PRINCÍPIOS PERCEPTIVOS EM MÚSICA. Perceptual Principles in Music

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Transcrição:

PRINCÍPIOS PERCEPTIVOS EM MÚSICA Perceptual Principles in Music Laura Franch Schmidt da Silva Resumo As leis de organização da percepção da forma foram criadas por Wertheimer, Köhler, Koffka e Lewin. Partem do pressuposto que o indivíduo percebe visualmente os objetos e a sua estrutura por meio de agrupamentos, conjuntos ou por padrões organizados. As Leis da Gestalt surgem no âmbito da Psicologia e das Artes Visuais como uma proposta teórica direcionada para o entendimento do processo perceptivo visual. Além da visão, a propriocepção, o tato e a audição são formas perceptivas inerentes ao aprendizado musical. Considerando-se que o desenvolvimento do processo percepto-aural relacionado às noções de tempo e espaço em música é uma condição tácita para a sua aprendizagem, neste estudo pretende-se referenciar à música os princípios gestálticos de segregação e unificação, fechamento, continuidade, proximidade, similaridade e pregnância, visando esclarecer as etapas e como o/a ouvinte percebe e organiza sons e silêncios constituintes da música. Palavras-chave: Percepção. Aprendizagem musical. Leis da Gestalt. Considerações Iniciais O presente artigo apresenta uma concisa correlação entre as leis de organização da percepção da (boa) forma e o processo perceptivo em música. Os conceitos de organização e coerência perceptual, enunciados pelos psicólogos gestálticos, surgem no escopo da Psicologia e das Artes Visuais como uma proposta teórica direcionada ao entendimento do processo perceptivo visual. No início do século XX, Max Wertheimer, Wolfgang Köhler 1, Kurt Koffka 2 e Kurt Lewin postularam que o processo perceptivo, formado pelos polos sensação e percepção, era apreendido por todos indivíduos da mesma maneira, por um mesmo processo psicológico envolvido na apreensão e conhecimento do fenômeno externo. 1 2 KÖHLER, Wolfgang. Gestalt Psychology: An Introduction to New Concepts in Modern Psycholoy. New York: Liveright, 1970. p. 14-25. KOFFKA, Kurt. Princípios de Psicologia da Gestalt. 1983. São Paulo: Cultrix, 1983. p. 35-41.

1841 A análise das partes nunca pode proporcionar uma compreensão do todo; o todo será concebido pelas interações e interdependência das partes. Transpondo esse arcabouço teórico ao desenvolvimento da percepção musical, a noção sobre a complexidade musical (síntese) ocorre a partir da percepção das partes (análise da figura), da forma constitutiva 3 ; advém do conhecimento das unidades constitutivas e de suas relações de nexo, pelas quais a mente constrói uma ideia de inteiro e assim, obtém uma noção do todo musical (síntese). O algo perceptivo faz parte um campo. 4 O objeto não é percebido como um produto da síntese, mas sim das conexões que faz com todo; ele se oferece como uno antes de ser submetido ao exame sensorial 5. O desenvolvimento do processo percepto-aural relacionado às noções de tempo e espaço em música é uma condição tácita para a expertise musical. O conhecimento musical que se adquire pelo estudo, experiência e prática, é verificado pela capacidade que o indivíduo tem ao aplicar o apre(e)ndido, de forma adequada, no fazer musical. 6 A estrutura musical configura-se por um sistema de inter-relações, cada som/silêncio participa de unidades de sentido maiores ao reconhecer as estruturas subjacentes em todas as dimensões. O pressuposto teórico gestáltico considera que o indivíduo percebe o estímulo e a sua estrutura por meio de agrupamentos, conjuntos ou por padrões organizados. A música é uma forma perceptiva e dinâmica, construída e simbolizada em um tempo e em um espaço. 7 Além da visão, a propriocepção, o tato e a audição são formas perceptivas inerentes ao aprendizado musical. O exercício da música considera que sua estrutura é sustentada por 3 4 5 6 7 No domínio psicológico, a teoria da Gestalt (forma) quer explicar o real decompondo-o em elementos simples. O conceito de Forma refere-se ao elemento de estruturação de mensagens e de periodicidade, noções consideradas previsíveis e aleatórias elementares. MOLES, Abraham. Teoria da Informação e Percepção Estética. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1978. p. 16-18. Pela análise do estímulo se descobre suas qualidades, significações que a habitam. Quando desejamos proceder a análise do estímulo, transportamos o objeto para a consciência. Portanto, construímos a percepção com o percebido, que comporta lacunas. MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 25-34. A percepção se anuncia em sua unidade, sem ter que ser (re)constituída a partir de um diverso sensorial. CAZNOK, Yara Borges. Música: entre o audível e o visível. São Paulo: UNESP, 2003. p. 128-129. ILARI, Beatriz. Em busca da mente musical: ensaios sobre os processos cognitivos em música da percepção à produção. Curitiba: Editora da Universidade Federal do Paraná. 2006. p. 17. Sekeff aborda as questões da emoção em música, e cita a percepção do movimento expressivo com um feito inerente à percepção da obra. A emoção estética se fundamenta na sensibilidade humana aos valores sonoros, que transcendem a experiência sensorial e de assentam em uma maior discriminação intelectual. SEKEFF, Maria de Lourdes. Da música: seus usos e recursos. São Paulo: Editora UNESP, 2002. p. 62-63.

1842 leis complexas de organicidade e de expressão 8, exigindo o desenvolvimento de habilidades e competências perceptivas que geram imagens, pensamentos e representações cerebrais. 9 A Gestalt constitui-se por leis que regem a percepção das formas, promovendo a compreensão das imagens. Essas leis são configuradas por conclusões sobre o processo perceptivo e o comportamento cerebral humano. Pela psicologia gestáltica, o agrupamento na superfície musical é o análogo auditivo da partição de campos visuais em objetos. Lerdahl e Jackendoff assinalam que as regras de agrupamento parecem ser independentes do idioma, ou seja, o ouvinte precisa saber relativamente pouco sobre um idioma musical para realizar agrupamentos estruturais. 10 Os elementos constitutivos do objeto a ser percebido são agrupados em conformidade com as características intrínsecas entre si, como: unidade, segregação, unificação, fechamento, continuidade, proximidade, similaridade e pregnância. Unidade, Segregação e Unificação Um único elemento encerra em si mesmo, molda-se em uma Unidade ou apresentase como uma parte de um conjunto. A Segregação determina a capacidade para evidenciar uma figura, contrastante, definida e saliente das demais (motivo, tema musical), que se inscreve em um fundo indefinido e complexo (textura contrapontística ou harmônica). Refere-se à capacidade intelectual para perceber, identificar, separar e destacar informações dentro de uma composição, estabelecendo hierarquias ou diferenciando as partes da obra. Dependendo da intensidade, altura, duração, timbre e textura, a Unidade terá destaque ou se diferenciará de outros elementos da mesma composição. Pelo contraste de Unidades, a forma pode ser melhor percebida. Enquanto a Segregação ocupa-se da separação perceptiva a Unificação baseia-se na igualdade e semelhança de estímulos. Ocorre quando há a percepção de um todo, um conjunto que coaduna suas unidades. 8 9 10 A linguagem musical alude noções pelas quais a música não fala, não diz, não pensa, não significa; ela comove por meio de seus sentidos, se mostrando. SEKEFF, 2002. p. 61-63. ILARI, Beatriz; ARAÚJO, Cardoso. Mentes em música. Curitiba: Ed. UFPR, 2010. p. 38-39. LERDAHL, Fred; JACKENDOFF, Ray. A Generative Theory of Tonal Music. Cambridge, Mass.: MIT Press, 1983. p. 36.

1843 Proximidade Os elementos da música agrupam-se para formar uma unidade de sentido, unem-se em tempos e espaços, alturas e durações. Elementos mais próximos (tempo e espaço) tendem a ser percebidos como um grupo, mais do que se estivessem distantes de seus similares. Batidas percutidas recorrentes e equidistantes entre si configuram-se em pulsos periódicos que formam um continuum temporal. Quanto mais próximo um pulso do outro, maior será a possibilidade de coligá-los em pulsações. Alturas executadas em sequências, por aumento de tempo, dificultam o entendimento do tema e podem não ser percebidas como formadoras de uma linha melódica/melodia. A ideia de diatônico é percebida pela execução periódica das alturas da escala. Abaixo de 1/10 de segundo, o fenômeno de repetição se dissolve na continuidade, a noção de periodicidades muito longas não são percebidas. 11 A periodicidade em música determina o início, o comprimento, as variações e o fim de um som musical. A repetição isócrona conduz ao ritmo e este cria expectativa, após um acontecimento, espera-se o seguinte 12. Pela proximidade dos elementos musicais pode-se identificar e classificar texturas e formações musicais (vocais e instrumentais). Aglomerações espontâneas (de dança e música) são formadas pela cooptação de indivíduos que se vinculam a um núcleo musical gerador - Flash Mob. O estímulo isolado núcleo musical gerador adquire forma e sentido pela aproximação dos elementos e suas inserções no contexto musical. Fechamento ou Clausura A ideia do conjunto das partes se completa, se fecha sobre si mesma, constituindo uma figura delimitada. Clausura relaciona-se ao fechamento auditivo, que busca entendimento do estímulo ao concluir o incompleto: motivo, linha melódica/melodia, seção, cadência. Ocorre quando os elementos da estrutura musical sugerem alguma extensão lógica. Verifica-se pela soma de alturas que completa uma escala diatônica, alturas à procura da resolução da tensão em direção à Tônica. O significado de Tônica que organiza um padrão que a circunda e abarca alturas entre os graus I e VIII, consiste em uma função do 11 12 No domínio sonoro, a periodicidade só é percebida em uma escala superior à espessura do presente e inferior ao limiar da saturação da percepção das durações. MOLES, 1978. p. 114-115. A variável temporal é elemento fundamental do ritmo. MOLES, 1978. p. 104-105

1844 termo. A função é um padrão 13, uma referência, cuja volta a ele indica uma relação de si com os demais de seu entorno (tensões e resoluções; funções de D - T). A ideia musical para ser entendida precisa ser apresentada na sua forma completa; quando ela é falha ou apresenta lacunas, a mente busca pelas unidades faltantes e as substitui. Similaridade ou Semelhança Eventos semelhantes tendem a se agrupar entre si e são mais facilmente interpretados como sendo um grupo. Oito alturas desorganizadas não se configuram em uma escala diatônica. A procura pelo denominador comum, por semelhanças, (noção de igual e diferente) se dá por intensidade, duração, altura, timbre, textura, extensão e forma; e em igualdade de condições. Pelas semelhanças espaço-temporal percebidas entre seus elementos constitutivos (padrões rítmicos, melódicos, contrapontísticos e harmônicos), as partes são entendidas pela mente como pertencentes a uma mesma categoria, a uma mesma estrutura, a um mesmo agrupamento. A constância perceptiva se traduz pela estabilidade da percepção. O indivíduo possui uma resistência acentuada a mudanças, que pode dificultar a identificação das igualdades e diferenças contidas em uma estrutura musical. A mente procura identificar elementos musicais parecidos/conhecidos quando escuta paródias ou versões de uma mesma composição musical. Da mesma maneira, a mente procede ao comparar estilos e gêneros musicais com base na presença de características similares presentes na estrutura musical. Nas canções populares ou eruditas, o anúncio de rimas nos versos sublinha uma constância sonora, que se repete, confirma a sonoridade esperada e facilita a assimilação melódica. Plágios musicais podem ser identificados por apresentar ao ouvinte uma estrutura musical idêntica ao original, uma sonoridade já apresentada à mente e possível de ser aludida. A manutenção de padrões intervalares periódicos (de escalas tonais e modais) permite ao ouvinte o reconhecimento de um léxico, mesmo quando a escala é transposta. Desta forma, pela ideia de padrão tonal, de contorno melódico, uma melodia poderá ser 13 LANGER, Susanne. Filosofia em Nova Chave. São Paulo: Perspectiva, 1989. p. 63-71.

1845 reconhecida quando transposta a outro tom 14, tanto pelo ouvido laico como pelo profissional, por manter sua identidade 15. (Boa) Continuidade Há uma tendência de a nossa percepção seguir uma direção para conectar os elementos de modo que eles pareçam contínuos ou fluindo em uma direção específica. Está relacionada à coincidência de direções, ou ao alinhamento das formas dispostas. Se vários elementos de uma estrutura apontam para a mesma direção espaço-temporal, o resultado fluirá naturalmente, facilitando a compreensão. Este alinhamento entre os elementos da mesma estrutura passam a impressão de vínculo, de se movimentarem para uma mesma direção, como é o caso da percepção de notas constituintes de um arpejo/acorde, das noções de consonância e dissonâncias melódicas no contraponto e na harmonia; da identificação de contornos melódicos (ascendente, descendente, linear, senoidal, arco, arcoinvertido) pelo nexo entre as alturas que configuram e proporcionam a forma. Esta Lei auxilia na compreensão da presença de duas melodias, que ao soarem juntas em consonância formam uma única canção (quodlibet), um uno. A continuidade perceptiva é necessária para se escutar a linha de regência, ou a voz principal, ou a voz em contraponto, é a base perceptiva para escutar texturas contrapontísticas. Na harmonia, refere-se à lógica da escuta de encadeamentos harmônicos, que perpassa a noção de audição do acorde isolado e de seus estados (fundamental ou inversões). Pregnância É a capacidade de reconhecer forma, elementos e estrutura a partir da sua simplicidade e clareza. A Pregnância é o princípio que rege estruturas rítmico-melódicas das cantigas de ninar, canções folclóricas, e as atividades musicais oferecidas aos iniciantes. Há uma tendência perceptiva pela qual o indivíduo simplifica a complexidade de trechos musicais, retirando as dissonâncias, simplificando intervalos, estruturas rítmicas e 14 BREGMAN, A. Auditory Scene Analysis: the perceptual organization of Sound. Cambridge, Mass.: Bradford Books, MIT Press, 1990. p. 15-16. 15 LEVITIN, Daniel. A Música no seu Cérebro: a ciência de uma obcessão humana. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. p. 67-93.

1846 harmônicas. Repetições, periodicidades e a alta pregnância favorece a memorização e possibilita ao ouvinte encontrar, perceber o quê está procurando na música. Considerações Finais O interesse por apresentar uma correlação entre as leis de organização da percepção da (boa) forma e o processo perceptivo em música corrobora para a reformulação do ensino e da aprendizagem comprometidos com a expertise musical. Durante o Século XX e ainda hoje, o desenvolvimento da percepção ficou limitado ao exercício de ditados e solfejos rítmico-melódicos, considerados suficientes e eficazes para que o/a aprendente desenvolvesse habilidades perceptivas necessárias para a compreensão da complexidade musical. Embora priorizasse o estudo da música aos pedaços, compasso a compasso, frase a frase, o nexo entre seus elementos permanecia restrito ao âmbito espaço-temporal da atividade. Considerando-se que o todo não se constitui pela soma de suas partes, mas sim pelas relações de nexo entre seus elementos, muito ainda precisa ser investigado sobre Unidade, Segregação, Unificação, Fechamento, Continuidade, Proximidade, Similaridade e Pregnância para entender como a mente musical percebe com mais facilidade a estrutura da música. Referências BREGMAN, A. Auditory Scene Analysis: the perceptual organization of Sound. Cambridge, Mass.: Bradford Books, MIT Press, 1990. CAZNOK, Yara Borges. Música: entre o audível e o visível. São Paulo: UNESP, 2003. ILARI, Beatriz. Em busca da mente musical: ensaios sobre os processos cognitivos em música da percepção à produção. Curitiba: Editora da Universidade Federal do Paraná. 2006. ILARI, Beatriz; ARAÚJO, Cardoso. Mentes em música. Curitiba: Ed. UFPR, 2010. KOFFKA, Kurt. Princípios de Psicologia da Gestalt. São Paulo: Cultrix, 1983. KÖHLER, Wolfgang. Gestalt Psychology: An Introduction to New Concepts in Modern Psycholoy. New York: Liveright, 1970. LANGER, Susanne. Filosofia em Nova Chave. São Paulo: Perspectiva, 1989. LERDAHL, Fred; JACKENDOFF, Ray. A Generative Theory of Tonal Music. Cambridge, Mass.: MIT Press, 1983.

1847 LEVITIN, Daniel. A Música no seu Cérebro: a ciência de uma obcessão humana. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999. MOLES, Abraham. Brasileiro, 1978. Teoria da Informação e Percepção Estética. Rio de Janeiro: Tempo SEKEFF, Maria de Lourdes. Da música: seus usos e recursos. São Paulo: Editora UNESP, 2002.