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DIVULGAÇÃO DE PARECER DO CONSELHO CONSULTIVO N.º 45/ CC /2016 N/Referência: P.º R P 84/2016 STJ-CC Data de homologação: 03-10-2016 Recorrente: Manuela G, Advogada, em representação de Abílio P...e Arlete... R... Recorrido: Conservatória do Registo Predial de Assunto: Palavras-chave: Recusa de registo de aquisição Escritura pública de justificação notarial como título para a aquisição do direito de propriedade com a declaração, inter alia, de que a partir de 1977 os proprietários não mais cobraram renda, nem os arrendatários a pagaram ou sequer depositaram Inscrição de arrendamento em vigor a favor dos justificantes Detenção versus posse Inversão do título da posse. Aquisição Justificação Renda Arrendamento Detenção Posse Inversão do título da posse. PARECER Relatório 1. Manuela G, Advogada, interpõe recurso hierárquico da decisão de qualificação que recusou o registo de aquisição da AP. 13.. de 2016/05/23, no prédio n.º 1621/20140723 da freguesia de C..., concelho de B..., com principal fundamento legal no disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 69.º do Código do Registo Predial (CRP) e nos artigos 1287.º e seguintes do Código Civil (CC), por, no entendimento da Conservatória, o facto não se encontrar titulado nos documentos apresentados, uma vez que a posse exercida pelos justificantes na escritura de justificação apresentada corresponde a um mero direito ao arrendamento. 1.1. O prédio n.º 1621/20140723 contém duas inscrições de aquisição em vigor: a favor de Mariana C..., divorciada AP... de 1914/05/30; e a favor de Manuel M..., casado AP... de 1944/06/19. 1.2. Incide ainda sobre o prédio: Uma inscrição de arrendamento AP... de 1920/06/12 em que figurava inicialmente como sujeito ativo, Manuel P..., casado, e como sujeito passivo, Mariana C..., divorciada pelo prazo de 400 anos, a contar de 15/08/1920; Consecutivos averbamentos de transmissão do arrendamento inscrito, dos quais resulta se encontrar vigente: a favor de Abílio... R... e mulher Ilda. R, casados sob o regime da comunhão geral AP... de 1/12

1977/02/21; e a favor de Abílio P...e mulher Arlete... R..., casados sob o regime da comunhão geral AP... de 1977/05/09. 1.3. O documento base para o registo foi uma escritura de justificação notarial de 24/03/2016, na qual foram justicantes Abílio.P...e mulher Arlete... R..., na qual declararam, além do mais: - [...]. Que são donos e legítimos proprietários dum prédio rústico denominado A, freguesia da C..., concelho de B... [...] inscrito na respetiva matriz, em nome dele justificante Abílio P..., sob o artigo 18 da secção C [...]. - Que o referido prédio está descrito na Conservatória do Registo Predial de sob o número mil seiscentos e vinte e um, da dita freguesia, com a aquisição e arrendamento aí registados nas seguintes proporções: um sexto indiviso a favor de Mariana C... [...]. Cinco sextos indivisos a favor de Manuel M... [...]. Que sobre o identificado prédio incide uma sublocação de metade de arrendamento a longo prazo a favor dele justificante [...]. - Que o referido direito ao arrendamento foi constituído inicialmente pelos avós maternos dele justificante marido, em mil novecentos e vinte, pelo prazo de quatrocentos anos, e, nessa altura, sempre pagaram renda à proprietária. [...]. - Sensivelmente a partir de mil novecentos e setenta e quatro (e com total segurança desde mil novecentos e setenta e sete) os proprietários não mais cobraram renda, nem os arrendatários a pagaram ou sequer depositaram sendo que, nessa altura, os possuidores do prédio eram os pais do justificante, Abílio... R... e mulher Ilda R ambos naturais da dita freguesia de C... e que foram casados sob o regime da comunhão geral e aí residentes, os quais desde esse ano, sempre cultivaram e trataram a terra e retiraram dela proveitos como proprietários, sem nunca ter sido contestada por ninguém tal uso e fruição. - Que, assim, não obstante a dita inscrição, desde aquele ano de mil novecentos e setenta e sete, pelo menos, os pais dele justificante entraram na posse da totalidade do prédio na convicção de que eram os únicos titulares do direito de propriedade, e, posteriormente, após a morte de sua mãe Ilda R em sete de fevereiro de dois mil e três, o seu viúvo Abílio... R... e o filho, o ora justificante e depois da morte de seu pai em vinte e quatro de janeiro de dois mil e nove e até ao presente, o primeiro outorgante como seu único herdeiro conforme escritura de habilitação de herdeiros, outorgada neste Cartório Notarial, anteriormente a esta sempre cultivaram e trataram a terra e retiraram dela proveitos como proprietários, sem nunca ter sido contestada por ninguém tal uso e fruição. - Que essas posses, em ambos os casos sempre de boa fé, igualmente não pagando qualquer renda, [...] posse que sempre exerceram sem interrupção e ostensivamente, com o conhecimento de toda a gente, com ânimo de quem exerce direito próprio, explorando o referido prédio, nele fazendo plantações e dele colhendo os frutos, conservando-o e pagando os respetivos encargos, [...] pelo que dadas as circunstâncias da indicada posse, [...] ele primeiro outorgante e mulher pelo regime de casamento, adquiriram aquele imóvel por usucapião [...]. 2/12

2. No recurso hierárquico, tempestivo, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido, alega-se, entre o mais: - Que o ordenamento jurídico português adota a conceção subjetiva de posse, daí a definição constante do artigo 1251.º do CC, a qual contém presentes os dois elementos da posse: o corpus e o animus; - Que a posse, por certo lapso de tempo e com certas características, conduz ao direito real que indica, isto é, ao fenómeno da usucapião, definido no artigo 1287.º do CC; - Contudo, nos termos do artigo 1290.º do CC a posse é suscetível de levar à dominialidade se houver inversão do título da posse; - Que foi precisamente por configurar detenção a atuação pelos avós maternos do justificante marido, sobre o imóvel, no período de tempo compreendido entre 1920 e 1977, que a escritura de justificação se reporta a esse momento; - No entanto, mais aduz a escritura de usucapião a inversão da mera detenção ou posse precária, em posse contendo os dois elementos definidores: o corpus e o animus. - Mostrando-se assim preenchidos os requisitos de corpus e o animus por parte do justificante e seus antecessores, desde o momento da sua aquisição (1977) como do da sua conservação, até ao presente. 2.1. Invoca-se, em abono do pensamento indicado, inúmera jurisprudência, nomeadamente, do Supremo Tribunal de Justiça Acórdão de 17/04/2008 do Tribunal da Relação de Coimbra Acórdão de 17/11/2009 e do Tribunal da Relação de Lisboa Acórdão de 09/12/2008. 2.2. Conclui-se que no caso em apreço, os justificantes exteriorizaram uma vontade categórica de possuir em nome próprio, revelada ostensivamente por atos positivos de oposição ao proprietário: posse pública, pacífica e do conhecimento de todos, assim como deixaram de pagar a renda e passaram a pagar os encargos, impostos relativos ao prédio, desde 1977, ou seja, com verdadeiro animus sibi habendi. 2.3. Termina-se por requerer a procedência do recurso por falta de fundamentação legal do despacho proferido 1 ou, caso assim não se entenda, porque a escritura de justificação é título bastante e suficiente para justificar a posse, que conduziu à aquisição do prédio por usucapião. 1 Quanto a este ponto, há que convocar as disposições pertinentes do Código de Processo Civil (CPC), enquanto direito subsidiário (artigo 156.º do CRP). No que respeita aos fundamentos da decisão, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPC, é nula a sentença quando: Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão ou Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Contudo, julgamos que não faltam ao despacho nem os fundamentos de direito ou os fundamentos de facto: invoca-se a norma registal que fundamenta a recusa o artigo 69.º, n.º 1, al. b) bem como as normas de direito substantivo pertinentes 1287.º e ss. do CC bem como se afirma que a posse exercida pelos justificantes que aí figuram corresponde a um mero direito ao arrendamento, o que equivale a dizer uma posse precária ou a título de meros detentores. 3/12

3. No despacho de sustentação, previsto no artigo 142.º-A, n.º 1, do CRP, que se dá aqui por integralmente reproduzido, é sustentada a qualificação e explicitado que tendo os justificantes a posse de locatários não a podem invocar para adquirir o direito de propriedade, pois, nos termos do disposto no artigo 1287.º do CC, o possuidor apenas tem a faculdade de adquirir o direito a cujo exercício corresponde a sua atuação. Afirma-se também que o locatário é havido como detentor ou possuidor precário, o qual tem a detenção da coisa, mas não exerce os poderes de facto com o animus de exercer o direito real correspondente. Para a Conservatória, o não pagamento da renda consubstancia um mero incumprimento contratual e não corolário com vista à invocação de posse tendente à aquisição do direito real de propriedade. 4. O processo é o próprio, as partes têm legitimidade e o recurso é tempestivo, pelo que cumpre apreciar. APRECIAÇÃO 1. A posse é um produto do Direito Romano 2. Porém, acolá, nem todos os que tinham o poder de facto eram possuidores. Diferenciava-se a possessio naturalis da possessio. A possessio naturalis, de acordo com as fontes maioritárias, significa a detenção, não uma verdadeira posse, isto é, o detentor também tem o elemento de facto que está na base da posse, mas, não tendo intenção de exercer um direito próprio, o animus possidendi, atua em nome e por conta de outra pessoa, esta a verdadeira possuidora. Por confronto com a detenção, a simples possessio é a posse, a qual envolve um elemento material possidere corpore ou corpus e um elemento subjetivo - animus possidendi, possidentis, animus domini ou animus rem sibi habendi, etc. Por conseguinte, para os romanos, quem tem o possidere corpore sem o animus possidendi é mero detentor. 1.1. Constatando-se na doutrina a complexidade da noção de posse 3, manifestaram-se historicamente duas teorias contrapostas acerca dos elementos da posse, aparentemente limitadas pelos textos romanos: a teoria subjetivista da posse de SAVIGNY e a teoria objetivista de JHERING 4. Para a primeira, a teoria clássica da posse, só pode ser possuidor o que, para além da detenção, tiver o animus, isto é, a intenção de ser proprietário, mesmo que não o seja e não o saiba, pelo que, de acordo com esta teoria, a posse desdobra-se em dois elementos: o elemento físico da relação material entre um sujeito e uma coisa, a designada detenção de 2 JOSÉ ALBERTO C. VIEIRA, Direitos Reais, Coimbra: Coimbra Editora, 2008, pp. 514 e ss. 3 ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, A Posse: Perspectivas Dogmáticas Actuais, Coimbra: Almedina, 1997, pp. 8-11. 4 FRIEDRICH CARL SAVIGNY, Das Recht Des Besitzes, Darmstadt, 1967 (Reimpressão da 7. Auflage, Wien, 1865) e RUDOLF JHERING, Über den Grund des Besitzesschutzes Eine Revision der Lehre vom Besitz (Reimpressão da 2. Auflage, Jena, 1869), apud JOSÉ ALBERTO C. VIEIRA, Direitos Reais, cit. 4/12

SAVIGNY ou o atualmente mencionado corpus, e o animus, o qual para o autor era a vontade de atuar como proprietário, ou a vontade de atuar como titular de um direito real de gozo. Assim, sem o animus, não existe posse, mas mera detenção. Para a teoria objetivista, a posse contém um elemento real, o corpus possessório, e a intenção inerente à ação do possuidor. Pensando o corpus como contendo em si o animus, a vontade de atuar como titular de um direito real, havendo corpus, só não haverá posse se existir uma norma jurídica concreta que qualifique a situação como mera detenção 5. 1.2. Entre nós, a posição subjetivista é ainda maioritária, quer na doutrina, quer na jurisprudência 6. MANUEL RODRIGUES, na sua obra jurídica clássica A Posse, defendeu que a posse é constituída por dois elementos, o corpus e o animus possidendi, apadrinhando a teoria subjetivista 7. Seguiram a mesma perspetiva, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, HENRIQUE MESQUITA, MOTA PINTO, ORLANDO DE CARVALHO, SANTOS JUSTO, JOSÉ TAVARES, DIAS MARQUES, PAULA COSTA E SILVA, RUI PINTO e CUNHA GONÇALVES. Todavia, advogam a conceção objetivista da posse, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO 8, OLIVEIRA ASCENSÃO, CARVALHO FERNANDES e MENEZES LEITÃO. 1.3. Naturalmente, quanto à questão de saber qual a teoria da posse constante do Código Civil português, em face do disposto no artigo 1251.º do CC e essencialmente no determinado no artigo 1253.º, a) do CC, os autores subjetivistas defendem a consagração da teoria subjetivista na ordem jurídica portuguesa, manifestando os autores objetivistas que o Código Civil português é integralmente objetivista em sede de regulação da posse 9. 5 Para JOSÉ ALBERTO C. VIEIRA, Direitos Reais, cit., p. 532, As duas teorias exprimem uma visão muito diferente da posse. Enquanto a teoria subjetivista deixa a decisão sobre a posse com o possuidor, na perscrutação da sua vontade relativamente à situação, numa estranha renúncia à ordenação jurídica pelo Direito, a teoria objetivista atribui à lei o critério de aferição de uma situação como posse ou detenção. Sempre que um sujeito tenha a posse em seu poder, existe posse, a não ser que, por força de uma norma legal concreta, a posse lhe seja negada. 6 Cf. JOSÉ ALBERTO C. VIEIRA, Direitos Reais, cit., pp. 534-536 e MARGARIDA COSTA ANDRADE, (Alguns) Aspectos polémicos da posse de bens imóveis no direito português, Cadernos do Cenor, Centro de Estudos Notariais e Registais, N.º 1, Coimbra: Coimbra Editora, pp. 87-88. 7 MANUEL RODRIGUES, A Posse. Estudo de Direito Civil Português, in FERNANDO LUSO SOARES, Ensaio sobre a Posse como fenómeno social e instituição jurídica, Coimbra: Almedina, 1980, p. 89. 8 Na verdade, o autor constata que o Código Civil português consagra um sistema misto, ou melhor (como o próprio escreve), sobreposto. Cf. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, A Posse: Perspectivas Dogmáticas Actuais, cit., p. 64. 9 Assim também JOSÉ ALBERTO C. VIEIRA, Direitos Reais, cit., pp. 538-545. Diz o autor: [...]. Havendo corpus possessório e não incidindo nenhuma norma jurídica que descaracterize a situação para a mera detenção, nomeadamente qualquer das alíneas do art. 1253.º, existirá posse. O animus não é, assim, um dos elementos da posse. MARGARIDA COSTA ANDRADE, (Alguns) Aspectos polémicos da posse [...]., cit., p. 91, afirma, diferentemente, que o Código Civil português adota uma posição subjetivista, contudo, mitigada. No seguimento, são dois os elementos constitutivos da posse: o corpus, o exercício de poderes de facto sobre a coisa, ao qual deve juntar-se o animus, que é a vontade de agir como titular do direito correspondente aos atos realizados. 5/12

1.4. Em suma, sendo fundamental a distinção entre posse e detenção para inúmeros efeitos (cf. artigos 1268.º, 1276.º e ss., 1284.º, 1270.º, n.º 1, 1273.º a 1275.º, 1269.º e 1290.º do CC), para os defensores da teoria subjetivista o detentor é aquele que, tendo embora o corpus da posse, a detenção da coisa, não exerce o poder de facto com o animus de exercer o direito real correspondente (animus possidendi) 10, enquanto que para os seguidores da teoria oposta, a detenção resulta da descaracterização, pela lei ou através do título constitutivo da posse, de certo comportamento como corpus sucessório 11-12. 2. Não obstante as diferentes conceções doutrinárias, a norma fundamental no âmbito da detenção, no regime da posse, é o artigo 1253.º do CC. Iniciando o artigo 1251.º do mesmo código por nos dar o conceito de posse como poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real, são depois considerados como detentores ou possuidores precários: a) os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito; b) os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito; c) os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem. 2.1. No que respeita à alínea a) do artigo 1253.º, são divergentes as interpretações do preceito consoante a conceção de posse seguida. Para uns, não pode haver a intenção de agir como beneficiário do direito, pelo que o poder que se exerce é precário 13 ; para outros, a intenção a que se refere a norma é a declarada, deve ser exteriorizada por quem exerce os poderes de facto, com manifestação expressa ou tácita da vontade, para que não se seja tido como possuidor precário ou detentor 14. A alínea b) refere-se aos denominados atos de mera tolerância, portanto às hipóteses em que se consente a alguém o aproveitamento material da coisa, sem que haja lugar à constituição de qualquer direito a favor do beneficiário da autorização. A alínea c) do artigo 1253.º 10 Nesse sentido, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado (com a colaboração de HENRIQUE MESQUITA) Vol. III, 2.ª Ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1987, p. 9. 11 Assim, LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, Lições de Direitos Reais, 6.ª Ed., Lisboa: Quid Juris, 2010, p. 292. 12 Neste contexto, para os seguidores da teoria objetivista, o locatário (artigo 1037.º, n. 2 do CC), o parceiro pensador (artigo 1125.º, n.º 2 do CC), o comodatário (artigo 1133.º, n.º 2) e o depositário (artigo 1188.º, n.º 2 do CC), por exemplo, são verdadeiros possuidores e não detentores. Dispõem das ações possessórias, da posse, ainda que não extensiva à usucapião. Trata-se, agora, do exercício de poderes inerentes a certo direito, que preencheria os requisitos do corpus, mas é descaracterizado como posse com base no seu próprio título jurídico. A faculdade jurídica de usar ou fruir determinada coisa integra o conteúdo específico de um direito de outra natureza, que não o direito de propriedade. Para quem adote a posição subjetivista serão autênticos detentores. 13 Cf. MANUEL HENRIQUE MESQUITA, Direitos Reais: Sumário das Lições ao Curso de 1966-1967, Coimbra, 1967, pp. 68-69. 14 Cf. LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, op. cit., pp. 290-291 e JOSÉ ALBERTO C. VIEIRA, Direitos Reais, cit., pp. 553-554. 6/12

consagra as situações em que alguém possui em nome de outrem. Abrange os casos dos representantes ou mandatários do possuidor, bem como do locatário, do comodatário, do depositário, etc. 15. 2.2. Por conseguinte, julgamos ser para todos pacífico que o titular do direito de arrendamento é sempre detentor quanto à propriedade, possuindo em nome de outrem quanto a este direito. No entanto, poderá adquirir a posse em termos de propriedade, precisamente por uma das formas previstas na lei de aquisição originária da posse, isto é, por inversão do título da posse. 2.3. É o instituto previsto nos artigos 1263.º, alínea d), e 1265.º do CC, o qual se deve complementar com o disposto nos artigos 1290.º e 1406.º, n.º 2, do mesmo código. Por esta via de aquisição originária e instantânea da posse 16, sinteticamente, opera-se a conversão de uma situação de mera detenção em verdadeira posse. Acompanhando ORLANDO DE CARVALHO, o processo de inversão implica dois pressupostos: que o inversor já esteja antes numa situação de detenção e que passe a agir em termos de um direito real, ou de um direito real mais denso do que aquele em termos do qual agia, e essa intenção seja não só inequívoca como sindicável. 2.4. Como claramente se estatui no artigo 1265.º, pode dar-se por oposição do detentor contra aquele em cujo nome possuía ou por ato de terceiro capaz de transferir a posse. No primeiro caso, o mero detentor da coisa passa a assumir manifestamente uma posição real mais intensa do que aquela que vinha usufruindo. No segundo caso, um terceiro transfere ou constitui um direito real em benefício do referido detentor, o qual, ao intervir nessa transferência ou constituição, passa a assumir essa posição real. A inversão do título da posse determina a aquisição da posse na medida do direito a que o detentor passa a referir a sua atuação sobre a coisa. Detenhamo-nos na primeira hipótese e em exemplos aflorados pela doutrina (sempre que possível que respeitem ao arrendamento), compreendendo, na investigação, seguidores de ambas as teorias sobre a posse. 3. Para MANUEL RODRIGUES, a oposição deve resultar de atos inequívocos, isto é, deve significar que o detentor quer, doravante, possuir para si, através de ações positivas. Não há inversão quando o detentor deixa de cumprir as obrigações impostas pelo ato jurídico em virtude do qual detém. E assim, assegura, não inverte o título o arrendatário que não paga a renda. Assume a posição de que a recusa do pagamento das rendas deve ser acompanhada da explicitação pelo arrendatário de que as não paga por se considerar proprietário 17. 15 Quanto ao exemplo do locatário, enunciam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. III, cit., p. 9, que as realidades do artigo 1253.º complementam-se, pelo que o locatário, não age como beneficiário do direito de propriedade (alínea a)) e é um possuidor em nome alheio (alínea c)). 16 Cf. ORLANDO DE CARVALHO, Direito das Coisas, (Coord.: FRANCISCO LIBERAL FERNANDES, MARIA RAQUEL GUIMARÃES e MARIA REGINA REDINHA), 1.ª Ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2012, pp. 299-309. 17 MANUEL RODRIGUES, A Posse. Estudo de Direito Civil Português, cit., pp. 232-233, nota a). 7/12

3.1. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA exemplificam também com o caso do arrendatário que, em certo momento, se recusa a pagar as rendas com o fundamento de que o prédio é seu. Em face da hipótese, afiançam que é preciso um ato de oposição contra a pessoa em cujo nome o opoente possuía, devendo o detentor dar-lhe a conhecer, judicial ou extrajudicialmente, a sua intenção de atuar como titular do direito 18. 3.2. No mesmo sentido, HENRIQUE MESQUITA. A oposição há de manifestar-se por atos positivos, inequívocos e praticados na presença ou com o conhecimento daquele a quem se opõem. O exemplo é igual: o arrendatário recusa o pagamento da renda ao senhorio com o fundamento de que o prédio lhe pertence 19. 3.3. ORLANDO DE CARVALHO acentua que a oposição deve ser séria, traduzida num propósito sério de se fazer valer. Distinguindo entre oposição explícita e implícita, afirma que a primeira é a oposição formal, por meios notificativos diretos e levada ao conhecimento do possuidor, na qual a declaração é que é importante, pois na sua ausência os atos complementares seriam equívocos. Reproduzimos. É o caso do arrendatário que não permite o exame da coisa locada ou se recusa ao pagamento da renda [...]. Sem a declaração de oposição esses atos poderiam constituir atos de mero incumprimento. A declaração é que os qualifica, embora eles traduzam a seriedade do propósito contraditório 20. 3.4. Fazendo a mesma reflexão, SANTOS JUSTO diz que o caso mais corrente de oposição do detentor contra aquele em nome de quem possuía é o do arrendatário que, em certo momento, se recusa a pagar a renda, afirmando que o prédio lhe pertence. Mas exige também que a intenção do detentor de atuar como titular do direito seja comunicada, por via judicial ou extrajudicial, à pessoa em nome de quem possuía 21. 3.5. MENEZES CORDEIRO expõe que não basta ao mero detentor o efetivo controlo da coisa para que ocorra a inversão do título da posse, mas antes uma atuação efetiva contra o possuidor de tal modo que, com publicidade, seja cognoscível pelos interessados a verdadeira posse em nome próprio. Alude à jurisprudência onde se entendeu que o simples não pagamento da renda, pelo locatário, não constituía inversão, mau grado estar aí em causa uma falta de pagamento que se prolongou por 50 anos! 22 3.6. OLIVEIRA ASCENSÃO explica que a oposição tem de ser categórica, de modo a sobrepor-se à aparência que era representada pelo título. Coloca a seguinte hipótese: se o usufrutuário declara perentoriamente que é ele 18 PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. III, cit., p. 30. 19 MANUEL HENRIQUE MESQUITA, Direitos Reais: Sumário das Lições ao Curso de 1966-1967, cit., pp. 98-99. 20 ORLANDO DE CARVALHO, Direito das Coisas, cit., pp. 300-301. 21 A. SANTOS JUSTO, Direitos Reais, 3.ª Ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2011, pp. 194-195. 22 A exclamação é do texto original. Cf. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, A Posse: Perspectivas Dogmáticas Actuais, cit., p. 106. 8/12

quem é o proprietário, que apenas por engano agiu a título de usufrutuário, e faz saber ao proprietário da sua oposição 23. 3.7. No entendimento de CARVALHO FERNANDES, se a inversão exige a oposição do detentor contra aquele em cujo nome possuía, para operar, é necessário que o comportamento exterior do detentor signifique essa alteração do título por quem pratica os atos de exercício do direito. É a circunstância em que o locatário de um prédio rústico se recusa a pagar a renda e, arrogando-se direito ao prédio, altera o seu sistema de exploração, cortando, por exemplo, um pinhal nele existente para passar a fazer culturas de sequeiro 24. 3.8. Para MENEZES LEITÃO, na primeira modalidade de inversão do título da posse, o detentor pratica atos que contradizem a situação de estar a possuir em nome alheio. Os atos terão de indiciar inequivocamente que o detentor quer doravante passar a possuir em nome próprio, não se podendo inferir essa inversão de simples omissões. Por isso, escreve, o facto de o arrendatário não pagar as rendas não constitui inversão do título, antes comporá a falada inversão o facto de o arrendatário comunicar ao proprietário que o motivo porque não paga as rendas é o de se ter passado a considerar proprietário 25. 3.9. Por último, mas não menos importante, JOSÉ ALBERTO VIEIRA, o qual considera que por oposição do detentor se deve entender que: i) a oposição pode ser material (v.g., construção de um muro à volta da casa), constituir um ato jurídico (v.g., pagamento da contribuição autárquica) ou assumir as duas formas; ii) a oposição pode ser judicial ou extrajudicial; e iii) quando a oposição não for comunicada ao possuidor, deve ser exteriormente reconhecível por este e significar, sem margem para dúvidas, a afirmação de um direito próprio pelo detentor, diverso do anterior. Prossegue: A não entrega da coisa no final do prazo contratual, o incumprimento de obrigações, como é o caso do não pagamento das rendas ao senhorio, a controvérsia sobre a validade do contrato ou sobre as obrigações das partes, por exemplo, não têm por si só o significado correspondente a uma inversão do título da posse se não forem acompanhados da afirmação inequívoca de um direito próprio sobre a coisa 26. 4. A posse é a base para a usucapião, emergindo esta no Código Civil no contexto da posse, nos artigos 1287.º a 1301.º. A doutrina alude à posse boa para a usucapião, quando, através dela, se permite a aquisição de um 23 JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil. Reais, 5.ª Ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p. 92. 24 LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, op. cit., pp. 313-314. Pode aí ler-se também (p. 293): [...], tal como o arrendatário não adquire a propriedade do local arrendado, se deixar de pagar a renda por mais de vinte anos, também o superficiário não adquire a propriedade do solo se deixar de pagar o cânon superficiário durante igual período de tempo, salvo se houver usucapião em seu benefício, o que pressupõe inversão do título. 25 LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, 3.ª Ed., Coimbra: Almedina, 2012, p. 136. 26 JOSÉ ALBERTO C. VIEIRA, Direitos Reais, cit., pp. 590-591. 9/12

direito real de gozo, por, designadamente, a posse ser pública e pacífica, se ter verificado o decurso do tempo necessário e ser invocada subsequentemente pelo interessado. 4.1. Assim, define-se a usucapião como a constituição, facultada ao possuidor, do direito real correspondente à sua posse, desde que esta assuma determinadas características e se tenha mantido pelo lapso de tempo determinado na lei 27. 4.2. Mas, como vimos, a usucapião é privativa da posse em sentido próprio, pois a mera detenção ou posse precária não permite a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a atuação, a não ser que se transforme em verdadeira posse por inversão do título. Podemos então acrescentar que a posse boa para usucapião é uma verdadeira posse. 4.3. É o que resulta expressamente do artigo 1290.º do CC: apenas os detentores ou possuidores precários que hajam invertido o título da posse e sejam, dessa forma, verdadeiros possuidores, podem beneficiar da usucapião. Nesse caso, o tempo necessário para a usucapião só começa a correr desde a inversão do título. 5. Resta-nos então apreciar se na escritura pública de justificação apresentada a registo está consignada a inversão do título da posse. 5.1. De acordo com o título, a posse que poderia ser geradora da usucapião é a posse dos pais do justificante marido, que a partir de 1977 não mais pagaram renda, os quais desde esse ano sempre cultivaram a terra e retiraram dela proveitos como proprietários, sem nunca ter sido contestada por ninguém tal uso e fruição, pelo que, pelo menos desde 1977, os pais dele justificante entraram na posse da totalidade do prédio na convicção de que eram os únicos titulares do direito de propriedade, com posterior sucessão naquela posse por parte dos justificantes (artigo 1255.º do CC). Destaque nosso. 5.2. Contudo, estamos convictos de que as declarações prestadas não são suficientes para se dar por concretizada a inversão do título da posse e, como vimos, por força do disposto no artigo 1290.º do CC, os detentores ou possuidores precários só podem adquirir por usucapião achando-se invertido o título da posse. 5.3. Com efeito, a declaração de oposição é que é determinante, porquanto, sem ela, o ato complementar como o de não pagamento da renda é equívoco, podendo simplesmente constituir um ato de mero incumprimento. Acresce que, para que a inversão se verifique e o detentor ou possuidor precário possa adquirir a posse, aquela declaração tem de ser levada ao conhecimento do então possuidor (proprietário). 5.4. Da escritura pública de justificação trazida a registo retiram-se declarações relativas ao não pagamento da renda, a partir de determinada data, mas não declarações referentes ao motivo do não pagamento, como sejam, 27 Cf. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, A Posse: Perspectivas Dogmáticas Actuais, cit., p. 129. 10/12

declarações feitas pelos pais do justificante aos então proprietários de que o não pagamento da renda era causado por se arrogarem titulares do direito de propriedade sobre o prédio rústico. 5.5. Não pretendemos com isto afirmar que na escritura pública de justificação a contraditio tem que ser provada (judicial ou extrajudicialmente), pois esta não constitui título de usucapião, mas apenas título bastante para o registo, antes significa que deve conter referência a essa declaração de oposição o que permitirá a qualificação inequívoca dos atos complementares como de inversão do título da posse. 5.6. No fundo, é a referência a essa declaração de oposição que irá permitir estabelecer a distinção entre detentor e possuidor para os efeitos do artigo 1290.º supracitado. 5.7. Com o que, julgamos ser manifesto que o facto não está titulado no documento apresentado, devendo o registo ser recusado (artigo 69.º, n.º 1, b) do CRP) 28. Em conformidade, propomos a improcedência do recurso e formulamos as seguintes, CONCLUSÕES I De acordo com o artigo 1253.º, alínea c) do Código Civil são havidos como detentores ou possuidores precários os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem. O titular do direito de arrendamento é detentor, possuindo em nome de outrem quanto ao direito de propriedade, podendo adquirir a posse em termos de propriedade por uma das formas previstas na lei de aquisição originária da posse, isto é, por inversão do título da posse. II Através do instituto da inversão do título da posse, opera-se a conversão de uma situação de mera detenção em verdadeira posse, estatuindo o artigo 1265.º do Código Civil que pode dar-se por oposição do detentor contra aquele em cujo nome possuía ou por ato de terceiro capaz de transferir a posse. Na primeira modalidade, é preciso um ato positivo e inequívoco de oposição contra a pessoa em cujo nome o opoente possuía, devendo o detentor dar-lhe a conhecer, judicial ou extrajudicialmente, a sua intenção de atuar como titular do direito. III Da escritura pública de justificação notarial que contém a afirmação, inter alia, de que a partir de 1977 os proprietários não mais cobraram renda, nem os arrendatários a pagaram ou sequer depositaram [...] os quais desde esse ano, sempre cultivaram e trataram a terra e retiraram dela proveitos 28 Sobre a usucapião de prédio onerado vide Processo n.º R.P. 167/2010 SJC-CT, ponto 2.4. 11/12

como proprietários, sem nunca ter sido contestada por ninguém tal uso e fruição não se retiram declarações suficientes para se dar por concretizada a inversão do título da posse. Parecer aprovado em sessão do Conselho Consultivo de 28 de setembro de 2016. Blandina Maria da Silva Soares, relatora, Maria Madalena Rodrigues Teixeira, António Manuel Fernandes Lopes, Luís Manuel Nunes Martins. Este parecer foi homologado em 03.10.2016 pelo Senhor Vogal do Conselho Diretivo, em substituição. 12/12