2017]. BREIT, S.; KÜNZEL, W. The diameter of the vertebral canal in dogs in cases of lumbosacral transitional vertebrae or numerical vertebral variation. Anatomy and embryology, Berlim, 2002, v. 205, n. 2, p.125 133. BREIT, S. et al. Differentiation between lumbosacral transitional vertebrae, pseudolumbarisation, and lumbosacral osteophyte formation in ventrodorsal radiographs of the canine pelvis. The Veterinary Journal, Viena, 2003, v. 165, n. 1, p. 36 42. FLÜCKIGER M. A. et al. A lumbosacral transitional vertebra in the dog predisposes to cauda equina syndrome. Veterinary Radiology & Ultrasound, Raleigh, 2006, v. 47, n. 1, p 39 44. KEALY, K. J. et al. O crânio e a coluna vertebral. In:. Radiografia e Ultrassonografia do cão & do gato. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. p. 447-541. MCEVOY, F.J. Spine general. In: BAAR, F. J.; KIRBERGER, R. M. BSAVA Manual of Canine and Feline Musculoskeletal Imaging. BSAVA British Small Animal Veterinary Association, 2005; p. 235-236. NELSON, R. W.; COUTO, C. G. Exames Diagnósticos do Sistema Neuromuscular. In:. Medicina Interna de Pequenos Animais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 1010-1014. OCHIENG, J.; IBINGIRA, C. B. R. Sternal anomalies with supernumerary and subnumerary vertebrae and ribs Case Reports. East and Central African Journal of Surgery, Africa, 2014, v. 12, n. 1, p. 18-20. SANDE, R. D. Radiography, myelography, computed tomography, and magnetic resonance imaging of the spine. The Veterinary clinics of North America: Small animal practice, Philadelphia, 1992, v. 22, n. 4, p. 811-831. THRALL, D. E. Diagnóstico de Radiologia Veterinária. 5. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. 832p. WIDMER W. R.; TRHALL D. E. The Skull and Vertebral Column. In: TRHALL D. E. Textbook of Veterinary Radiology. Carolina do Norte: Elsevier, 2013, pp.175-177. Anais do 38º CBA, 2017 - p.0102