Planejamento, Modernização e Cultura Política em Santa Catarina

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Transcrição:

Planejamento, Modernização e Cultura Política em Santa Catarina

Planejamento, Modernização e Cultura Política em Santa Catarina Michel Silva

Conselho Editorial Av Carlos Salles Block, 658 Ed. Altos do Anhangabaú, 2º Andar, Sala 21 Anhangabaú - Jundiaí-SP - 13208-100 11 4521-6315 2449-0740 contato@editorialpaco.com.br Profa. Dra. Andrea Domingues Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi Profa. Dra. Benedita Cássia Sant anna Prof. Dr. Carlos Bauer Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha Prof. Dr. Fábio Régio Bento Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins Prof. Dr. Romualdo Dias Profa. Dra. Thelma Lessa Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt 2013 Michel Silva Direitos desta edição adquiridos pela Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da editora e/ou autor. Si381 Silva, Michel. Planejamento, Modernização e Cultura Política em Santa Catarina/Michel Silva. Jundiaí, Paco Editorial: 2013. 136 p. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-8148-373-3 1. Planejamento 2. Modernização 3. Administração Pública 4. Santa Catarina I. Silva, Michel. CDD: 350 Índices para catálogo sistemático: Administração Pública - Direito Administrativo 350 Estado de Santa Catarina 981.64 Administração Estratégica - Administração por Objetivo - 658.401 2 Planejamento Estratégico IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL Foi feito Depósito Legal

SUMÁRIO Prefácio...7 Introdução...13 Capítulo 1 O milagre brasileiro e a Cultura de Planejamento...21 1. O milagre brasileiro e a Legitimação da Ditadura...26 2. Cultura de Planejamento no Brasil...36 3. Experiências de Planejamento no Brasil...42 4. Ditadura e Planejamento...50 Capítulo 2 O Projeto Catarinense de Desenvolvimento e a utopia de desenvolvimento...59 1. Modernização e integração no PCD...64 2. Os usos da teoria da modernização...73 3. O desenvolvimento como utopia...83 Capítulo 3 O Projeto Catarinense de Desenvolvimento e os ciclos de estudos da Adesg...89 1. A ESG e a Doutrina de Segurança Nacional...92 2. Os ciclos de estudos da Adesg...100 3. O tema da modernização nos ciclos de estudos...103 4. Cultura e cultura política...110 Considerações Finais...117 Fontes...121 Outros documentos...123 Referências...125

LISTA DE SIGLAS ADESG Associação de Diplomados da Escola Superior de Guerra AI Ato Institucional ARENA Aliança Renovadora Nacional BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico CCC Comando de Caça aos Comunistas CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe DSN Doutrina de Segurança Nacional ESG Escola Superior de Guerra FIESC Federação da Indústria de Santa Catarina ISEB Instituto Superior de Estudos Brasileiros MDB Movimento Democrático Brasileiro PAEG Programa de Ação Econômica do Governo PCB Partido Comunista do Brasil PCD Projeto Catarinense de Desenvolvimento PED Plano Estratégico de Desenvolvimento PIB Produto Interno Bruto PLAMEG Plano de Metas do Governo PND Plano Nacional de Desenvolvimento POE Plano de Obras e Equipamentos PSD Partido Social Democrático PTB Partido Trabalhista Brasileiro UDN União Democrática Nacional UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

Prefácio Reinaldo Lindolfo Lohn * No livro Planejamento, modernização e cultura política em Santa Catarina, escrito por Michel Goulart da Silva, o leitor encontrará um quadro amplo e diversificado da produção intelectual desenvolvida em Santa Catarina durante a ditadura militar que manietou e oprimiu a sociedade brasileira desde 1964 até a década de 1980. O autor é pesquisador experiente e escritor prolífico, apesar de fazer parte da geração mais recente de historiadores. O livro resulta do trabalho com uma variada documentação e do acesso a depoimentos de personagens pouco lembrados nas investigações sobre o tema. Durante muito tempo, talvez por uma tentativa pouco eficaz de desqualificar o sistema de poder criado durante o regime autoritário, somada à necessária denúncia e compreensão das formas assumidas pelo aparato de repressão e perseguição contra adversários, a atenção sobre os meandros do aparelho de Estado e suas implicações na construção de meios de ação socioeconômica, despertaram pouca atenção dos estudiosos e do público em geral. Mas é necessário voltar-se cada vez mais, como o faz o autor, para aquelas relações entre Estado e sociedade muitas vezes constrangedoras, porque deslindam pactos de silêncio e de favorecimentos obtidos num momento de crescimento econômico, quando o governo ditatorial procurou estabelecer uma rede de colaborações para a imposição de uma narrativa oficial que elencou quais deveriam ser prioridades do país. Essa narrativa, sabemos há muito tempo por meio de estudos especializados, hoje razoavelmente popularizados, teve como uma de suas principais agências produtoras e difusoras, a Es- *. Professor do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Doutor em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 7

Michel Silva cola Superior de Guerra e ganhou institucionalidade por meio da Doutrina de Segurança Nacional. Tais abordagens situavam- -se nas fronteiras e limites de visões que acentuavam aspectos conspirativos ou daquelas que estavam preocupadas em compreender a ideologia que presidiu a tomada do poder e a imediata instauração da ditadura. Mas pouco foi investigado sobre a operacionalidade dos mecanismos postos em funcionamento após 1964 e a capilaridade social que obtiveram. Nesse âmbito, o trabalho de Michel Goulart da Silva traz um estudo de caso sobre uma entidade que, desde antes do golpe civil-militar, procurou afinar parcelas das elites civis ao pensamento autoritário vigente entre os estratos superiores das Forças Armadas. Desde 1951, a Associação de Diplomados da Escola Superior de Guerra (Adesg) procurou difundir representações sociais e formulações pretensamente técnicas acerca do desenvolvimento brasileiro, com o objetivo de tornar-se proeminente nos meios empresariais, burocráticos e entre intelectuais conservadores do país. Obviamente, é preciso evitar a armadilha de considerar os Ciclos de Estudos da Adesg como capazes de, por si sós, convencer por seu proselitismo cidadãos que apenas buscavam conhecer melhor a realidade do país. Como demonstra o autor, a cultura política autoritária que conformou tais narrativas, circulava com relativa facilidade entre os segmentos sociais aos quais se destinavam os trabalhos da Adesg. Uma determinada visão segundo a qual os meios políticos eram incapazes, por ineficiência e corrupção, de dar conta das questões nacionais, assim como os mecanismos de representação popular e democrática seriam imperfeitos por dar vazão às vozes de camadas sociais consideradas inaptas para conduzir os destinos do país, compõe historicamente a linguagem operada pelos setores conservadores brasileiros. Os Ciclos de Estudos semeavam, portanto, em terreno fértil para que fossem ouvidos e obtivessem legitimidade social. Não era incomum encontrar, no Brasil, ideias que defendiam a necessidade de um regime de força, conduzido por uma 8

Planejamento, Modernização e Cultura Política em Santa Catarina instituição considerada acima dos conflitos sociais e defensora de determinados ideais que propugnavam o aprofundamento do capitalismo brasileiro associado ao chamado mundo livre, especialmente o grande irmão do Norte, em confronto direto contra o fantasma do comunismo, de modo a liderar a nação e forjar as novas elites civis. Uma ditadura não se sustenta exclusivamente por meio de repressão e propaganda. A ditadura militar brasileira foi uma das mais longevas do ciclo de regimes autoritários latino-americanos das décadas de 1960 e 1970 e, significativamente, foi uma das mais bem-sucedidas no processo de negociação que conduziu à chamada redemocratização do país, ao evitar quaisquer punições para seus perpetradores e garantir que todos os beneficiários de suas políticas, particularmente nos grandes meios empresariais, obtivessem estatuto legal para seus contratos, concessões, financiamentos, entre outras sinecuras e prebendas alcançadas por sua proximidade e colaboração com o regime. Assim como, cabe acentuar, amplos setores das camadas médias urbanas não só formaram a base social sobre a qual se forjou a campanha desestabilizou o governo constitucionalmente eleito de João Goulart, em 1964, como também seriam agraciados ao longo do regime, particularmente durante o período do chamado milagre brasileiro, com o acesso a um mercado de consumo dinâmico e integrado aos sistemas internacionais de fluxos econômicos e trocas socioculturais, o que propiciaria o contato com padrões de comportamento, normas sociais e estruturas de gosto antes muito raras no país. Paradoxalmente, grande parte das mudanças sociais e comportamentais ocorridas no país e que teriam impacto em novas configurações de família, expectativas sociais e conflitos geracionais, ocorreram durante a vigência de uma ditadura que, em diversos momentos, lançou mão de mecanismos próprios dos regimes de terrorismo de Estado. Neste livro estão reunidos diferentes e contraditórios elementos, o que certamente contribuirá para o aprimoramento 9

Michel Silva da produção historiográfica sobre um período que ainda está por merecer mais contribuições intelectuais e, assim, evitar simplificações que, ademais, apenas favorecem aqueles que se beneficiaram com o regime. O autor demonstra que, no que diz respeito às formas assumidas nas unidades da federação, a ditadura militar contou com segmentos políticos e burocráticos que não pouparam esforços em apropriar-se das linhas básicas formuladas pela Escola Superior de Guerra e introduziram, nas práticas administrativas e na gestão pública, as prioridades e os procedimentos que levariam o país a um processo de acelerado crescimento econômico ao preço de uma brutal concentração de renda, num desenvolvimento pautado pelo aviltamento da força de trabalho e os baixos salários. Em Santa Catarina, os anos do milagre coincidiram com o governo de Colombo Machado Salles, quando o ditador General Emílio Garrastazu Médici, sob o lema Segurança e Desenvolvimento, propagou não apenas a tortura e o desaparecimento generalizado de oponentes, como inseriu o país em um complexo sistema de financiamentos externos associados a obras de grande impacto na infraestrutura e a favores a grandes empreendimentos privados. O ideário autoritário dotou os militares da capacidade de melhor gerir os destinos do país. O governo estadual catarinense adaptou-se àqueles tempos e, em seu Projeto Catarinense de Desenvolvimento, elaborado sob a influência direta dos Ciclos de Estudos da Adesg, sob e égide da Doutrina de Segurança Nacional, contou com intelectuais, jornalistas, técnicos, professores, economistas, administradores, entre outros agentes do Estado para formar elites afinadas com o regime, sob a ação direta da cúpula militar. Dizia-se, à época, que aquele governo pretendia a modernização de Santa Catarina e de suas práticas políticas, com o alijamento das chamadas oligarquias (Ramos e Konder-Bornhausen) do poder e alojadas no partido oficialista, a Aliança Renovadora Nacional - Arena. Ao fim e ao cabo, Santa Catarina ganhou uma capital do estado com grandes obras públicas e oli- 10

Planejamento, Modernização e Cultura Política em Santa Catarina garquias ainda mais reforçadas, com capacidade para reproduzir sua influência e desdobrar suas ações nos anos subsequentes, quando começamos a experimentar a democracia. Por fim, cabe acentuar que, somado a esforços semelhantes verificados nos últimos anos, este estudo proporcionará a estudantes, professores, pesquisadores e público em geral, o contato com uma análise histórica bem elaborada, uma investigação documental séria e adequada, sem perder o fôlego e a ambição por conhecer mais profundamente a ditadura militar como parte do tempo presente brasileiro. Florianópolis, julho de 2013 Reinaldo Lindolfo Lohn 11

INTRODUÇÃO Os olhares lançados pela historiografia sobre a ditadura militar e civil iniciada em 1964, em sua maioria, procuram lidar com o processo histórico como se fosse uma disputa entre o Bem e o Mal. Seja o diabo vermelho do comunismo ou o malvado Tio Sam, o inimigo que está no lado oposto é sempre a personificação do Mal. Cabe ao historiador preocupar-se em compreender as dinâmicas socioculturais em que foi produzido aquele fenômeno que está pesquisando e o que nos informam acerca do nosso próprio tempo. No que se refere à ditadura, ao historiador não cabe o julgamento de notórios crimes ou o estabelecimento de verdades jurídicas, mas contribuir para a compreensão deste passado recente. Este estudo procura apontar para algumas contribuições nesse sentido, evitando o maniqueísmo de uma suposta luta entre o Bem e Mal e fazendo uma narrativa que procura costurar os discursos produzidos no período numa teia de representações e de culturas políticas. Nessa teia é possível identificar as relações entre intelectuais e governantes, na produção de projetos políticos, por meio dos consensos e dissensos presentes nas suas narrativas acerca do seu próprio presente, nas representações do passado e nas expectativas de futuro. Esses intelectuais e governantes participaram da vida política e social e, por meio de sua intervenção na esfera pública, contraditoriamente intervieram na transformação daquela sociedade ao procurar elaborar políticas que visavam superar mazelas como a fome e o desemprego, e na manutenção da ordem estabelecida, defendendo e apoiando os governos ditatoriais iniciados em 1964. Este livro é a versão de dissertação defendida no Programa de Pós-Graduação em História, na Universidade do Estado de Santa Catarina, em fevereiro de 2012. A pesquisa histórica aqui realizada voltou-se para uma documentação produzida durante o chamado período do milagre brasileiro em Santa Catarina, centrando a análise no governo de Colombo Machado Sal- 13

Michel Silva les (1971-1975) e no plano de governo que recebeu o título de Projeto Catarinense de Desenvolvimento (PCD). Optou-se por priorizar a elaboração do plano, discutindo a cultura de planejamento que o engendrou, a situação econômica e social pela qual passava o país e a atuação de intelectuais e administradores nesse processo. Assim, são apresentados não os resultados concretos obtidos pela ação dos governos, que podem ser verificados a partir da leitura de uma extensa bibliografia produzida principalmente no âmbito das Ciências Econômicas, mas os discursos que se relacionavam com essas ações. Pretende-se identificar de que forma vozes distintas ou até mesmo divergentes convergiam para a construção de um projeto de desenvolvimento que, naquele contexto, era compartilhado com otimismo por significativa parcela da população. A caminhada traçada neste estudo inicia na experiência brasileira de planejamento ao longo do século XX, discutindo a produção de uma cultura do planejamento tanto na ação estatal como nas representações da população em geral, destacando o período posterior ao golpe de 1964. O projeto original deste estudo tinha como objetivo identificar e analisar as relações estabelecidas entre os ciclos da Adesg e a administração Colombo Salles. Contudo, a dinâmica da pesquisa mostrou, por um lado, que havia poucos trabalhos realizados acerca do governo Colombo Salles, exigindo que a pesquisa fosse voltada para a discussão mais detida acerca da referida administração. Por outro lado, evidenciou-se que as temáticas centrais dos ciclos da Adesg, como a modernização e o desenvolvimento, extrapolavam os limites da doutrina da ESG, sendo possível estabelecer não apenas uma relação de influência dos militares sobre o planejamento público, mas avançar sobre o relevante papel dos intelectuais conservadores como ideólogos que apresentavam contribuições próprias, mesmo que em parceria com a ESG e a Adesg. Assim, o escopo do trabalho ampliou-se no sentido de não apenas identificar a relação entre a gestão de Colombo 14

Planejamento, Modernização e Cultura Política em Santa Catarina Salles e a Adesg, mas caracterizar as relações estabelecidas entre os diversos agentes políticos no início da década de 1970. Ao discutir redes e sociabilidades, este estudo empreendeu verificar até que ponto a ideia de cultura política, que aqui costura as aspirações do planejamento, o otimismo com o futuro e a produção de ações pragmáticas no presente, podem ser um instrumento adequado para a compreensão histórica. O principal objeto deste estudo são os discursos que aqueles atores construíram acerca do seu presente, articulando experiências e expectativas nas representações acerca do passado e do futuro. Cultura política não é tomada como uma formulação apriorística, voltada a fenômenos que supostamente fariam parte de uma esfera separada da sociedade. O cruzamento entre diferentes culturas políticas é o fermento das percepções acerca do presente e de expectativas para o futuro que mobilizam diferentes sujeitos históricos. Nesse processo, verifica-se que a cultura política, como a própria cultura, se inscreve no quadro das normas e dos valores que determinam a representação que uma sociedade faz de si mesma, do seu passado, do seu futuro (Berstein, 1998, p. 352-3). Neste livro, percepções e expectativas permitem analisar como a valorização do planejamento governamental, enquanto forma de agregar legitimidade aos agentes políticos, foi incorporada social e culturalmente pela sociedade brasileira, seja na estrutura estatal, seja na vida das pessoas. Porém, ainda que se espalhe para o âmbito das experiências cotidianas, deve-se ter em mente que, em última instância, o planejamento é um processo que começa e termina no âmbito das relações e estruturas de poder (Ianni, 2009, p. 289). Paulatinamente, a planificação incorporou-se à ideologia e à prática dos governantes do país, sendo possível perceber que a ideia de planejamento foi adotada pelos governantes como uma nova retórica política (Ianni, 2009, p. 291). Conforme é discutido neste estudo, o processo que levou à consolidação de uma cultura de planejamento começou a ganhar corpo depois da revolução de 1930, se fortaleceu nos anos do 15