A QUESTÃO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NO BAIRRO SANGA FUNDA, PELOTAS, RS. Carina da Silva UFPel, carinasg2013@gmail.com INTRODUÇÃO A atual sociedade capitalista tem como alicerce, que fundamenta sua manutenção, a propriedade privada. Segundo Moraes & Costa (1987), em sua fase de acumulação primitiva, a constituição da propriedade privada e do cerceamento das terras foi uma estratégia fundamental para a evolução capitalista, sendo assim, a propriedade privada é a base que sustenta este sistema desde seus primórdios e de todas as estratégias surgidas nesse sistema essa é a principal, é a impulsionadora. Foi ela a força que os primeiros capitalistas usaram para alienar os camponeses e transformá-los em operários, foi ela também utilizada para se organizarem em classe a dos proprietários dos meios de produção em oposição e vantagem a dos trabalhadores e é ela um dos principais fatores da valorização dos produtos do capitalismo, inclusive a valorização do solo. A valorização do solo é um grande exemplo do poder que a propriedade privada concede aos capitalistas, pois se sabe que o solo não pode ser produzido por processos artificiais, de modo que, não pode ser agregado a ele valor, justamente o que ocorre no capitalismo e isso só acontece porque, conforme Silva (2008), pela simples propriedade, pelo monopólio, pelo exclusivo do proprietário da terra. Atualmente a terra é vendida como produto, por seus ditos donos, e sendo esse, um produto cada vez mais escasso, acaba muito valorizado. Essa valorização, bem como a propriedade
privada do solo são garantidas legalmente por meio de títulos de posses e registros de imóveis, concedidos aos compradores em transações legais. O bairro Sanga Funda, Pelotas, RS, baseado em uma análise empírica da autora, é um território onde os moradores em um primeiro momento se apossaram do solo e posteriormente o compraram, mas não têm nenhuma garantia legal da sua propriedade, ele faz parte da outra cidade, da cidade irregular, onde os moradores, por não conseguirem se inserir na cidade formal, para lá migraram e organizaram seu espaço. Diante do que foi acima exposto percebe-se que analisar as formas de apropriação da terra e produção do espaço no capitalismo é uma tarefa muito complexa, porém, muito importante. O CASO SANGA FUNDA Diante de uma sociedade capitalista injusta, onde os direitos não são iguais para todos, que na verdade são para poucos e onde cidade e cidadania geralmente são antagônicas, encontra-se a população do bairro Sanga Funda. Com uma população de aproximadamente 6.000 pessoas este é um bairro onde a maioria dos moradores se encontra de forma irregular em sua situação de moradia, onde as pessoas compram seus terrenos ou suas moradias, mas não têm nenhuma garantia de sua propriedade. O bairro Sanga Funda se encontra inserido na região administrativa Três Vendas, segundo o III Plano Diretor de Pelotas, na zona norte da cidade, em uma área que antes era um Logradouro Público (zona de concentração de gado). Apesar do bairro se encontrar no perímetro urbano da cidade ele apresenta muitas características de zona rural. Há ainda neste território muitos vazios urbanos. Nele os imóveis têm grandes dimensões, onde muitos dos moradores produzem seu sustento, com plantações e criações de animais. Porém esta não é a principal fonte de renda dos moradores, pois nesse bairro encontram-se mais de vinte olarias (pequenas indústrias que fabricam tijolos e cerâmicas), absorvendo a maioria da mão-de-obra masculina do local e sendo a principal fonte de renda dessas famílias. O bairro ainda conta com um frigorífico de
grande expressão regional, que também absorve parte da população economicamente ativa. Nele se organizou um território de posse e domínio dos moradores, onde eles trabalham, estudam, se divertem, enfim reproduzem suas vidas e ao fazê-lo produzem espaço e organizam território. Além disso, esse bairro já conta com alguma infraestrutura, os moradores já contam com energia elétrica, água encanada, coleta de lixo, serviços de comunicação (internet e telefone), uma escola de ensino fundamental, um posto de saúde e linha de transporte coletivo. Sendo assim infere-se que a regularização fundiária desse território não seria demasiadamente difícil, sendo possível sua efetivação, regularização essa que traria muitas transformações para a dinâmica de produção espacial desse bairro. Porém, mesmo atualmente - após o Estatuto da Cidade - surgindo muitos programas de regularização desenvolvidos pelo Estado, o bairro em questão não está inserido em nenhum desses programas. Sendo essa é uma questão muito importante de se analisar ao longo dessa pesquisa, o porquê dessa exclusão do bairro Sanga Funda dos programas de regularização fundiária. Entretanto, sabe-se que essa regularização é o aparato que legitima a propriedade privada e toda contradição e desigualdade atrelada a ela. E soma-se a esta legitimação todo um aparato burocrático e tecnológico que dita normas de uso e apropriação do solo, temos um longo processo de alienação das classes menos privilegiadas e de transformação de valores, que segundo Carlos (2011) transforma o espaço que outrora possuía valor de uso e era meio de reprodução da vida, agora adquire um valor de troca, transformando a apropriação desse pela sociedade. Dessa maneira, àquelas formas de apropriação que não seguem essas normas são consideradas transações ilegais, gerando no espaço urbano duas cidades. Segundo Silva, A terra é a base, a pré- condição essencial de qualquer modo de produção; dentro do capitalismo, ela é ao mesmo tempo vendável (uma mercadoria como as demais no mundo das mercadorias) e a renda auferida pela terra é também a pré-condição essencial para a realização do capital enquanto totalidade. (SILVA, 2008, P. 95)
Sendo assim esse trabalho se justificava pela importância de se analisar territórios onde a lógica espacial é diferente daquela, que dentro dos moldes do capitalismo, é vista como legal. Levantar a discussão sobre a propriedade privada e a regularização fundiária que a legitima, em uma sociedade tão injusta quanto a nossa, torna-se essencial para se pensar as contradições do sistema, que utiliza essa como principal estratégia para manter a sua expansão. O bairro a ser estudado é um território no sentido clássico, conforme Souza (1995) um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder, um território de posse e domínio dos diferentes grupos sociais que ali habitam. E empiricamente pode-se destacar três diferentes grupos sociais atuando neste território, o grupo dos oleiros, que seria a classe dos proprietários dos meios de produção, o grupo das famílias dos trabalhadores vinculados as olarias, que seriam o proletariado e ainda um último grupo, aquele onde as pessoas não tem direito a nada, nem a emprego, nem a educação e muito menos a habitação e ali se alojam, pois esta é a sua última opção, os totalmente marginalizados. Esses grupos se apropriam desse espaço de formas diferentes e essas diferenças podem levar a divergências nas opiniões quanto à regularização fundiária. E identificar essas diferenças é o principal objetivo que se almeja alcançar ao longo desta pesquisa. Além de sistematizar uma análise sobre a principal estratégia do capitalismo, a propriedade privada, bem como, as conseqüências dessa valorização do solo e irregularidade urbana. METODOLOGIA Na primeira etapa dessa pesquisa busca-se sistematizar a discussão teórica a cerca da propriedade privada, suas conseqüências e seus instrumentos de legitimação realizando diversas leituras, dos diversos conceitos aplicados na pesquisa, sendo esse o referencial teórico dessa pesquisa, uma etapa muito importante, a base, que precisa ser bem sólida, de toda pesquisa.
A segunda consiste na aplicação de entrevistas semi-estruturadas, buscando respostas junto aos moradores do bairro quanto à questão da regularização fundiária. Nessa etapa da será utilizado a metodologia de Saturação em Bola de Neve, onde um entrevistado indica outros possíveis entrevistados e assim sucessivamente até que não se obtenha mais respostas divergentes, chegando assim a Saturação. Em posse dessas entrevistas parte-se para uma terceira etapa, analisar as respostas das entrevistas, e por meio de dados específicos identificar os diferentes grupos sociais presentes no bairro e se há mudanças nos discursos conforme os grupos sociais. Ainda nessa etapa serão identificados os primeiros moradores do bairro e com seus relatos e também por análise documental, a quarta etapa, buscar-se-á resgatar historicamente o processo de produção desse espaço urbano. Em suma estas serão as metodologias utilizadas na construção desta pesquisa, sendo essa uma análise qualitativa desse processo que ocorre no objeto estudado. RESULTADOS E DISCUSSÕES: A pesquisa aqui apresentada ainda se encontra no campo da teórico, pois está em sua fase inicial, fase de leituras e embasamento teórico. Os dados do bairro aqui apresentados são todos referentes à análise empírica da autora, que vive nesse bairro a mais de 20 anos, bem como dados dos seus familiares e vizinhos que aí vivem a mais de 50 anos. Pretende-se, em breve, já partir para a coleta de dados com os moradores e com os órgãos públicos municipais, realizando assim a segunda, a terceira e a quarta etapa da pesquisa até o fim do ano corrente. CONCLUSÃO: Com certeza o bairro Sanga Funda tem uma dinâmica espacial muito diferente de tudo o que se vê dentro da cidade de Pelotas, pois além de ser um território irregular,
ele se encontra na interface rural-urbano. Mesmo que esteja inserido no perímetro urbano da cidade pelo III Plano Diretor, esse com certeza é um território com muitas características rurais, o que torna essa questão da regularização fundiária ainda mais específica. Porém este seria o maior empecilho para a sua realização, pois conforme já foi citado anteriormente, essa regularização não é uma tarefa muito complexa. Diante do que foi acima exposto, infere-se o quão importante para a construção de uma sociedade mais justa e menos contraditória, é o desenvolvimento de pesquisas nesse sentido, que não busquem apenas estudar os territórios irregulares como resultados desse sistema contraditório, que os torna problemas a serem resolvidos, mas que analisem profundamente esses territórios e toda a dinâmica que nele se engendra, não os vendo como problemas e sim buscando as melhores soluções para os seus problemas. Sendo assim, essa pesquisa surge da constatação da importância da análise desse território e dos atores que nele agem, buscando analisar a sua dinâmica espacial de modo que a partir dela se possa definir a real importância dessa regularização. Em suma, pretende-se ao longo dessa pesquisa, que ainda está em sua fase inicial, discutir e avaliar a principal estratégia do capitalismo, estratégia essa que é legitimada pelas leis e normas de produção do espaço urbano, a propriedade privada e todas as contradições e desigualdades relacionadas a ela. REFERÊNCIAS CARLOS, Ana Fani A.. A condição espacial. São Paulo: Contexto, 2011. COSTA, Wanderley Messias da; MORAES, Antonio Carlos R.. A valorização do espaço. São Paulo : Hucitec, 1987. SILVA, Marcio Rufino. A renda da terra em Marx e a questão da moradia urbana em Engels. Terra Livre. Porto Alegre, v. 2, p. 93-101, 2008.
SINGER, Paul. O capitalismo. Sua evolução, sua lógica e sua dinâmica. São Paulo: Moderna, 1987. SOUZA, Marcelo José L.. O território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento. In: CASTRO, I. E.; CORRÊA, R. L.; GOMES, P. C. C. (Org). Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. VIEIRA, Sidney Gonçalves, OLIVEIRA, Solange de. Origem e desenvolvimento do bairro Três Vendas em Pelotas-RS. Disponível em: www.agb.org.br/evento/download.php?idtrabalho=2506. Acesso em: 26/06/2014.