O DISCURSO DAS COTAS NA MÍDIA



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Transcrição:

O DISCURSO DAS COTAS NA MÍDIA A Insurgência de discursos e sujeitos interditados provoca, em certa medida, um arranjo de efeitos de sentidos e poderes. Assim, o discursos e os sujeitos se impõem em espaços já estabilizados, que exerce a pressão para que o outro não signifique nesse mesmo lugar ou de forma alguma como é a problemática do posição social do negro no Brasil (Rodrigues, 2007: 190). Marilza Nunes de Araújo NASCIMENTO NEAD/PG/UFMS/UEMS Marlon Leal Rodrigues NEAD/UEMS/UFMS/UNICAMP RESUMO: O objetivo geral deste artigo é de analisar os sentidos discursivos (PÊCHEUX, 1997) sobre o sistema de cotas para afro-descendentes no Brasil por meio do discurso da imprensa, como estes são presentados e produzidos pela mídia. Sendo que os objetivos específicos consistem em analisar como a mídia representa o negro a partir das cotas; questionar, analisar e problematizar por que os discursos midiáticos sobre as cotas geram ainda tanta polêmica a favor ou contra. Então, o objeto dessa pesquisa são enunciados da Revista Veja edição 2011 de 6 de junho 2007. Os mesmos foram recortados e analisados os efeitos de sentidos/verdades no que diz respeito à influência ideológica da mídia em relação às cotas. Trata-se de uma pesquisa de cunho qualitativa ancorada em teóricos da Análise do Discurso Francesa por melhor se prestarem aos nossos objetivos e proporem uma análise que trabalha na relação limite entre o lingüístico e o social. Palavraschave: Mídia; Discurso; Negro; Cotas. ABSTRACT: The purpose of this paper is to examine the "sense" discourse (PÊCHEUX, 1997) on the quota system for African-descendants in Brazil through the discourse of the press, as these are represented and produced by the media. Since the specific objectives are to analyze how the media portrays blacks as quotas, to question, analyze and problematize that the media discourses on the extent still generate so much controversy for or against. Then, the objects of this research are listed in Look Magazine 2011 edition of June 6, 2007. They were cut and analyzed the effects of meanings / truths regarding the ideological influence of the media in relation to quotas. This is a qualitative research grounded in theory of discourse analysis by French best to provide our objectives and propose an analysis that works out the relationship between the linguistic and social. Keywords: Media; Speech; Negro; Quotas. Introdução Sabe-se no discurso (Orlandi, 2001) do senso comum Lagazzi, (1988) que a prática discursa sobre o racismo ainda é um dos aspectos presentes no contexto social e político da sociedade atual brasileira, e, por uma questão histórica, vem se perpassando de geração a geração na disputa com sentidos mais ou menos estabilizados em relação aos sentidos positivos e/ou negativos sobre o negro em relação ao direito de igualdade. Ressalto que o discurso sobre este direito diz respeito não apenas a posição do negro, mas do índio, do

sem-terra etc. A sociedade, de uma forma ou de outra, tenta camuflar pelo efeito de sentido (Orlandi, 2001) produzido pelo funcionamento do discurso que não possui a prática discursiva racista. No entanto, não é raro os afro-descendentes serem vítimas dos por práticas discursivas de violência preconceituosa, muitas vezes, velada ou explícita. Basta constatar, de acordo com Rodrigues (2008), em qualquer órgão de pesquisa para se ter uma visão dos espaços sociais que o negro ocupa. No que diz respeito às cotas (políticas afirmativas para afro-descendentes), alguns discursos midiáticos apresentam em sua materialidade, vocábulos, títulos, recursos metafóricos, expressões, ironias, negações os quais deixam pistas de sentidos tendenciosos servindo a uma instância superior manipuladora e ideológica (Orlandi, 2001), pois como afirma Charaudeau (2009, p. 17) as mídias assumem posição paradoxal. Ao mesmo tempo em que elas pretendem se definir contra o poder e a manipulação, assumem discursos manipuladores por estarem a serviço de um aparelho ideológico e a interesse de classes sociais. Ressaltamos, neste sentido que as considerações de Charaudeau são importantes para demonstrar um certo funcionamento da mídia em geral. Nessa perspectiva, objetivou-se neste artigo analisar os sentidos dos discursivos (PÊCHEUX, 1997) sobre o sistema de cotas para afro-descendentes no Brasil por meio do discurso da imprensa e como a mídia representa o negro a partir das cotas. Problematizou-se e questionou-se por que os discursos midiáticos sobre as cotas geram ainda tanta polêmica quer favor ou quer contra. Acredita-se que o discurso midiático sobre as cotas se manifesta de diferentes sentidos dependendo das condições de produção em que foi irrompido (Pêcheux, 1997) por ser materializado na/pela linguagem que é uma prática social, sendo toda prática social discursiva, ideológica. Assim, essa manifestação reproduz em alguma instância alguns aspectos e sentidos da luta de classe em que o direito do negro em relação às cotas pode ser representado de forma positiva ou negativa, pois o sentido discursivo é produzido a partir de outros sentidos já cristalizados na sociedade historicamente. Dessa forma, supõe-se que propostas de mudança em benefício ou reparação histórica aos excluídos, numa sociedade capitalista, não receberia um apoio unânime, ainda mais quando se trata de uma sociedade racista marcada por preconceito de todos os tipos. Nesse sentido, a política de ação afirmativa (cotas para afro-descendentes) tem seus defensores e detratores e isso pode ser representado por meio dos discursos midiáticos, pois estes constroem representações de valores subjacentes às práticas sociais, criam e manipulam signos consequentemente produzem sentidos a partir de determinada posição social de classe

e de interesses econômicos. Para exemplificar, podemos questionar porque a mídia retrata discursivamente a violência na escola apenas em escolas públicas e não nas particulares. Justificativa É visto que os meios de comunicação de massa vêm oportunizando debates sobre as cotas com certas restrições de sentidos uma vez que a grande maioria de jornais, revistas, canais de televisão já se posicionaram contra. Então, como não é mais possível ignorar a discursividade das cotas, acabem representando de forma restrita a questão. Isso gera posições polêmicas representadas por práticas discursivas. Então, este artigo se justifica pela necessidade de analisar como acontecimento os sentidos discursivos (PÊCHEUX, 1997) atribuídos a questão étnico-racial por meio da análise do discurso da imprensa sobre a política de cotas para os negros nas universidades públicas brasileiras. Enfatizam-se como esses sentidos são representados e (re) produzidos pelas mídias. Para Guerra (2008: 98), alguns estudos mostram que a mídia usa estratégias persuasivas e discursivas induzindo, pelo efeito de sentido de seu discurso, pessoas a determinados tipos de procedimentos ou práticas discursivas. Por outro lado, algumas pessoas, mesmo presas a armadilhas midiáticas, não deixariam se sucumbir, pois a mídia não teria todo esse poder ou com concebe Pêcheux (2002) que não há nenhuma interpelação ou identificação plenamente bem sucedida. Assim, no que tange às mídias e a posição discursiva a respeito da inclusão do negro nas universidades públicas por meio das cotas abrese certos questionamentos. Perante o quadro de desigualdade e injustiça histórica, como tem se comportado a grande mídia na cobertura dos temas de interesse da população negra brasileira, vale dizer, de interesse público? Há tentativa de construção de sentido discursivo consensual na sociedade brasileira sobre as políticas de ação afirmativa propagado pela mídia em que esta se posiciona contra ou a favor? Como também de uma luta hegemônica pelo controle desse consenso permeado por discursos midiáticos ideológicos partidários? O debate das cotas na imprensa representa um espaço político, polêmico e um local de manifestação e de reprodução de luta de inclusão do negro pelo sistema de cotas ou a exclusão em que se nega as cotas como legítimas? As mídias usam de estratégias discursivas e semióticas para descaracterizarem os sentidos das cotas como política pública relevante a inserção do negro às universidades públicas brasileiras? Como os afro-descendentes são representados no discurso da imprensa?

Assim, a proposta é analisar a materialidade lingüística de enunciados que dizem respeito à política afirmativa sobre sistema de cotas para negros nas universidades públicas brasileiras. Estes foram retirados da Revista de circulação nacional Veja edição 2011 de 6 de junho 2007. A metodologia adotada refere-se a proposta de Rodrigues (2007). Os corpora foram recortados e analisados seus efeitos de sentido em relação aos sentidos de verdades no que diz respeito à influência ideológica da mídia representada nos discursos contra ou a favor às cotas, pois se entende que o discurso é uma manifestação humana ideológica que tensiona efeitos de sentidos instáveis, os quais dão significação às relações sociais. Análise dos Dados Especial VEJA Edição2011 6dejunho2007 ver capa Os gêmeos Alex e Alan Teixeira da Cunha, 18 anos, filhos de pai negro e mãe branca A decisão da banca da Universidade de Brasília que determina quem tem direito ao privilégio da cota mostra o perigo de classificar as pessoas pela cor da pele coisa que fizeram os nazistas e o apartheid sulafricano. Um absurdo ocorrido em Brasília veio em boa hora. Ele é o sinal de que o Brasil está enveredando pelo perigoso caminho de tentar avaliar as pessoas não pelo conteúdo de seu caráter, mas pela cor de sua pele Rosana Zakabi e Leoleli Camargo

Os enunciados acima deixam pista em sua materialidade lingüística/discursiva de efeitos de sentido/verdade cuja demanda é de convencer o leitor em sua posição sujeito de que houve ineficiência, irresponsabilidade e injustiça de determinado setor em relação ao direito de dois irmãos gêmeos para ingressarem na universidade por meio das cotas. O efeito discursivo conduz o leitor ao entendimento de que a política de afirmação - cotas para afrodescendentes não é rigorosamente cumprida e que há equívocos no que se refere ao direito do cidadão negro. Por isso não é vista com tanta seriedade pelos órgãos responsáveis Nesse sentido há uma descaracterização da legalidade do direito do negro sobre as cotas. Comprava-se isso ao dizer Eles são gêmeos idênticos, mas segundo a UnB. A conjunção, mas, empregada com sentido de adversidade infere à interpretação discursiva de absurdidade ocorrendo assim espetacularização discursiva midiática, pois se são gêmeos idênticos impossivelmente seriam de etnias diferentes. Os pronomes estes e o uso de reticências (...) demonstram estratégias discursivas a fim de mostrar paradoxalmente e de forma irônica efeitos de sentido que mesmo tão pertos, passaram a estarem tão longe, gêmeos univitelinos, porém diferentes, um negro e o outro branco. No entanto, a imagem dos rapazes desloca e desmobiliza esse efeito de sentido discursivo pela contradição, pois os mostram como se fossem única pessoa diferindo-os apenas pela cor do vestuário. Esta discursividade da mídia é uma forma indireta de questionar o sistema de cotas e as políticas afirmativas. No enunciado quem tem direito ao privilégio da cota Ao usar as palavras: quem, tem, privilégio, percebe outro deslocamento de sentido discursivo sobre as cotas, ou seja, estas não são uma obrigação do Estado-nação para com todos afro-descendentes, mas sim apenas privilégio que nem todos possuem, apenas alguns, ou seja, o negro não está usufruindo do direito que é dele, fora apenas contemplado como se estivesse recebendo um prêmio. As cotas de reparação histórica e direito passam a ser um discurso de privilégio com sentidos negativos em uma sociedade marcada pela desigualdade social em que o privilégio é visto de forma enviesada. Nesta parte enunciativa: mostra o perigo de classificar as pessoas pela cor da pele coisa que fizeram os nazistas e o apartheid sul-africano. O verbo mostrar reforça o sentido de certeza sobre como o direito do estudante negro é tratado estando sempre passível a enganos. A palavra perigo também reforça a idéia de despreparo e irresponsabilidade das pessoas encarregadas para lidar com essa situação. A palavra classificar, possibilita à interpretação de mesmo o afro-descendente tendo amparo legal sobre as cotas, ele ainda passará por um processo averiguação de sua posição de negro.

Ao citar: apartheid sul-africano, a imprensa midiática faz um recorte na história a fim de mobilizar memórias discursiva e recente da coletividade para reforçar sentido consensual dando-lhe ao seu dito efeito de autoridade para questionar e problematizar o assunto presente, ou seja, as cotas. Ao enunciar: Brasil está enveredando pelo perigoso caminho de tentar avaliar as pessoas não pelo conteúdo de seu caráter, mas pela cor de sua pele. Apreende-se nesse enunciado, o efeito discursivo midiático de seu posicionamento contrário às cotas. A locução verbal está enveredando, marca ação contínua de um processo que, segundo discurso da mídia, não é viável pois está se desvirtuando de um caminhos certo para outro duvidoso. O adjetivo perigoso conduz ao efeito de sentido de que é uma ação em que levará a Nação a um caminho indesejado, em que haverá mais danos que benefícios. Ainda no mesmo enunciado, os verbos, tentar e avaliar, afirmam a intencionalidade discursiva da mídia de que não há uma política séria que vá promover a justiça social, mas sim uma política equivocada em que o cidadão brasileiro negro ou branco será injustiçado por não ser considerado o seu caráter nesse processo seletivo, somente a cor de sua pele. [...] avaliar as pessoas não pelo conteúdo de seu caráter, mas pela cor de sua pele Nesse enunciado, o efeito discursivo midiático possibilita ao entendimento que a cor da pele não deve ser vista como marca de desigualdade social e racial, e nem como meio para dar direito ao cidadão negro do seu direito. Assim, prioriza o caráter como se este fosse mensurável passível de avaliação. Já no que se refere à imagem mostrada dos estudantes, analisa-se uma desconstrução identitária do negro. Há um simulacro da imagem ideal para imagem real, o qual leva à interpretação de que esses rapazes bem vestidos, bonitos, descontraídos, aparentemente não sofrem nem um tipo de preconceito e nem passam por dificuldades financeiras, portanto não há necessidade de serem tratados de maneira diferenciada, nesse caso o direito às cotas passa se visto como algo desnecessário, pois eles, da forma como foram apresentados, não são diferentes dos outros cidadãos brancos, ou seja, não necessitam de uma política diferenciada que lhes dão o direito ao acesso à universidade. Imagem perfeita para o mundo midiático. Entende-se que há, por meio dessas imagens, intenção de banalizar o sentido das cotas como política necessária e emergencial para proporcionar o direito de igualdade e equidade aos afro-descendentes e a inserção deles nas Universidades públicas, consequentemente no mercado de trabalho, já que a maior parte da população brasileira é composta por pobres, sendo eles brancos e negros, e nessa situação, apenas os afrodescendentes seriam beneficiados. Então, Percebe-se movências de sentido no discurso

midiático em que este evidencia o branco pobre como excluído, pois não tem amparo legal às cotas. Enquanto o negro, bonito, saudável, bem apessoado, mostrado no enunciado, mesmo de uma forma não confiável, tem direito ao ingresso à Universidade por meio das cotas. Considerações Finais Pautou-se nas análises feitas aos enunciados recortados da revista Veja para permear algumas reflexões a respeito da influência discursiva midiática sobre o público leitor/espectador. Notou-se que a Mídia usa de recursos diversos, sendo eles signos verbais ou não-verbais a fim de provocar no leitor/ouvinte interpretações. É possível apreender que houve intenção da mídia de descaracterizar a política de ação afirmativa como algo necessário, eficiente e eficaz que vá contribuir para erradicação da desigualdade social e a discriminação racial do país. A imagem que a mídia fez do negro induz o espectador ao entendimento de que o afro-descendente não é discriminado e que não há necessidade de tratá-lo de forma diferenciada dando-lhe direito que os brancos não o têm. A mídia usou de estratégias visuais para mostrar o negro bem aparentado, desconstruindo a real identidade do afro-descendente, camuflando na imagem os traços que marcam tal etnia. Dessa forma, o negro construído pela mídia não corre o risco de sofrer ação de preconceito e discriminação, portanto não é diferente, sendo assim, nega seu direito sobre as cotas para ingressar na universidade. Ao relatar que um dos rapazes fora vitimado, entende-se no fio do discurso que não por discriminação e sim por despreparo do órgão responsável ao selecioná-lo. Percebe-se assim tentativa de construção de sentido discursivo consensual na sociedade brasileira contra as políticas de ação afirmativa, não há discriminação, mas sim uma equipe mal preparada para lhe dar com essa questão. Notou-se também, por meio da materialidade lingüística dos enunciados, que o debate das cotas representa um espaço político, polêmico e um local de manifestação e de reprodução de luta mais excludente que inclusiva, pois ao relatar os equívocos causados ao direito do negro às cotas, nega-se a legalidade das mesmas descaracterizando-as como política pública relevante a inserção do negro às universidades públicas brasileiras. Diante disso, Rodrigues (2007, p. 190) assegura que há um percurso traçado em que se procurou, até agora, demonstrar a luta em torno dos sentidos discursivos dominadores em relação aos dominados. Trata-se de uma posição de classe do branco em relação ao negro, que com a questão das cotas possibilita a inscrição de discursos e sujeitos, em espaços tensos, em disputa pelo espaço social, com tudo que essa disputa possa significar surgindo dessa forma

efeitos de verdade apregoados pela a mídia e que de certa forma vão sendo cristalizados na memória coletiva da sociedade. Essas atitudes discursivas oriundas do campo polêmico em que se tentam descaracterizar as cotas como política necessária e emergencial para correção das disparidades vivenciadas não só pelos negros, como também pelos índios nos espaços públicos brasileiros, geram novos discursivos e reavivam memórias discursivas causando vontades de verdade. Conclui-se por meio dos enunciados analisados que há um grande paradoxo, no discurso da mídia. Enquanto esta se revela zelosa no que se refere à justiça, a denuncia e a luta em defesa da democracia em relação ao que chama de liberdade de imprensa, direito e cidadania. No entanto, a mídia não assume essa posição quando o assunto é a defesa de direitos fundamentais, neste caso, a reparação da desigualdade e da injustiça histórica de que padece a imensa população negra que os mais de 350 anos de escravidão deixaram marcas nessa gente que o país ainda não conseguiu corrigir. Espera-se que este trabalho seja relevante no que diz respeito de compreender, por um lado, a política afirmativa das cotas aos negros como acontecimento discursivo veiculados pelas mídias. Por outro, suscitar reflexões a respeito à prática discursiva midiática quando se trata de uma questão cara aos brasileiros, ou seja, da identidade étnico-racial, levando-o a questionar e analisar os discursos das mídias, pois estas por mais que se propaguem neutras, podem deixar pistas em seus discursos de posições ideológicas partidárias, ou seja Referências Bibliográficas CHARAUDEAU, P. Discurso das mídias. São Paulo: Contexto, 2009. GUERRA, Vânia M.L. Práticas discursivas: crenças, estratégias e estilos.são Carlos:Pedro & João Editores,2008 PÊCHEUX, M. Semântica discursiva. Uma crítica à afirmação do óbvio, Campinas-SP: Editora da UNICAMP, 1997. O Discurso. Estrutura ou acontecimento. Campinas-SP: 2002. ORLANDI, E. P. Discurso e texto. Formulação e circulação dos sentidos. Campinas-SP: Pontos, 2001.

RODRIGUES, M. L Discurso e Silêncio: 14 de maio: o dia que ainda não terminou. In RODRIGUES, M. L. e ALVES, W. Discurso e sentido: questões em torno da mídia, do ensino e da história. São Carlos-SP e Dourados-MS: Editora da Claraluz e Editora da UEMS, 2007. P. 167-192.. MST: Discurso de Reforma Agrária pela Ocupação. Tese de Doutoramento em Lingúsitica. IEL-UNICAMP. Campinas-SP, 2007. VEJA on line, nº 2011, 6 de junho de 2007. Disponível em: http://veja.abril.com.br. Acesso em: 05/12/2009.