MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO: O QUE DIZ A PROPOSTA PEDAGÓGICA E O QUE SE FAZ NA PRÁTICA DOCENTE

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Transcrição:

MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO: O QUE DIZ A PROPOSTA PEDAGÓGICA E O QUE SE FAZ NA PRÁTICA DOCENTE Resumo FRANCIOLI, Fatima Aparecida de Souza 1 - UNESPAR/FAFIPA Grupo de trabalho - Didática: Teorias, Metodologias e Práticas. Agência financiadora: não contou com financiamento Este texto apresenta os resultados da pesquisa desenvolvida com alguns municípios da região do extremo Noroeste do Paraná. A pesquisa procurou identificar os método de alfabetização adotado no projeto pedagógico da escola e sua relação com o método desenvolvido pelos professores alfabetizadores em sala de aula. Para isso partimos da seguinte questão: o que está escrito na proposta pedagógica da escola é a proposta que está sendo desenvolvida em sala de aula? Para analisar os resultados coletados a pesquisa ancorou-se em pesquisas já realizadas por Mortatti (2000, 2006) e Rossler (2000), procurando expor, de forma sucinta, os métodos de alfabetização que influenciaram a educação brasileira. Durante a análise foi necessário discutir os dois métodos de alfabetização mais adotados nas últimas décadas nessa região: o método construtivista (FERREIRO, TEBEROSKY, 1999) e o método fônico (CAPOVILLA, 2002). Para proferir esta pesquisa escolhemos uma escola em cada município identificando o que estava proposto na proposta pedagógica como encaminhamento teórico-metodológico para o processo de alfabetização e, constatamos que todas escreveram que os fundamentos teóricos que alicerçavam o trabalho pedagógico dos professores era a teoria histórico-crítica (SAVIANI, 2005). Em seguida, analisamos as atividades de alfabetização que eram realizadas com as crianças do primeiro ano. Os dados coletados demonstraram que a proposta pedagógica não se consolida nas ações dos alfabetizadores, ou seja, os alfabetizadores dos anos iniciais do ensino fundamental dizem utilizar os métodos construtivista e fônico, mas nas atividades pedagógicas isto se confunde com os demais métodos de alfabetização. Esses resultados confirmam nossa hipótese de que os professores alfabetizadores não identificam as bases teóricas e pedagógicas dos diferentes métodos de alfabetização. Palavras-chave: Métodos de alfabetização. Projeto pedagógico. Práticas docentes. 1 Doutora em Educação Escolar UNESP/FCLAR Campus de Araraquara/SP. Professora Adjunta da Universidade Estadual do Paraná. Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí-PR. Docente do curso de Pedagogia. Participante do grupo de pesquisa A Perspectiva Marxista em Educação e as Pedagogias Contemporâneas. E-mail: fas.francioli@hotmail.com

16186 Introdução Enquanto pesquisadora, temos como tema central de nossas investigações a alfabetização, por considerá-la um desafio constante da educação brasileira. Muitas pesquisas têm demonstrado que entre tantos problemas educacionais que temos enfrentado na educação escolar, um deles tem se manifestado com mais evidência, ou seja, o índice de analfabetismo da população acima de 15 anos 2, um problema que ainda não conseguimos vencer. Como trabalhamos com a disciplina de alfabetização e nossos alunos realizam estágio nas escolas municipais da região Noroeste do Paraná procuramos acompanhar os resultados das avaliações nacionais dessa região, como Provinha Brasil e Prova Brasil. Nossa atenção está voltada principalmente para os municípios que compõe a região do extremo Noroeste paranaense, porque essa é a região onde nossos alunos residem. Como sabemos que um dos fatores que medem o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de uma população é a educação, em especial a alfabetização, a nosso ver existe uma contradição na região: de um lado a maior parte desses municípios apresentam IDH em posições abaixo da média do estado do Paraná, cujo índice é de 0,787, mas por outro lado a frequência das crianças nos primeiros anos do ensino fundamental tem atingido taxa próxima à universalização de 98% (IPARDES, 2004) bem como os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) que mantem-se na média proposta pelo Ministério da Educação (MEC). No entanto, sabemos de antemão que as escolas preparam os alunos para as avaliações nacionais, pois estão preocupados com os resultados e consequentemente com o ranking que a escola alcançará, mesmo assim, são resultados que devem ser considerados. Essas observações nos levaram a levantar outro dado que até então não tem apresentado nenhum resultado: o que está escrito na proposta pedagógica da escola, para a alfabetização, é a proposta que está sendo desenvolvida em sala de aula? Nossas observações permitem levantar a seguinte hipótese: grande parte dos professores alfabetizadores não identifica qual é o método de alfabetização que utiliza em sua prática pedagógica. Para confirmar essa hipótese partimos do pressuposto que, por deficiência em sua formação, os alfabetizadores dos anos iniciais do ensino fundamental não identificam as bases teóricas e pedagógicas dos diferentes métodos de alfabetização e, por essa razão utiliza-se de diferentes métodos para alfabetizar. 2 A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios-PNAD 2011 demonstram que a taxa da população analfabeta de quinze anos ou mais de idade é de 8,6%, o que representa 12,9 milhões de brasileiros analfabetos.

16187 Para responder a hipótese acima, propomos um trabalho de investigação com um grupo de professores alfabetizadores, em doze municípios do extremo Noroeste do Paraná, objetivando identificar se o método de alfabetização adotado no projeto pedagógico da escola é o mesmo método desenvolvido em sala de aula. Para isso, organizamos a pesquisa em três momentos distintos, mas indissociáveis: no primeiro momento deu-se o estudo dos métodos de alfabetização que influenciaram a educação brasileira; no segundo momento nos detemos na análise de dois métodos de alfabetização que predominam nas escolas públicas municipais da região: método construtivista e método fônico e no terceiro e último momento realizamos a análise dos fundamentos teóricos que alicerçam os projetos pedagógicos das escolas confrontando com o que os professores dizem fazer na sala de aula. Os métodos de alfabetização que influenciaram a educação brasileira Desde a década de 1890, após a Proclamação da República, o Brasil começou a preocupar-se com a educação escolar de todas as crianças, ou seja, procurou ensinar as crianças a ler e a escrever, pois até então este ensino era privilégio de poucos. Com a necessidade de ter mão-de-obra qualificada para atender o meio profissional e aos ideais do Estado Republicano, as escolas assumiram um importante papel de instrumento de modernização. Estudos que se seguiram demostraram que a alfabetização se impôs como um problema estratégico para criar soluções urgentes que conseguisse mobilizar administradores públicos, legisladores do ensino e intelectuais de diferentes áreas de ensino. A esse respeito, as pesquisas de Mortatti (2000, p. 3) explicam que: [...] desde essa época, observam-se repetidos esforços de mudança, a partir da necessidade de superação daquilo que, em cada momento histórico, considerava-se tradicional nesse sentido e fator responsável pelo fracasso. Por quase um século, esses esforços se concentraram, sistematicamente, na questão dos métodos de ensino da leitura e escrita, e muitas foram as disputas entre os que se consideravam portadores de um novo e revolucionário método de alfabetização e aqueles que continuavam a defender os métodos considerados antigos e tradicionais [...]. Historicamente, o ensino no Brasil teve a influência de diferentes métodos de alfabetização. Como revela as pesquisas de Mortatti (2000) entre o final do Império no século XIX até a década de 1970, no século XX, a alfabetização passou por três diferentes métodos denominados genericamente como métodos tradicionais de alfabetização. Sob essa denominação encontramos o método sintético, o analítico e o misto. Um método sucumbia

16188 quando outro se firmava entre os educadores e isto acontecia pelo surgimento de novas ideias e novas concepções teóricas. O primeiro método que influenciou a alfabetização brasileira era denominado de método sintético. Este método priorizava a leitura utilizando as Cartas do ABC e só depois se introduzia a cópia de documentos manuscritos. [...] métodos de marcha sintética (da parte para o todo ): da soletração (alfabético), partindo do nome das letras; fônico (partindo dos sons correspondentes as letras); e da silabação (emissão de sons), partindo das sílabas. Sempre de acordo com certa ordem crescente de dificuldade. Quanto à escrita, esta se restringia à caligrafia e ortografia, e seu ensino, a cópias, ditados e formação de frases, enfatizando o desenho correto das letras (MORTATTI, p. 2006, 4). Este método também se baseava na associação de estímulos visuais e auditivos, priorizando a memorização como recurso didático. Sendo considerado um dos mais rápidos, simples e antigo método de alfabetização, podia ser aplicado a qualquer tipo de criança. A maior critica a este método, é que ele ensinava as partes isoladas, sem significação, impedindo desta forma uma melhor compreensão e análise, consequentemente prejudicava a produção de textos. Em sua defesa destacava-se que os alunos alfabetizados através do método sintético, adquiriam uma perfeita ortografia, por ser um ensino de regras e repetições. Contrapondo-se ao método sintético, Mortatti (2000) diz que no final do século XIX, mais especificamente em 1890, com a reforma da instrução pública no Estado de São Paulo, surgem os defensores do chamado método analítico que ao contrário do método anterior partia do todo para as partes, ou seja, a alfabetização era iniciada por palavração, por historietas e setenciação para depois chegar às partes (sílabas e letras). As disputas ocorridas nesse 2º momento fundam uma nova tradição: no ensino da leitura envolve enfaticamente questões didáticas, ou seja, o como ensinar, a partir da definição das habilidades visuais, auditivas e motoras da criança a quem ensinar; o ensino da leitura e escrita é tratado, então, como uma questão de ordem didática subordinada as questões de ordem psicológica da criança (MORTATTI, p. 2006, 7). Nessa disputa o que diferenciava o método analítico era que por uma forte influência da pedagogia norte-americana, baseava-se em princípios didáticos derivados de uma nova concepção de caráter da criança, onde do ponto de vista comum de seus defensores consistia na necessidade de se adaptar o ensino da leitura a essa nova concepção. Esse segundo método estendeu-se aproximadamente até meados de 1920, onde, a discussão continuava sobre o ensino da leitura.

16189 Nessa década surgem as primeiras discussões a respeito de um novo método de alfabetização que buscava conciliar os métodos anteriores, o que deu origem ao denominado método misto. Esse método consistia na sistematização dos métodos sintéticos e analíticos. Essa tendência de relativação da importância do método decorreu especialmente da disseminação, repercussão e institucionalização das então novas e revolucionárias bases psicológicas da alfabetização contidas no livro Testes ABC para a verificação a maturidade necessária ao aprendizado da leitura e da escrita (1934), escrito por M. B. Lourenço Filho (MORTATTI, 2006. p. 7, grifo da autora). A partir desse momento, as cartilhas foram elaboradas com base no método misto, onde o ensino se subordina ao nível de maturidade das crianças e a escrita continuava sendo entendida como habilidade de caligrafia e ortografia, que seria ensinada simultaneamente à habilidade da leitura. O aprendizado de ambas consistia em exercícios de discriminação, coordenação viso-motora e auditivo-motora, dentre outros. Esse terceiro momento estendeuse aproximadamente até o final da década de 1970. Na década de 1980 educadores brasileiros tiveram contato com a obra de Emília Ferreiro e Ana Teberosky, intitulada Psicogênese da Língua Escrita (1999), que foi produzida sob o aporte teórico construtivista. Na ânsia de resolver os problemas do fracasso escolar, essa obra é apresentada não como um novo método, mas como uma revolução conceitual. É sobre essa proposta construtivista de alfabetização que abordaremos a seguir. Os pressupostos pedagógicos do método construtivista e do método fônico. Nesse item abordaremos alguns aspectos do método construtivista e do método fônico, porque são os dois métodos mais adotados na região onde realizamos a pesquisa. Os dados dessa pesquisa serão analisados no terceiro momento desse trabalho. A ideia de que o a teoria da psicogênese seria algo novo para a alfabetização, foi tomado como principio de uma proposta que se alastrou rapidamente para todo o país. Desde então, o campo da pesquisa sobre alfabetização foi dominado pela teoria construtivista que se consagrou entre os educadores brasileiros como a resolução revolucionária do problema do analfabetismo, pois deslocava o eixo do como se ensina adotado pelos métodos, então em vigor, para o como se aprende, característica da concepção de aprendizagem sustentada pela teoria construtivista.

16190 O construtivismo constitui-se num ideário epistemológico, psicológico e pedagógico, fortemente difundido no interior das práticas e reflexões educacionais [...] não podemos negar a existência dessa corrente, pelo simples fato do grande numero de publicações de autores auto definidos como construtivistas (ROSSLER, 2000, p. 7) Segundo o autor, o construtivismo ganhou a adesão de muitos simpatizantes, que no nosso entender, perdura até os dias atuais entre os educadores. Isso se deve principalmente à fundamentação construtivista dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e sua implementação em todo o território nacional. Como o cerne da teoria da psicogênese da língua escrita é um sujeito cognoscente que ativamente busca aprender por si só e por meio de suas ações sobre o mundo, compreendemos que esse é um princípio que está diretamente ligado a outro dessa concepção teórica, ou seja, o de que a aprendizagem deve ser espontânea. Ferreiro e Teberosky (1999, p. 29) afirmam que o sujeito cognoscente Não é um sujeito o qual espera que alguém que possui um conhecimento o transmita a ele por um ato de benevolência, e que, portanto, uma criança de 4 a 5 anos que vive em um ambiente urbano em contato permanente com as informações, não precisa esperar chegar à escola e ter uma professora à sua frente para lhe ensinar. Dito de outro modo, as referidas pesquisadoras partem do princípio de que os estímulos recebidos não atuam diretamente sobre as estruturas cognitivas do sujeito, mas que esses estímulos precisam ser transformados pelo sistema de assimilação para serem compreendidos. Na teoria de Piaget, então, um mesmo estimulo (ou objeto) não é o mesmo, a menos que os esquemas assimiladores à disposição também o sejam. Isto equivale a colocar o sujeito da aprendizagem no centro do processo, e não aquele que, supostamente, conduz essa aprendizagem (o método, na ocasião, ou quem o veicula) (FERREIRO, TEBEROSKY, 1999, p. 30, grifo das autoras). Esse posicionamento demonstra que cabe ao sujeito toda a responsabilidade pelo seu próprio desenvolvimento intelectual, negando que o ensino sistematizado se organiza a partir dos conteúdos curriculares estabelecidos nas escolas. Para as autoras o método não cria aprendizagem e o professor não deveria tentar ensinar a língua escrita, pois, sendo a criança um sujeito ativo do processo de aprendizagem, o domínio da língua escrita seria resultante da aprendizagem espontânea e não do ensino. Nessa perspectiva a alfabetização é entendida como transformações que ocorrem espontaneamente nos esquemas de assimilação empregados pelas crianças em suas interações com a língua escrita como um objeto cognitivo e não o trabalho pedagógico organizado e sistematizado pelo professor.

16191 Como já dissemos o trabalho de alfabetização fundamentado na psicogênese da língua escrita avançou por toda a rede de ensino brasileira, mas na contramão dessa perspectiva surgiram outros pesquisadores que passaram a desenvolver estudos em outras linhas teóricas, buscando alternativas pedagógicas para consolidar diferentes propostas de alfabetização e enfrentar o fracasso escolar evidenciado nos resultados das pesquisas nacionais de educação. Foi assim, que na década de 1990 desenvolveu-se uma pesquisa com o método fônico que passou a ser difundido em diferentes partes do país. Com os resultados da investigação os pesquisadores publicaram um livro intitulado Alfabetização: método fônico: As atividades aqui descritas resultam de mais de uma década de pesquisas cientificas rigorosas empreendidas com sucesso no mundo todo, inclusive no Brasil (CAPOVILLA, 2002, p. 9). Os defensores desse método apoiam-se fundamentalmente em dois argumentos: o primeiro é o do fracasso da alfabetização sob a égide do construtivismo e o segundo é o do suposto êxito da alfabetização em países que teriam adotado propostas na mesma linha do método fônico. O método fônico, a nosso ver, recuperou alguns princípios dos métodos tradicionais de alfabetização ao propor o ensino sistemático, de forma explicita, estabelecendo a relação entre grafemas e fonemas organizados em três grandes eixos: a consciência fonológica, o conhecimento das correspondências grafofonêmicas e a produção e interpretação de textos. Assim, ensinam-se primeiramente as vogais, depois as consoantes regulares que possuem somente um som, como F, J, M, N, V e Z; em seguida as consoantes irregulares que possuem mais de um som, como L, S, R e X; depois as consoantes de sons mais difíceis de pronunciar como B, C, P, D, T, G e Q e para finalizar o H, K, W e Y. Para cada etapa do ensino, propõem-se atividades pedagógicas de conhecimento da letra, de aprendizagem do som da letra e diferentes exercícios para memorizar tanto o grafema quanto o fonema da letra estudada. Segundo os defensores do método fônico, esse método facilitará a alfabetização, diminuindo assim, o índice de crianças com dificuldades na leitura e escrita. Da proposta pedagógica escolar ao que se faz na sala de aula. Neste terceiro momento faremos a análise dos dados coletados nos doze municípios do extremo Noroeste do Paraná. Escolhemos uma escola em cada município para identificar o que estava proposto na proposta pedagógica como encaminhamento teórico-metodológico

16192 para o processo de alfabetização. Em seguida, analisamos as atividades de alfabetização que eram realizadas com as crianças do primeiro ano. Das doze escolas visitadas, todas escreveram na proposta que os fundamentos teóricos que alicerçavam o trabalho pedagógico dos professores era a teoria histórico-crítica. Isto é compreensivo porque no governo do Paraná entre o período de 2003 a 2010 construíram-se, coletivamente, as Diretrizes Curriculares para a Educação Pública (PARANÁ, 2006), cuja base teórica fundamentou-se na teoria histórico-crítica. Esse trabalho envolveu os municípios e, muitos seguiram o mesmo direcionamento teórico-metodológico. No entanto, ao entrevistarmos os professores alfabetizadores obtivemos o seguinte resultado: oito disseram trabalhar com o método construtivista e quatro com o método fônico. Ao perguntarmos aos professores como ele alfabetizava com o método construtivista as respostas foram muito parecidas. Diziam eles: - ensinamos as vogais, depois as famílias silábicas na ordem alfabética e depois trabalhamos com diferentes textos para desenvolver a leitura e também para circular, recortar ou copiar palavras com as silabas estudadas. As atividades são preparadas de acordo com o resultado das sondagens 3. É preciso respeitar o ritmo de cada criança, sempre priorizando o nível que os alunos estão. Perguntados por que trabalhavam dessa forma se na proposta constava que a fundamentação teórico-metodológica era histórico-crítica, todos responderam que desconheciam essa proposta e que era assim que sabiam alfabetizar. Os quatro professores que disseram utilizar o método fônico, demonstraram segurança no que faziam. As estratégias de ensino correspondiam com a proposta do método permitindo que a aprendizagem das crianças seguisse um mesmo ritmo de desenvolvimento. Quando perguntados por que a proposta pedagógica da escola dizia uma coisa e eles faziam outra, também disseram desconhecer a proposta e que há alguns anos já trabalhavam com o método fônico, gostavam do método e conseguiam bons resultados. Considerações finais Esse estudo permitiu que compreendêssemos que os resultados das avaliações nacionais estão demonstrando o quanto ainda é preciso transformar no processo de alfabetização. Não estamos aqui defendendo um único método de ensino, mas nossa análise 3 Na obra Psicogênese da língua escrita, de Ferreiro e Teberosky (1999), as escritas das crianças devem ser avaliadas para observar em que níveis se encontram: pré-silábicos, silábicos ou alfabéticos.

16193 confirma que tanto a escola, quanto o professor precisam escolher um único caminho a seguir. Enquanto cada um faz o que sabe, o ensino escolar não se consolida enquanto proposta pedagógica. As respostas dos primeiros professores demonstraram que eles misturam os métodos misto e construtivista, não têm clareza da proposta pedagógica que executam. Esse posicionamento confirma nossa hipótese, ou seja, os alfabetizadores dos anos iniciais do ensino fundamental não identificam as bases teóricas e pedagógicas dos diferentes métodos de alfabetização. Fica evidente que eles não sabem de que método está falando. Nesse emaranhado de informações desencontradas, os dados coletados demonstram que nenhum dos professores tem domínio teórico sobre os métodos de alfabetização. Segundo eles, o mais importante é que as crianças aprendam, por isso valem todas as tentativas pedagógicas. Como explica Mortatti (2000), é necessário rever os pressupostos sobre os quais se baseiam os diferentes métodos e procedimentos utilizados na alfabetização, levantando questões e sugerindo formas de trabalho que auxiliem a superação das dificuldades encontradas por diferentes alunos em sala de aula. É importante enfatizar que não serão apenas mudanças de método e técnicas, que resolverão o problema da alfabetização nacional. O que importa é que tanto a escola como o professor tenha clareza da teoria adotada para saber desenvolver o método que a ela corresponde. REFERÊNCIAS BRASIL. Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social IPARDES. Leituras regionais: Mesorregião geográfica. Noroeste Paranaense. Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social. Curitiba : IPARDES : BRDE, 2004. Disponível em: <http://www.ipardes.gov.br/webisis.docs/leituras_reg_meso_noroeste.pdf>. Acesso em: 02 fev. 2013. BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira-INEP. Ideb 2011: Brasil continua a avançar, 2011. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/web/portalideb/portal-ideb>. Acesso em: 02 fev. 2013. CAPOVILLA, Alessandra Gotuzo Seabra; CAPOVILLA, Fernando César. Alfabetização: método fônico. São Paulo: Memnon, 2002. FERREIRO, Emília; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artmed, 1999.

16194 MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Os sentidos da alfabetização: São Paulo 1876-1994. São Paulo: UNESP/INEP, 2000. MORTATTI, Maria do Rosário Longo. História dos métodos de alfabetização no Brasil. 2006. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/ensfund/alf_mortattihisttextalfbbr.pdf>. Acesso em: 14 abril 2010. PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da Rede Pública de Educação Básica do Estado do Paraná. Secretaria de Estado da Educação/SEED. Superintendência da Educação, 2006 ROSSLER, João Henrique. Construtivismo e alienação: as origens do poder de atração do ideário construtivista. In: DUARTE, N. (org.). Sobre o construtivismo: contribuições a uma análise crítica. Campinas, SP: Autores Associados, 2000. cap. 1, p. 3-22. SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações 9. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2005.