Impacto reológico na descontaminação microbiológica de uma emulsão alimentar: Pasteurização vs Radiação gama

Documentos relacionados
RELATÓRIO DE ACTIVIDADES 2015

Irradiação gama de castanhas calibradas provenientes de uma unidade industrial: cor e textura

Microbilogia de Alimentos I - Curso de Engenharia de Alimentos Profª Valéria Ribeiro Maitan

Escola Superior Agrária de Coimbra DISCIPLINA: PROCESSAMENTO GERAL DOS ALIMENTOS. O Leite UHT

Avaliação do tratamento de frutas e vegetais por radiações ionizantes para grupos de risco

MICROONDAS. Trabalho realizado por: Diana Almeida João Rocha Sara Lages Hugo Coimbra. nº nº nº nº

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA CELSO SUCKOW DA FONSECA

Avaliação da Fertilidade do Solo usando como cobaia o Aspergillus níger - Solos de Mértola e Mitra -

Escola Superior Agrária de Coimbra PULSOS. U.C: Processamento Geral de Alimentos. Pulsos eléctricos. Aspectos de engenharia dos PEF s

Disciplina: Controle de Qualidade Série: 2ª Turmas: L/N/M/O. Curso: Técnico em Agroindústria. Professora: Roberta M. D.

5. Resultados e Discussão

Creme de leite e Manteiga

REGULAMENTO TÉCNICO MERCOSUL DE IDENTIDADE E QUALIDADE DO CREME DE LEITE

EFEITO DA RADIAÇÃO POR FEIXE DE ELÉTRONS SOBRE AS PROPRIEDADES MECANICAS DO POLIETILENO DE ALTA DENSIDADE

Avaliação do uso da radiação gama na conservação de carnes: uma revisão

RELATÓRIO DA VERIFICAÇÃO DE CONTAMINAÇÃO MICROBIANA EM EMBALAGENS PARA TRANSPORTE DE ALIMENTOS

4 4

Conservação de frutos secos: resultados de ensaios experimentais. Paula Correia Cátia Almeida Raquel Guiné

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Departamento de Engenharia Química para contato:

Redução da viscosidade da polpa de acerola

ELABORAÇÃO DE BEBIDA LÁCTEA ACIDIFICADA

CONTROLE DE MICROORGANISMOS. Profa Cristina Petrarolha Silva FCAA FEA Medicina Veterinária

PROJECTO PULSAR EFEITOS DA RADIAÇÃO CÓSMICA EM PELÍCULA HOLOGRÁFICA

Aplicação em escala laboratorial

DIREÇÃO DE COMPROVAÇÃO DA QUALIDADE

INFLUÊNCIA DO ÁCIDO ASCÓRBICO SOBRE OS PARÂMETROS FÍSICOS E DE TEXTURA DO PÃO FRANCÊS PRODUZIDO DE MASSA CONGELADA

QUÍMICA ANALÍTICA V 2S Prof. Rafael Sousa. Notas de aula:

Challenge testing and shelf-life studies

INFLUÊNCIA DA RADIAÇÃO GAMA NOS FATORES DE QUALIDADE INTERNA DE OVOS DE CONSUMO

DETERMINAÇÃO DE PARÂMETROS DE MODELOS REOLÓGICOS PARA O MELAÇO DE CANA-DE-AÇÚCAR E DO LEITE DE COCO

AVALIAÇÃO DOS EFEITOS DA RADIAÇÃO POR FEIXES DE ELÉTRONS NAS PROPRIEDADES MECÂNICAS DO POLIPROPILENO

Avaliação da qualidade de silagem e grãos de milho usando equipamento de análise química olfativa znose (Nariz Eletrônico)

AVALIAÇÃO DO TEMPO DE COZIMENTO DA MASSA DE QUEIJO SOBRE A UMIDADE DE QUEIJO PRATO DURANTE A MATURAÇÃO

PERFIL SENSORIAL DE CAFÉS TRADICIONAL E EXTRAFORTE

Henrique John Pereira Neves (1); Eliane Bezerra de Moraes Medeiros (1); Otidene Rossiter Sá da Rocha (2); Nelson Medeiros de Lima Filho (3)

UTILIZAÇÃO DE UM DELINEAMENTO COMPOSTO CENTRAL ROTACIONAL PARA AVALIAÇÃO MICROBIOLÓGICA DE POLPAS DE AÇAÍ PASTEURIZADAS

CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS PELO EMPREGO DE ALTAS TEMPERATURAS

QUALIDADE MICROBIOLÓGICA DE MANTEIGAS COMERCIALIZADAS EM VIÇOSA (MG) 1. Introdução

ANÁLISE FÍSICO-QUÍMICA DA MASSA DE TRUFA DE BRIGADEIRO E BEIJINHO

INDICADORES DE ESTERILIZAÇÃO

Esterilização de suco de abacaxi por microfiltração

CONSERVAÇÃO DO LEITE

OTIMIZAÇÃO DA PRODUÇÃO DE GOMA XANTANA À PARTIR DE SORO DE LEITE

Estabilidade Enzimática

INTRODUÇÃO. COMO FAZER O HACCP FUNCIONAR REALMENTE NA PRÁTICA* Sara Mortimore PREPARAÇÃO E PLANEAMENTO ETAPA 1 INTRODUÇÃO

ESTUDO DOS COMPORTAMENTOS REOLÓGICOS DAS DISPERSÕES IRRADIADAS DOS CASEINATOS DE CÁLCIO E DE SÓDIO. Susy Frey SABATO

Análise Técnica. Segurança Microbiológica de Molhos Comercializados em Embalagens Tipo Sache: Avaliação de um Abridor de Embalagens

Estudo da cinética Química

Estudo da estabilidade do sistema Paratest usado para diagnóstico das parasitoses intestinais Rev.00 10/01/2011

MESTRADO QUALIDADE ALIMENTAR E SAÚDE

ESTUDO DO COMPORTAMENTO MECÂNICO DO PMMA SOB FLEXÃO APÓS IRRADIAÇÃO UV E GAMA

DIREÇÃO DE COMPROVAÇÃO DA QUALIDADE DIREÇÃO DE PRODUTOS DE SAÚDE DIREÇÃO DE INSPEÇÃO E LICENCIAMENTO. Soluções para Lavagem Nasal

BEBIDAS LÁCTEAS NÃO FERMENTADAS ADICIONADAS DE POLPA DE ABACATE: ANÁLISE DO PERFIL DE TEXTURA

QUEIJO TIPO MINAS FRESCAL COM COLÁGENO HIDROLISADO E ORÉGANO: TECNOLOGIA DE FABRICAÇÃO E AVALIAÇÃO SENSORIAL

7 Technological Constraints. est of tructural dhesives. connections. resistance. high

6.2 MELHORAMENTO DAS CARACTERÍSTICAS DE GRANULOMETRIA E PLASTICIDADE

4. Resultados e Discussão

TÍTULO: ANÁLISE MICROBIOLÓGICA DE ESPONJAS UTILIZADAS NA HIGIENIZAÇÃO DE UTENSÍLIOS DE COZINHA DE RESTAURANTES DO MUNICÍPIO DE ANÁPOLIS-GO

Pesquisa de Leveduras em Rios. Poluídos e não Poluídos

REGULAMENTO TÉCNICO DE IDENTIDADE E QUALIDADE DE SORO DE LEITE 1. Alcance

Art. 2º Esta Instrução Normativa entra em vigor na data de sua publicação.

Análise da qualidade no processo produtivo de leite pasteurizado do tipo C em um laticínio de pequeno porte

Contaminação microbiana de embalagens de madeira versus embalagens de plástico

Distribuição T - Student. Prof. Herondino S. F.

Química Analítica V 2S Prof. Rafael Sousa. Notas de aula:

Controle dos Microrganismos nos Alimentos

Profa.. Dra. Ana Maria Pereira Neto

PASTEURIZAÇÃO. Pasteurização 24/3/2011. Curso de Nutrição ALM024- Processamento de Alimentos. A pasteurização é usada quando:

Aplicação da Estatística de Weibull na Avaliação da Tensão de Ruptura a Flexão de Revestimento Cerâmico

ESTUDO REOLÓGICO DE MICROEMULSÕES UTILIZADAS PARA RECUPERAÇÃO DE PETRÓLEO

Lic. Eng. Alimentar Processamento Geral de Alimentos Módulo II 18 de Janeiro de 2010

Denardin, E.L.G. (1), Janissek, P.R (2)., Samios, D. (1)

INSPEÇÃO DE LEITE E DERIVADOS PROFª ME. TATIANE DA SILVA POLÓ

Agricultura familiar na atividade leiteira no Brasil: Pressupostos e proposta metodológica

Prova Escrita Edital 068/2011

FÍSICA NUCLEAR E PARTÍCULAS

ANÁLISE MICROBIOLÓGICA DE MÃOS DE MANIPULADORES, MÁQUINAS DE MOER CARNE E FACAS DE CORTE, EM SUPERMERCADOS DA CIDADE DE APUCARANA- PR

QUÍMICA ANALÍTICA. A análise qualitativa estabelece a identidade química das

20/05/2011. Leite de Qualidade. Leite de qualidade

DIRECÇÃO DE COMPROVAÇÃO DA QUALIDADE DIRECÇÃO DE PRODUTOS DE SAÚDE DIRECÇÃO DE INSPECÇÃO E LICENCIAMENTO. Soluções de Cuidado para Lentes de Contacto

PRINCÍPIOS BÁSICOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO

CATÁLISE ENZIMÁTICA. CINÉTICA Controle da velocidade de reações. CINÉTICA Equilíbrio e Estado Estacionário

Química Analítica V 1S Prof. Rafael Sousa. Notas de aula:

A viscosidade e a sua medição. Profa. Débora Gonçalves

Curso de rotulagem geral de alimentos embalados. 3º Módulo.

Identificação e selecção de descritores para o estabelecimento de um perfil sensorial

Resultados obtidos nas medições.

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ANIMAIS INSPEÇÃO DE PRODUTOS DE ORIGEM ANIMAL

TRANSFERÊNCIA DE CALOR POR CONVECÇÃO NATURAL E FORÇADA À VOLTA DE CILINDROS METÁLICOS TP4

CONTRIBUIÇÃO PARA O ESTUDO DA ACTIVIDADE ANTIOXIDANTE DE VINHOS PORTUGUESES*

03/02/2016. Métodos físicos e instrumentais de análise de alimentos INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, MÉTODOS FÍSICOS

~---==-=-= - Qualidade dos alimentos: novos desafios. Bragança, Setembro ISBN

Estudo do comportamento reológico e da microestrutura de emulsões alimentares água/óleo

FENÔMENOS DE TRANSPORTES

Profa. Angélica Pinho Zootecnista. Fones: Profa. Gladis Ferreira Corrêa

Avaliação Quantitativa das Preparações Enzimáticas

TÍTULO: QUEIJO MEIA CURA COM IMERSÃO EM BEBIDAS ALCOÓLICAS CATEGORIA: EM ANDAMENTO ÁREA: ENGENHARIAS E ARQUITETURA SUBÁREA: ENGENHARIAS

MATERIAIS ELASTOPLÁSTICOS

Art. 1º Aprovar a Inclusão de Coadjuvante de Tecnologia/Elaboração no Regulamento Técnico para Fixação de Identidade e Qualidade de Leite em Pó.

Profa. Angélica Pinho Zootecnista. Fones: Wats: (53)

Transcrição:

Impacto reológico na descontaminação microbiológica de uma emulsão alimentar: Pasteurização vs Radiação gama M. Oliveira 1,2, M.G. Lima 1, V. Dores 2, S.C. Verde 2, H. Marcos 2, T. Silva 2, I. Nunes 2, R. Melo 2, A. António 2, M.L. Botelho 2 1 Escola Superior Agrária de Santarém Instituto Politécnico de Santarém, São Pedro, Apartado 3102004 Santarém E-mail: gbastodelima@gmail.com 2 Unidade de Física e Aceleradores, Instituto Tecnológico e Nuclear, Estrada Nacional 10, 2686-953 Sacavém, Portugal. E- mail: mlb@itn.pt Resumo O presente trabalho teve como objectivo comparar o tratamento de emulsões alimentares por radiação ionizante (e.g. radiação gama) com o tratamento térmico pasteurização. Para tal, foram avaliados parâmetros microbiológicos (e.g. caracterização da carga microbiana da fase aquosa e produto final), reológicos (e.g. viscosidade na fase aquosa e textura no produto final) e sensoriais (no produto final). Os resultados obtidos sugerem que não existem diferenças significativas entre o produto pasteurizado e o produto irradiado, quer em termos de viscosidade, quer a nível de textura. Também na análise sensorial se denotou uma aceitabilidade semelhante entre os produtos. Ambos os parâmetros têm elevada relevância na aceitabilidade do produto por parte do consumidor. Relativamente à avaliação microbiológica, o tratamento por radiação gama demonstrou uma maior eficiência de inactivação microbiana mais eficaz que o tratamento térmico por pasteurização. Os resultados obtidos evidenciam a potencialidade da aplicação da radiação gama como tratamento de conservação para as emulsões alimentares. Palavras-Chave: Emulsão alimentar, Pasteurização, Irradiação, Microbiologia alimentar, Propriedades reológicas. Abstract This study aimed to compare the treatment of food emulsion by ionizing radiation (e.g. gamma radiation) and heat treatment (e.g. pasteurization). It were evaluated microbiological (e.g. bioburden of aqueous phase and the final product), rheological (e.g. viscosity of the aqueous phase and texture in the final product) and sensory (final product) parameters. The results obtained, from viscosity and texture analysis point out to no significant differences between the product pasteurized and irradiated. Also in the sensory analysis were observed a similar acceptability between products. Both parameters have high relevance in the acceptability of the product by the consumer. The microbiological evaluation indicated a higher microbial inactivation efficiency by, by gamma radiation treatment than by pasteurization. The obtained results highlight the potential application of gamma radiation as a treatment for the conservation of food emulsions. 1. Keywords: Food emulsion, Pasteurization, Food irradiation, Food microbiology, Rheological properties 1

1. INTRODUÇÃO A utilização de emulsões na alimentação está muito ampliada, de modo que não se fica indiferente à sua complexidade em alimentos, como as margarinas e cremes de barrar. O creme de barrar é uma emulsão (água/óleo) cristalizada que envolve uma fase gorda e uma fase aquosa, onde o teor de matérias gordas é inferior a 80%. A fase aquosa é preparada pela adição à água de soro de leite, regulador de acidez (ácido cítrico), conservante (sorbato de potássio), e sal (quando utilizado) [1 e 2]. Dependendo da emulsão pretendida, existem diversos processos de pasteurização desde o início do processo de fabrico (e.g. matérias-primas) até ao produto final. A pasteurização é o processo usado em alimentos para inactivar microrganismos patogénicos existentes tendo como principio activo o binómio tempo/temperatura [3]. O interesse actual á obtenção de cada vez mais altos padrões de qualidade e aos progressos nos aspectos tecnológicos de fabrico, faz surgir a irradiação como tratamento alternativo de conservação dos alimentos. A irradiação é um "processo frio" e pode ser utilizado para pasteurizar e esterilizar alimentos sem causar modificações, ao contrário do tratamento térmico. Este tratamento não deixa resíduos tóxicos que sejam prejudiciais para o alimento e mostra-se mais eficaz na inactivação de bactérias prejudiciais assim como potenciais microrganismos causadores de intoxicações alimentares [4 e 5]. Nas Indústrias Alimentares a reologia tem tido um papel cada vez mais importante, fazendo-se sentir principalmente no controlo de qualidade e de processo, no desenvolvimento de produto e na concepção das linhas de fabrico [6]. Os alimentos possuem diversas propriedades que são aproveitadas como critérios de qualidade, sendo nos alimentos líquidos a consistência e nos alimentos sólidos a textura. A determinação da viscosidade informa-nos do comportamento do fluído e o seu escoamento a uma dada temperatura. É de todo importante o seu conhecimento para o acompanhamento do processo de fabrico. A textura é um factor sensorial de aceitabilidade, visto ser percepcionado directamente pelos sentidos dos consumidores [7]. A exigência por parte do consumidor ao longo do tempo tem vindo a aumentar, requisitando alimentos mais seguros e que alcancem determinadas propriedades sensoriais, físicas e macroscópicas. 2. MATERIAL E MÉTODOS Amostragem As amostras de fase aquosa, dos dois lotes, de matéria-prima da empresa produtora de margarinas, foram recolhidas no tanque de armazenamento, antes e depois do processo de tratamento por pasteurização. A recolha efectuou-se em dois frascos estéreis de 1l e 0,5L para a não pasteurizada e a pasteurizada, respectivamente, em condições assépticas. As amostras não pasteurizadas de cada um dos lotes foram expostas à radiação ionizante utilizando sacos estéreis com 0,25L de amostra. As amostras foram irradiadas na fonte de Cobalto-60 localizada na Unidade Tecnológica de Radiação (UTR) do Instituto Tecnológico e Nuclear (ITN), num local calibrado, com débito de dose de 2 kgy.h -1. As doses de radiação gama aplicadas foram de 2 kgy, 5 kgy e 10 2

kgy. As doses absorvidas foram monitorizadas por dosímetros de rotina (Dosímetros Amber Perspex, Harwell). A elaboração das emulsões em laboratório, foi elaborada com a fase aquosa pasteurizada de cada lote e uma fase gorda recolhida da empresa produtora de margarinas e a fase aquosa irradiada a 10 kgy dos dois lotes com a mesma fase gorda. Todos os ensaios foram acompanhados pelo respectivo branco (amostra não tratada). Caracterização da carga microbiana Na determinação da carga microbiana recorreu-se aos seguintes métodos: (i) espalhamento directo de alíquotas (1mL e 0,1mL) das amostras em meio de cultura sólido Tryptic Soy Broth (Merck, TSA); e (ii) filtração por membrana de nitrocelulose (0,45 µm, Satorious) de alíquotas da fase aquosa e amostras pasteurizadas. Cada sementeira foi efectuada em triplicado para cada amostra. Após sementeira procedeuse à incubação a 32 ºC durante 7 dias. A contagem das unidades formadoras de colónias foi efectuada às 24 horas, 48 horas, 72 horas, 5ºdia e 7ºdia. Com base no cálculo das unidades formadoras de colónias por mililitro de amostra (ufc/ml) estimou-se a eficiência de inactivação microbiana para cada tratamento, segundo a seguinte equação: A quantificação dos microrganismos das emulsões efectuadas com a fase gorda e a fase aquosa pasteurizada e a fase aquosa irradiada a 10 kgy, dos dois lotes, foi efectuada por espalhamento de 1mL e 0,1mL de uma solução de um grama de emulsão numa solução de 100mL de soro fisiológico + 5% tween esterilizada, em três réplicas cada, em placas de TSA. Relativamente à avaliação qualitativa da população microbiana procedeu-se à caracterização morfológica dos isolados das amostras tratadas (e.g. pasteurizadas e irradiadas às várias doses e emulsões). Esta tipificação fenotípica baseou-se em características macroscópicas, microscópicas e bioquímicas (actividade catalásica e presença da enzima citocromo oxidase) dos microrganismos. Na determinação destas características recorreu-se a métodos convencionais de bacteriologia [8]. O esquema de classificação utilizado (Figura 1) divide os isolados em grupos morfológicos segundo as características obtidas [9]. (1) Bactéria Cocos Gram + Gram - Gram + Catalase + Catalase - Catalase + Catalase - Esporos + Catalase + Catalase - TIPO I TIPO II TIPO III TIPO IV TIPO V TIPO VI Bacilos Gram - Esporos - Oxidase + Oxidase - TIPO VII TIPO VIII TIPO IX Fungo Levedura Filamentoso TIPO X TIPO XI ( (1) 3

Figura 1. Esquema de classificação utilizado na caracterização morfológica dos isolados das amostras Viscosidade Para a avaliação da viscosidade das amostras em estudo (fase aquosa), recorreu-se a um viscosímetro rotacional de cilindros coaxiais (HAAKE - modelo VT 550), contendo o software Rheowin Pro, para o qual foi necessário criar uma página com as condições de ensaio (Tabela 1). Tabela 1. Condições de ensaio para a determinação da viscosidade na fase aquosa das emulsões Condições de ensaio Velocidade de deformação inicial 100 1/s Velocidade de deformação final 1000 1/s Temperatura 20 ºC Sensor NV Número de leituras 100 Textura A textura das emulsões alimentares em estudo foi analisada através de um texturómetro Stevens QTS-25, onde se utilizou como ensaio de análise o TPA (Texture Porfile Analysis). Para a obtenção das leituras das análises efectuadas nas emulsões utilizou-se as condições de ensaio apresentadas na Tabela 2. Tabela 2. Condições de ensaio para a determinação da textura das emulsões Tipo de Sonda Trigger point Espessura da sonda Velocidade da sonda Condições de ensaio Sonda de penetração 1g 5 mm 60mm/min Número de ciclos 2 Hold time Target Unit Target Value Número de ensaios 20seg. Distance 20mm 5ensaios/ emulsão Para o produto em estudo avaliou-se, pela observação dos gráficos da textura: 1) a dureza (F1 - primeiro pico e F2 - segundo pico) que demonstra a força necessária de penetração na primeira e segunda dentada; 2) o módulo aparente (declive inicial da curva de deformação) que está associado à rigidez do alimento; 3) a coesividade (A2/A1; A área) que indica a resistência do produto da segunda deformação em relação à primeira deformação; 4) a elasticidade (D2/D1) que está relacionada com a percentagem de recuperação do material; 5) a gomosidade (F1*coesividade); 6) a 4

mastigabilidade (gomosidade*elasticidade). As diferenças de médias dos parâmetros foram analisadas pelo teste Post hoc de Fisher. O primeiro lote foi analisado após dois meses de armazenamento e o segundo lote com duas semanas, ambos a temperatura de refrigeração. Análise sensorial A análise sensorial das emulsões pasteurizada e irradiada a uma dose de 10 kgy foi avaliada através de um painel de provadores não treinado, constituído por 28 juízes. Para esta avaliação foi efectuado um teste de aceitabilidade do produto, a fim de aferir até que ponto o produto poderia ser recusado/aceite pelo consumidor. Como parâmetros de relevo seleccionou-se a cor, o odor, o sabor, a quantidade de sal, a textura da emulsão no barramento, e o produto de maneira geral, para equiparar as duas emulsões. A classificação utilizada foi de um a cinco, sendo que: 1 - Não gostei nada; 2- Não gostei; 3 - Não desgostei/nem gostei; 4 Gostei; e 5 -Gostei muito. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Caracterização da carga microbiana A carga microbiana média estimada para a fase aquosa (Lote 1 e 2) encontra-se apresentada na Tabela 3. Tabela 3. Carga microbiana média estimada para as amostras analisadas (Lote 1 e 2) e respectivo erro padrão (3<n<15). Amostra Carga microbiana média ± Erro padrão (ufc/ml) Fase aquosa 10x10 3 ± 4x10 3 Fase aquosa Pasteurizada 2x10 3 ± 0,6x10 3 Após pasteurização verificou-se um decréscimo da população microbiana de aproximadamente 1 logaritmo decimal. De forma a analisar a resposta da população microbiana das amostras à radiação gama, procedeu-se à representação gráfica do logaritmo do número de sobreviventes (ufc/ml) em função da dose absorvida (Figura 2). Para fins comparativos, apresenta-se igualmente o logaritmo da carga microbiana média das amostras após pasteurização. De uma forma generalizada, assume-se que a inactivação microbiana por um agente letal segue uma cinética exponencial. Esta cinética caracteriza-se por um decréscimo exponencial do número de sobreviventes em função da dose absorvida, sendo representada pela seguinte equação [10]: 5

Figura 2. Inactivação da população microbiana total (log UFC/ml) de amostras de fase aquosa (lote 1 e 2) após irradiação a várias doses de radiação gama e após pasteurização. Encontram-se representados graficamente os intervalos de confiança dos valores médios para um nível de significância de 95% (α = 0,05; 3<n<15). Segundo os resultados obtidos, as populações microbianas das amostras de fase aquosa não seguem uma inactivação linear, apresentando uma curva de inactivação côncava. Este desvio à linearidade pode ser interpretado considerando a heterogeneidade da população microbiana em relação à resistência ao agente letal: as células mais sensíveis são inactivadas primeiro e as mais resistentes são inactivadas no final originando uma cauda na curva [11]. Quantitativamente verificou-se eficiências de inactivação superiores a 99% a partir dos 2 kgy em comparação com os 80% estimados para a pasteurização (Tabela 4). Tabela 4. Eficiências de inactivação da população microbiana da fase aquosa após exposição a doses de radiação gama e pasteurização. Doses de radiação gama /tratamento Eficiência de inactivação (%) 2 kgy 99,64 5 kgy 99,99 10 kgy 100,00 Pasteurização 84,94 Considerando como objectivo de tratamento uma redução da carga microbiana de 3 logaritmos decimais a qual corresponde a uma eficiência de inactivação de 99,9%, verifica-se que a exposição a uma dose de radiação gama de 5 kgy podia garantir a descontaminação pretendida. A representação gráfica da frequência relativa dos grupos morfológicos dos microrganismos isolados antes e após irradiação e pasteurização para ambas as amostras encontram-se na Figura 3. 6

Figura 3. Frequência relativa dos grupos morfológicos dos microrganismos isolados da solução mãe antes e após irradiação e pasteurização (n = 1975). A fase aquosa apresentou uma microbiota diversa, constituída por sete tipos morfológicos, sendo o mais frequente os bacilos gram negativos oxidase negativos (53%). Com o aumento da dose de radiação gama a diversidade microbiana diminuiu, verificando-se uma dominância dos fungos filamentosos (96%) para os 5 kgy e dos bacilos gram negativos oxidase positivos (100%) para os 10 kgy. Analogamente, para a amostra pasteurizada o grupo de microrganismos mais frequente (72%) foi o mesmo do que para o branco. O perfil de inactivação microbiano obtido pode dever-se à resistência intrínseca dos microrganismos contaminantes bem como à natureza do substrato, nomeadamente à presença de compostos químicos com efeitos protectores/sensibilizadores da radioresistência microbiana. Relativamente às emulsões elaboradas em laboratório, apresentaram uma carga microbiana relativamente baixa (< 10 3 ufc/ml), como se pode verificar na tabela 5. Tabela 5. Carga microbiana estimada para as emulsões efectuadas em laboratório e emulsão industrial (1<n<6). Amostra Carga microbiana (média ± Erro padrão) (ufc/ml) Emulsão não tratada 4x10 2 ± 3x10 2 Emulsão Pasteurizada 20x10 2 Emulsão irradiada (10 kgy) < 1x10 2(a) (a) Limite de detecção do método. (b) Valor referente apenas a uma réplica de um lote. Para as amostras de emulsões preparadas com as fases aquosas irradiadas não foi detectado qualquer crescimento microbiano segundo a metodologia utilizada. Contrariamente, a amostra elaborada com a fase aquosa pasteurizada foi a que apresentou uma carga microbiana mais elevada. A representação gráfica da frequência relativa dos grupos morfológicos dos microrganismos isolados das emulsões encontra-se na Figura 4. 7

Figura 4. Frequência relativa dos grupos morfológicos dos microrganismos isolados das emulsões sem tratamento e pasteurizada (n = 57). Com base na tipificação fenotípica efectuada, as emulsões apresentam uma microbiota composta por dois tipos morfológicos, sendo o mais frequente os bacilos gram positivos esporulados (67%). Os resultados sugerem que com a pasteurização, a diversidade microbiana das emulsões não diminui, mas verifica-se uma alteração da frequência relativa dos tipos morfológicos, sendo que para a emulsão pasteurizada o grupo de microrganismos mais frequente (98%) foi o mesmo do que para o branco. Com base nos resultados microbiológicos obtidos, a irradiação aponta ser um processo de tratamento alternativo e eficaz para o controlo higieno-sanitário de emulsões alimentares. Viscosidade Foram efectuadas 100 leituras, entre os 100 e os 1000 s-1 de velocidade de deformação, em cada um dos cinco ensaios de cada amostra de fase aquosa dos dois lotes. Fez-se a média dos cinco ensaios em cada amostra e representou-se graficamente. Figura 5. Representação gráfica da viscosidade das várias amostras da fase aquosa A fase aquosa pasteurizada, às diferentes doses de irradiação (2, 5 e 10 kgy) e o respectivo branco nos dois lotes, apresentam um comportamento de um fluido newtoniano. Esta asseveração pode confirmar-se observando que a viscosidade mantém-se constante com o aumento da velocidade de deformação. 8

Textura Os valores médios e respectivos desvios padrões dos parâmetros de textura acima referidos para as diferentes emulsões foram equiparados. Tabela 6. Valores médios e respectivos desvios padrões dos parâmetros de textura para as diferentes emulsões Tratamento Lote M Ṁ ± σ n-1 M Ṁ ± σ n-1 M Ṁ ± σ n-1 M Ṁ ± σ n-1 M Ṁ ± σ n-1 M Ṁ ± σ n-1 Ṁ M ± σ n-1 Branco Pasteurizada 10 kgy Branco Pasteurizada 10 kgy 1 2 F1 (N) F2 (N) Map (N/s) Coes (%) Elast (%) Gom (N) Mast (N) 0,025 a 0,013 0,025 a 0,013 0,157 a 0,351 0,306 b 0,206 0,593 ab 0,215 0,007 a 0,004 0,005 a 0,004 0,078 ab 0,046 0,094 ab 0,049 0,690 a 1,002 0,161 a 0,056 0,502 bc 0,129 0,015 a 0,011 0,007 a 0,008 0,022 a 0,004 0,031 a 0,013 0,047 a 0,105 0,144 a 0,071 0,341 c 0,119 0,003 a 0,002 0,001 a 0,000 0,225 b 0,217 0,245 c 0,119 0,890 a 1,314 0,223 ab 0,037 0,763 a 0,046 0,058 b 0,063 0,042 b 0,044 0,063 ab 0,086 0,076 ab 0,041 0,105 a 0,217 0,177 a 0,068 0,594 ab 0,140 0,013 a 0,019 0,010 a 0,017 0,159 ab 0,207 0,162 bc 0,152 0,686 a 1,285 0,190 ab 0,018 0,717 a 0,072 0,031 ab 0,041 0,022 ab 0,028 letras iguais : p>0,05, não existe diferenças significativas; letras diferentes: p<0,05, existem diferenças significativas Não se verificam diferenças significativas (p>0,05) entre a emulsão elaborada com a fase aquosa irradiada e pasteurizada, para os parâmetros F1, F2, módulo aparente, coesividade, gomosidade e mastigabilidade. Para o parâmetro elasticidade já se verificou diferenças visíveis de lote para lote, ou seja relativamente ao tempo de armazenamento, e entre os tratamentos e branco. No lote 1 a emulsão irradiada mostra uma quebra de elasticidade, sugerindo que com o tempo, a emulsão irradiada pode perder algumas ligações entre moléculas. Análise sensorial Foi elaborado um gráfico de radar com as classificações adquiridas na análise sensorial para cada parâmetro avaliado para as duas emulsões em estudo e uma representação gráfica da comparação da apreciação global dos provadores às emulsões pasteurizada e irradiada a 10 kgy. Figura 6. Comparação da variação dos parâmetros de análise sensorial estudados e apreciação global das emulsões pasteurizada e irradiada a 10 kgy. 9

Nesta análise podemos observar que não existem diferenças consideráveis de gosto por parte dos 28 provadores, indicando que o facto de ser pasteurizada ou irradiada, não afecta a opinião do juiz. 4. CONCLUSÕES Neste estudo, pôde observar-se que o tratamento por irradiação, não altera o comportamento do processo de fabrico da emulsão, já que as diferentes fases aquosas se comportam de igual maneira a nível de viscosidade. Para a textura, nesta prévia investigação, verificou-se que a elasticidade da emulsão elaborada com a fase aquosa irradiada alterou-se com tempo de armazenamento de dois meses comparativamente com a emulsão sem tratamento e com a emulsão pasteurizada. Este facto pode dever-se à quebra de ligações das moléculas da emulsão ao devido à irradiação. Considerando como objectivo de tratamento uma redução da carga microbiana de 3 logaritmos decimais a qual corresponde a uma eficiência de inactivação de 99,9%, verifica-se que a exposição a uma dose de radiação gama de 5 kgy podia garantir a descontaminação pretendida. Com base nos resultados microbiológicos obtidos, a irradiação aponta ser um processo de tratamento alternativo e eficaz para o controlo higieno-sanitário de emulsões alimentares. Na análise sensorial foi verificada uma aceitabilidade semelhante entre os produtos. A globalidade dos resultados obtidos evidencia a potencialidade da aplicação da radiação gama como tratamento de conservação para as emulsões alimentares. 5. AGRADECIMENTOS Agradeço a SCV e a todos os que participaram directa ou indirectamente neste estudo. 6. BIBLIOGRAFIA [1] D.J.McClements, E.A. Decker, AND J.Weiss (2007), Emulsion-Based Delivery Systems for Lipophilic Bioactive Components, volume 72 [2] Luiz Felipe Leme (2005), Processamento de margarina e Gorduras [3] Lidon, Fernando (2007), Indústrias Alimentares: Aditivos e Tecnologia, Escolar Editora [4] Satin,M. (1997), La irradiation de los alimentos, Zaragoza: Acribia. [5] O.M.S., (1994) Safety and nutritional adequacy of irradiated food, Geneva, Suíça [6] Castro, A. G.; Covas, J. A. e Diogo, A. C. 2001. Reologia e suas Aplicações Industriais, Lisboa, Ed. Instituto Piaget, 462 p. [7] Howard A. Barnes (2000), A Handbook of Elementary Rheology, University of wales [8] Bergey s Manual of Systematic Bacteriology, (1984), Noel R. Krieg. The Williams & Wilkins Co. [9] C. A. Reddy, Terry J. Beveridge, John A. Breznak, George Marzluf, Thomas M. Schmidt, Loren R. Snyder (2007), Methods for general and molecular bacteriology [10] Coggle, J. E. (1983), Biological effects of radiation, Taylor & Francis Ltd., Londres, 2ª Edição, [11] Silverman, G. J. (1983), Sterilization by ionizing radiation, S. S. Block (3ª ed.), Disinfection, sterilization and preservation. Lea & Febiger, Philadelphia, pp. 89-105. 10