HIERARQUIA NA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA No Brasil, a tributação decorre da utilização de uma série de normas jurídicas distintas. O conjunto dessas regras jurídicas, de diversos tipos, forças e finalidades, relacionadas com o fenômeno da tributação, é conhecido pela expressão legislação tributária (art. 96 do Código Tributário Nacional). 1 - Legislação tributária: tipos, hierarquia e finalidades Os principais componentes da legislação tributária são os seguintes, dispostos de maneira hierarquizada: a) Constituição. É a lei fundamental do Estado. A Constituição ocupa o ápice do ordenamento jurídico, devendo ser observada, acatada e respeitada por todas as outras normas existentes. A Constituição brasileira, de maneira original em relação a outros países, organiza o Sistema Tributário Nacional, fixando quais os tributos existentes (arts. 145, 148 e 149), distribuindo a competência tributária no caso dos impostos (tributos não vinculados) (arts. 153 a 156), estabelecendo as limitações ao poder de tributar (arts. 150 a 152) e dispondo acerca da repartição das receitas tributárias (arts. 157 a 162); b) Emendas à Constituição. São modificações realizadas pelo Congresso Nacional, na condição de Poder Constituinte Derivado, na própria Constituição por intermédio de um processo legislativo especial previsto no art. 60 da Carta Magna ("A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros"), observadas as limitações previstas no seu 4º (conhecidas como "cláusulas pétreas". Entre outras, está o respeito aos direitos e garantias individuais). Ao serem aprovadas, as emendas têm a mesma força das normas constitucionais. Parte significativa das emendas editadas tratam de matéria tributária. c) Leis complementares (ou leis complementares à Constituição). São diplomas legais com a função de complementar dispositivos constitucionais que tratam genericamente de determinadas matérias, normalmente devido a sua complexidade. As leis complementares devem ser aprovadas pela maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional (art. 69 da Constituição). Possuem, em regra, caráter nacional (devem ser obedecidas pelas leis federais, estaduais e municipais) e somente serão editadas para os temas em que o Texto Maior expressamente reclama regulamentação por essa espécie normativa (ADIN n.789).
As leis complementares tributárias tratarão das seguintes matérias: c.1. Conflitos de competência, regulamentação das limitações ao poder de tributar, normas gerais de legislação tributária e definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte (art. 146 da Constituição) c.2. Estabelecer critérios especiais de tributação com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência (art. 146-A da Constituição); O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da AC n. 1.657, entendeu como proporcional e razoável a exigência de regularidade tributária para o exercício da atividade econômica da fabricação de cigarros. Entre outros fatores, observou-se que a diferença a menor no recolhimento do IPI sobre o cigarro tem reflexo superlativo na definição do lucro da empresa fabricante e nas condições de concorrência no setor. c.3. Instituição de empréstimos compulsórios (art. 148, caput da Constituição); c.4. Instituição do imposto sobre grandes fortunas (art. 153, inciso VII, da Constituição); c.5. Instituição de impostos residuais (art. 154, inciso I, da Constituição); c.6. Disciplinamento, no âmbito do ITBD, da situação do doador com residência ou domicílio no exterior e de cujus (falecido) com bens, residência, domicílio ou inventário processado no exterior (art. 155, 1o, inciso III, da Constituição); c.7. Definição, no âmbito do ICMS, de semi-elaborados (art. 155, 2o, inciso X, alínea a, da Constituição); c.8. Disciplinamento de vários aspectos do ICMS (art. 155, 2o, inciso XII, da Constituição); c.9. Definição, no âmbito do ISS, dos serviços a serem tributados (art. 156, inciso III, da Constituição); c.10. Disciplinamento, no âmbito do ISS, das alíquotas máximas e isenções em exportações de serviços para o exterior (art. 156, 3o, da Constituição); c.11. Instituição de "outras contribuições de Seguridade Social" (art. 195, 4o, da Constituição). d) Resoluções do Senado Federal. São diplomas normativos aprovados exclusivamente pelo Senado Federal com a mesma força da lei ordinária. Existem quatro matérias tributárias a serem reguladas pelo Senado Federal por intermédio de Resoluções. Vejamos as hipóteses:
e) Leis ordinárias. São diplomas normativos aprovados pelos parlamentos (Congresso Nacional, Assembléia Legislativa, Câmara Legislativa do Distrital Federal e Câmara de Vereadores) com a função precípua de inovar a ordem jurídica, ou seja, criar ou extinguir, em abstrato, direitos e obrigações. As leis viabilizam a tributação na medida que são os instrumentos de instituição (ou criação) e modificação dos tributos. Cabe à lei estabelecer o fato gerador, a base de cálculo, a alíquota, o sujeito passivo, as penalidades e as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários (art. 97 do Código Tributário Nacional). Nos termos do Código, deve ser entendida como majoração de tributo a ampliação (onerosa para o contribuinte) da base de cálculo. Por outro lado, não constitui majoração de tributo a mera atualização monetária da base de cálculo. f) Tratados e convenções internacionais. São acordos firmados entre Estados soberanos para regular assuntos de interesse comum. No âmbito tributário são muito comuns os tratados para evitar a bitributação. Para "vincular e obrigar" no território nacional, um tratado ou convenção internacional precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional, mediante decreto legislativo (art. 49, inciso I, da Constituição), e ser promulgado e publicado por decreto presidencial (ADInMC n.1.480). Segundo o art. 98 do Código Tributário Nacional, os tratados e convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna e serão observados pela que lhes sobrevenha. Esse dispositivo acende uma polêmica doutrinária acerca da supremacia ou não dos tratados e convenções internacionais sobre a legislação interna. Cabe registrar, no entanto, que as decisões do Supremo Tribunal Federal apontam para a "paridade normativa entre atos internacionais e normas infraconstitucionais de direito interno" (ADInMC n. 1.480 e CR n. 8.279 AgR/AT). Com a edição da Emenda Constitucional n. 45, de 2004 (Reforma do Judiciário) foi inserido o parágrafo terceiro no art. 5o da Constituição estabelecendo expressamente que os tratados sobre direitos humanos, aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais; g) Decretos. São normas jurídicas editadas pelo Chefe do Poder Executivo (Presidente da República, Governador ou Prefeito) com o objetivo de interpretar e detalhar a aplicação prática da lei. Esses diplomas legais não podem inovar a ordem jurídica, ou seja, criar, em abstrato, direitos ou obrigações não previstas em lei. Admite-se, no entanto, a instituição de obrigações instrumentais, viabilizadoras daquelas já previstas em lei, por parte de normas infralegais. No campo tributário são freqüentes os decretos com a função de reunir e consolidar a legislação esparsa acerca de determinado tributo. Assim, tem-se, entre outros, o Regulamento do Imposto de Renda, o Regulamento do IPI, o Regulamento Aduaneiro;
h) Normas complementares. São orientações dadas pelas autoridades administrativas a seus subordinados viabilizando a interpretação uniforme da legislação tributária (REsp n. 460.986). As normas complementares são veiculadas por intermédio de portarias, instruções normativas, ordens de serviço, circulares, pareceres, atos declaratórios, etc. Também são normas complementares os convênios celebrados pelos entes estatais entre si. Por fim, as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de âmbito administrativo, a que a lei atribua eficácia normativa, também se enquadram no gênero em questão. As normas complementares tributárias são assim denominadas no art. 100 do Código Tributário Nacional, ao lado das práticas reiteradas pela administração. Ainda segundo o art. 100, exatamente no parágrafo único, a observância das normas complementares exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo. 2 - Código Tributário Nacional Atualmente, a lei complementar exigida pelo art. 146 da Constituição, notadamente para veicular normas gerais, está representada no Código Tributário Nacional. Originalmente editado como lei ordinária (Lei n. 5.172, de 1966), possui o status (a força) de lei complementar, por conta do princípio, fenômeno ou teoria da recepção (art. 34, 5o, do ADCT - Ato das Disposições ConstitucionaisTransitórias). O princípio, fenômeno ou teoria da recepção consiste basicamente no aproveitamento na nova ordem constitucional de diplomas legais editados perante a ordem constitucional anterior, desde que não conflitem com os mais recentes ditames constitucionais. 3 - Vigência e aplicação da legislação tributária Vigência é a aptidão para incidir, ou seja, produzir efeitos no plano jurídico. Consiste em pressuposto para a incidência e pressupõe a superação da "vacatiolegis" (período compreendido entre a publicação e a vigência). Assim, a vigência está relacionada com a validade formal da lei. Em regra, se não existir um obstáculo ou condicionamento externo, a lei em vigor, porque pronta e acabada, poderá incidir, ser aplicada aos casos concretos pertinentes. As principais regras de vigência de diplomas legais de natureza tributária são as seguintes: a) Lei: 45 (quarenta e cinco) dias depois de publicada em território nacional e 3 (três) meses depois no estrangeiro (art. 1o da LICC - Lei de Introdução ao Código Civil) ou a regra que a própria lei estabelecer. A eficácia da lei tributária no tempo deve observar 2 (dois) condicionantes: a eventual "vacatio legis" e o princípio da anterioridade, inclusive na modalidade qualificada ; b) Atos normativos: na data da publicação, salvo disposição em contrário;
c) Decisões com eficácia normativa: 30 (trinta) dias depois da publicação, salvo disposição em contrário; d) Convênios: na data em que o próprio convênio estabelecer, salvo disposição em contrário. O art. 104 do Código Tributário Nacional veicula regra de vigência no primeiro dia do exercício seguinte para uma série de situações tributárias relacionadas com impostos sobre o patrimônio ou a renda (instituição e majoração de tributos, veiculação de novas hipóteses de incidência e revogação de isenção). É fortíssimo, entretanto, o raciocínio no sentido da revogação desse dispositivo. Com efeito, segundo certas decisões do Supremo Tribunal Federal (ADC n. 1 e ADIn n. 3.694), o princípio da anterioridade diz respeito a produção de efeitos das leis tributárias e não a vigência propriamente. Ademais, para os casos de revogação de isenção, o Supremo Tribunal já decidiu pela imediata produção dos efeitos da medida (RE n. 204.062). A aplicação é o reconhecimento da incidência, em casos concretos, pela autoridade competente. A lei tributária aplica-se a fatos geradores futuros e pendentes. Admite-se, ainda, a aplicação a ato ou fato pretérito quando a lei: a) for meramente interpretativa; b) em se tratando de ato ou fato não definitivamente julgado: deixe de defini-lo como infração, deixe de defini-lo como contrário a ação ou a omissão ou comine penalidade menos severa. Imagine-se a seguinte situação hipotética: a penalidade vigente no momento da ocorrência do fato gerador era de 75% (setenta e cinco por cento), por conta da Lei A, e antes do pagamento do crédito devido, ela foi reduzida para 30% (trinta por cento), por força da Lei B. Assim, na vigência da Lei B, se o ato não estiver definitivamente julgado, o percentual de multa a ser cobrado e pago será de 30% (trinta por cento). O art. 3o da Lei Complementar n. 118, de 2005, veiculou norma interpretativa nos seguintes termos: Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966 Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o 1o do art. 150 da referida Lei. Assim, restou desautorizada a tese dos cinco mais cinco (anos) na repetição de indébito tributário nos casos de tributos submetidos ao lançamento por homologação. A Corte Especial do STJ, por unanimidade, reconheceu a inconstitucionalidade da aplicação retroativa da norma interpretativa (modificativa, segundo a decisão) prevista no art. 3o da Lei Complementar n. 118, de 2005, por ofensa aos princípios constitucionais da autonomia e independência dos poderes e da garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada (AI nos EREsp n. 644.736).
4 - Interpretação e integração da legislação tributária Interpretação é a atividade intelectual com a finalidade de declarar o conteúdo, o sentido e o alcance das regras jurídicas. A interpretação de normas tributárias deve observar algumas definições fixadas explicitamente no Código Tributário Nacional. Nessa linha, ficou consagrada a possibilidade de o legislador adequar conceitos, categorias e formas de direito privado para atingir fins tributários específicos. Essa adequação encontra limite nos conceitos utilizados na Constituição, que não podem ser modificados pelo legislador ordinário (arts. 109 e 110 do CTN). Assim, o legislador pode adotar um instituto de direito privado com efeitos distintos no plano tributário (exemplos: a prescrição tributária extingue o direito, a decadência tributária admite interrupção, a confissão de dívida tributária viabiliza a cobrança do crédito mediante inscrição direta em dívida ativa e independentemente de lançamento direto). Por outro lado, os conceitos presentes na Constituição não podem ser ampliados arbitrariamente pelo legislador (exemplo: charretes não podem ser conceituadas como veículos automotores, nem equiparadas aos mesmos, como forma de viabilizar a tributação pelo IPVA). O STF, como destacado anteriormente, entendeu inconstitucional a ampliação da base de cálculo da COFINS e do PIS pela Lei n. 9.718, de 1998. Houve, segundo o STF, alargamento indevido do conceito de receita bruta para toda e qualquer receita, violando, assim, a noção de faturamento veiculada no art. 195, inciso I, alínea b, da CF, na redação anterior à Emenda Constitucional n. 20, de 1998. Na visão do STF, o conceito de faturamento equivalia ao de receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza (RE n. 357.950 e RE n. 346.084